OTITE INTERNA SECUNDÁRIA A BRONCOPNEUMONIA EM OVINO: RELATO DE CASO

 

Talita Maria Pimenta de Paoli¹, Graziela Barioni², Maria Aparecida da Silva³,

Marcus Alexandre Vaillant Beltrame4

1. Médica Veterinária Residente Clínica, Cirurgia e Anestesiologia de Eqüinos, Centro Universitário Vila Velha (UVV). CEP: 29102-690, Vila Velha- ES.

2. Médica veterinária, Dr.ª, Prof.ª do Curso de Medicina Veterinária, Centro Universitário Vila Velha (UVV).

E-mail: gbarioni@uvv.br (autor correspondente)

3. Médica Veterinária Residente Patologia Animal, Centro Universitário Vila Velha (UVV).

4. Médico veterinário, especialista, Prof. do Curso de Medicina Veterinária, Centro Universitário Vila Velha (UVV).

 

PALAVRAS-CHAVE: Infecção bacteriana, ouvido, pneumonia.

 

ABSTRACT

 

INTERNAL OTITIS AND CONCURRENT BRONCOPNEUMONIA IN SHEEP: CASE REPORT

This study reports a case of an internal ear infection associated with a concurrent respiratory disease in a 5-year-old Santa Inês sheep. Clinical signs included head tilt, drooped right ear and right side of the mouth, no menace response of the right eye, paresis in the right eye, accumulation of food on the right side of the mouth, abnormal breathing patterns, and hypophonesis in the respiratory auscultation. Results show the need for greater attention to the physical examination of patients with respiratory disorders due to the possibility of secondary ear infections; such an examination would avoid neurological impairment. Further research on this subject would also contribute to the development of effective treatment.

 

KEYWORDS: Bacterial infection, ear, pneumonia.

 

INTRODUÇÃO

A otite é definida como a inflamação das estruturas auditivas; é classificada de acordo com a região anatômica. A otite interna é o resultado do envolvimento do nervo vestíbulo-coclear (PUGH et al., 2005), pode ser causada por bactérias, vírus ou fungos, infestação parasitária, neoplasias, lesões vasculares e disfunção imune (BLYTHE, 1997) e geralmente é acompanhada por sintomas vestibulares periféricos, como desvio e rotação da cabeça e paralisia do nervo facial ipsilateral (PUGH et al., 2005). Os sinais neurológicos são decorrentes da diminuição da drenagem pelos condutos auditivos em razão do edema de mucosa e obstrução por exsudato, que podem ocasionar infecções persistentes e lesão dos nervos faciais (JENSEN et al., 1982).

Vários casos descritos em ovinos indicam que as otites média e interna podem ser decorrentes de infecções respiratórias pela migração das bactérias através dos condutos auditivos (PUGH et al., 2002). As principais bactérias isoladas de otite média são Pseudomonas aeruginosa, Pasteurella haemolytica, Pasteurella multocida, Staphylococcus coagulase positiva hemolítico e Streptococcus hemolítico (MACLEOD et al.,1972; JENSEN et al., 1982).

Este trabalho relata o caso de uma ovelha apresentando sinais neurológicos em decorrência de otite interna secundária a infecção respiratória.

 

MATERIAL E MÉTODOS

No mês de abril de 2009, foi atendido no Hospital Veterinário (HV) “Prof. Ricardo Alexandre Hippler” do Centro Universitário Vila Velha (UVV) um ovino, fêmea, raça Santa Inês, 9 anos de idade, pesando 40 Kg, com histórico de acúmulo de conteúdo alimentar no vestíbulo oral direito, caquexia e apatia.

Ao exame clínico a ovelha apresentava-se alerta, cabeça inclinada para a direita, orelha direita pendulada e sem movimentação, mucosas ocular e vulvar pálidas e linfonodos submandibular direito e pré-escapular esquerdo aumentados. Ao exame da cavidade oral observou-se presença de restos vegetais e ração no vestíbulo oral direito, ausência do 1º e 2º incisivos e mobilidade dentária. Foi realizado exame neurológico, no qual se constatou assimetria facial com desvio do focinho para a direita devido atrofia dos músculos facias ipsilaterais, estrabismo direito ventro-medial com rotação do globo ocular; tônus facial, reflexo palpebral e movimentação de orelha, pálpebra e lábio direito diminuídos, decorrentes da lesão em nervos troclear, vestíbulo-coclear e facial. Durante o exame otoscópico pode-se visualizar a hiperemia da membrana mucosa e discreta quantidade de exsudato purulento no conduto auditivo direito. Ao exame do sistema respiratório evidenciou-se tipo respiratório abdominal, ausência de alterações a percussão, entretanto à auscultação foi constatada intensa hipofonese.

