METABOLISMO DE INDICADORES PREDITIVOS DA TOXEMIA DA PRENHEZ EM OVELHAS DORPER NO TERÇO FINAL DA GESTAÇÃO, PARTO E PÓS-PARTO

 

Filipe Aureliano Pedrosa Soares1, Álvaro Veloso Borba Neto1, Janaína Azevedo Guimarães2,

Alexandre Cruz Dantas2, Cleyton Charles Dantas Carvalho2, Allan Vieira dos Santos Marques2, Pierre Castro Soares3

1. Acadêmicos do Curso de Medicina Veterinária, Universidade Federal Rural de Pernambuco

2. Médicos veterinários, mestrandos em Ciência Veterinária, Departamento de Medicina Veterinária, Universidade Federal Rural de Pernambuco

4. Médico veterinário, doutor, professor do Curso de Medicina Veterinária, Universidade Federal Rural de Pernambuco, Rua Dom Manoel de Medeiros, S/N – Dois Irmãos, CEP 52171-900 Recife-PE/ Brasil.

E-mail: psoares@dmv.ufrpe.br (autor correspondente)

 

PALAVRAS-CHAVE: Bioquímica, energia, proteína, patologia clínica, ruminantes

 

ABSTRACT

 

PREDICTIVE VALUES OF PREGNANCY TOXEMIA OF DORPER SHEEP

DURING THE THIRD TRIMESTER OF PREGNANCY, PARTURITION AND

POSTPARTUM

This study evaluates the biochemical profile of Dorper sheep raised semi-intensively during the third trimester of pregnancy, parturition, and postpartum. Analyses of blood biochemical indicators and ketone bodies in the urine were carried out. The variables investigated included total protein, globulin, urea, creatinine, plasma glucose, total cholesterol, and triglycerides. Throughout the three periods, there were no differences between albumin and frutosamine levels. Ketone bodies were detected in the urine of 8,33% of animals, and 16,67% on the seventh and fourteenth week after birth. Relationships between frutosamine concentrations and blood components were varied (p<0,05): total protein (r=0,30); albumin (r=0,32); cholesterol (r=0,25); plasma glucose (r=0,23); and urinary glucose (r=0,26). Significant changes in biochemical indicators of energy and protein profiles were observed at the end of pregnancy and during parturition. This indicates that such variation depends on the gestational period and that the final trimester of pregnancy requires increased attention as regards the occurrence of metabolic diseases.

 

KEYWORDS: Biochemistry, clinical pathology, energy, protein, ruminants.

 

INTRODUÇÃO

            Como bem conhecido, a toxemia da prenhez (TP) tem sido frequentemente diagnosticada nos criatórios de caprinos e ovinos, particularmente nas criações de animais de alta genética, onde são oferecidas dietas ricas em energia e proteína, com a suplementação de farelo de soja, milho entre outros. Nesses animais, constantemente preparados para exposições e leilões, os distúrbios de ordem metabólica aparecem com maior freqüência, como nos casos de acidose láctica ruminal, TP e urolitíase, enfermidades fortemente correlacionadas com a ingestão de dietas hiper-energéticas e hiper-protéicas. A TP é caracterizada por hipoglicemia, cetonemia, cetonúria, debilidade e cegueira, presente em gestações gemelares, uma vez que o aporte nutricional se torne insuficiente para o desenvolvimento dos fetos (ORTOLANI, 1989; SCHILD, 2007).

As exigências nutricionais de fêmeas gestantes apresentam-se bastante elevadas no terço final da gestação (situação agravada com gestações gemelares). Mediante inadequado manejo alimentar, estes animais apresentam balanço energético negativo (ingestão de energia abaixo do que elas necessitam para o desenvolvimento fetal). Fisiologicamente, o organismo tenta compensar esse déficit energético através de mobilização de reservas corporais (lipólise dos tecidos gordurosos). Entretanto, o fígado não consegue metabolizar todo ácido graxo (gordura) proveniente da lipólise, tendo como conseqüência a formação de corpos cetônicos   (ORTOLANI, 1989). A etiologia da TP não está claramente definida, embora se saiba que não é de ordem infecciosa, nem devido à deficiência de alguma vitamina ou mesmo algum mineral em específico (WASTNEY et al., 1983).

