TOXEMIA DA PRENHEZ EM CAPRINOS: RELATO DE SURTO

 

Diego Barreto de Melo1, Tatiane Rodrigues Silva2, Josemar M. Medeiros3, Fabíola C. de Almeida1, Elaine Silva Dantas1, Clarice R. M. Pessoa2, Sara Vilar D. Simões4

1. Alunos do Programa de Aperfeiçoamento em Medicina Veterinária da Universidade Federal de Campina Grande, Campus de Patos, 58700-000, Patos, PB, Brasil

E. mail:diego_catole@hotmail.com(autor correspondente).

 2. Alunos do Curso de Mestrado em Medicina Veterinária da Universidade Federal de Campina Grande,

3. Médico Veterinário,  MSc, Universidade Federal de Campina Grande

4. Professores do Curso de Medicina Veterinária da Universidade Federal de Campina Grande

 

PALAVRAS-CHAVE: Doenças metabólicas, doenças da produção, ruminantes.

 

ABSTRACT

 

AN OUTBREAK OF PREGNANCY TOXEMIA IN GOATS

It is crucial to learn about the diseases that can affect domestic animals in different Brazilian regions in order to adopt the necessary control and preventive measures. Therefore, this study investigates an outbreak of pregnancy toxemia in a herd of pregnant goats. The animals had been recently acquired and were submitted to changes as regards feeding and rearing systems, which changed from extensive to semi-intensive. Evidence showed that the goats had normal nutritional levels, so they were not to be associated with the disease. Results revealed high prolificacy of native breeds and changes in both rearing and feeding systems greatly influenced the development of the disease.

 

KEYWORDS: Metabolic diseases, production diseases, ruminants.

 

INTRODUÇÃO

O conhecimento das doenças dos animais domésticos nas diferentes regiões do Brasil é importante para determinar formas eficientes de profilaxia e controle (GUEDES et al., 2007). A toxemia da prenhez acomete caprinos e ovinos nas últimas seis semanas de gestação. A ocorrência da mesma se dá tanto em animais bem alimentados, gordos, como em animais com baixos níveis nutricionais (cetose da desnutrição). Na toxemia por desnutrição o animal não teve acesso a uma quantidade suficiente de nutrientes, especialmente energia, para atender as suas demandas e a dos fetos, geralmente múltiplos. Nos casos em que a enfermidade ocorre devido a superalimentação, o espaço ocupado pelas reservas internas de gordura mais o volume do útero na cavidade abdominal leva a redução da ingestão de matéria seca, no momento em que um incremento no consumo de energia é requerido (SMITH & SHERMAN, 1994).

Mudanças climáticas, além de fatores que gerem estresse, como tratamento com anti-helmínticos, transporte, mudanças no ambiente e confinamento de animais não acostumados podem induzir ao aparecimento da enfermidade (RIET-CORREA et al., 2007).

