SURTO DE ATAXIA ENZOÓTICA
Isadora Karolina Freitas de
Sousa1; Antonio Humberto Hamad Minervino2; Isabella
de Oliveira Barros2; Rejane dos
Santos Sousa1;
Dowglish Ferreira Chaves1; Carolina Akiko Sato Cabral de Araujo2; Raimundo Alves Barrêto Júnior1;
Enrico Lippi Ortolani2
1 Departamento
de Ciência Animal, Universidade Federal Rural do Semi-Árido – UFERSA.
Rodovia BR 110, Km 47, S/N, Costa e Silva, 59625-900, Mossoró, RN. E-mail:
barreto@ufersa.edu.br (autor correspondente)
2 Departamento
de Clinica Médica. Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade
de São Paulo – FMVZ - USP
PALAVRAS-CHAVE: Cobre, deficiência, ferro, minerais.
ABSTRACT
ENZOOTIC ATAXIA OUTBREAK IN SHEEP FROM MOSSORÓ,
This report describes an outbreak of
enzootic ataxia (EA) in sheep raised in the municipality of Mossoró, Rio Grande
do Norte. A total of 5 sheep from a herd of 56 animals were clinically
evaluated and diagnosed as having enzootic ataxia (EA) due to difficulty in
walking, limb ataxia, and tremors which led to falls. The symptoms occurred
after 30 days of birth. All affected animals were submitted to liver biopsy to
determine copper and hepatic iron concentrations. Four months after diagnosis
and use of mineral supplements, another sheep started to show EA symptoms. This
animal and other four healthy ones of the same age were also subjected to liver
biopsy. During the first and second visits to the farm, plasma samples were
collected from healthy and sick animals in order to determine copper levels in
the blood. All mineral analyses were performed by plasma optical emission
spectrophotometry. Evidence of low Cu levels indicated copper deficiency in the
diet, and high iron levels further decreased Cu availability. After Cu
supplementation, the incidence of EA was reduced, although it failed to
increase liver Cu stores or prevent new cases of the disease. Therefore, our
research data reflects the need to increase serum Cu levels for the effective
prevention of new cases.
KEYWORDS: Copper,
deficiency, iron, minerals.
INTRODUÇÃO
A deficiência de cobre acontece quando a dieta contém quantidade anormalmente baixa do mineral (deficiência primaria de cobre) ou quando a sua absorção ou metabolismo são adversamente acometidos (deficiência secundária de cobre) (MASS & SMITH, 2006). A carência de Cu é uma das mais importantes no Brasil e valores baixos desse elemento são encontrados em forrageiras e em fígados de ruminantes das diversas regiões (TOKARNIA et al., 1999; MCDOWELL, 1999). Além disso, diversas formas clínicas da carência de Cu têm sido diagnosticadas em bovinos, ovinos e caprinos de todas as regiões, incluindo a Nordeste (RIET-CORREA, 2004).
No Brasil, as únicas carências diagnosticadas na região semi-árida são a de cobre em ovinos e caprinos sob pastejo e a de selênio em ovinos confinados (RIET-CORREA, 2004). A carência de Cu em ovinos ocorre geralmente pela ingestão de pastagens com baixa concentração de Cu ou pela ingestão de dietas com cobre normal e ricas em elementos antagonistas como molibdênio e ferro (UNDERWOOD & SUTTLE, 1999; RADOSTITS et al., 2002).
A ataxia enzooótica é a expressão máxima da carência de cobre em cordeiros com até 180 dias de vida, sendo caracterizada pela desmielinização do sistema nervoso central e pelos sintomas de cambaleio dos membros posteriores, e em menor grau dos anteriores, paralisia flácida ou espástica, incapacidade total de locomoção e morte. (UNDERWOOD & SUTTLE, 1999). Deste modo, relata-se no presente trabalho um surto de AE ocorrido em propriedade rural no município de Mossoró – RN.
MATERIAL E MÉTODOS
O presente estudo foi realizado em uma propriedade localizada no
município de Mossoró, região oeste do Estado do Rio Grande do Norte. O surto de
ataxia enzoótica ocorreu em dezembro de 2008.
