SURTO DE INTOXICAÇÃO POR ANTIBIÓTICOS IONÓFOROS
EM BOVINOS NA PARAÍBA
Tatiane Rodrigues da Silva1, Adriana C. O. Assis1, Diego M. Oliveira1,
João Marcos Medeiros1, Josemar M. Medeiros2,
Antônio Flávio M. Dantas3, Sara V. D. Simões3
1. Alunos do Curso de Mestrado em Medicina Veterinária, Hospital
Veterinário, CSTR, Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Patos, PB
58700-000, Brasil.
E- mail: ane_vet@hotmail.com (autor correspondente)
2. Médico veterinário, mestre, Hospital Veterinário da Universidade
Federal de Campina Grande, Campus de Patos, 58700-000 Patos, PB.
4. Professores do Curso de Medicina Veterinária da Universidade
Federal de Campina Grande, Campus de Patos, 58700-000 Patos, PB.
saravilar@bol.com.br.
PALAVRAS-CHAVE: Lasolicida, monensina, narasina,
salinomicina.
ABSTRACT
AN OUTBREAK OF IONOPHORE
ANTIBIOTIC TOXICOSIS IN CATTLE FROM THE SEMI-ARID REGION OF PARAÍBA
Ionophores are a type of antibiotic that selectively
depresses or inhibits the growth of certain microorganisms in the rumen. The
most common ionophore antibiotics used in veterinary medicine as coccidiostatic
drugs are monensin, salinomycin, narasin, and lasalocid. Inappropriate use of
these therapeutic agents has resulted in animal poisoning of various species,
mainly characterized by degenerative myopathy and cardiomyopathy. This study
reports an outbreak of ionophore intoxication in cattle through
epidemiological, clinical, laboratory, and necropsy findings. Two mixed-breed
male calves with a mean age of two years, raised in an intensive system, were
attended to at the Veterinary Hospital of Universidade Federal de Campina
Grande, Patos, Paraíba. One week before, they had presented decreasing
appetite, diarrhea, fatigue, tottering gait, and permanent recumbency. Animals
were fed grass, poultry litter, whole wheat and corn. Anamnesis,
epidemiological, clinical, and laboratory examinations led to a presumptive
diagnosis of ionophore atibiotic toxicosis which caused cardiac failure.
KEYWORDS:
Lasalocid, monensin, narasin, salinomycin.
INTRODUÇÃO
Os ionóforos são um tipo de antibiótico que,
seletivamente, deprime ou inibe o crescimento de microorganismos do rúmen. Eles
são produzidos por diversas linhagens de Streptomyces, e pelo menos 74 deles
foram descobertos depois de lasalocida, em 1951. Os ionóforos foram
inicialmente utilizados como coccidiostáticos para aves, mas a partir da década
de 1970 começaram a ser utilizados na dieta de ruminantes. Lasolacida e
monensina têm sido utilizados no Brasil como promotores de crescimento em
confinamento (NICODEMO, 2001).
Os antibióticos ionóforos de uso mais freqüente em
medicina veterinária são monensina, salinomicina, narasina e lasolicida. O uso
inadequado desses agentes terapêuticos tem causado, em várias espécies animais,
intoxicações caracterizadas, principalmente, por miopatia e cardiomiopatia
degenerativas (RIET et al., 2007).
O maior uso desses compostos como coccidiostáticos
é em aves, e mortes por insuficiência cardíaca congestiva ocorrem em bovinos e
ovinos alimentados com camas de frango secas oriundas de granjas onde são
usadas a salinomicina ou a maduromicina (RADOSTITS, 2000).
Este trabalho tem como objetivo descrever a
ocorrência de um surto por intoxicação com ionóforos em bovinos, fatores
epidemiológicos, sinais clínicos, achados laboratoriais e de necropsia.
MATERIAL E MÉTODOS
Dois bovinos com idade média de dois anos, machos,
sem raça definida, criado em sistema intensivo deram entrada no Hospital
Veterinário da Universidade Federal de Campina Grande, localizado no município
de Patos - PB, com o histórico de que há uma semana haviam apresentado
diminuição do apetite evoluindo para ausência, andar cambaleante seguido de
decúbito permanente, diarréia e cansaço. Foi relatado também pelo proprietário
que há 34 dias os mesmos haviam sido adquiridos juntamente com outros 28
bovinos machos, provindos de dois municípios distintos, com a finalidade de
engorda para abate. Dos 30 bovinos, 22 vieram do município de São Bento/PB e
dentre estes, 14 animais adoeceram e 8 vieram a óbito, apresentavam os mesmos
sinais clínicos que os bovinos trazidos ao HV, porém o curso clínico foi
bastante variado, ocorrendo morte 24 horas após aparecimento dos sinais
clínicos e outros morreram em um prazo de até nove dias. O manejo alimentar era
o mesmo para todos os animais e consistia em grama, cama de frango e
concentrado a base de farelo de trigo e milho (2 kg/animal). Dos dois bovinos
trazidos ao HV/UFCG um veio a óbito antes mesmo de ser realizado exame clínico
e o segundo foi encaminhado a Clínica Médica de Grandes Animais onde foi
realizado o exame físico e laboratorial para elucidação do diagnóstico.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Durante o exame físico do animal constatou-se anormalidades como apatia, anorexia, decúbito esternal
permanente, mucosas pálidas, desidratação moderada, atonia e perda da
estratificação rumenal, diarréia, edema de peito, estase na jugular e cansaço.