Os sinais clínicos da toxemia da prenhez se originam da diminuição da utilização de glicose pelo cérebro da mãe. Bruxismo e fraqueza generalizada progridem para anormalidades neurológicas mais aparentes com cegueira, perda do reflexo de ameaça, olhar para estrelas, nistagmo, ataxia, tremores e coma (SMITH & SHERMAN, 1994). Nas fases iniciais da toxemia da prenhez corpos cetônicos são facilmente detectados na urina. Os níveis sangüíneos são variáveis, severa hipoglicemia ou marcada hiperglicemia terminal são ambas possíveis (REID, 1968). Sem tratamento, a taxa de mortalidade aproxima-se de 100% e em rebanhos específicos a doença pode alcançar uma taxa de incidência suficiente para ser classificada como um surto (RADOSTITS et. al, 2002). Em decorrência da importância econômica desta enfermidade, relata-se um surto de toxemia da prenhez em caprinos, enfatizando a epidemiologia e sinais clínicos.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Dados epidemiológicos e clínicos do caso foram obtidos no Hospital Veterinário da Universidade Federal de Campina, localizado no Município de Patos- PB, no qual deu entrada uma cabra sem raça definida, de dois anos de idade, pesando 50kg, proveniente da cidade de Passagem – PB, com a queixa de que há dois dias foi encontrada afastada do rebanho e sem querer se alimentar. Após a identificação do animal procedeu-se a anamnese e o exame físico geral, estabeleceu-se um diagnóstico presuntivo de toxemia da prenhez, foi instituído um tratamento, mas o animal veio a óbito. Durante realização de necropsia foram coletados fragmentos de todos os órgãos que foram fixados e processados por métodos convencionais para exames histológicos e corados pela hematoxilina-eosina.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na anamnese foi relatado que o proprietário há 15 dias havia adquirido 40 cabras prenhes, no terço final de gestação (quatro meses, aproximadamente) sendo transportadas do interior do Pernambuco (Garanhuns, que apresenta um clima frio) para o interior da Paraíba (Passagem - clima quente) e após duas semanas da aquisição desses animais, realizou-se vacinação e vermifugação dos mesmos. Os animais sofreram uma mudança no sistema de criação, passando de um manejo extensivo para um semi-intensivo, recebendo suplementação com farelo de trigo, milho e soja. O proprietário relatou também que outras três cabras prenhes havia apresentado os mesmos sinais clínicos que a cabra atendida e que todas vieram a óbito.

Durante realização do exame físico geral, observou-se que o animal tinha depressão, hiporexia, taquicardia, congestão de mucosas, atonia ruminal, torcicolo e permanecia em decúbito esterno-abdominal. Exames complementares foram realizados e revelaram hipoglicemia, cetonúria e leucocitose. Com base nos achados clínico-laboratoriais, suspeitou-se de toxemia da prenhez e optou-se pela realização da cesariana, na qual removeu-se três fetos viáveis.

Durante o pós-operatório notou-se uma melhora clínica do animal, sendo realizada uma terapia com antibióticos, anti-inflamatórios, precursores de glicose, cálcio, fluidoterapia oral (suco de rúmen), prostaglandina e complexos vitamínicos (vitaminas do complexo B). Realizou-se nova dosagem de glicemia, contatando-se normoglicemia, porém o animal veio à óbito, dois dias após o procedimento cirúrgico.

Os sinais nervosos observados, principalmente a depressão, são sugestivos de alterações no córtex e segundo ORTOLANI (1989) elas ocorrem de acordo com a área cerebral afetada pela falta de glicose. Quanto maior a exigência de glicose, mais rápido e com maior intensidade ele é afetado, assim sendo, o córtex cerebral é o primeiro a ser acometido, sendo este o principal responsável pela sintomatologia nervosa de depressão da consciência, ausência de reação ao meio ambiente.

Apesar da conduta terapêutica ter sido instituída precocemente e conforme sugerida por ORTOLANI (1994) e PUGH (2005) que indicam o combate a hipoglicemia e a interrupção da drenagem de glicose através da retirada dos fetos, ocorreu o óbito da mãe e fetos 48 horas após a intervenção cirúrgica, demonstrando a alta letalidade desta enfermidade o que está de acordo com SMITH & SHERMAN (1994) ao afirmarem que mesmo com cirurgia e fluidoterapia intensiva, o prognóstico é ruim para a sobrevivência das cabras nos estágios finais da toxemia da prenhez e os cabritos são retirados mortos ou morrem poucas horas após a cirurgia.

Na necropsia, macroscopicamente, observou-se ferida cirúrgica com pontos preservados, gordura com aspecto de pó de giz na cavidade abdominal e fígado amarelado Microscopicamente, no tecido hepático visualizou-se vacuolização maciça dos hepatócitos, moderada na região periportal e acentuada na região centro lobular associada à congestão dos sinusóides.

