ACIDOSE LACTICA RUMINAL AGUDA EM CAPRINOS

 

Diego Medeiros Oliveira1, João Marcos Araújo Medeiros1, Adriana Cunha de O. Assis1, Patrícia Bueno Neves3, Glauco José Nogueira Galiza1, Sara Vilar Dantas Simões2, Antônio Flávio M. Dantas2 e Franklin Riet-Correa2

1.

1. Alunos do Mestrado em Medicina Veterinária, Hospital Veterinário, CSTR, Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Patos, PB 58700-000, Brasil.

2. Professores do Curso de Medicina Veterinária da Universidade Federal de Campina Grande, Campus de Patos, 58700-000 Patos, PB. E-mail: saravilar@bol.com.br (autor correspondente).

3. Médica Veterinária, MSc

 

PALAVRAS-CHAVE: Carboidratos, doença digestiva, Paraíba, ruminantes.

 

ABSTRACT

 

ACUTE RUMEN LACTIC ACIDOSIS IN GOATS

Rumen acidosis is perhaps the most important non-infectious disease in Brazil. It results from the ingestion of high-concentrate rations. Therefore, this study investigates the occurrence of acute rumen lactic acidosis in goats from Patos, Paraíba, Brazil. A total of 51 goats reared under semi-intensive conditions were fed corn and wheat meal ad libitum, of which 8 got sick. The main clinical signs were apathy, depression, anorexia, congestion of mucous, dehydration, tachycardia, mixed dyspnea, ruminal distention and atony, as well as feces of liquid consistence. Ruminal fluid analysis revealed that four goats had pH 5,0 and three between 4,5 and 5,0. Rumenotomy was performed on animals with pH level below 5,0. Four of them died and three recovered after clinical treatment. At necropsy, chemical ruminitis was observed. The occurrence of acidosis was related to the high corn diet and the lack of roughage resulted in a decrease in fiber. Histological findings showed signs of acute ruminal acidosis and ruminitis, which indicated high lactic acid concentrations in the rumen responsible for epithelial destruction.

 

KEYWORDS: Carbohydrates, goats, indigestion, Paraíba.

 

INTRODUÇÃO

Entre as doenças digestivas não infecciosas a acidose láctica ruminal é talvez a de maior importância no Brasil. Esta enfermidade ocorre mais freqüentemente em bovinos de leite ou corte, mas ovinos e caprinos também são afetados. Dentre os fatores que desencadeiam a doença estão o fornecimento de concentrado a animais que não estão adaptados, a ingestão de grandes quantidades de alimentos ricos em carboidratos mesmo os animais já estando adaptados e a reintrodução de concentrado após um período de jejum. As mudanças bruscas na dieta e a alimentação conjunta de animais de diferentes faixas etárias também são importantes no desencadeamento da acidose ruminal (RADOSTITS et al., 2002; MURRAY & SMITH, 2006; AFONSO & MENDONÇA, 2007).

A acidose láctica ruminal pode se apresentar na forma aguda ou crônica. Na forma aguda ocorre a ingestão exagerada de alimentos ricos em carboidratos, que fermentam rapidamente no rúmen, produzindo grandes quantidades de ácido láctico e ácidos graxos voláteis (AGVs), principalmente o propionato. Esta condição favorece a multiplicação do Streptococcus bovis que leva a produção de quantidades significativas de ácido láctico e a diminuição do pH (<5,5), comprometendo as bactérias Gram (-) e protozoários. Quando o pH chega a valores inferiores a 5,0 o S. bovis é inibido e ocorre a multiplicação do Lactobacillus sp e a concentração de ácido láctico D (-) e L (+) aumentam significativamente no interior do rúmen, levando ao aumento da pressão osmótica e seqüestro de líquido para a luz do órgão. O conteúdo ruminal se torna aquoso e o animal apresenta hemoconcentração, desidratação, acidose metabólica, prostração, coma e freqüentemente morte. (DUNLOP, 1972; RADOSTITS et al., 2002; GARAY & GARCÍA, 2009).

