CONCENTRAÇÕES SÉRICAS DE GAMAGLOBULINA E IgG EM BEZERROS DAS RAÇAS NELORE E HOLANDESA DO NASCIMENTO AOS SEIS MESES DE VIDA

 

Evandro Doine Vettorato1, Karina Keller Marques da Costa Flaiban2, Márcio Carvalho da Costa3, Mara Regina Stipp Balarin4, Odilon Vidotto4, Julio Augusto Naylor Lisbôa5

 

1. Médico Veterinário, Residente de Patologia Clínica, Universidade Estadual de Londrina

2. Médico Veterinário, mestre, professor do Curso de Medicina Veterinária, Universidade Estadual de Londrina

3. Médico Veterinário, mestre em Ciência Animal, Universidade Estadual de Londrina

4. Médico Veterinário, doutor, professor do Curso de Medicina Veterinária, Universidade Estadual de Londrina

5. Médico Veterinário, doutor, professor do Curso de Medicina Veterinária, Departamento de Clínicas Veterinárias (DCV), Universidade Estadual de Londrina (UEL) - E-mail: janlisboa@uel.br (autor correspondente)

 

PALAVRAS-CHAVE: Imunidade ativa, imunoglobulinas, transferência de imunidade passiva.

 

ABSTRACT

 

SERUM GAMMA-GLOBULIN AND IgG LEVELS OF NELORE AND HOLSTEIN CALVES FROM BIRTH TO SIX MONTHS OF AGE

Concentrations of serum gamma-globulin and IgG of Nelore and Holstein calves were determined from birth to six months of age in order to compare the passive immunity transfer and the active production of antibodies. Healthy Nelore (n=30) and Holstein (n=20) calves were reared under extensive and intensive management, respectively. The passive transfer of immunity was successful in both breeds. Gamma-globulin levels were higher at the end of the first day of life in Holstein claves, and decreased until the 30th and 60th day in Nelore calves. After this period, the increase due to active production of antibodies was higher and precocious in taurine calves (60 days old) and slower in Zebu calves (90 days old). These differences indicate physiological breed-specific particularities and did not have any effect on calf health.

 

KEYWORDS: Ative immunity, immunoglobulins, neonates, passive transfer of immunity.

 

INTRODUÇÃO

A falha na transferência de imunidade passiva (TIP) é uma das principais causas de morte de bovinos neonatos (FEITOSA et al., 2001). No gado leiteiro, cerca de 75% dos óbitos em bezerros ocorrem durante o primeiro mês de vida (RADOSTITS et al., 1994). A absorção intestinal de imunoglobulinas apresenta maior eficiência nas primeiras 12 horas de vida, de modo que um grande intervalo de tempo entre o nascimento e a primeira mamada de colostro resulta em prejuízos na absorção de anticorpos.

A maior parte dos estudos sobre a imunidade no recém-nascido envolveu bezerros de raças leiteiras (COSTA, 2000; FEITOSA et al., 2001). Há menos relatos em bezerros de raças de corte (AMORIM, 2002) e poucos estudos comparando taurinos e zebuínos (MACHADO NETO et al., 2004; COSTA et al., 2008). Os padrões das curvas de gamaglobulinas séricas estabelecidas em bezerros Holandeses e em Nelore nos primeiros meses de vida demonstram que a raça européia aparentemente pode possuir maior precocidade no desenvolvimento da imunidade ativa.

As diferenças raciais podem ser de ordem fisiológica ou influenciadas pelo manejo. Os bezerros leiteiros normalmente são mantidos em sistema de manejo intensivo, com maior exposição aos agentes microbianos. Isso gera graus de desafio muito distintos dos bezerros de corte manejados sob condições naturais extensivas (WITTUM & PERINO, 1995). O objetivo deste estudo foi avaliar a variação das concentrações séricas de gamaglobulinas e de IgG em bezerros das raças Nelore e Holandesa no período do nascimento aos seis meses de vida e estabelecer comparações entre as raças.

 

 

MATERIAL E MÉTODOS

Foram selecionados aleatoriamente 50 bezerros aparentemente sadios e frutos de partos eutócicos, sendo 30 da raça Nelore e 20 da raça Holandesa. Os bezerros da raça Nelore pertenciam a uma única propriedade que adotava boas práticas de manejo nutricional e sanitário. Os animais eram manejados extensivamente e recebiam suplementação mineral à vontade. Os bezerros eram mantidos em contato permanente com as suas mães desde o nascimento e realizavam mamada natural do colostro. A desmama somente ocorria com 7 a 8 meses de idade. Os bovinos eram observados duas vezes por dia para identificação da manifestação de doenças ou outras ocorrências.

