Intoxicação Aguda por PTERIDIUM AQUILINUM em Dois Bovinos
Roberto Calderon Gonçalves1,
Eric de Castro Pereira2; Hugo Shisei Toma3; Diego José
Zanzarini Delfiol4; Simone Biagio Chiacchio1;
Alexandre Secorun Borges1; Rogério Martins Amorim1
1 - Docente do Departamento de Clínica Veterinária
- FMVZ UNESP Botucatu - SP CEP 18.618-000 Email: calderon@fmvz.unesp.br
(autor correspondente)
2 - Médico Veterinário do Setor de Grandes Animais
- HV UNIP Bauru
3 – Mestrando do Departamento de Clinica
Veterinária – FMVZ UNESP Botucatu
4 - Residente da Clínica de Grandes Animais – FMVZ
UNESP Botucatu
Palavras-Chaves:
Diátese hemorrágica, ptaquilosídeo, samambaia, trombocitopenia.
ABSTRACT
TWO CASES OF ACUTE POISONING BY PTERIDIUM AQUILINUM IN CATTLE
Pteridium
aquilinum, also known as bracken fern, is
a cosmopolitan plant that grows better in cold areas of moderate rainfall
rate with low-fertility acid sandy soils.
All parts of the plant contain active toxic principles. Some of the factors that lead
to the intoxication of animals are hunger, lack of fibrous food, ingestion of
contaminated hay, and the fact that the plant can be addictive. Considering the daily amount ingested and the period of ingestion,
cattle can present three different clinical manifestations: 1) Acute hemorrhagic
diathesis; 2) Bladder
neoplasia or enzootic hematuria; 3) Digestive tract neoplasia. Two animals were
attended to at the Veterinary Hospital of UNESP, Botucatu, presenting signs of
acute poisoning by bracken fern. The
diagnosis was based on anamnesis, clinical signs, complementary exams, and
necropsy findings, which revealed hemorrhages and petechiae in the mucous membranes, pancytopenia,
hemorrhages in the mucous and serous membranes, and aplasia of the bone marrow,
respectively.
KEYWORDS: Aplasia, hemorrhagic diathesis, ptaquiloside, thrombocytopenia.
INTRODUÇÃO
A Pteridium aquilinum pertence à família
Polypodiaceae (TOKARNIA et al., 2000), gênero Pteridium sendo a aquilinum
a única espécie. Entretanto há duas subespécies, aquilinum e caudatum, que
são compostas por diversas variedades, sendo que no Brasil foi identificada a variedade arachnoideum (MARÇAL, 2003).
A P. aquilinum também é conhecida como
samambaia verdadeira, samambaia das queimadas, samambaia do campo ou pluma
(PEDROSA & BOHLAND, 2008). É uma planta perene, rizomatosa, herbácea, ereta
e ramificada, medindo entre 50 e
No Brasil é encontrada em regiões montanhosas, desde o
sul da Bahia até o Rio Grande do Sul, mas também nos estados do Amazonas, Acre,
Mato Grosso e Pernambuco (TOKARNIA et al., 2000).
Embora a planta não seja palatável, em épocas de escassez
alimentar, a fome constitui a primeira causa básica de ingestão da samambaia
pelos bovinos. Isto ocorre em estações secas, pois a planta suporta bem o
período sem chuvas, possibilitando sua procura pelos animais. Um segundo fator
é o "vício" que os bovinos adquirem com ingestões repetidas e
compulsivas. Um terceiro fator é a carência de alimentos fibrosos, em dietas
com alta quantidade de concentrados. Os bovinos suprem a necessidade das fibras
comendo caules e folhas da planta. Por fim, os animais se intoxicam pelo
fornecimento de feno contaminado com a samambaia (MARÇAL, 2003).
Os mais importantes
princípios tóxicos conhecidos são: tanino, quercetina, ácido chiquímico,
canferol (PEDROSA & BOHLAND, 2008), ptaquilosídeo ou aquilídeo (MARÇAL et
al., 2002; MARÇAL, 2003; CRUZ & BRACARENSE, 2004) que possuem
principalmente atividade carcinogênica e mutagênica; a prumasina, com atividade
cianogênica e a tiaminase, que provoca alterações neurológicas em eqüinos. Os
ptaquilosídeos em condições ácidas degradam-se rapidamente em pterosina B, já
em condições alcalinas pode dar origem a um conjugado denominado dienona que é
considerada o verdadeiro componente tóxico (CRUZ & BRACARENSE, 2004).
Os princípios
tóxicos acima citados exercem, em bovinos, efeitos radio miméticos responsáveis
por três quadros clínicos-patológicos diferentes: uma forma aguda conhecida
como diátese hemorrágica, e duas crônicas caracterizadas por neoplasias na
bexiga, conhecidas como hematúria enzoótica, ou no trato digestivo superior
(TOKARNIA et al., 2000; ANJOS et al., 2008). Em
todos os casos a letalidade é de 100% (PEDROSA & BOHLAND, 2008). Neste resumo
será discutido apenas a forma aguda da doença.
