IDENTIFICAÇÃO MOLECULAR DO HERPESVIRUS BOVINO TIPO 5 EM UM BOVINO CONFINADO ASSOCIADO COM DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL LABORATORIAL DE OUTRAS CAUSAS DE POLIOENCEFALOMALACIA

 

Paulo Henrique Jorge da Cunha1, Diego José Zanzarini Delfiol2, Didier Quevedo Cagnini2, Peres Ramos Badial2, José Paes de Oliveira Filho2, Giovane Olivo2, Rogério Martins Amorim2, Alexandre Secorun Borges2

 

1- Departamento de Medicina Veterinária, Escola de Veterinária da Universidade Federal de Goiás, Campus Samambaia (Campus II), Caixa postal 131, Goiânia - GO. CEP: 74001-970.

E-mail: phcunhavet@yahoo.com.br (autor correspondente)

2 - Departamento de Clínica Veterinária, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, UNESP - Campus de Botucatu, Distrito de Rubião Júnior s/n, Botucatu - SP, Brasil. CEP: 18618-000.

 

PALAVRAS-CHAVE: Diagnóstico laboratorial, meningoencefalite necrotizante, sistema intensivo.

 

ABSTRACT

 

DIFFERENCIAL DIAGNOSIS OF POLIOENCEPHALOMALACIA DUE TO BOVINE HERPESVIRUS TYPE 5 IN FEEDLOT CATTLE

This study investigates a case of necrotizing meningo-encephalitis caused by bovine herpesvirus in São Paulo. The feedlot-raised calf presented cerebrocortical degeneration. Its ruminal hydrogen sulfide concentrations as well as those of nine healthy animals raised in similar conditions were inferior to 1,000 ppm. Cerebral spinal fluid analysis revealed pleocytosis. Sulphur concentrations in the water and diet were low, as well as hepatic and renal lead concentrations. Laboratory diagnoses of rabies were negative. The main histopathological evidence was telencephalic grey matter necrosis. Bovine herpesvirus type 5 DNA was detected by PCR analysis of formalin-fixed, paraffin-embedded brain tissue samples.

 

KEYWORDS: Intensive system, laboratory diagnosis, necrotizing menigo-encephalitis.

 

 

INTRODUÇÃO

A polioencefalomacia (PEM) é uma encefalopatia degenerativa dos ruminantes não apresentando uma única etiologia, pois vários fatores têm sido associados à sua ocorrência, tais como, alterações no metabolismo da tiamina, intoxicação por chumbo, privação hídrica e/ou intoxicação por cloreto de sódio, ingestão excessiva de enxofre (GOULD, 2000), infecção pelo herpesvirus bovino tipo 5 (BoHV-5) e intoxicação por Phalaris spp. (BARROS et al., 2006).

A meningoencefalite causada por BoHV-5 é uma doença infecciosa aguda e altamente letal, descrita em vários países, causada pelo BoHV-5, um vírus DNA de fita dupla, envelopado, pertencente à família Herpesviridae, subfamília Alphaherpesvirinae (BARROS et al., 2006).

O diagnóstico do BoHV-5 pode ser estabelecido pelos resultados da análise do líquido cefalorraquidiano (ISERNHAGEN, 2005), pelos achados histopatológicos (RISSI et al, 2006) e, principalmente, pela detecção do DNA viral por meio da técnica de PCR em diferentes porções do sistema nervoso central (CLAUS et al., 2005).

O presente trabalho objetivou relatar os achados clínicos e laboratoriais de um bovino confinado com polioencefalomalacia causada por herpesvírus bovino tipo 5.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Um bovino mestiço com aproximadamente 300 kg de peso vivo, em confinamento por um período de 36 dias e pertencente a um lote de 140 animais de um total de 17.000 bovinos confinados, foi atendido em uma propriedade rural no Estado de São Paulo.

O animal foi submetido ao exame físico e específico do sistema nervoso central na propriedade. Neste bovino e em mais nove do mesmo lote foi realizada a dosagem do sulfeto de hidrogênio ruminal. A técnica utilizada foi adaptada de GOULD et al. (1997) com as modificações descritas a seguir. Inicialmente foi realizada a tricotomia da fossa paralombar esquerda e anti-sepsia com iodopovidona (PVPI), sendo que a punção ruminal foi realizada no ponto médio da porção mais dorsal da fossa paralombar esquerda utilizando-se agulha do cateter intravenoso 14G sem a cânula externa de teflon. Em seguida, foi encaixado ao conector da agulha um equipo intravenoso com 15 cm de comprimento, cortando e desprezando-se a extremidade com o gotejador. A ponta cortada do equipo adaptado foi acoplada ao tubo colorimétrico de dosagem de gás sulfídrico, que já estava previamente inserido na bomba manual de vácuo (modelo AP-20S, Sensidyne®, Florida, USA). As mensurações foram realizadas de acordo com o manual do fabricante da bomba de vácuo, padronizando em 100 mL de gás para valores entre 1.000 a 40.000 ppm (modelo 120 SH, Sensidyne®, Florida, USA) de sulfeto de hidrogênio com tempo de amostragem de 1,5 minutos.

