FALHA DA TRANSFERÊNCIA DA IMUNIDADE PASSIVA EM CORDEIROS MESTIÇOS (SANTA INÊS X DORPER): EFEITO NO PROTEINOGRAMA E TAXA DE MORTALIDADE DO NASCIMENTO ATÉ O DESMAME.

Débora de Fátima Matias da Silva; Joselito Nunes Costa2; Alexandre Lôpo Araújo3; Vitor Santiago de Carvalho4; Ana Paula Cardoso Peixoto5, Lilian Oliveira Alves6 e Margareth Moura Ferreira7

1Médica Veterinária, mestre em Ciência Animal nos Trópicos, Escola de Medicina Veterinária – UFBA.

E-mail: deboramatias@yahoo.com.br (autor correspondente).

2Médico Veterinário, Dr., Prof. Departamento de Patologia e Clínicas, Escola de Medicina Veterinária – UFBA.

3Médico Veterinário, autônomo.

4Médico Veterinário, mestrando em Ciência Animal nos Trópicos – Escola de Medicina Veterinária – UFBA.

5Médica Veterinária, Dr.ª, Prof.ª do curso de Medicina Veterinária da União Metropolitana de Educação e Cultura – UNIME.

6Médica Veterinária, Agência de Defesa Agropecuária da Bahia – ADAB.

7Médica Veterinária, Centro de Desenvolvimento da Pecuária – UFBA.

 

PALAVRAS-CHAVE: Eletroforese, gamaglobulinas, neonatos, ovinos, proteínas séricas.

 

ABSTRACT

 

PASSIVE IMMUNITY TRANSFER FAILURE IN CROSSBRED LAMBS (SANTA INÊS X DORPER) AND ITS EFFECTS ON PROTEINOGRAM AND MORTALITY RATES FROM BIRTH TO 90 DAYS OLD

This study analyzes failure of passive immunity transfer (FTP) in 45 lambs born from healthy and pluriparous ewes. The animals were observed and examined in 6 different periods: 24-72 hours after birth and when they were 7, 15, 30, 60, and 90 days of age (weaning time). Clinical evaluations determined levels of total serum protein and eletrophoretic protein fractions. It was established that values below 4,5g/dL indicated FTP, which occurred in 11 cases (24,4%). Lambs with FTP showed lower concentrations of serum proteins, albumin, alpha globulins, beta-1 and beta-2 globulins, and gamma-globulins (p<0,05). However, there were no significant differences between the groups from 7th to 90th day, indicating a compensation process. The mortality rate reached 11,1%. Deaths were caused by starvation or hypothermia (40%), malformations (20%), and bronchopneumonia (20%). There were also reports of sudden deaths (20%).

 

KEYWORDS: Eletrophoresis, gammaglobulins, neonates, serum proteins, sheep.

 

 

 

INTRODUÇÃO

Os ruminantes têm placenta do tipo sindesmocorial, pela qual não há uma passagem adequada de imunoglobulinas para o feto devido à existência de um maior número de estratos tissulares que separam a circulação materna da fetal. Isso faz com que os neonatos destas espécies sejam hipogamaglobulinêmicos e dependam dos anticorpos absorvidos do colostro. Logo, uma transferência bem sucedida de imunoglobulinas colostrais da ovelha para o cordeiro é de importância primordial para a sobrevivência do recém-nascido (GILBERT et al. 1998; TIZARD, 2004).

A falha da transferência passiva imune (FTP) é a ausência de adequada concentração das imunoglobulinas plasmáticas, diagnosticada entre 24 e 48 horas após o nascimento (HALLIDAY, 1978; Costa, 2001). A condição de FTP é responsável por um aumento na incidência e severidade de casos de septicemia neonatal, pneumonia e diarréia entre outras afecções, elevando significativamente a taxa de mortalidade de ruminantes recém-nascidos e também comprometendo o desempenho produtivo em idades posteriores (DONOVAN et al.,1998; LA RAGIONE et al., 2006). BEKELE et al. (1992) verificaram que 1,8% e 15,3% de 628 cordeiros tiveram falha total ou parcial de transferência de imunoglobulinas maternais e 54,5% dos cordeiros com falha total de transferência de imunidade passiva vieram a óbito.