No atendimento realizado ao rebanho foram diagnosticados cinco casos de AE em animais jovens. Foram realizadas biópsias hepáticas nos animais clinicamente acometidos, todos com idade superior a 45 dias, para determinação da concentração hepática de cobre (Cu) e ferro (Fe).
Quatro meses após o diagnostico e recomendação da suplementação mineral adequada, em Abril de 2009, foi realizada nova visita a propriedade, onde um animal foi diagnosticado com AE. Neste ovino e em outros quatro animais hígidos e de mesma faixa etária foi realizada biopsia hepática.
As cirurgias de biópsia hepática foram realizadas por laparotomia, com retirada de cerca de 1 g do órgão (MINERVINO et al., 2009). As amostras de fígado foram acondicionadas em coletores universais e congeladas a 20ºC negativos para posterior análise. Para determinação da concentração de elementos minerais no fígado as amostras foram digeridas em sistema aberto com ácido nítrico-perclorico.
Foram coletadas amostras sanguíneas para realização de hemograma e bioquímica sérica, e determinação da concentração de Cu, Fe plasmáticos. Todas as análises minerais foram realizadas por espectrofotometria óptica por emissão de plasma.
RESULTADOS E
DISCUSSÃO
Durante o atendimento inicial o proprietário relatou que alguns borregos, após o primeiro mês de nascimento, iniciavam um quadro de dificuldade em se locomover, quedas e tremores. Após o inicio dos sintomas, ocorria o agravamento do quadro com apatia e perda de peso e morte.
No momento da visita cinco animais apresentavam os seguintes sintomas clínicos: incoordenação, dificuldade em se levantar e se locomover, quedas freqüentes, ataxia nos membros posteriores e com menos severidade nos membros anteriores, dificuldade para mamar, pêlos ásperos e sem brilho, além de menor desenvolvimento corpóreo que os animais hígidos da mesma faixa etária. Tal quadro clínico é semelhante ao descrito na literatura para ataxia enzoótica tardia em cordeiros (RADOSTITS et al., 2002; SANTOS et al., 2006).
No decorrer da evolução do quadro clínico os animais apresentaram perda de peso, lesões por decúbito e pelas freqüentes quedas e apatia progressiva. Dos quatro animais com sinais clínicos, três morrerem entre sete e 20 dias após o diagnóstico inicial. O animal que sobreviveu permaneceu com seqüelas, tais quais dificuldade de locomoção e inferior crescimento. A alta taxa de letalidade observada nos ovinos deste estudo (75 %) foi semelhante ao relatado em outros trabalhos (SANTOS et al.; 2006).
Como medida profilática, foi recomendado ao proprietário à suplementação do rebanho com uso de mistura mineral múltipla (590 mg Cu/kg suplemento).
Após quatro meses do primeiro atendimento, foi realizada nova visita a propriedade. Constatou-se que um animal apresentava sinais clínicos de AE, similares aos anteriormente citados. Segundo o proprietário a suplementação foi realizada como recomendada.
Não foram observadas alterações marcantes nos parâmetros hematológicos, considerando os animais doentes em relação aos hígidos na mesma faixa etária. Em casos de AE não é incomum a presença de anemia (RADOSTITS et al., 2002; MASS & SMITH, 2006), entretanto este achado não foi observado nos animais deste estudo. Alterações marcantes nas variáveis do perfil bioquímico não foram observadas nos animais desse estudo, inclusive dentre os animais clinicamente afetados. Verificou-se neste estudo que a bioquímica sérica não apresenta relevância para o diagnóstico clínico da ataxia enzoótica em cordeiros.
Os valores médios de cobre no plasma foram de 6,0 µMol/L, não diferindo
entre animais com e sem sintomas clínico de AE. Tai valores são inferiores ao
considerados normais, que variam de
Em relação ao cobre hepático, os valores considerados normais são acima de 101 ppm (UNDERWOOD, 1977), sendo que teores de cobre entre 0-50 ppm indicam deficiência. A concentração de cobre hepático confirmou o diagnóstico clínico de ataxia enzoótica, sendo que tanto os animais clinicamente afetados quando os normais apresentaram baixíssimos valores de Cu no fígado, com média geral de 6,8 ppm. Os valores hepáticos de Cu obtidos no trabalho de SANTOS et al. (2006), onde a incidência da AE foi alta, foram superiores (45,8 ppm) quando comparado aos encontrados nesses estudo. Segundo os referidos autores, o limiar mínimo de Cu necessário para o surgimento de quadro clínico de AE apresenta certa variabilidade, sendo que alguns animais podem apresentar o quadro clínico com níveis não tão baixos de Cu.