Foram coletadas amostras de sangue e fezes e a avaliação laboratorial revelou que o animal apresentava-se anêmico (hematócrito 16%), com hiperfibrinogemia, neutrofilia e linfopenia; exame parasitológico das fezes revelou um alto parasitismo (32.150 ovos e 150 oocistos) por grama de fezes. Coletou-se liquor para análise citológica e microbiológica, não sendo observadas alterações. No exame microbiológico de swab obtido do ouvido direito foi diagnosticada uma infecção mista por Staphylococcus aureus, Escherichia coli e Klebsiella sp. Realizou-se lavado traqueal e otológico e o material obtido foi enviado para cultura e antibiograma, sendo observado crescimento de Escherichia coli e Pseudomonas aeruginosa (lavado otológico) e Escherichia coli no lavado traqueal.

Inicialmente a ovelha foi tratada com ceftiofur (14 dias), flunexim meglumine (3 dias), fluidoterapia enteral com solução eletrolítica (5 dias), mas não apresentou melhora. Após lavagem otológica do ouvido direito e baseando-se no resultado do antibiograma, uso de enrofloxacina (16 dias). O animal não respondeu bem ao tratamento sendo indicada a eutanásia e realização de necropsia.

À necropsia durante avaliação macroscópica, externamente era evidente estado nutricional ruim, caquexia, desidratação de 8%; região peitoral com ulceração avermelhada de aproximadamente 3 cm de diâmetro; ausência dos primeiros e segundos incisivos; orelha direita com secreção de aspecto gelatinoso. Internamente eram evidentes linfonodos retrofaríngeos aumentados de tamanho; presença leve de espuma na traquéia indicando edema; pulmão hipocreptante, edemaciado, levemente congesto, áreas de coloração avermelhada em lobo direito na porção crânio-ventral, indicativo de pneumonia; presença de hidropericárdio em pequena quantidade, atrofia serosa da gordura; presença moderada de hidroperitônio; presença de um nódulo calcificado de 1 cm de diâmetro em fígado; atrofia gordurosa bilateral de pelve renal; presença de Haemonchus contortus em abomaso; cérebro apresentando lipofuscinose e substância cinzenta pálida; conduto auditivo direito apresentando secreção purulenta. Foram coletados fragmentos de órgãos para confecção das lâminas histopatológicas conforme as técnicas de rotina para inclusão em parafina e coloração por hematoxilina e eosina e swabs de pulmão e conduto auditivo direito para exame microbiológico.

No exame microscópico foi possível observar no pulmão, alvéolos e brônquios preenchidos por acentuado infiltrado inflamatório (pneumonia), com áreas de rompimento alveolar (enfisema pulmonar); presença de Sarcocystis neurona no miocárdio; baço moderadamente congesto com leve atrofia de polpa branca; fígado com degeneração vesicular predominantemente em hepatócitos centro lobulares, processo inflamatório polimorfonuclear; hiperemia moderada devido ao processo inflamatório e provavelmente associada à anemia; rim com presença de material amorfo eosinofílico no interior dos túbulos renais e no espaço de Bowman (proteinose).

Do material enviado para exame microbiológico foi isolado Escherichia coli nas amostras de pulmão e conduto auditivo direito, os microorganismos Klebsiella ozaenae e Pseudomonas aeruginosa foram isolados somente nas amostras de conduto auditivo direito.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Por meio dos sinais clínicos de ptose de orelha e lábio direito, com retenção de alimento no vestíbulo oral, paresia da pálpebra, rotação da cabeça para o lado direito e a presença de hiperemia e secreção auditiva foi realizado o diagnóstico de otite médio/interna com comprometimento dos nervos facial e vestíbulo-coclear. E os sinais de respiração abdominal e hipofonese a auscultação pulmonar são indicativos do comprometimento respiratório.