Os bezerros da raça Holandesa pertenciam a duas granjas produtoras de leite que igualmente adotavam padrão adequado de manejo nutricional e sanitário. Foram incluídos no estudo 10 bezerros de cada uma das granjas. Na primeira propriedade, os bezerros recém-nascidos permaneciam com as suas mães por três a seis horas, e posteriormente eram separados e levados a um bezerreiro coletivo. Se dentro de uma hora após o nascimento não ocorresse a ingestão voluntária do colostro, realizava-se a administração do mesmo por meio de mamadeira (dois litros para um bezerro com peso em torno de 40kg), obtido por ordenha da própria vaca ou, se necessário, de um banco de colostro mantido na propriedade. Na segunda granja os bezerros permaneciam separados das vacas desde o nascimento. A ingestão do colostro era obrigatoriamente artificial com administração em mamadeira de dois litros do colostro fresco, obtido por ordenha da própria mãe. Os bezerros permaneciam em gaiolas individuais de madeira no interior de um barracão coberto. Durante a fase de lactentes, os bezerros das duas granjas eram alimentados com leite natural duas vezes por dia e recebiam suplementação com ração comercial, feno e sal mineral à vontade. Aos 60 dias de idade eram desmamados e transferidos para pequenos piquetes com acesso ao pasto, mantendo-se a suplementação com ração comercial, feno e sal mineral.

Amostras de sangue foram obtidas por venopunção da jugular externa com uso de agulhas 25x0,7 mm (PrecisionGlide, BD) para colheita em frasco a vácuo de 10ml sem anticoagulante (Vacoum II, Labnew). As colheitas foram realizadas seqüencialmente nas seguintes idades: 24-36 horas de vida, 15, 30, 60, 90, 120, 150 e 180 dias de vida. O soro foi obtido por centrifugação após a retração do coágulo e conservado por congelamento a 20ºC negativos até o momento das análises. 

A concentração da proteína total foi determinada pelo método do biureto utilizando-se reagentes comerciais. A concentração de gamaglobulina foi determinada por eletroforese, empregando-se gel de agarose comercial (Sistema SE-250, CELM). A concentração sérica de imunoglobulinas G (IgG) foi estimada pela técnica de turvação pelo sulfato de zinco. Adicionou-se 0,1 mL de soro a 6 mL de uma solução contendo 208 mg de ZnSO4. 7H2O por litro de água destilada. Após uma hora em repouso, a absorbância da mistura foi mensurada por espectrofotometria (E225-D, CELM) em comprimento de onda de 620 nm. A quantidade de IgG foi estimada com o uso de uma curva padrão previamente traçada com concentrações conhecidas de IgG bovina (Single Radial Immunodiffusion Kit; VRMD, EUA), a saber: zero (soro fetal bovino), 400, 800, 1600 e 3200 mg/dL.

Os efeitos da raça, da faixa etária e a interação entre os dois fatores foram testados por meio de análise de variância de medidas repetidas bifatorial, admitindo-se uma probabilidade de erro de 5%.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Independentemente da raça e do manejo adotado para a ingestão do colostro, a TIP foi bem sucedida nos bezerros estudados, exceto em um bezerro da raça Holandesa, que apresentou falha na transferência, com valores de 0,2 g/dL de gamaglobulina e de 476,6 mg/dL de IgG estimada.

Os bezerros da raça Nelore apresentaram os seguintes valores de média e desvio-padrão nas idades de 24 a 36 horas, 15, 30, 60, 90, 120, 150 e 180 dias de vida, respectivamente: 3,03±0,79 g/dL, 1,50±0,37 g/dL, 0,90±0,18 g/dL, 0,67±0,15 g/dL, 0,72±0,19 g/dL, 1,02±0,25 g/dL, 1,23±0,29 g/dL e 1,31±0,27 g/dL para a concentração de gamaglobulinas; e 3,75±0,60 g/dL, 3,00±0,49 g/dL, 2,56±0,32 g/dL, 2,25±0,28 g/dL, 2,12±0,32 g/dL, 2,59±0,50 g/dL, 2,67±0,68 g/dL, 2,85±0,44 g/dL para a concentração estimada de IgG.

Os bezerros da raça Holandesa apresentaram os seguintes valores de média e desvio-padrão nas idades de 24 a 36 horas, 15, 30, 60, 90, 120, 150 e 180 dias de vida, respectivamente:  2,39±1,08 g/dL, 1,77±0,80 g/dL, 1,12±0,37 g/dL, 1,17±0,38 g/dL, 1,33±0,53 g/dL, 1,53±0,59 g/dL, 1,73±0,53 g/dL e 2,03±0,53 g/dL para a concentração de gamaglobulinas; e 2,62±0,63 g/dL, 2,25±0,65 g/dL, 2,96±0,49 g/dL, 3,32±0,39 g/dL, 2,96±0,54 g/dL, 2,84±0,62 g/dL, 3,14±0,49 g/dL e 3,19±0,48 g/dL para a concentração estimada de IgG.