A intoxicação aguda afeta principalmente animais com até
dois anos, podendo ocorrer em bezerros de seis meses de idade e em adultos. É
desencadeada após ingestão de quantidades diárias superiores a 10g/kg de peso,
por períodos que variam de três semanas a poucos meses, em geral, até o peso da
planta ingerida igualar-se ao peso do animal (MARÇAL et al., 2002; PEDROSA
& BOHLAND, 2008).
As toxinas da planta afetam a medula óssea, onde ocorre
depressão da granulopoiese e trombopoiese, com grave redução das plaquetas
circulantes e dos leucócitos granulócitos. A série eritrocitária na medula
óssea é afetada somente nos estágios terminais (RADOSTITS et al., 2002; MARÇAL,
2003; PEDROSA & BOHLAND, 2008). A fragilidade capilar, ulceração intestinal
e edema da laringe que ocorrem em alguns casos, se devem à lesão nos mastócitos
dos tecidos, com liberação de histamina (RADOSTITS et al., 2002; PEDROSA &
BOHLAND, 2008).
Os sinais clínicos podem surgir três semanas após o
inicio do consumo, e até dois meses após a ultima ingestão do Pteridium aquilinum (TOKARNIA et al.,
2000; PEDROSA & BOHLAND, 2008).
Os sinais manifestam-se repentinamente com hipertermia (
A contagem de plaquetas varia entre 20.000 e 58.000 /µl (ANJOS et al..,
2008).
O número total de leucócitos baixa, no princípio
gradualmente e depois, rapidamente para cerca de 1.000/µl nos
estágios
terminais. A quantidade de polimorfonucleares cai drasticamente e, com
freqüência, não são vistos num
esfregaço. Há redução do número de
eritrócitos e
do conteúdo de hemoglobina nos estágios finais da
doença (RADOSTITS et al.,
2002). O tempo de coagulação está aumentado
(PEDROSA & BOHLAND, 2008) e há
fragilidade capilar e retração defeituosa do
coágulo (RADOSTITS et al., 2002).
Além disso, os níveis de heparina e
histamina séricas aumentam (TOKARNIA et al., 2000).
A urinálise pode revelar a presença de eritrócitos e
muitas células epiteliais. A biopsia da medula óssea pode ser usada como método
auxiliar importante (RADOSTITS et al.,
2002).
Na necropsia, as mucosas e vísceras estão pálidas, as
hemorragias variam de petéquias a grandes extravasamentos, além de
hemoperitônio, hemotórax e hemopericárdio. Na mucosa do trato alimentar ocorre
necrose nas áreas hemorrágicas, com ulcerações e presença de coágulos de sangue
na luz intestinal (MARÇAL, 2003; PEDROSA & BOHLAND, 2008). A medula óssea é
mais pálida do que o normal. São encontradas diversas áreas pequenas, brancas
ou vermelhas, indicando áreas de infarto e necrose no fígado, rins e pulmões
(RADOSTITS et al., 2002).
Na histopatologia
há rarefação da medula óssea, áreas de hemorragia e necrose de coagulação no
fígado e necrose no miocárdio. Há aumento no número de mastócitos no subcutâneo
(TOKARNIA et al., 2000; MARÇAL, 2003;
PEDROSA & BOHLAND, 2008).
O diagnóstico é baseado nos sinais clínicos, na presença
da planta na propriedade, exames laboratoriais, achados de necropsia e
histopatológicos que revelam aplasia de medula óssea (PEDROSA & BOHLAND,
2008). O ptaquilosídeo pode ser detectado nos tecidos do animal, se houver
disponibilidade desse tipo de teste (RADOSTITS et al., 2002).
Deve ser feito o diagnóstico diferencial com carbúnculo
hemático, pasteurelose septicêmica, babesiose, anaplasmose, hemoglobinúria
bacilar, intoxicação por Crotalaria sp,
intoxicação por furazolidona, intoxicação por farelo de soja com
tricloroetileno, intoxicação por trevo-de-cheiro ou meliloto, lesão por
irradiação ionizante, ingestão crônica de polpa cítrica e intoxicação por
trevo-doce (MARÇAL et al.,2002; RADOSTITS et al., 2002; PEDROSA & BOHLAND,
2008)
Na tentativa de tratamento pode ser usado o álcool
batílico (5g em 50 ml de óleo de oliva), um conhecido estimulante da medula
óssea, na dose de 10 ml da solução (1g por dia) por via subcutânea,
diariamente, por cinco dias. Deve ser combinado o uso de antibiótico de amplo
espectro para impedir infecções secundárias devido à neutropenia (TOKARNIA et
al., 2000). É pouco provável que o tratamento tenha sucesso nos casos avançados
devido aos efeitos secundários da invasão bacteriana e hemorragia (RADOSTITS et
al., 2002).
