ACIDOSE LACTICA RUMINAL AGUDA EM CAPRINOS
Diego Medeiros Oliveira1, João
Marcos Araújo Medeiros1, Adriana Cunha de O. Assis1,
Patrícia Bueno Neves3, Glauco José Nogueira Galiza1, Sara
Vilar Dantas Simões2, Antônio Flávio M. Dantas2 e
Franklin Riet-Correa2
1.
1. Alunos do Mestrado
2. Professores do Curso de Medicina Veterinária da Universidade
Federal de Campina Grande, Campus de Patos, 58700-000 Patos, PB. E-mail: saravilar@bol.com.br (autor correspondente).
3. Médica Veterinária, MSc
PALAVRAS-CHAVE: Carboidratos, doença digestiva, Paraíba,
ruminantes.
ABSTRACT
ACUTE RUMEN LACTIC
ACIDOSIS IN GOATS
Rumen acidosis is perhaps the most important
non-infectious disease in Brazil. It results from the ingestion of
high-concentrate rations. Therefore, this study investigates the occurrence of
acute rumen lactic acidosis in goats from Patos,
KEYWORDS: Carbohydrates, goats,
indigestion, Paraíba.
INTRODUÇÃO
Entre as doenças digestivas não infecciosas a acidose láctica ruminal
é talvez a de maior importância no Brasil. Esta enfermidade ocorre mais
freqüentemente em bovinos de leite ou corte, mas ovinos e caprinos também são
afetados. Dentre os fatores que desencadeiam a doença estão o fornecimento de
concentrado a animais que não estão adaptados, a ingestão de grandes quantidades
de alimentos ricos em carboidratos mesmo os animais já estando adaptados e a
reintrodução de concentrado após um período de jejum. As mudanças bruscas na
dieta e a alimentação conjunta de animais de diferentes faixas etárias também
são importantes no desencadeamento da acidose ruminal (RADOSTITS et al., 2002; MURRAY
& SMITH, 2006; AFONSO & MENDONÇA, 2007).
A acidose láctica ruminal pode se apresentar na forma aguda ou
crônica. Na forma aguda ocorre a ingestão exagerada de alimentos ricos em
carboidratos, que fermentam rapidamente no rúmen, produzindo grandes
quantidades de ácido láctico e ácidos graxos voláteis (AGVs), principalmente o
propionato. Esta condição favorece a multiplicação do Streptococcus bovis que leva a produção de quantidades significativas
de ácido láctico e a diminuição do pH (<5,5), comprometendo as bactérias
Gram (-) e protozoários. Quando o pH chega a valores inferiores a 5,0 o S. bovis é inibido e ocorre a
multiplicação do Lactobacillus sp e a
concentração de ácido láctico D (-) e L (+) aumentam significativamente no
interior do rúmen, levando ao aumento da pressão osmótica e seqüestro de
líquido para a luz do órgão. O conteúdo ruminal se torna aquoso e o animal
apresenta hemoconcentração, desidratação, acidose metabólica, prostração, coma
e freqüentemente morte. (DUNLOP, 1972; RADOSTITS et al., 2002; GARAY &
GARCÍA, 2009).
Na forma crônica da acidose observa-se ingestão prolongada de
quantidades excessivas de carboidrato associada a níveis inadequados de
volumoso bem estruturado. A população microbiana ruminal se adapta à ração rica
em grãos e grandes quantidades de microrganismos usuários e produtores de
lactato são detectadas. Desta forma, o ácido láctico não se acumula, pois é
metabolizado pelas bactérias. Porém, as elevadas concentrações de AGVs
principalmente butírico e propiônico estimulam a proliferação do epitélio das
papilas ruminais e causa paraqueratose, o que leva a uma menor absorção dos
ácidos graxos voláteis e aumenta a ocorrência de traumatismo e inflamações na parede
do rúmen. Os efeitos sobre os animais são crônicos e insidiosos, a contínua
carga ácida pode reduzir a eficiência metabólica e desempenho geral (SMITH,
2006).
Este trabalho tem por objetivo relatar a ocorrência de um surto de
acidose ruminal em caprinos e descrever os achados clínicos, patológicos e os
exames complementares que podem ser utilizados no diagnóstico desta
enfermidade.
MATERIAL E MÉTODOS
De um lote de 51 caprinos da raça Saanen 8
cabras, com 2 anos e 6 meses de idade e peso corporal médio de
Quatro cabras (n° 2, 3, 4 e 5) foram submetidas a rumenotomia após a
constatação que o pH ruminal estava inferior a 5,0 e três (n° 6, 7 e 8) foram
submetidas a tratamento com bicarbonato de sódio na dose de 1g/kg por via oral
e reposição de fluido ruminal. Os animais que morreram após o tratamento foram
encaminhados para a necropsia. Fragmentos dos órgãos da cavidade abdominal e
torácica e SNC foram coletados e fixados em formol a 10%. Após fixação, as
lâminas histológicas foram confeccionadas em cortes de 5mm e coradas com Hematoxilina e Eosina.
RESULTADOS
Na anamnese obteve-se a informação que as cabras apresentavam diarréia
e estavam apáticas. Os animais eram criados em sistema semi-intensivo, o
volumoso fornecido em forma de pastejo era Brachiaria
spp. e as cabras eram suplementadas com uma mistura de farelo de milho e trigo ad libitum na proporção de 1:1. Havia
ocorrido mudanças na alimentação, as áreas de pastejo tinham sido reduzidas em
decorrência de chuvas ocorridas na região e o concentrado fornecido passou a
ser composto só pelo farelo de milho devido a indisponibilidade momentânea
deste último no comércio local.
