COMPRESSÃO E ESTENOSE ESOFÁGICA ASSOCIADAS À LINFADENITE CASEOSA EM
OVINO
Leonardo de Rago
Nery Alves1, Marina Rios de Araújo2, Luigi
Francis Lima Cavalcanti1, Márcio Gianordoli Teixeira Gomes3, Juliana Del Giúdice Paniago4,
Rubens Antônio Carneiro5, Roselene Ecco6
1. Médico Veterinário
2. Mestranda
3. Doutorando em Zootecnia,
Escola de Veterinária - UFMG
4. Residente
5. Professor Adjunto. Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinária-UFMG
6. Professora Adjunta. Setor de Patologia. Departamento de Clínica e Cirurgia
Veterinária. Escola de Veterinária - UFMG. Belo Horizonte, MG, Brasil,
30193-970. E-mail: ecco@vet.ufmg.br (autor
correspondente)
PALAVRAS-CHAVE: Abscesso, Corynebacterium pseudotuberculosis, regurgitação de alimento.
ABSTRAT
ESOPHAGEAL COMPRESSION AND STENOSIS ASSOCIATED WITH CASEOUS
LYMPHADENITIS IN SHEEP
This paper describes the occurrence of esophageal compression and
stenosis associated with caseous lymphadenitis in sheep from Minas Gerais,
Brazil. Over a four-month period, clinical signs were progressive and included
episodes of regurgitation, coughing, and dyspnea after eating. Thoracic
radiography revealed esophageal dilatation and the presence of a round
radiopaque mass in the mediastinum. In view of a poor prognosis, euthanasia was
performed. Grossly, aortic and thoracic lymph nodes were enlarged in the
mediastinal region due to abscess formation. Consequently, there was
compression, local stenosis, and moderate cranial dilatation. The ulcer in the
esophageal mucosa communicated with the abscess within the mediastinal lymph
nodes and drained its exsudate into the lumen. Mammary and uterine abscesses
were also found, all of which were assessed through morphological and
biochemical examination. Microscopic analysis showed severe lymphadenitis and
ulcerative esophagitis associated with chronic active inflammation of
adventitial and muscular layers. Corynebacterium
pseudotuberculosis, the
causative agent of caseous lymphadenitis in sheep and goats, was isolated.
These findings highlight the importance of considering caseous lymphadenitis as
differential diagnosis of food regurgitation in small ruminants.
KEYWORDS: Abscess, Corynebacterium
pseudotuberculosis, food regurgitation.
INTRODUÇÃO
Linfadenite
caseosa é uma doença crônica de ovinos e caprinos, causada pela bactéria Corynebacterium pseudotuberculosis. É caracterizada
pela formação de abscessos em linfonodos superficiais e/ou disseminação para
linfonodos internos e outras vísceras (ECKERSALL et al., 2007). Corynebacterium pseudotuberculosis é
uma
bactéria gram positiva, intracelular facultativa,
patogênica para várias
espécies de mamíferos incluindo ovinos, caprinos,
equinos, bovinos, suínos,
búfalos e humanos. Em medicina veterinária, sua maior
importância está
relacionada à ocorrência da linfadenite caseosa em
pequenos ruminantes, estando
presente nos rebanhos de todo o mundo. Essa doença é
responsável por perdas
econômicas consideráveis, devido à
redução na produção de lã, carne e
leite,
diminuição da eficiência reprodutiva,
condenação de carcaças e de couro nos
abatedouros (DORELLA et al., 2006). Uma vez presente no rebanho essa
doença é
de difícil erradicação, em virtude de a terapia
antibiótica ser geralmente
refratária, devido a habilidade desse microrganismo em
sobreviver no ambiente
por períodos prolongados e pela presença de animais com a
doença subclínica (WILLIAMSON,
2001). Esse trabalho tem como
objetivo relatar a ocorrência de compressão e estenose essofágica associadas à
linfadenite caseosa em um ovino
MATERIAIS E MÉTODOS
Um ovino da raça Santa Inês, fêmea, com idade aproximada de seis anos, foi adquirido em janeiro de 2008 para participação em experimento, na Fazenda Experimental da Escola de Veterinária da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), localizada no município de Pedro Leopoldo, MG. Dados epidemiológicos foram obtidos junto ao veterinário responsável pelo animal. Exame clínico e radiografia torácica contrastada (sulfato de bário) foram realizados.