A dieta dos bovinos era constituída por 9,4% de torta de algodão, 12,1% de bagaço de cana, 15,4% de milho, 19,5% de gérmen de milho, 26,7% de casca de soja, 0,7% de uréia, 0,3% de calcáreo calcítico, 2,0% núcleo BTP, 0,24% de sal mineral e 13,66% de água. Foi realizada a determinação da concentração do enxofre na ração (1.370 mg/Kg) e na água do bebedouro (1,3 mg/L), respectivamente no Instituto Campineiro de Análise de Solo e Adubo Ltda. e no Laboratório de Fertilizantes e Corretivos da Faculdade de Ciências Agronômicas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (FCA/UNESP/Botucatu).

Para realização da análise do líquido cefalorraquidiano e necrópsia, o referido animal foi encaminhado ao Serviço de Clínica de Grandes Animais do Hospital Veterinário da FMVZ/UNESP/Botucatu. Após a morte natural do bovino, foi realizada a necrópsia, sendo colhidas amostras de tecido hepático e renal para dosagem de chumbo, enquanto fragmentos encefálicos (porção caudal do telencéfalo, o tálamo, o vermix do cerebelo e a porção final do tronco encefálico) foram congelados e encaminhados para diagnóstico diferencial de raiva. As porções restantes do telencéfalo, do cerebelo, o tronco encefálico e o monobloco contendo os gânglios do trigêmio e a “rede mirabile” foram fixados em formol a 10% para realização do exame histopatológico para diagnóstico diferencial das encefalopatias. Posteriormente, foi separado um bloco de parafina de uma região do encéfalo que apresentava lesão sugestiva de meningoencefalite de origem viral para realizar a técnica da PCR para detecção do DNA do herpesvírus bovino tipo 5. A extração do DNA dos blocos de parafina foi realizada com o kit comercial QIAamp® DNA FFPE Tissue (QIAGEN) e a técnica da PCR foi realizada segundo protocolo estabelecido por CLAUS et al. (2005).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A ocorrência de um caso isolado da doença e de forma letal em um confinamento com 17.000 animais corroboraram com os relatos de SALVADOR et al. (1998) que descreveram que a doença ocorre tanto na forma de surtos como na de casos isolados.

No exame neurológico do bovino confinado foi observada intensa apatia, ataxia, amaurose e tremor de cabeça, caracterizando como síndrome cerebrocortical e podendo estabelecer como uma das suspeitas clínicas a polioencefalomalacia (GOULD, 2000).

Os valores observados das concentrações de sulfeto de hidrogênio ruminal no bovino com síndrome cerebrocortical e nos demais nove animais do lote foram inferiores a 1.000 ppm, indicando que os animais não estavam consumindo enxofre em quantidades elevadas (GOULD, 2000). Estes resultados associados com as concentrações de enxofre na dieta (1.370 mg/kg na matéria seca) e na água (1,3 mg/L), dentro do nível recomendado pelo NRC (2005), permitiram descartar a participação do enxofre como agente causador da síndrome cerebrocortical neste bovino.

A análise do líquido cefalorraquidiano revelou pleocitose (262 células nucleadas/µL) com predomínio de linfócitos indicando que o agente etiológico responsável pelo quadro clínico poderia ter origem viral. Possivelmente, trantando-se do BoHV-5, já que segundo ISERNHAGEN (2005) a pleocitose mononuclear foi a alteração marcante no líquor de bezerros infectados experimentalmente pelo vírus da meningoencefalite herpética tipo 5.

O principal achado de necropsia foi hiperemia acentuada na região do córtex frontal direito e esquerdo e, parietal direito. Os achados macro e microscópicos foram semelhantes aos descritos na literatura para meningoencefalite por BoHV-5 (RISSI et al., 2006). O animal apresentou lesões microscópicas meningoencefálicas generalizadas caracterizadas por infiltrado inflamatório composto predominantemente por células mononucleares (linfócitos, plasmócitos e macrófagos). Em três regiões do córtex, concomitante ao infiltrado de células mononucleares havia acentuado infiltrado de células polimorfonucleares. Além das alterações inflamatórias havia necrose cerebrocortical e edema vasogênico que variou entre moderado e acentuado. Notou-se ainda, área focal de malacia da substância cinzenta do córtex telencefálico com presença de inúmeras células Gitter.