No exame físico foram identificados sinais como apatia, anorexia,
dificuldade para permanecer em estação, mucosas congestas, desidratação,
taquicardia, dispnéia mista e atonia ruminal. As fezes estavam escuras,
liquefeitas e com odor fétido. Na análise do suco ruminal observou-se que este
apresentava aspecto leitoso turvo e odor ácido e pútrido. Não foram observados
infusórios vivos e não houve redução do azul de metileno. Quatro cabras
apresentavam pH em torno de 5,0 e em três o pH estava entre 4,5 – 5,0. O pH
inferior a 5,0 foi utilizado como critério para decidir quais animais seriam
encaminhados a rumenotomia.
Os animais que foram submetidos à rumenotomia vieram a óbito em um
período de
Em todos os animais que foram submetidos à necropsia observou-se que o
rúmen estava avermelhado com intensidade leve a acentuada. Uma cabra (2) estava
com a mucosa do retículo, omaso e abomaso também avermelhada e outra (4)
apresentava úlceras multifocais na mucosa do abomaso. Na microscopia todos os
animais apresentavam o rúmen com
vacuolização no citoplasma das células epiteliais da mucosa, com
formação de vesículas e pústulas. Na superfície epitelial havia áreas
basofílicas, correspondentes a bactérias. Em algumas áreas observava-se
desprendimento do epitélio. Nas cabras n° 4 e 5 as alterações citadas no rúmen
também foram observadas no retículo. Todos os animais apresentaram no
citoplasma dos hepatócitos uma vacuolização difusa e de intensidade leve.
DISCUSSÃO
Este trabalho aparentemente descreve o primeiro surto de acidose
ruminal em caprinos na Paraíba. O diagnóstico definitivo de acidose ruminal
aguda foi realizado de acordo com as os fatores epidemiológicos, os sinais
clínicos, análise do conteúdo ruminal e alterações patológicas. Os aspectos
clínicos e patológicos relatadas são semelhantes a casos espontâneos e
experimentais nos caprinos (BRAUN et al., 1992; NETO et al., 2005).
Após avaliação dos dados da anamnese ficou estabelecido que os casos
de acidose ocorreram devido a um desequilíbrio entre a proporção de volumoso e
concentrado devido a restrição na oferta de volumoso. Um outro aspecto que foi
determinante no desencadeamento do surto foi a substituição do farelo de trigo
pelo farelo de milho, pois este último possui maior quantidade de carboidratos.
O pH do suco ruminal entre 4,5 e 5,0 e a alta mortalidade observada caracteriza
a acidose ruminal aguda com grave prognóstico. A ruminite visualizada no estudo
histológico demonstrou que houve elevadas concentrações de ácido láctico no
rúmen que causou destruição do epitélio do rúmen. A lesão do epitélio ruminal
também pode ser explicada pelo aumento da osmolaridade do suco ruminal que
causa influxo de água extracelular através do epitélio (SMITH, 2006).
O uso de bicarbonato de Na por via oral e a reposição de suco ruminal
de animais sadios se mostrou satisfatório no tratamento. A ruminotomia de
emergência não se mostrou eficiente no tratamento de acidose aguda em caprinos,
provavelmente devido ao severo desequilíbrio hidroeletrolítico e ácido básico, característico
desta enfermidade, que não pode ser corrigido a tempo quando os animais foram
submetidos a intervenção.
CONCLUSÃO
O fornecimento de farelo de milho e a restrição de volumoso
desencadearam grave acidose lática em caprinos com alta mortalidade.
Uma vez instalada grave acidose ruminal os caprinos apresentam alta
mortalidade mesmo se submetidos à rumenotomia de emergência.
REFERÊNCIAS
AFONSO, J. A. B.; MENDONÇA, C. L.. In: RIET-CORREA, F.; SCHILD, A. L.; LEMOS, R. A. A.;
BORGES, J. R. J. Doenças dos ruminantes
e eqüinos. 3.ed. Santa Maria: Palloti, p.313-319. 2007.
BRAUN, U.; RIHS, T.;
SCHEFER, U. Ruminal lactic acidosis in sheep and goats. Veterinary Record,
DIRKSEN, G. Sistema
digestivo. In: DIRKSEN, G.; GRÜNDER, H. D.; STÖBER, M. Rosenberger. Exame Clínico dos Bovinos. 3.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,. p.
166-228. 1993.
DUNLOP, R. H.
Pathogenesis of ruminant lactic acidosis. Advances
in Veterinary Science & Comparative Medicine,
GARAY, E. B.; GARCÍA,
J. A. Acidosis ruminal y sus consecuencias. Disponível em: http://www.fmvz.unam.mx/bovinotecnia/BtRgClig013.pdf. Acesso em: jun. 2009.
MURRAY, M. J.; SMITH, B. P. Enfermidades do trato
alimentar. In: SMITH B.P. Medicina interna
de grandes animais. 3.ed. São Paulo: Manole, p. 593-789. 2006.
NETO, E. G.
M.; AFONSO, J. A. B.; MENDONÇA, C. L. Estudo clínico e características do suco
ruminal de caprinos com acidose láctica induzida experimentalmente. Pesquisa Veterinária Brasileira, Rio de
Janeiro, v.2 5, n. 2, p. 73-78, 2005.
RADOSTITS, O. M.; GAY, C. C.; BLOOD, D. C.;
HINCHCLIFF, K. W. Clínica veterinária.
um tratado de doenças dos bovinos, ovinos, suínos, caprinos e eqüinos. 9.ed.
Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002. 1737p.
SMITH, B. P. Medicina interna de grandes animais. 3.ed. São Paulo: Manole,
2006. 1728p.