Exames complementares foram realizados como auxílio ao diagnóstico,
revelando elevação nas enzimas CK 140 U/L (4,8 – 12,1) e AST 1.032 U/ml(78 –
132) e no sumário de urina foi observado proteinúria. No hemograma não houve
achado de significância.
As informações
obtidas na anamnese, os dados epidemiológicos e os achados laboratoriais
levaram ao diagnóstico presuntivo de intoxicação por antibióticos ionóforos
ocasionando insuficiência cardícaca. Como o início dos sinais clínicos ocorreu sete dias
após a mudança de ambiente e alimentação com cama de frango e levando em
consideração que altas concentrações de ionóforos causam intoxicação aguda com
início dos sinais clínicos em 6-24 horas, este animal pode ter consumido uma
quantidade menor da cama contendo o agente tóxico, pois em menores
concentrações, a manifestação clínica pode ocorrer em duas semanas ou mais
concordando assim com SAFRAN et al. (1993) e NOVILLA et al. (1994) que relatam
a ocorrência dos sinais clínicos na intoxicação por antibióticos ionóforos na
forma aguda ou protraída.
O
quadro clínico apresentado pelo bovino intoxicado é semelhante ao dos bovinos
intoxicados experimentalmente com narasina, que consistiu basicamente de
alterações relacionadas a graus variáveis de incapacitação dos músculos
esqueléticos e à insuficiência cardíaca (WOUTERS et al., 1997).
A anorexia foi citada pelo proprietário como um dos achados em comum
aos bovinos que adoeceram e também foi observada no animal em relato, sendo
este um dos sinais clínicos mais frequentemente descritos na intoxicação por
ionóforos em bovinos (GONZALEZ et al.,
2005). A anorexia é provavelmente associada com a indução de algum tipo de
informação sensorial como o sabor do agente tóxico ou com o mal estar
resultante das alterações produzidas na fermentação ruminal (SHLOSBERG et al.,
1986).
A diarréia tem sido associada à intoxicação por antibióticos ionóforos
em bovinos (GEOR & ROBINSON, 1985), mas a patogenia é incerta. É sugerido que
resulte de alteração iônica provocada pela droga ou por sua ação antimicrobiana
(BERGEN & BATES, 1984).
A
ausência de alterações nos parâmetros
hematológicos como resposta
primária ou direta à intoxicação por
ionóforos estão de acordo com informações
da literatura. Os níveis elevados de CK, LDH, AST,
proteinúria e mioglobinúria
podem ser observados nas intoxicações devido à
progressão de um dano muscular
causado por essas substâncias (SAFRAN et al., 1993; NOVILLA et
al., 1994).
O animal veio a óbito
três dias após dar entrada no HV/UFCG durante uma visita clínica onde o mesmo
foi submetido a esforço físico. Esta ocorrência é mais um sinal de insuficiência
cárdica onde os animais apresentaram intolerância ao exercício e podem ocorrer
óbitos após esforço.
Durante a necropsia as anormalidades observadas foram palidez dos músculos dos
membros posteriores (semitendinoso, semimembranáceo e vasto lateral) e músculos
longos do tórax; líquido (em média cinco litros) na cavidade abdominal;
acentuação do padrão lobular do fígado, que ao corte apresentava múltiplos
pontos avermelhados entremeados por áreas amareladas; pulmão com consolidações
na região dorsal aos lóbulos; e edema de mesentério. Foram coletados fragmentos de todos os órgãos. Esses fragmentos foram
fixados e processados por métodos convencionais para exames histológicos e
corados pela hematoxilina-eosina.
Os achados macroscópicos caracterizaram o fígado em noz moscada e ascite
que são achados vistos em caso de insuficiência cardíaca.
Os achados histopatológicos foram característicos da intoxicação por
ionóforos quando comparados as citações na literatura e caracterizaram-se por
musculatura estriada esquelética com necrose hialina, flocular e segmentar das miofibras, entre estas se
apresentava edema, e infiltrado inflamatório, contendo neutrófilos e
macrófagos, este último também se encontrava no interior das células
musculares, com intensidade leve. O fígado apresentava vacuolização e tumefação do
citoplasma dos hepatócitos, hemorragia e necrose dos hepatócitos,
principalmente na região centrolobular e diminuição dos sinusóides. Os rins
apresentavam tumefação das células epiteliais dos túbulos contornados, dilatação
destes, cilindros hialinos e gotas hialinas no córtex, e hemorragia na região
cortical e medular.
Em bovinos, deficiência de vitamina
E/selênio e intoxicação por Senna occidentalis (fedegoso), devem ser
consideradas no diagnóstico diferencial. Porém a deficiência de vitamina E e selênio ocorre mais frequentemente em
animais jovens superalimentados e de crescimento rápido e as lesões cardíacas são mínimas ou inexistentes na
intoxicação por S. occidentalis (BARROS et al., 1999; BARROS 2001).
CONCLUSÃO
De acordo com a epidemiologia, os achados clínicos e laboratoriais foi
dado o diagnóstico de intoxicação por antibióticos ionóforos.
A prática ilegal de alimentar animais com cama de frango é comum na
nossa região, principalmente na época da seca, onde há escassez de forragem,
sendo desconhecido pelos criadores o risco de ocorrência desse tipo de
intoxicação. A cama de frango pode ainda levar a graves enfermidades como o
botulismo e intoxicação por cobre.
REFERÊNCIAS
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