TOKARNIA et al. (1999) descrevem baixos teores de cobre nas pastagens e no fígado de ruminantes do semi-árido, necessitando de suplemento mineral adequado para que os animais ingiram a quantidade adequada de cobre por dia, que é de cerca de 8 mg/kg de MS da dieta (McDOWEL, 1999), para tal, no Nordeste, indica-se um suplementação mineral com 0,01 % de cobre para suprir as exigências dessa espécie (RIET- CORREA, 2004). Com base nas informações do rótulo da mistura mineral utilizado na propriedade, verificou-se que o suplemento utilizado continha baixíssimos teores de cobre (15,8 mg de cobre por kg de suplemento), cerca de 0,0016 % de cobre, dez vezes inferior a quantidade recomendada por RIET-CORREA (2004).
O valor médio da concentração hepática de ferro foi de 1530 ppm (MS). Baseando-se nos dados encontrados em UNDERWOOD & SUTTLE (1977) e também seguidos por outros pesquisadores brasileiros (TOKARNIA, et al., 1999) os valores hepáticos de ferro deveriam permanecer entre 181-380. Deste modo verificou-se altíssimo acúmulo hepático deste elemento mineral, o que deve ter contribuído significantemente para a ocorrência da carência de cobre, devido ao antagonismo provocado pelo ferro, que diminui a disponibilidade de cobre para os ruminantes.
No trabalho de SANTOS et al. (2006) verificou-se que a AE era causada pelo excessivo consumo de Fe. Neste estudo, além da provável elevada concentração de Fe na dieta, verificou-se ainda baixíssimos níveis de cobre fornecidos aos animais.
CONCLUSÃO
A ataxia enzoótica acometeu ovinos, em idade superior a 30 dias de nascimento, sendo assim, é caracterizada como a forma tardia da doença. Os sinais clínicos encontrados nesse estudo são semelhantes ao quadro clássico da enfermidade.
Não houveram alterações bioquímicas e hematológicas significante nos animais com AE desse estudo.
Os níveis orgânicos de cobre estavam abaixo no normal para a espécie ovina, o que confirma o diagnostico de AE.
A suplementação com níveis normais de Cu não foi suficiente capaz de prevenir totalmente a ocorrência de AE provavelmente devido ao antagonismo do ferro.
REFERÊNCIAS
McDOWELL, L. R. Minerais para ruminantes sob pastejo em regiões tropicais, enfatizando o Brasil. 3.ed. Gainsville: Universidade da Flórida, 1999, 292 p.
MASS, J; SMITH, B. P. Deficiência de cobre em ruminantes. In: SMITH, B. P. Medicina interna de grandes animais. 3.ed. Barueri: Manole, 2006.
MINERVINO, A. H. H. et al. Biópsia hepática por laparotomia paracostal em bovinos e búfalos. Ciência Rural, Santa Maria, v. 39, n. 3, p. 798-802, 2009.
RADOSTITIS, O. M. et al. Clínica veterinária. 9.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002. 737p.
RIET-CORREA, F. Suplementação mineral em pequenos ruminantes no Semi-Árido. Ciência Veterinária Tropical, Recife, v. 7, n. 2/3, p. 112-130, 2004.
SANTOS, N. V. M. et al. Avaliação epidemiológica, clínica, anatomopatológica e etiológica de surtos de ataxia em cabritos e cordeiros. Ciência Rural, Santa Maria, v. 36, n. 4, p. 1207-1213, 2006.
TOKARNIA, C.
H. et al. Deficiências e desequilíbrios minerais em bovinos e ovinos- revisão
dos estudos realizados no Brasil de
UNDERWOOD,
E. J. Copper: in trace elements in human
and animal nutrition, 4.ed.
UNDERWOOD,
E. J.; SUTTLE, N. F. The mineral
nutrition of livestock. 3.ed.