            O objetivo deste estudo foi avaliar a ocorrência da falha da transferência da imunidade passiva numa propriedade com um determinado sistema de manejo de ovinocultura, verificando a sua influência no proteinograma e na taxa de mortalidade do nascimento até o desmame (90 dias).

 

MATERIAIS E MÉTODOS

            Foram utilizados 45 cordeiros, machos e fêmeas, com graus de sangue variados, (1/2 sangue a 3/4 dorper) nascidos de mães pluríparas com idade média de três anos. Os cordeiros nasciam no piquete ou no curral maternidade, de parto natural e permaneciam com as matrizes ingerindo o colostro ad libitum. Estes foram acompanhados em seis momentos: às 24-72 horas após o nascimento (M1), aos sete dias de idade (M2), 15 dias (M3), 30 dias (M4), 60 dias (M5) e 90 dias de idade (M6). Nestes momentos realizava-se avaliação clínica completa segundo PUGH (2004) e colheita de amostras de sangue para obtenção de soro sanguíneo. Estas amostras foram mantidas sob temperatura -20oC.

Realizou-se dosagem de proteína sérica total pelo método colorimétrico por reação com o biureto utilizando-se kit comercial (Doles), segundo metodologia proposta por GORNALL et al. (1949) modificado por STRUFALDI (1987). A leitura foi realizada em espectrofotômetro utilizando-se comprimento de onda de 550nm. A separação das frações protéicas foi realizada por eletroforese em gel de agarose (Celmgel), utilizando-se tampão Tris pH 9,5 ± 0,2. As placas de gel de agarose foram coradas em negro de amido a 0,2% e descoradas em ácido acético a 5%, de acordo com metodologia descrita por FRIEDMAN (1961). A leitura e o cálculo do fracionamento eletroforético foram realizados em densitômetro a 520 nm segundo CANAVESSI (1997), com separação manual das várias frações protéicas (albumina, alfa, beta e gama globulinas).

            A análise estatística dos dados foi realizada com o auxílio do programa Statistica versão 6.0 (STATISTICA, 2001).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Adotando o critério proposto por FEITOSA et al. (2001), no qual em condições de ausência de desidratação, concentrações de proteína sérica acima de 5g/dL indicam transferência passiva bem sucedida enquanto que valores abaixo de 4,5g/dL são considerados FTP: dos 45 animais utilizados, 11 (24,4%) tiveram proteinemia às 24-72 horas de vida menor ou igual a 4,5g/dL (G1), e 34 tiveram teores de proteínas séricas totais superiores a 4,5g/dL (G2). No entanto há enorme discordância de opiniões entre autores quanto à definição de um valor ideal de proteína total e também nos outros métodos diagnósticos da FTP. Adotando os critérios de NAYLOR et al. (1977), que observaram FTP em bezerros que possuíam concentração de proteína sérica total menor ou igual a 6,0g/dL nós teríamos nesta 66,6% dos animais acometidos. No caso dos valores de referência utilizados por HEATH (1992), que adotou proteína sérica mínima de 5,5g/dL, 46,6% dos cordeiros não teriam um aporte adequado de imunoglobulinas maternais. COSTA (2001) utilizou valor de proteína sérica total de 5,0g/dL, com este parâmetro os índices de FTP nesta pesquisa seriam 37,8%.

            As concentrações de proteínas séricas totais apresentaram valores significativamente superiores (p<0,05) no G2 (6,12±0,44) quando comparados com os valores de G1 (3,94±0,36) no M1. As frações eletroforéticas tiveram comportamento semelhante neste momento. Nos demais momentos as frações protéicas não apresentaram diferenças significativas entre os grupos experimentais.

            Neste estudo, as modificações observadas no perfil eletroforético durante desenvolvimento etário foram basicamente, em conseqüência das frações albumina e gamaglobulina. Isto está de acordo com as observações de KANEKO (1997), verificando que logo após o nascimento as proteínas se apresentam com valores mínimos devido aos baixos teores de globulinas e de albumina. No entanto, após a ingestão de colostro, há um rápido aumento da fração gamaglobulina como resultado da absorção das imunoglobulinas colostrais.