De acordo com o exame clínico, achados laboratoriais e de necropsia confirmou-se o diagnóstico de toxemia da prenhez. A ocorrência de mais três óbitos de cabras no mesmo período gestacional sugere que a enfermidade ocorreu em forma de surto, atingindo 10% do rebanho (quatro animais, de um total de 40). RIET- CORREA et. al. (2007) relataram surtos de toxemia da prenhez no semi-árido quando os animais, após o início da seca, eram confinados para serem suplementados.

Informações já registradas e as obtidas neste surto sugerem que as mudanças na ambiente e confinamento de animais não adaptados, realizados no final da gestação, são fatores predisponentes importantes na epidemiologia da enfermidade no semi-árido. A troca de alimentação no final da gestação, mesmo que de boa quantidade e qualidade pode também desencadear surtos, porque os animais deixam de se alimentar em conseqüências da falta de costume com o novo tipo de alimento.

No surto estudado a enfermidade não esteve ligada a subalimentação ou a superalimentação, tendo em vista que o animal apresentava um estado nutricional normal. Aparentemente a mudança no sistema de criação, manejo alimentar, mudanças no ambiente e as práticas sanitárias utilizadas ocasionaram estresse nos animais e desencadearam a enfermidade.

As cabras consideradas nativas apresentam alta prolificidade, característica que surgiu após o processo de seleção natural ao qual estes animais foram submetidos ao serem introduzidos no Brasil. Houve redução da produção de leite e carne e exacerbação de características reprodutivas com o intuito de assegurar a preservação da espécie. Segundo SMITH & SHERMAN (1994) a toxemia da prenhez ocorre predominantemente em raças com alta prolificidade.

 

CONCLUSÃO

            Por tratar-se de uma enfermidade relacionada aos sistemas de produção e causar elevados índices de letalidade é necessário relatar as formas de ocorrência da doença e conhecer as diversas situações em que a doença pode ocorrer, e desenvolver pesquisas relacionadas ao controle e profilaxia da mesma no semi-árido paraibano.

 

REFERÊNCIAS

GUEDES, K. M. R.; CORREA, F. R.; DANTAS, A. F. M.; SIMÕES, S. V. D.; MIRANDA NETO, E.G.; NOBRE, V. M. T.; MEDEIROS, R. M. T. Doenças do sistema nervoso central em caprinos e ovinos no semi-árido. Pesquisa Veterinária Brasileira, Rio de Janeiro, v. 27, n.1, p. 29-38, 2007.

ORTOLANI E. L. Doenças carênciais e metabólicas em caprinos: urolitíase e toxemia da prenhez. In: ENCONTRO NACIONAL PARA O DESENVOLVIMENTO DA ESPÉCIE CAPRINA, 3., 1994, Jaboticabal. Anais... Jaboticabal: UNESP, 1994, 197p.

ORTOLANI, E. L.; BENESI, F. J. Ocorrência da toxemia da prenhez em cabras (Capra hircus, L) e ovelhas (Ovis aries, L) criadas no estado de São Paulo, Brasil. Revista da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP, São Paulo, v. 26, n. 2, p. 229-234, 1989.

PUGH, D.G. Clínica de ovinos e caprinos. São Paulo: ROCA, 2005, 513p.

RADOSTITS, O. M.; GAY, C. C,; BLOOD, D. C.; HINCHCLIFF, K. W. Clínica veterinária: um tratado de doenças dos bovinos, ovinos, suínos, caprinos e eqüinos. 9.ed., Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002, 1737p.

REID, R. L. The physiopathology of undernourishment  in pregnant sheep with particular reference to pregnancy toxemia. Advances in Veterinary Science, New York, v. 12, p 163-238, 1968.

RIET-CORREA, F.; SCHILD A. L.; LEMOS, R. A. A.; BORGES, J. R. J. Doenças de ruminantes e equídeos. 3.ed., Santa Maria: Paloti, 2007, p.281-286.

SMITH M.C.; SHERMAN D. M. Goat medicine. Pennsylvania: Lea & Febiger, 1994, 620p.