Segundo MAYHEW (1989) as causas mais frequentes de problemas do nervo vestibular são devidas a otites médias/internas e a traumatismos craneanos e o comprometimento do nervo facial em situações de otite deve-se ao fato deste nervo estar separado da bolha timpânica apenas por uma membrana muito fina.

A presença de sinais de comprometimento respiratório associado à otite, com o mesmo agente etiológico, Escherichia coli, está de acordo com os relatos de Jensen et al. (1982), MAYHEW (1989), PUGH et al. (2002) e DUARTE & HAMDEN (2004), os quais afirmam que os quadros de otite média/interna comumente estão associadas a pneumonias, devido a migração das bactérias através dos condutos auditivos.

            Segundo YERUHAM & ELAD (1999) e PUGH et al. (2002), as otites normalmente têm um caráter de infecção mista, sendo, portanto isolados vários agentes concomitantemente, essa característica também pode ser observada neste caso onde na análise microbiológica do lavado otológico foi evidenciada a presença de Staphylococcus aureus, Escherichia coli, Klebsiella sp. e Pseudomonas aeruginosa. Entretanto, AL-FARWACHI & AL-HASSAM (2008) baseados nos resultados de um estudo clínico e bacteriológico de 200 ovelhas com otite externa, afirmam que as infecções por um único patógeno são mais comuns do que infecções mistas.

A ocorrência de otite clínica nesta ovelha está associada ao quadro de imunossupressão decorrente da idade avançada, caquexia, alta infestação parasitária e estar no pós-parto. Apesar dos clínicos considerarem a otite uma infecção de doença de baixa ocorrência JENSEN et at. (1982) demonstrou por meio de necropsias realizadas em cordeiros que pode-se verificar uma alta incidência. O que pode indicar que a suposta baixa ocorrência deve-se mais à deficiência em diagnosticar a otite.

O insucesso na terapia neste caso clínico corrobora com os relatos da literatura que afirmam que as terapias instituídas para estes casos serem geralmente pouco eficazes. Em cerca de 50% dos casos há apenas melhorias temporárias (JENSEN et al., 1982).

 

CONCLUSÃO

O relato deste caso clínico demonstra que os clínicos necessitam de maior atenção no exame físico de pacientes com quadros respiratórios devido à ocorrência de otites secundárias, evitando assim o comprometimento neurológico. Destaca ainda a necessidade de pesquisas sobre o assunto e o estabelecimento de possibilidades de tratamento eficazes.

 

REFERÊNCIAS

AL-FARWACHI M. I., AL-HASSAN M. M. Clinical and microbiological study of otitis externa in sheep Iraqi Journal of Veterinary Sciences, Mosul, v. 22, n. 1, p. 43-48, 2008.

BLYTHE L.L. Otitis media and interna and temporohyoid osteoarthropathy. Veterinary Clinics of North America . Equine Practice, Philadelphia, v. 13, p. 31, 1997.

DUARTE, E.R.; HAMDAN, J.G. Otitis in cattle. An aetiology review. Journal of Veterinary Medicine, Series B, Berlin, v. 5, p. 1-7, 2004.

JENSEN, R.; PIERSON, R.E.; WEITHEL, J. L., TUCKER, J. O., SWIFT, B. L. Middle ear infection in feedlot lambs. Journal of the American Veterinary Medical Association, Schaumburg, v. 181, n. 8, p. 805-807, 1982.

MACLEOD, N. S. M.; WIENER, G.; BARLOW, R. M. Factors involved in middle ear infection (oitis media) in lambs. Veterinary Record, London, v. 91, p. 360, 1972.

MAYHEW, I. G. Large animal neurology, Lea & Febiger. 1989.

PUGH, D. G., MACHEN, M. R., WALDRIDGE, B. M., CEBRA, C., CEBRA, M., BELKNAP, E. B., WILLIAMSON, L. H. Enfermidades do sistema nervoso. In: PUGH, D. G. Clínica de ovinos e caprinos. São Paulo: Roca, p. 311-352, 2005.

YERUHAM, D., ELAD, M. L. Clinical and microbiological study of an otitis media outbreak in calves in a dairy herd. Journal of Veterinary Medicine, Series B, Berlin, v. 46, p. 145-150, 1999.