As dosagens de chumbo nos fragmentos de tecido hepático e renal apresentaram resultados inferiores a 0,05 µg/g, estando dentro dos valores normais (RADOSTITS et al., 2007), e consequentemente, excluindo a participação deste elemento na etiologia da síndrome cerebrocortical investigada. Os resultados da técnica de imunofluorescência direta (IFD) nos tecidos colhidos do SNC e a inoculação intracerebral em camundongos foram negativos para raiva.

A presença do DNA viral do BoHV-5 obtido por meio da técnica da PCR identificou  como o agente causador da polioencefalomalacia no bovino confinado o herpesvírus bovino tipo 5.

 

CONCLUSÃO

Os achados clínicos associados com os resultados dos exames do líquido cefalorraquidiano, do histopatológico e da PCR confirmaram que o herpesvírus bovino tipo 5 foi o agente causador da polioencefalomalacia no bovino confinado.

AGRADECIMENTOS

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela bolsa de Programa Institucional de Capacitação Docente e Técnica (PICDT) de doutorado concedida ao primeiro autor e pela bolsa Programa de Demanda Social (DS) de mestrado concedida ao quarto autor. Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP Processo n°. 2006/05836-6) pelo apoio financeiro e concessão de bolsa para o terceiro (Processo n°.2009/00763-9) e quinto autor (Processo n°.2007/05008-9) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela bolsa de produtividade ao último autor.

 

REFERÊNCIAS

BARROS, C. S. L.; DRIEMEIER, D.; DUTRA, I. S.; LEMOS, R. A. A. Doenças do sistema nervoso de bovinos no Brasil. Montes Claros, MG: Vallée, 2006.

CLAUS, M. P.; ALFIERI, A. F.; FOLGUERAS-FLATSCHART, A. V.; WOSIACKI, S. R.; MÉDICI, K. C.; ALFIERI, A. A. Rapid detection and differentiation of bovine herpesvirus 1 and 5 glycoprotein C gene in clinical specimens by multiplex-PCR. Journal of Virological Methods, Amsterdam, v. 128, p. 183–188. 2005.

COLODEL, E. M.; NAKAZATO, L.; WEIBLEIN, R.; MELLO, R. M.; SILVA, R. R. P.; SOUZA, M. A.; FILHO, J. A. O.; CARON, L. Meningoencefalite necrosante em bovinos causada por herpesvirus bovino no estado do Mato Grosso, Brasil. Ciência Rural, Santa Maria, v. 32, n. 2, p. 293-298, 2002.

GOULD D. H., CUMMINGS B. A., HAMAR D. W. In vivo indicators of pathologic ruminal sulfide production in steers with diet-induced polioencephalomalacia.  Journal of Veterinary Diagnostic Investigation, Columbia, n. 9, p. 72-76, 1997.

GOULD, D. H. Update on sulfur-related polioencephalomalacia. In: OSWEILER, G. D.; GALEY, F.D. The Veterinary Clinics of North America: Food Animal Practice: Toxicology, Philadelphia, v. 16, n. 3, p.481-496, 2000.

ISERNHAGEN, A. J. Meningoencefalite herpética em bezerros: evolução clínica e diagnóstico. 2005. 80p.  Dissertação (Mestrado em Ciência Animal). Universidade Estadual de Londrina, Londrina.

NATIONAL RESEARCH COUNCIL. Mineral tolerance of animals. 2.ed. Washington,: National Academy of Sciences. 385 p., 2005.

RADOSTITS, O. M.; GAY, C. C.; HINCHCLIFF, K. W.; CONSTABLE, P. D. Veterinary medicine. A textbook of the disease of cattle, horses, sheep, pigs and goats. 10.ed. Saunders Elsevier: USA, 2156p., 2007.

RISSI, D. R.; OLIVEIRA, F. N.; RECH, R. R.. PIEREZAN, F.; LEMOS, R. A. A.; BARROS, C. S. L. Epidemiologia, sinais clínicos e distribuição das lesões encefálicas em bovinos afetados por meningoencefalite por herpesvírus bovino-5. Pesquisa Veterinária Brasileira, Rio de Janeiro, v. 26, n. 2, p. 123-132, 2006.

SALVADOR S. W. C.; LEMOS, R. A. A.; RIET-CORREA, F.; ROEHE, P. M.; OSÓRIO, A. L. A. R. Meningoencefalite em bovinos causada por herpesvírus bovino-5 no Mato Grosso do Sul e São Paulo. Pesquisa Veterinária Brasileira, Rio de Janeiro, v. 18, p. 76-83. 1998.