CALCINOSE ENZOÓTICA EM BEZERROS NO AGRESTE MERIDIONAL DE PERNAMBUCO - RELATO DE DOIS CASOS

 

Alonso Pereira Silva Filho1, José Augusto Bastos Afonso2, Antônio Flávio Dantas3, Franklin Riet-Correa3, José Cláudio de Almeida Souza4, Pedro Leopoldo Jerônimo Monteiro Junior5, Carla Lopes de Mendonça2, Nivaldo Azevedo Costa2.

1. Residente da Clínica de Bovinos, Campus Garanhuns da Universidade Federal Rural de Pernambuco - (UFRPE). E-mail: cbg@prppg.ufrpe.br (autor correspondente)

2. Médico Veterinário, doutor, Clínica de Bovinos, Campus Garanhuns - UFRPE

3. Médico Veterinário, doutor, professor do Curso de Medicina Veterinária, Campus Patos, UFCG

4. Médico Veterinário, PhD, Professor da Unidade Acadêmica de Garanhuns - UFRPE

5. Aluno de Mestrado do Programa de Pós Graduação em Ciências Veterinárias - UFRPE

 

PALAVRAS-CHAVE: Bovino, calcificação intravascular, plantas calcinogênicas.

 

ABSTRACT

 

ENZOOTIC CALCINOSIS IN CALVES FROM THE HINTERLAND OF PERNAMBUCO STATE: TWO CASE STUDIES

Enzootic calcinosis has been reported around the world and is associated with ingestion of calcinogenic plants. In Brazil, Nierembergia veitchii and Solanum malacoxylon have been found to affect sheep in Rio Grande do Sul and cattle in Mato Grosso's Pantanal, respectively. The active principle of these plants is similar to vitamin D. Cases of disseminated intravascular coagulation of unknown etiology are often observed in Mato Grosso State, affecting both cattle and sheep. This work discusses two cases of enzootic calcinosis that ocurred in March 2008 in CBG – UFRPE. They were based on clinical and pathological analysis of two semi-extensively reared calves from the hinterland of Pernambuco State. Clinical findings revealed hindquarter incoordination, quickly evolving to prostration in a period of 10 days, and progressive weight loss that resulted in cachexia, hypophonesis, and tachycardia. Many kinds of treatment were used, such as polivitaminics, antimicrobial and antiinflammatory drugs, and mineralization, all of which were not successful in relieving symptoms.

 

KEYWORDS: Bovine, calcinogenics plants, intravascular calcification.

 

 

INTRODUÇÃO

A calcinose enzoótica, doença com quadro de calcificação sistêmica, já foi relatada em diversas regiões do mundo associada ao consumo de plantas que possuem glicosídios com atividade análoga a vitamina D. No Brasil já foram encontradas a Nierembergia veitchii acometendo ovinos no Rio Grande do Sul e a Solanum malacoxylon que é responsável pelo “espichamento” em bovinos no Pantanal do Mato Grosso (BOABAID et al., 2006). As duas plantas ocorrem em áreas diferentes, S. malacoxylon em lugares baixos, inundados, afetando, sobretudo bovinos e a N. veitchii é uma planta rasteira de lugares elevados e distribuição bastante ampla no Rio Grande do Sul, afetando mais ovinos, porém só as áreas onde ela ocorre em maior quantidade correspondem aos locais de incidência da doença (TOKARNIA et al., 2000).

O princípio ativo da S. malacoxylon, já foi determinado e trata-se de um glicosídeo esteroidal, que contém como componente ativo a molécula hormonal da vitamina D (1,25 (OH)2D3), onde após hidrólise, atua biológica e cromatologicamente como o metabólito ativo da vitamina D. A N. veitchii também, tem princípio tóxico com ação biológica semelhante a esta vitamina (TOKARNIA et al., 2000). Essa substância quando ingerida compromete o mecanismo de regulação, e como conseqüência, quantidades excessivas de CaBP (calcium binding protein) são sintetizados e, quantidades elevadas de cálcio e fósforo são absorvidas. A conseqüência é hipercalcemia e hiperfosfatemia (WASSERMAN, 1978).