O perfil metabólico pode ser definido como sendo um grupo ou combinações de constituintes sanguíneos analisados conjuntamente em um teste. As escolhas das variáveis a serem analisadas dependem da importância das mesmas no problema a ser investigado, do seu custo, da facilidade de análise e da estabilidade da amostra até o processamento no laboratório (GONZÁLES & SCHEFFER, 2003). Segundo (SUCUPIRA, 2003), devido aos diferentes achados experimentais na literatura e aos conflitos de opiniões, muitas dúvidas ainda imperam sobre a real importância de uma série de provas laboratoriais no diagnóstico de distúrbios metabólicos. Embora os metabólitos sanguíneos estejam sujeitos a grande controle homeostático, a partir de alterações metabólicas e endócrinas que ocorrem no organismo animal, espera-se encontrar uma ou um conjunto de variáveis que possam auxiliar no diagnóstico de carência de nutrientes ou na avaliação do status energético protéico do animal (SUCUPIRA, 2003; SOARES et al., 2008). Objetivou-se, contudo, avaliar o perfil de indicadores bioquímicos sanguíneos e corpo cetônico na urina em ovelhas da raça Dorper durante o terço final da gestação, parto e pós-parto, e sua relação com o aparecimento de toxemia da prenhez.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Foram utilizadas 12 ovelhas da raça Dorper, oriundas de propriedade que com sistema de criação o regime semi-intensivo, com oferta de pasto, ração concentrada (farelo de soja e farelo de milho) e água ad libitum. As ovelhas foram monitoradas quando ao ciclo reprodutivo, verificando-se os critérios de sincronização de estro e inseminação artificial (AI), quando foram registrados, em protocolos por propriedade, datas de cio e IA, para o efetivo controle do período provável de parto e, por conseguinte, coleta de material biológico. Decorridos 30 dias da IA, todos os animais foram submetidos à avaliação ultrasonográfica para registro de positividade da prenhez, bem como do número de fetos. A partir do 90 dias de gestação, iniciou-se coleta de material biológico para análises laboratoriais, e estas foram efetivadas em diferentes tempos, constituindo-se, portanto, os seguintes momentos: M0 (-60), M1 (-60), M2 (-30), M3 (-21), M4 (-15), M5 (-7), M6 (Parto), M7 (7), M8 (14) e M9 (28).

Amostras de sangue foram coletadas por venopunção jugular, em tubos siliconizados vacutainerâ, sem anticoagulante e com anticoagulante (fluoreto), para obtenção de plasma e soro, respectivamente. A obtenção das amostras de urina foi feita por micção espontânea dos animais, utilizando-se bolsa plástica tipo colonostomia (Mark Medâ) e foi aplicada na região peri-vulvar por adesão com cola adesiva. Imediatamente após a micção, a urina foi condicionada em recipiente coletor estéril de urina (Cral-Plastâ). Foi avaliada a presença de corpo cetônico com a utilização de tira reagente. As variáveis analisadas foram: glicose e colesterol total plasmáticas e no soro foram analisadas: frutosamina, creatinina, uréia, proteína total, albumina, globulina e triglicérides. As determinações bioquímicas sangüíneas foram realizadas em analisador bioquímico semi-automático BIOPLUS 2000.

            Os dados foram processados utilizando-se o procedimento GLM do SAS (SAS, 2000). Na existência de significância no teste F as médias foram contrastadas pelo Teste de Duncan. Realizou análises de correlação para verificar a relação entre pares de variáveis (LITTLE & HILLS, 1978). Para todas as análises estatísticas realizadas foi adotado o nível de significância (P) de 5%.