Na forma crônica da acidose observa-se ingestão prolongada de quantidades excessivas de carboidrato associada a níveis inadequados de volumoso bem estruturado. A população microbiana ruminal se adapta à ração rica em grãos e grandes quantidades de microrganismos usuários e produtores de lactato são detectadas. Desta forma, o ácido láctico não se acumula, pois é metabolizado pelas bactérias. Porém, as elevadas concentrações de AGVs principalmente butírico e propiônico estimulam a proliferação do epitélio das papilas ruminais e causa paraqueratose, o que leva a uma menor absorção dos ácidos graxos voláteis e aumenta a ocorrência de traumatismo e inflamações na parede do rúmen. Os efeitos sobre os animais são crônicos e insidiosos, a contínua carga ácida pode reduzir a eficiência metabólica e desempenho geral (SMITH, 2006).

Este trabalho tem por objetivo relatar a ocorrência de um surto de acidose ruminal em caprinos e descrever os achados clínicos, patológicos e os exames complementares que podem ser utilizados no diagnóstico desta enfermidade.

 

 

 

MATERIAL E MÉTODOS

De um lote de 51 caprinos da raça Saanen 8 cabras, com 2 anos e 6 meses de idade e peso corporal médio de 30 Kg, foram encaminhadas ao Hospital Veterinário (HV) da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Um animal veio a óbito durante o transporte e foi encaminhado ao Setor de Patologia Animal. Após a identificação e realização da anamnese procedeu-se o exame físico geral dos animais. Amostras de suco ruminal foram obtidas, por meio de uma bomba de sucção a vácuo acoplada a uma sonda esofágica, e encaminhadas ao Laboratório de Patologia Clínica para avaliação de aspectos como cor, consistência, odor, valor do pH, avaliação dos protozoários, da sedimentação e flutuação e redução do azul de metileno. A análise do suco ruminal foi feita de acordo com o estabelecido por DIRKSEN (1993).

Quatro cabras (n° 2, 3, 4 e 5) foram submetidas a rumenotomia após a constatação que o pH ruminal estava inferior a 5,0 e três (n° 6, 7 e 8) foram submetidas a tratamento com bicarbonato de sódio na dose de 1g/kg por via oral e reposição de fluido ruminal. Os animais que morreram após o tratamento foram encaminhados para a necropsia. Fragmentos dos órgãos da cavidade abdominal e torácica e SNC foram coletados e fixados em formol a 10%. Após fixação, as lâminas histológicas foram confeccionadas em cortes de 5mm e coradas com Hematoxilina e Eosina. 

 

RESULTADOS

Na anamnese obteve-se a informação que as cabras apresentavam diarréia e estavam apáticas. Os animais eram criados em sistema semi-intensivo, o volumoso fornecido em forma de pastejo era Brachiaria spp. e as cabras eram suplementadas com uma mistura de farelo de milho e trigo ad libitum na proporção de 1:1. Havia ocorrido mudanças na alimentação, as áreas de pastejo tinham sido reduzidas em decorrência de chuvas ocorridas na região e o concentrado fornecido passou a ser composto só pelo farelo de milho devido a indisponibilidade momentânea deste último no comércio local.

No exame físico foram identificados sinais como apatia, anorexia, dificuldade para permanecer em estação, mucosas congestas, desidratação, taquicardia, dispnéia mista e atonia ruminal. As fezes estavam escuras, liquefeitas e com odor fétido. Na análise do suco ruminal observou-se que este apresentava aspecto leitoso turvo e odor ácido e pútrido. Não foram observados infusórios vivos e não houve redução do azul de metileno. Quatro cabras apresentavam pH em torno de 5,0 e em três o pH estava entre 4,5 – 5,0. O pH inferior a 5,0 foi utilizado como critério para decidir quais animais seriam encaminhados a rumenotomia.

Os animais que foram submetidos à rumenotomia vieram a óbito em um período de 12 a 24 horas. As cabras que foram tratadas com bicarbonato de Na e reposição de conteúdo ruminal se recuperaram e receberam alta após três dias.

Em todos os animais que foram submetidos à necropsia observou-se que o rúmen estava avermelhado com intensidade leve a acentuada. Uma cabra (2) estava com a mucosa do retículo, omaso e abomaso também avermelhada e outra (4) apresentava úlceras multifocais na mucosa do abomaso. Na microscopia todos os animais apresentavam o rúmen com  vacuolização no citoplasma das células epiteliais da mucosa, com formação de vesículas e pústulas. Na superfície epitelial havia áreas basofílicas, correspondentes a bactérias. Em algumas áreas observava-se desprendimento do epitélio. Nas cabras n° 4 e 5 as alterações citadas no rúmen também foram observadas no retículo. Todos os animais apresentaram no citoplasma dos hepatócitos uma vacuolização difusa e de intensidade leve.