A calcificação dos tecidos moles causada pela ingestão de plantas calcinogênicas, assim como na intoxicação pela vitamina D, parece ser o resultado, em primeiro lugar, da ação direta do 1,25 (OH)2D3, sobre determinadas células alvo, como as da parede arterial, do miocárdio e sobre as células musculares lisas da parede do estômago e do intestino. Estas células-alvo assim alteradas seriam as responsáveis pela síntese de uma matriz extracelular modificada, a qual criaria condições propícias à mineralização dos tecidos. (BARROS et al. 1981; MORAÑA et al., 1994). Quadros de Calcinose Enzoótica de etiologia indefinida tem sido observados com freqüência em áreas de cerrado no Estado de Mato Grosso, afetando bovinos e ovinos sem uma causa bem definida (GASPARETTO et al. 2009).

O objetivo deste trabalho foi descrever os achados clínicos e anatomo-patológicos da calcinose enzoótica em dois bovinos jovens atendidos na Clínica de Bovinos Campus - Garanhuns da Universidade Federal Rural de Pernambuco (CBG-UFRPE).

 

 

 

MATERIAL E MÉTODO

Foram avaliados os dados clínicos de dois bovinos com calcinose enzoótica atendidos na CBG – UFRPE, criados semi-extensivamente, oriundos do agreste de Pernambuco, onde se acompanhou a evolução clínica e os achados anatomo-patológicos dos animais. Na anamnese o proprietário relatou que os animais acometidos apresentavam incoordenção dos membros posteriores evoluindo para prostração em um período de 10 dias. O exame clínico, observando todos os parâmetros vitais, foi realizado de acordo com DIRKSEN et al. (1993). Ambos foram necropsiados e amostras teciduais foram coletadas, conservada em formalina a 10% e enviadas para análise histopatológica, onde foram coradas pela técnica de hematoxilina-eosina (HE).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os casos atendidos foram de duas fêmeas da raça holandesa, de aproximadamente um ano de idade, entretanto, segundo SANTOS (1986), a calcificação primária da túnica média é observada em bovinos com mais de 3-4 anos de idade e em cavalos velhos. Tal enfermidade surge em bovinos intoxicados por S. malacoxylon, ocorrendo uma acentuada destruição das fibras elásticas da túnica, com desaparecimento das mesmas. Estudos mais recentes, realizados através de experimentos em bovinos de um a dois anos de idade relatam que foram observadas lesões características da enfermidade, embora se acredite que animais adultos sejam mais sensíveis (TOKARNIA et al., 2000).

A doença ocorreu durante o mês de março no agreste pernambucano, salientando que nesta região não é comum encontrar plantas calcinogênicas conhecidas. BARROS et al. (2001), relatam a observação de casos clínicos de calcinose enzoótica por entre os meses de outubro a fevereiro, quando existe maior quantidade da planta N. veitchii. Os casos diferem geográfica e sazonalmente em relação aos descritos associados ao consumo de S. malacoxylon, que ocorre na época das secas, em áreas alagáveis e argilosas (WORKER & CARRILLHO, 1967; DÖBEREINER et al., 1971). Situação como a relatada neste caso é descrita por Gasparetto et al. (2009), que relataram casos clínicos da calcinose em bovinos em propriedades que não havia a presença de plantas calcinogênicas conhecidas.

Nos casos atendidos os animais eram alimentados com pasto nativo (braquiaria, pangola e palma) e concentrado (farelo de milho e mandioca / dois quilos por dia), recebiam suplementação mineral própria para bovinos, eram vermifugados recentemente e vacinados contra clostridioses, raiva e aftosa, foram medicados com vitamina B1, anti-tóxico e dexametazona por 10 dias, sem apresentar melhora clínica. GASPARETTO et al. (2009), observaram aspectos clínicos e patológicos da calcinose enzoótica em área de cerrado no Estado do Mato Grosso, onde os animais eram criados extensivamente em pastagens extremamente degradadas com predomínio de plantas invasoras nativas, e também não apresentaram resposta ao tratamento com polivitamínicos, antimicrobianos e mineralização.