As proteínas séricas totais, no M4, apresentaram concentração discretamente superior no G1 (5,03±0,37) em relação ao G2 (4,88±0,39). Também notou-se que no G1 o valor mais baixo da concentração desta ocorre aos 15 dias de idade (4,84±0,54), enquanto que no G2 o valor mínimo desta concentração ocorre aos 30 dias (4,88±0,39).

A fração gamaglobulina apresentou concentrações superiores (p<0,05) no G2 (1,98±0,98) em relação ao G1 (1,25±0,57) às 24-72h após o nascimento, porém esta diferença não ocorreu nos demais momentos de análise. Nota-se que aos 15 dias as concentrações de gamaglobulinas de G1 (0,98±0,45) apresentam-se discretamente superiores às de G2 (0,97±0,36). Esse comportamento se mantém até os 90 dias de idade.

PAULETTI et al. (2003) verificaram que nos animais com baixa aquisição inicial de anticorpos houve uma produção de imunoglobulinas mais precoce. Já nos animais com concentrações adequadas de anticorpos, verificou-se uma fase de catabolismo prolongada das imunoglobulinas e um início mais tardio da síntese endógena de anticorpos. De acordo com FEITOSA et al. (2003), a produção de imunoglobulinas endógenas parece ser mais acelerada em animais hipogamaglobulinêmicos, verificando a interferência de elevadas concentrações séricas de imunoglobulinas obtidas passivamente, retardando o momento do início da produção ativa das mesmas. Estas observações também foram realizadas por BORGES et al. (2001) que verificaram o comportamento do proteinograma de 32 bezerros holandeses subdivididos em cinco grupos com diferentes métodos de ingestão de colostro e observaram que o grupo de bezerros privados de colostro (hipogamaglobulinêmicos) chegou aos 90 dias com a fração gamaglobulina maior (porém não significativa) do que os bezerros que ingeriram colostro diretamente das vacas.

            A mortalidade de cordeiros neste experimento foi de 11,1% (5 animais), taxa esta equivalente às taxas obtidas por outros autores no Brasil (GIRÃO et al., 1998; RIET-CORREA & MÉNDEZ, 2001). No entanto nossos índices foram inferiores aos obtidos por NÓBREGA JR. et al. (2005). Há uma ampla variação nas taxas de mortalidade e se devem provavelmente ao nível de tecnificação da propriedade ovinocultora, a aspectos de higiene, sistema de criação, etc.

As causas de mortalidade dos cordeiros neste trabalho foram complexo inanição/hipotermia (40%), má-formação (20%), broncopneumonia (20%), e morte súbita (20%). Outros autores também observaram que a causa mais freqüente de óbito de cordeiros no período neonatal é o complexo inanição/hipotermia (CHAARANI et al., 1991; RIET-CORREA & MÉNDEZ, 2001; NÓBREGA JR. et al., 2005) seguida por outras causas que incluem distocia, infecção neonatal, malformação e predação.

 

CONCLUSÕES

            Verificou-se que a ocorrência de FTP em rebanhos ovinos é um fator econômico preocupante no sistema de produção, podendo acometer 24,4% dos cordeiros. Observou-se também que os animais hipogamaglobulinêmicos apresentam baixos teores de proteínas séricas e de todas as suas frações eletroforéticas às 24-72 horas após o nascimento. No entanto, há uma rápida recuperação, e após os sete dias de idade não se verificou diferenças significativas entre estas até os 90 dias. Isto provavelmente ocorreu devido maior estímulo antigênico neste grupo animal por sua condição de hipogamaglobulinemia, o que ocasiona uma aceleração na síntese de imunoglobuinas endógenas. Verificou-se taxa de mortalidade neonatal de 11,1% cujas causas foram complexo inanição/hipotermia, má-formação, broncopneumonia e morte súbita.

 

REFERÊNCIAS

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