 

DISCUSSÃO

Este trabalho aparentemente descreve o primeiro surto de acidose ruminal em caprinos na Paraíba. O diagnóstico definitivo de acidose ruminal aguda foi realizado de acordo com as os fatores epidemiológicos, os sinais clínicos, análise do conteúdo ruminal e alterações patológicas. Os aspectos clínicos e patológicos relatadas são semelhantes a casos espontâneos e experimentais nos caprinos (BRAUN et al., 1992; NETO et al., 2005).

Após avaliação dos dados da anamnese ficou estabelecido que os casos de acidose ocorreram devido a um desequilíbrio entre a proporção de volumoso e concentrado devido a restrição na oferta de volumoso. Um outro aspecto que foi determinante no desencadeamento do surto foi a substituição do farelo de trigo pelo farelo de milho, pois este último possui maior quantidade de carboidratos. O pH do suco ruminal entre 4,5 e 5,0 e a alta mortalidade observada caracteriza a acidose ruminal aguda com grave prognóstico. A ruminite visualizada no estudo histológico demonstrou que houve elevadas concentrações de ácido láctico no rúmen que causou destruição do epitélio do rúmen. A lesão do epitélio ruminal também pode ser explicada pelo aumento da osmolaridade do suco ruminal que causa influxo de água extracelular através do epitélio (SMITH, 2006).

O uso de bicarbonato de Na por via oral e a reposição de suco ruminal de animais sadios se mostrou satisfatório no tratamento. A ruminotomia de emergência não se mostrou eficiente no tratamento de acidose aguda em caprinos, provavelmente devido ao severo desequilíbrio hidroeletrolítico e ácido básico, característico desta enfermidade, que não pode ser corrigido a tempo quando os animais foram submetidos a intervenção.

 

CONCLUSÃO

O fornecimento de farelo de milho e a restrição de volumoso desencadearam grave acidose lática em caprinos com alta mortalidade.

Uma vez instalada grave acidose ruminal os caprinos apresentam alta mortalidade mesmo se submetidos à rumenotomia de emergência.

 

REFERÊNCIAS

AFONSO, J. A. B.; MENDONÇA, C. L.. In: RIET-CORREA, F.; SCHILD, A. L.; LEMOS, R. A. A.; BORGES, J. R. J. Doenças dos ruminantes e eqüinos. 3.ed. Santa Maria: Palloti, p.313-319. 2007.

BRAUN, U.; RIHS, T.; SCHEFER, U. Ruminal lactic acidosis in sheep and goats. Veterinary Record, London, v. 130, p. 343-349, 1992.

DIRKSEN, G. Sistema digestivo. In: DIRKSEN, G.; GRÜNDER, H. D.; STÖBER, M. Rosenberger. Exame Clínico dos Bovinos. 3.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,. p. 166-228. 1993.

DUNLOP, R. H. Pathogenesis of ruminant lactic acidosis. Advances in Veterinary Science & Comparative Medicine, New Jersey, v. 16, p. 259-302, 1972.

GARAY, E. B.; GARCÍA, J. A. Acidosis ruminal y sus consecuencias. Disponível em: http://www.fmvz.unam.mx/bovinotecnia/BtRgClig013.pdf. Acesso em: jun. 2009.

MURRAY, M. J.; SMITH, B. P. Enfermidades do trato alimentar. In: SMITH B.P. Medicina interna de grandes animais. 3.ed. São Paulo: Manole, p. 593-789. 2006.

NETO, E. G. M.; AFONSO, J. A. B.; MENDONÇA, C. L. Estudo clínico e características do suco ruminal de caprinos com acidose láctica induzida experimentalmente. Pesquisa Veterinária Brasileira, Rio de Janeiro, v.2 5, n. 2, p. 73-78, 2005.

RADOSTITS, O. M.; GAY, C. C.; BLOOD, D. C.; HINCHCLIFF, K. W. Clínica veterinária. um tratado de doenças dos bovinos, ovinos, suínos, caprinos e eqüinos. 9.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002. 1737p.

SMITH, B. P. Medicina interna de grandes animais. 3.ed. São Paulo: Manole, 2006. 1728p.