RESULTADOS

Com base no conjunto de variáveis do perfil bioquímico energético e protéico, nos três períodos considerados, ou seja, terço final de gestação, parto e pos parto, foram registrados efeitos significativos para as respectivas variáveis: proteína total (P < 0,0001), globulina (P < 0,0001), uréia (P < 0,0001), creatinina (P < 0,0001), glicose plasmática (P = 0,0180), colesterol total (P < 0,0001), triglicerídeos (P < 0,0001) e glicose urinária (P = 0,0408). Com relação à albumina (P = 0,2551) e frutosamina (P = 0,1603), o perfil destas variáveis não diferiu diferentes períodos. Na análise do perfil da proteína total, observam-se maiores médias no período correspondente ao terço final de gestação em relação ao momento do parto, tendo uma recuperação destas médias até o tempo de 28 dias pós-parto. Perfil análogo foi observado em relação à globulina. Menor média da variável uréia foi registrada 60 dias anteriores ao parto (3,70 mmol/L), sendo que estas médias aumentaram até o momento do parto, apresentando diminuição discreta no pós-parto. Quanto à creatinina, observa-se um aumento gradual ao longo do término do período de gestação, quando foi registrada maior média no período do parto (87,44 µmol/L), sendo que as médias foram diminuindo nas semanas subseqüentes, inclusive apresentando registrando-se menores médias 14 e 28 dias após o parto, respectivamente.

Menor média da glicose plasmática (0,85 mmol/L) foi registrada sete dias após o parto, porém estas médias evidenciaram-se maiores nas semanas seguintes e análogas aos momentos correspondentes ao terço final da gestação. Menores concentrações plasmáticas de colesterol foram registradas no período decorrente de 21 dias antes do parto até 14 dias pós-parto, sendo que menor média foi registrada no período de parto (1,33 mmol/L). Já em relação às concentrações séricas de triglicerídeos, verifica-se uma diminuição desta concentração com o decorrer das semanas da gestação, registrando-se menor média no período do parto (0,20 mmol/L), sendo que os valores seguintes ao parto apresentam-se semelhantes a este.

Quanto à presença de corpo cetônico na urina, 8,33 % de animais apresentaram tal indicador, seguido de 16,67 apresentando tais corpos cetônicos na sétima e 14a semanas após o parto. Procedeu-se com análise de relação entre o conjunto de variáveis em relação à concentração sanguínea de frutosamina, verificando-se que esta apresentou variados graus (P<0,05) de relação com a proteína total (r = 0,30), albumina (r = 0,32), colesterol (r = 0,25), glicose plasmática (r = 0,23) e glicose urinária (r = 0,26).

 

DISCUSSÃO

            Os resultados mostraram haver uma variação significativa de um maior conjunto de metabólitos do perfil energético e protéico nas ovelhas, nos três períodos do ciclo gestacional, ou seja, terço final da gestação, parto e pós-parto. Assim sendo, no momento do parto foi observado uma menor concentração de proteína total, globulinas, colesterol e triglicérides, e um aumento da uréia e creatinina. Importante considerar que em todos os casos, após o parto, no decurso do primeiro mês, tais metabólitos apresentaram suas médias próximas aos valores do momento inicial do experimento, ou seja, 60 dias antes do parto.

            As concentrações sanguíneas de proteína total, albumina, globulina e uréia apresentaram-se dentro dos valores considerados de normalidade para a espécie (CONTRERAS et al., 2000), sendo estes indicadores importantes da interpretação do perfil protéico (SUCUPIRA, 2003). O perfil destes indicadores aqui presente está correlato aos observados por CONTRERAS et al. (2000). No decurso das semanas finais de gestação, observou-se diminuição da concentração sérica de proteína total nas ovelhas. Segundo GONZÁLES et al. (2003), a síntese das proteínas está diretamente relacionada com o estado nutricional do animal.  Já com relação às globulinas, as quais também diminuíram significativamente, não tem sido encontrada na literatura uma explicação plausível para tal perfil.

            Verificou-se que no momento do parto o valor médio da uréia estava acima do valor basal (7,19 mmol/L) e superior ao valor máximo de referência (2,5 – 6,7 mmol/L), segundo CONTRERAS et al. (2003). Na seqüência da avaliação, este valor diminuiu nas semanas seguintes ao parto. O aumento deste indicador nos animais avaliados pode ser relacionado com a quantidade de amônia convertida em uréia no organismo, sendo uma função da quantidade total de proteína degradada e a taxa de incorporação de amônia na proteína microbiana, uma vez que o alto consumo de proteína degradada no rumem resulta em maiores concentrações de uréia sérica (SUCUPIRA, 2003).

