PARAPARESIA ESPÁSTICA E HIPERREFLEXIA EM UM BOVINO ASSOCIADA A CARCINOMA DE CÉLULAS ESCAMOSAS: RELATO DE CASO

Lívia Maria Túlio1, Marina Tie Shimada1, Liege Giorgia Andrioli Martins2, Andrea Cristina F. Meirelles1, Roney Zimpel3, Amanda Furjan Rial3

1. Médica veterinária, mestre, professora do Curso de Medicina Veterinária, Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) campus Toledo. E-mail: maria.livia@pucpr.br (autor correspondente)

2. Médica veterinária, doutora, professora do Curso de Medicina Veterinária, Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) campus Toledo

3. Acadêmicos do Curso de Medicina Veterinária, Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) campus Toledo

 

 

PALAVRAS-CHAVE: Alteração neurológica, histopatologia, neoplasia.

ABSTRACT

HYPERREFLEXIA AND SPASTIC PARAPARESIS IN AN AGED COW

AND THEIR ASSOCIATION TO SQUAMOUS CELL CARCINOMA: CASE REPORT

Neurological manifestations may be detected in routine clinical observations of ruminants with possible infections, injuries and neoplasias. An aged cow was attended to at the Veterinary Hospital in Pontífica Universidade Católica, Toledo Campus, Paraná State. The animal presented severe nervous system alterations and spastic paraparesis. Its critical state lead to euthanasia. At necropsy, a large firm mass with deep ulcerations on the thoraco-lumbar region was evidenced. It was yellowish in colour and had infiltrated into the subcutaneous tissue and muscles in the lumbar vertebrae, along the orifice channel through which nerves pass. The spinal cord was compressed in ventral direction by the protuberance. Histopathological examination revealed islands of moderate anaplastic cells and cytoplasmic eosinophilic material. Horn pearls and intercellular junctions were scarce, whereas mitotic figures were frequent. Histological and animal data indicated the lesion was consistent with squamous cell carcinoma.

 

KEYWORDS: Histopathological, neoplasias, neurological manifestation.

 

INTRODUÇÃO

O carcinoma de células escamosas, também denominada de carcinoma epidermóide, carcinoma de células espinhosas ou carcinoma espinocelular, é uma neoplasia maligna originada dos queratinócitos da camada escamosa do epitélio da pele FAVA et al., 2001; FERNANDES, 2007). É freqüente em caninos, felinos (WITHROW & MACEWEN, 1996; SOUZA et al., 2006), bovinos, equinos (SCOPEL et al, 2006; RAMOS et al., 2007) e relativamente incomum em ovinos, caprinos e suínos (MEUTEN, 2002). A sua incidência aumenta com a idade (FERNANDES, 2007). Um dos fatores que predispõe o desenvolvimento da neoplasia, independente da espécie, é a exposição prolongada aos raios ultravioleta associada a áreas despigmentadas e com escassez de pêlo. Esta é uma das neoplasias da pele e subcutâneo mais prevalente cuja localização no animal varia dependendo da espécie (FERREIRA et al., 2006; RAMOS et al., 2007). No bovino e equino ocorrem principalmente em junções muco-cutâneas como na pálpebra; em felinos, os locais comuns são: orelha, pálpebra e nariz; nos cães, na cabeça, abdômen, membros posteriores, períneo e dígitos. Outros locais comuns em bovinos incluem pele do dorso, vulva, globo ocular, base do chifre e períneo (KELLER et al., 2008).

A neoplasia inicia com uma alteração caracterizada por eritema, edema, descamação e evolui para formação de crostas e ulceração. Conforme ocorre a invasão da derme, o local torna-se firme e a área ulcerada amplia e aprofunda formando crateras. Este tipo é chamado de erosiva sendo a forma mais comum. Outro tipo é o produtivo que possui aspecto de couve-flor geralmente com superfície ulcerada e hemorrágica (FERNANDES, 2007). As infecções bacterianas secundárias são responsáveis pela exsudação purulenta na superfície da massa tumoral (MEUTEN, 2002). Na histologia, o carcinoma de células escamosas apresenta ilhas e cordões de células epiteliais neoplásicas com grau variável de diferenciação escamosa. Nos tumores bem diferenciados distinguem-se facilmente as pérolas córneas e as pontes intercelulares. Já nos diferenciados estas estruturas são menos comuns. Nos indiferenciados verificam-se células escamosas grandes e ovóides acompanhada de queratinização intracitoplasmática restrita a algumas células. As figuras de mitose são comuns em todos os tipos sendo mais freqüentes nos pobremente diferenciados (WEISS & FREZE, 1974). Quanto ao comportamento, os carcinomas da pele são considerados localmente invasivos e com baixo potencial metastático (YAGER & SCOOT, 1993).