Nos achados clínicos os animais apresentavam-se em decúbito esterno-lateral, agitados, febre, linfonodos pré-escapulares aumentados, áreas de abafamento no campo pulmonar, taquicardia, emagrecimento progressivo evoluindo para caquexia, além de dificuldade de locomoção com andar rígido, ficando muito tempo deitado. Com agravamento do quadro clínico evoluíram para óbito. Sintomatologias semelhantes foram descritas por DOBEREINER et al. (1971) e TOKARNIA et al. (2000), em casos de calcinose enzoótica, e acrescentam que na palpação pode-se perceber a calcificação das artérias carótidas e femurais e, em alguns casos, na auscultação, constata-se uma acentuada insuficiência da válvula mitral ou das semilunares aórticas.  Para TOKARNIA et al. (2000), os primeiros sintomas da intoxicação por S. malacoxylon são observados poucas semanas após o início da ingestão de pequenas quantidades da planta, enquanto que o quadro de hipercalcemia e hiperfosfatemia ocorrem rapidamente (em horas).

Na macroscopia observou que os principais achados se localizavam no sistema cardiovascular e respiratório. Com variáveis graus de deposição de minerais nas artérias, válvulas bicúspide, semilunares do tronco aórtico e miocárdio, apresentando várias placas de tamanho variáveis, superfície irregular, coloração branco-amarelada, textura firme, espessada e sem elasticidade. Essas placas difundiam-se por grande extensão na íntima dos ramos ascendente e descendente do tronco aórtico, corroborando com TOKARNIA et al. (2000) e GASPARETTO et al. (2009), que relataram lesões semelhantes a estes. Entretanto foi observada ainda a deposição de placas inclusive na artéria pulmonar e espessamento do endocárdio ventricular, diferindo do que é relatado na literatura onde não é citado seu comprometimento. BARROS et al. (2001), descrevem a deposição de minerais em todas estas estruturas com exceção da artéria pulmonar e o endocárdio. Foi possível, ainda, observar que houve comprometimento da porção abdominal e torácica da aorta. Semelhantes às lesões descritas por SANTOS (1986), onde caracterizou a presença de placas salientes, confluentes, umbilicadas e com margens elevadas (lesão em concha) nesta artéria.

Microscopicamente havia mineralização nas camadas íntima e porção interna da média da artéria aorta, com áreas irregulares de desprendimento da íntima e fibras elásticas eosinofílicas e fragmentadas. GASPARETTO et al. (2009) e TOKARNIA et al. (2000), descreveram que na íntima e média da aorta, as fibras elásticas apresentavam tumefeitas, eosinofílicas e fragmentadas, apresentando diferentes graus de mineralização degeneradas, calcificadas e envoltas por reação granulomatosa (linfócitos, plasmócitos, macrófagos e células gigantes multinucleadas) e fibroplasia.

Na macroscopia o parênquima pulmonar apresentava-se com áreas focais irregulares, de consistência firme e coloração amarelada, discretamente porosa e mineralizadas, distribuídas em grande parte nos lobos pulmonares. Microscopicamente observou-se nos pulmões espessamento dos septos interalveolares contendo material basofílico granular ou fragmentado, característico de deposição de cálcio, associado à discreta fibroplasia e infiltrado de linfócitos e plasmócitos. Em algumas áreas os septos interalveolares estão espessados com material eosinofílico e amorfo, além de proliferação de pneumócitos tipo II. Na luz alveolar observaram-se também macrófagos espumosos, células gigantes multinucleadas, algumas fagocitando cálcio, além de áreas multifocais de enfisema alveolar e espessamento dos septos interlobulares. Tais achados foram relatados por TOKARNIA et al. (2000), descrevendo que a calcificação nos pulmões está associada a enfisema pulmonar e por vezes à ossificação, onde ao corte essas áreas apresentam mineralizadas.