            A identificação de corpo cetônico na urina foi considerada baixo no total dos animais acompanhados, na semana que antecedeu ao parto. Sabe-se que o organismo compensa déficits de energia com a mobilização de reservas corporais, e que o fígado não consegue metabolizar todo ácido graxo proveniente da lipólise, tendo como conseqüência a formação de corpos cetônicos (ORTOLANI, 1994; GONZÁLES e SCHEFFER, 2003). Mesmo tendo observado esse baixo percentual de corpo cetônico na urina, tal indicador é de extrema importância no monitoramento de animais no terço final de gestação, para que se possam tomar medidas de controle quando este esta presente, inclusive muito aumentado. Não foram encontradas evidências de grave balanço energético negativo na avaliação dos metabólitos no terço final da gestação, relacionado com o aparecimento da TP.

 

CONCLUSÕES

            Variação de indicadores bioquímicos do perfil energético e protéico em ovelhas Dorper, no final da gestação e no momento do parto, em regime de criação semi-intensivo, é significativo, indicando que tal variação ocorre em função do período gestacional, sendo o terço final de gestação considerado um período de maior atenção no que diz respeito a enfermidades de ordem metabólica.

REFERÊNCIAS

CONTRERAS, P. A.; PHIL, M. Indicadores do metabolismo protéico utilizados nos perfis metabólicos de rebanhos, In: GONZÁLES, H.D. Perfil metabólico em ruminantes: seu uso em nutrição e doenças nutricionais. Porto Alegre: CENTERLAB, 2000, p. 23-30.

GONZÁLES, F. H. D.; SCHEFFER, J. F. S. Perfil sanguíneo: ferramenta de análise clínica, metabólica e nutricional. In: GONZÁLES, F. H. D.; CAMPOS, R. In: SIMPÓSIO DE PATOLOGIA CLÍNICA VETERINÁRIA DA REGIÃO SUL DO BRASIL 1, 2003, Porto Alegre: Anais...Porto Alegre: Gráfica da UFRGS, 2003. p. 73-89.

LITTLE, T. M.; HILLS, F. J. Agricultural experimentation: design and analysis. New York: John Wiley, 1978. 350 p.

ORTOLANI, E. L.; BENESI, F. J. Ocorrência de toxemia da prenhez em cabras (Capra hicus, L) e ovelhas (Ovis Aries, L) criadas no estado de São Paulo, Brasil. Revista da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, São Paulo, v. 26, n. 2, p. 229-234, 1989.

SCHILD, A. L. Cetose. In: RIET-CORREA F., SCHILD AL, LEMOS RAA , BORGES JR. Doenças de ruminantes e eqüinos. Editora Pallotti: Santa Maria, v. 2, p. 269-274. 2007.

SOARES, P. C.; MARTINELE, I.; D’AGOSTO, M.; MARUTA, C. A.; SUCUPIRA, M. C. A.; ANTONELLI, A. C.; MORI, C. S.; ORTOLANI, E. L. Effect of an energy-deficient diet on population of ciliate protozoans in bovine rumen. Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia, Belo Horizonte, v. 60, n. 1, p. 148-155, 2008.

STATISTICAL ANALYSES SISTEM INSTITUTE, Inc 1996. SAS user´s guide: Statics Version, 1996. SAS, Cary, N. C.

SUCUPIRA, M. C. A. Estudo comparativo de exames clínico-laboratoriais no diagnóstico de carência energética prolongada em garrotes. 2003, 173f. Tese (Doutorado) – Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade de São Paulo, São Paulo.

WASTNEY, M. E.; WOLFF, J. E.; BICKERSTAFFE, R.; RAMBERG, C. F.; BERMAN, M. Kinetics of glucose metabolism in sheep. Australian Journal of Biological Sciences, Melburne, v. 36, n. 5-6, p. 463-469, 1983.