A concentração sérica de gamaglobulinas exibiu, nos bezerros de ambas as raças, um  padrão parecido de variação de acordo com a idade. Os valores mais elevados, observados entre 24 e 36 horas de vida como resultado da absorção das imunoglobulinas colostrais, experimentaram uma queda contínua consequente à degradação ou consumo dessas proteínas. Os valores mínimos foram atingidos aos 30 dias nos bezerros HPB e aos 60 dias nos bezerros Nelore. A curva ascendente, que reflete a produção ativa de imunoglobulinas, foi estabelecida a partir dos 60 dias nos bezerros HPB e dos 90 dias nos da raça Nelore. As diferenças entre as raças poderiam ser resultado da influência do tipo de manejo no qual os animais eram mantidos. O desafio representado pela exposição natural aos patógenos é muito maior e frequente nas condições intensivas de manejo como a dos bezerreiros nas granjas leiteiras (RADOSTITS et al., 1994; WITTUM & PERINO, 1995).

A variação observada nos bezerros HPB é semelhante às estabelecidas em outros estudos com bezerros da mesma raça (COSTA, 2000; FEITOSA et al., 2001). A variação observada nos bezerros Nelore se assemelha à obtida por AMORIM (2002).

Ao contrário do primeiro dia de vida em que a concentração de gamaglobulinas foi maior nos bezerros Nelore (p<0,05), a partir dos 60 dias de idade a concentração de gamaglobulinas sempre foi superior nos bezerros HPB (p<0,05). Esses resultados são coerentes com os de COSTA et al. (2008) que compararam bezerros Nelore e Limousin manejados extensivamente e com os de MACHADO NETO et al. (2004) que compararam bezerros Nelore e Canchim. Refletem diferenças fisiológicas entre raças européias e zebuínas e comprovam que bezerros taurinos apresentam, de forma geral, maior precocidade do que os zebuínos no desenvolvimento de sua imunidade ativa.

            O fato de a raça Holandesa mostrar-se mais precoce na produção ativa de anticorpos não está necessariamente associado a uma maior resistência a doenças. Os bezerros da raça Nelore apresentaram-se sadios durante todo o período de duração do experimento.

 

CONCLUSÃO

Bezerros da raça Holandesa desenvolvem imunidade ativa mais precocemente do que os da raça Nelore, o que reflete diferenças fisiológicas entre taurinos e zebuínos e não tem impacto sobre a saúde dos bezerros.

 

AMORIM, R. M. Valores séricos e hepáticos de elementos minerais, atividade sérica da ceruloplasmina, hemograma, proteinograma e metabolismo oxidativo dos neutrófilos em bezerros da raça Nelore, nascidos de mães com nutrição adequada ou inadequada em cobre e zinco. 2002. 158p. Tese (Doutorado em Clínica Veterinária) – Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade Estadual Paulista, Botucatu.

COSTA, J. N. Leucograma, metabolismo oxidativo dos neutrófilos, proteinograma e imunoglobulinas de bovinos da raça holandesa (Bos taurus). Influência do desenvolvimento etário e da suplementação com vitamina E (acetato de DL-alfa-tocoferol). Botucatu, 2000. 209p. Tese (Doutorado em Clínica Veterinária) – Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade Estadual Paulista, Botucatu.

COSTA, M. C.; FLAIBAN, K. K. M. C.; CONEGLIAN, M. M.; FEITOSA, F. L. F.; BALARIN M. R. S.; LISBÔA, J. A. N. Transferência de imunidade passiva em bezerros das raças Nelore e Limousin e proteinograma sérico nos primeiros quatro meses de vida. Pesquisa Veterinária Brasileira, Rio de Janeiro, v. 28, n. 9, p. 410-416, 2008.

FEITOSA, F. L. F.; BIRGEL, E. H.; MIRANDOLA, R. M. S.; PERRI, S. H. V. Proteinograma sérico de bezerros holandeses do nascimento até um ano de vida. Revista Brasileira de Ciência Veterinária, Niterói, v. 8, n. 2, p. 105-8, 2001.

MACHADO NETO, R.; PACKER, I. U.; PRADO, G. V. B.; BESSI, R.; PAULETTI, P. Colostral immunoglobulins absorption in Canchim and Nelore calves. Revista Brasileira de Zootecnia, Viçosa, v. 33, n. 6, p. 1544-47, 2004.

RADOSTITS, O. M.; LESLIE, K. E.; FELTROW, J. Herd health. Food animal production medicine. 2 ed. Philadelphia: WB Sauders Company, 1994, 631p.

WITTUM, T. E.; PERINO, L. J. Passive immune status at postpartum hour 24 and long-term health and performance of calves. American Journal of Veterinary Research, Schaumburg, v. 56, n. 9, p. 1149-54, 1995.