 

CONCLUSÃO

O surgimento da calcinose enzoótica nesta região do Nordeste, onde não é relatada a existência de plantas calcinogênicas conhecidas, reforça a idéia de que algum fator relacionado à ingestão de alimentos ainda desconhecido e com as mesmas características da calcinose por plantas, podem ser responsáveis por esta doença.

 

REFERÊNCIAS

BARROS, C.; TOTIN, E.; RECH, R.; ILHA, M.; VALEIKA, S. Exploring global issues in veterinary medicine in southern Brazil - Nierembergia veitchii. Março, 2001. Disponível em: <http://www.vet.uga.edu/vpp/NSEP/toxic_plants/POR/Vetch/index.html>. Acesso em: 20 jul. 2009.

BARROS, S.; TABONE, E.; SANTOS, M.; ANDUJAR, M.; GRIMAUD, J. A. Histopathological and ultrastructural alterations in the aorta in experimental Solanum malacoxylon poisoning. Virchows Archiv. B. Cell Pathology, Berlin, v. 35, p. 169-175. 1981.

BOABAID, F. M.; ANTONIASSI, N. A. B; BOURSCHEID, D.; SOARES, L. M.; SANTOS, C. E. P.; NAKAZATO, L.; COLODEL, E. M. Aspectos clínicos e patológicos da calcinose enzootica de etiologia desconhecida em rebanhos de ovinos no estado de Mato Grosso. In: CONBRAVET – CONGRESSO BRASILEIRO DE MEDICINA VETERINÁRIA, 33. 2006. Anais... Cuiabá – MT, 2006.

DIRKSEN, G.; GRUNDER, H. D.; STOBER, M. Sistema circulatório In: Exame clínico dos bovinos. 3.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, p.126. 1993.

DÖBEREINER, J.; TOKARNIA, C. H.; COSTA, J. B. D.; CAMPOS, J. L. E.; DAYRELL, M. S. “Espichamento”, intoxicação de bovinos por Solanum malacoxylon, no Pantanal de Mato Grosso. Pesquisa Agropecuária Brasileira - Série Veterinária, Rio de Janeiro, v.6, p. 91-117. 1971.

GASPARETTO N. D.; ARRUDA L. P.; FERREIRA E. V.; BOABAID F. M.; CRUZ R. A. S.; ROCHA P. R. D.; NETO W. S. P.; COLODEL E. M. Aspectos clínicos e patológicos de calcinose enzoótica em caprinos em áreas de cerrado no Estado de Mato Grosso. Laboratório de Patolog. Veterinária, Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá Brasil. Disponível em: <http://www.ufmt.br/patologiavet/endivet2008/calcinose_caprino.pdf>. Acesso, 21 jul. 2009.

MORAÑA, J. A.; BARROS, S. S.; DRIEMEIER, D.; FLÔRES, Y. E. Gastropatia em coelhos experimentalmente induzida por planta calcinogênica (Solanum malacoxylon). Pesquisa Agropecuária Brasileira - Série Veterinária, Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, p. 35-42. 1994.

SANTOS, J. A. Aparelho circulatório In:___ Patologia especial dos animais domésticos (mamíferos e aves). 2.ed., Rio de Janeiro: Guanabara, p. 216-252. 1986.

TOKARNIA C. H.; DÖBEREINER J.; PEIXOTO P. V. Plantas que causam calcificação sistêmica (Calcinose) In:___ Plantas tóxicas do Brasil. Rio de Janeiro: Helianthus, p. 188 – 198. 2000.

WASSERMAN, R. H. The nature and mechanism of action of the calcinogenic principle of Solanum malacoxylon and Cestrum diurnum and a comment on Trisetum flavescens, p. 545-553. In: KEELER, R. F.; VAN kampen, k. R.; JAMES, L.F. (ed.) Effects of poisonous plants on livestock. New York: Academic Press, 1978.

WORKER, N. A.; CARRILLO, B. J. “Enteque seco”, calcification and wasting in grazing animals in the Argentine. Nature, London, v.215, p. 72 – 74. 1967.