O ovino foi submetido à eutanásia em junho de 2009 devido à condição corporal ruim resultante da perda de peso progressiva e regurgitação constante de alimento. Foi encaminhado ao Setor de Patologia da Escola de Veterinária da UFMG onde foi realizada necropsia. Todos os órgãos foram avaliados macroscopicamente e amostras dos linfonodos aórtico-torácico, mediastínicos, mamário e do esôfago foram coletadas, fixadas em formol neutro a 10% e processadas rotineiramente para histopatologia. Amostras dos abscessos nos linfonodos mediastínicos e aórtico-torácico foram coletadas para isolamento bacteriano.
RESULTADOS
Segundo o médico
veterinário, o ovino passou por um período de adaptação ambiental e nutricional
na fazenda antes de ser utilizado
À
necropsia, o estado nutricional era regular. Havia inúmeras aderências fibrosas
entre a pleura visceral do lobo caudal e cranial direito e a pleura parietal e
entre esta e o diafragma. Foi observado aumento de volume, com cerca de
Histologicamente, no esôfago havia uma área de ulceração da mucosa e grande quantidade de neutrófilos, plasmócitos e macrófagos na camada muscular, associada à perda de fibras e fibrose moderada. Na adventícia, havia infiltrado inflamatório neutrofílico e histiocitário intenso e difuso, semelhante ao encontrado na camada muscular. Os linfonodos estavam com perda da arquitetura tecidual normal, e em um dos cortes observou-se pequena área de tecido cortical e da cápsula. O parênquima foi totalmente substituído por infiltrado neutrofílico acentuado associado a áreas extensas de necrose caseosa com focos de mineralização central, delimitadas por tecido conjuntivo fibroso. No cultivo bacteriológico foi isolada e identificada a bactéria Corynebacterium pseudotuberculosis.
DISCUSSÃO
As alterações macroscópicas e histológicas foram compatíveis com linfadenite caseosa, confirmada pelo isolamento e identificação da bactéria Corynebacterium pseudotuberculosis. A extensa linfadenite dos linfonodos mediastínicos com extensão para o esôfago determinou compressão e estenose esofágica levando à dilatação pré-estenótica e ao quadro clínico de regurgitação alimentar. Nos ovinos, infecção por C. pseudotuberculosis está associada à formação de piogranulomas, sendo a doença classicamente denominada linfadenite caseosa. As lesões ocorrem em duas formas principais: forma externa ou superficial e a forma interna ou visceral. A forma superficial é caracterizada pela abscedação de qualquer linfonodo externamente palpável, dependendo da porta de entrada do microrganismo. Lesões no tecido subcutâneo podem ocorrer sem haver associação direta com a presença de abscessos nos linfonodos, porém é menos comum. A forma visceral está associada a abscessos em linfonodos internos e outros órgãos (BAIRD & FONTAINE, 2007). No animal desse estudo, foi encontrado abscessos no linfonodo aórtico-torácico, nos linfonodos mediastínicos, mamário e na cérvix uterina, não sendo encontrado abscessos nos pulmões, que juntamente com os linfonodos mediastínicos, são os órgãos mais acometidos na forma visceral da linfadenite caseosa. Apesar disso, a presença de aderências fibrosas entre a pleura visceral e parietal e entre a pleura parietal e o diafragma é compatível com a fase de resolução de um processo inflamatório e infeccioso nos pulmões. Nos ovinos, abscessos no fígado, rins, coração, testículos, escroto, útero, articulações, cérebro ou medula espinhal ocorrem com menor frequência (BAIRD & FONTAINE, 2007).