A transfusão sanguínea pode ser realizada quando houver
redução acentuada de eritrócitos e leucócitos (RADOSTITS et al., 2002), mas sua
eficácia é baixa, pois os princípios tóxicos continuam agindo no organismo,
além do que seria necessário um volume muito grande de reposição para debelar o
problema, o que a tornaria inviável economicamente (MARÇAL, 2003).
O sulfato de protamina (10 ml da solução a 1%) tem sido
usado com a finalidade de neutralizar o efeito anticoagulante da heparina, por
formar um complexo inativo estável, mas sem sucesso (PEDROSA & BOHLAND,
2008). Outros autores ressaltam o uso de corticosteróides, por se tratar de uma
condição inflamatória aguda (TOKARNIA et al., 2000).
MATERIAIS E MÉTODOS
Foram atendidos, na
Clínica de Grandes Animais do Departamento de Clínica Veterinária da Faculdade
de Medicina Veterinária e Zootecnia da UNESP de Botucatu, dois bovinos com
sinais clínicos de intoxicação aguda por Pteridium
aquilinum. O primeiro (animal 1), uma fêmea, mestiça, de um ano de idade, e
o outro (animal 2), uma fêmea, Nelore, de três anos de idade.
Segundo relato do
proprietário do animal 1, há três dias a vaca apresentava secreção nasal
sanguinolenta e dificuldade respiratória. Além deste animal, outros dois de
mesma idade apresentavam mesmo quadro clínico e um deles veio a óbito após três
semanas de evolução do quadro. Os 120 animais da propriedade viviam em pasto de
35 alq. com Brachiaria decumbens, e
recebiam concentrado e sal mineral no cocho. Os animais tinham acesso à mata
com presença de samambaia. Na avaliação clínica realizada no HV, o animal
apresentava hipomotilidade rumenal, 5% de desidratação, mucosas pálidas,
aumento de linfonodos sub-mandibulares e pré-escapulares, presença de úlceras
na mucosa nasal e no muflo, além de epistaxe e dispnéia inspiratória com
obstrução parcial das vias aéreas superiores. Foi realizada uma traqueostomia
de emergência e transfusão sanguínea com sangue total na proporção de 20% da
volemia. Medicação a base de florfenicol 20 mg/kg foi realizada devido à
neutropenia. Com esses cuidados o animal permaneceu estável por mais 3 semanas
quando apresentou quadro de hematidrose ("suor de sangue") sendo
sacrificado in extremis. O hemograma
revelou anemia com severa leucopenia (2.100 /ml) com 100% de linfócitos e trombocitopenia (30.300 - referência:
100.000 - 800.000) e aumento do fibrinogênio. O exame de medula óssea foi
sugestivo de aplasia. A necropsia revelou palidez de órgãos internos, inclusive
do sistema nervoso, hidropericárdio, sufusões no epicárdio dos ventrículos,
fígado com moderada degeneração, petéquias na mucosa da bexiga e aplasia de
medula óssea.
Segundo relato do
proprietário do animal 2, este e mais seis (entre 2 e 12 anos) apresentaram
apatia, emagrecimento e desidratação, com morte após cinco a sete dias de
evolução dos sinais e alguns dos que morreram apresentaram urina escura e/ou
hemorragia vaginal. O lote vivia em
Nas duas
propriedades foi recomendada a retirada dos animais do pasto e a extinção da
samambaia como prevenção de novas intoxicações. Foi alertado para o problema de
que este tipo de intoxicação é causado principalmente pela brota da P. aquilinum, devendo-se tomar cuidado
quando da introdução do gado nas pastagens, pois o broto novo pode se misturar
ao capim e ser ingerido em grande quantidade.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O diagnóstico da doença é principalmente
clínico-patológico. Os sinais clínicos apresentados de epistaxe, mucosas
hipocoradas, petéquias em mucosas aparentes, úlceras em mucosas bucal e nasal e
melena / hematoquesia (TOKARNIA et al., 2000; ANJOS et al., 2008; PEDROSA & BOHLAND, 2008), assim como os resultados laboratoriais de
pancitopenia (RADOSTITS et al., 2002; ANJOS et al., 2008), os achados de necropsia e histopatológicos de hemorragias em serosas
e mucosas de diversos órgãos e aplasia da medula óssea (TOKARNIA et al., 2000;
MARÇAL, 2003; PEDROSA & BOHLAND, 2008) e o relato da presença da planta nas
propriedades, confirmaram o diagnóstico de intoxicação por samambaia.
Até o momento nenhuma terapêutica mostrou-se totalmente
eficaz (RADOSTITS et al., 2002), valendo-se apenas de medidas profiláticas que
são difíceis de serem executadas.
CONCLUSÃO
Este relato de caso mostra a importância do Pteridium aquilinum, na pecuária
brasileira, sendo dentre as plantas tóxicas uma das maiores causadoras de morte
em animais de produção.
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