A principal rota de entrada do C. pseudotuberculosis é a pele. A infecção é facilitada pela presença de ferimentos que aparecem durante procedimentos comuns de manejo como tosquia, castração ou outros eventos traumáticos. Outro importante fator de risco para a ocorrência de infecção é o banho para controle de ectoparasitos, pois o microrganismo pode persistir nos fluidos reutilizados ou reciclados. A realização desses banhos após tosquia pode aumentar o risco de linfadenite caseosa (RADOSTITIS et al., 2007). Segundo o veterinário, nessa fazenda, a doença é endêmica com vários animais apresentando sinais clínicos de linfadenite caseosa, especialmente a forma superficial da doença. Essa doença é de difícil controle, pois a bactéria sobrevive por períodos prolongados no ambiente, podendo ser recuperada de superfícies inanimadas 55 dias após contaminação. Solos experimentalmente contaminados podem conter bactérias viáveis após 8 meses. Os ácidos micólicos presentes na membrana celular dessa bactéria são fatores de virulência responsáveis por essa característica de resistência ambiental. Esses ácidos têm propriedades citotóxicas e são responsáveis pela necrose tecidual, além de protegerem o agente das enzimas hidrolíticas presentes nos lisossomos. Dessa forma, essa bactéria resiste à fagocitose sendo considerada intracelular facultativa. Essa característica é essencial para a migração das bactérias do ponto inicial de entrada no organismo animal para os sítios de desenvolvimento das lesões. O C. pseudotuberculosis é pouco adaptado em estabelecer infecção persistente no sítio de infecção e, na maioria das vezes os microrganismos são drenados para linfonodos superficiais e/ou são carreados por macrófagos, por via hematógena ou linfática até órgãos internos (BAIRD & FONTAINE, 2007). Outro fator de virulência importante na patogênese dessa doença é a fosfolipase D. Essa enzima, uma exotoxina codificada pelo gene pld, é responsável pelo aumento da permeabilidade vascular por promover hidrólise da esfingomielina, um lipídio componente da membrana celular. Além disso, prejudica a quimiotaxia de neutrófilos e, como conseqüência, diminui a probabilidade de fagocitose da bactéria no sítio inicial de infecção (DORELLA et al., 2006).
O ovino desse
estudo apresentou abscessos na região do mediastino que levaram a obstrução
esofágica extraluminal com consequente episódios clínicos de regurgitação de
alimento. É importante ressaltar que outras patologias podem causar
regurgitação alimentar e incluem todas as causas de obstrução esofágica
extraluminal, como neoplasias na região do mediastino (linfoma ou timoma) ou na
base do coração (RADOSTITS et al., 2007), abscessos causados por outros agentes
como Mycobacterium bovis (RADOSTITS
et al., 2007), Arcabobacterium pyogenes, Staphilococcus spp. e Streptococcus spp. (UNANIAN et al.,
1985). Ulcerações e perfurações na mucosa esofágica podem ser causadas por substâncias irritantes,
pelo uso inadequado das pistolas dosificadoras (HUNGERFORD, 1990) ou pelo
manuseio incorreto de sondas na tentativa de desobstrução (RADOSTITS et al.,
2007). Nesse ovino, tentativa de desobstrução por sonda foi realizada, e
possivelmente, originou as ulcerações observadas na necropsia.
CONCLUSÃO
A linfadenite caseosa deve ser considerada no diagnóstico diferencial de causas de estenose esofágica e regurgitação de alimento nos ovinos.
REFERÊNCIAS
BAIRD, G. J.; FONTAINE, M. C. Corynebacterium pseudotuberculosis and
its role in ovine caseous lymphadenitis. Journal
of Comparative Pathology,
DORELLA, F. A.; PACHECO, L. G.
C.; OLIVEIRA, S. C.; MIYOSHI, A.; AZEVEDO, V. Corynebacterium pseudotuberculosis: microbiology, biochemical
properties, pathogenesis and molecular studies of virulence. Veterinary Research,
ECKERSALL, P. D.; LAWSON, F. P.;
BENCE, L.; WATERSTON, M. M.; LANG, T. L.; DONACHIE, W.; FONTAINE, M. C. Acute
phase protein response in an experimental model of ovine caseous lymphadenitis.
BMC Veterinary Research, London, v.
3, n. 35, 2007.
HUNGERFORD, T. G. Diseases
of livestock. 9.ed.,
RADOSTITS, O. M.; GAY, C. C.;
HINCHCLIFF, K. W.; CONSTABLE, P. D.
Veterinary Medicine. A textbook of the diseases of cattle, sheep, pigs, goats
and horses. 10.ed.,
UNANIAN, M. M.; FELICIANO
SILVA, A. E.; PANT, K. P. Abscess and caseous lymphadenitis in goats in
tropical semi-arid north-east
WILLIAMSON, L. H. Caseous
lymphadenitis in small ruminants. Veterinary
Clinics of North America: Food Animal Practice,