Os relatos de casos são importantes informações para se somarem aos dados epidemiológicos, desta forma, a presente descrição refere-se a um caso de carcinoma de células escamosas em um bovino da Pontifícia Universidade Católica do Paraná – Campus Toledo.

 

 

MATERIAL E MÉTODOS

Uma fêmea bovina holandesa preto e branca, com aproximadamente oito anos de idade e 500kg, do rebanho didático do hospital veterinário da PUCPR Campus Toledo, apresentou dificuldade de locomoção descrita pelo funcionário responsável como andar cambaleante, com evolução de dois dias. Ao exame clínico, o animal não foi capaz de assumir posição de estação voluntariamente e apresentava-se em decúbito esternal permanente. À inspeção e, posterior palpação notou-se uma projeção circular, com diâmetro aproximado de 4 cm, de consistência firme e ulcerada, localizada na coluna vertebral, região tóraco-lombar. Ao exame físico, não houve demonstração de dor à manipulação da lesão, os parâmetros fisiológicos mostraram-se normais, com exceção dos movimentos ruminais que estavam diminuídos em freqüência e intensidade, o estado de condição corporal era bom. Ao exame neurológico foi demonstrada paraparesia espástica e hiperreflexia de membros pélvicos, com sensibilidade superficial diminuída caudalmente à lesão; não houve alteração em membros torácicos e a paciente fazia tentativas de locomoção apoiada sobre os mesmos. Não houve alteração no hemograma e na pesquisa de hemoparasitas. A região em que se encontrava a lesão externa foi radiografada, mas os resultados foram inconclusivos.

O animal identificado pelo brinco número 02 estava no rebanho há pelo menos quatro anos, possuía status sanitário livre de brucelose e tuberculose, pertencia à categoria de vaca vazia e seca, alimentava-se diariamente de silagem de milho, pasto cultivado de tifton, além de sal mineral e água à vontade.

O tratamento instituído foi dexametasona na dose de 20 mg, SID, via intravenosa. Após 72 horas da consulta inicial, devido à ausência de resposta ao tratamento, associada à piora no quadro geral da paciente, optou-se pela eutanásia.

O animal foi encaminhado à necropsia na qual foi coletada fragmentos de tecido de diversos órgãos que foram processados conforme técnica de rotina para histopatologia. Os tecidos montados em lâmina foram analisados no microscópio de luz em diversos aumentos.

 

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O diagnóstico da neoplasia foi realizado associando a localização do tumor, a característica de pelagem do local e as alterações macroscópica e microscópica da lesão como consistente com carcinoma de células escamosas. O bovino do presente caso apresentava pelagem branca na região dorsal onde se desenvolveu a neoplasia. A área despigmentada é desprotegida de pigmento melânico que forma um tipo de escudo sobre o núcleo celular e reduz a ocorrência de mutações decorrente da ação dos raios ultravioleta. As mutações são responsáveis pelo desenvolvimento das neoplasias. Além disso, o dorso é um local de maior incidência de raios solares (KUSEWITT & RUSH, 2007; KELLER et al., 2008). Quanto à idade, o animal tinha 8 anos uma faixa etária que acomete a grande maioria dos caos também descritos na literatura. As fêmeas, como no caso relatado, são os mais afetados pela neoplasia (RAMOS et al., 2007; KELLER et al., 2008).

Na necropsia, a principal alteração estava confinada ao dorso onde havia a lesão. Um exame minucioso foi realizado no local e observou-se um aumento de volume firme com pequenas áreas de consistência mole relacionadas com necrose. Havia também uma área ulcerada já com infecção bacteriana secundária. À incisão foi notada formação de uma massa levemente amarelada e firme que infiltrava o tecido subcutâneo e invadia a musculatura da região lombar. À medida que a musculatura foi dissecada verificou-se que o tecido neoplásico invadiu o canal vertebral pela abertura de passagem dos nervos. Ao abrir o canal verificou-se uma massa lisa, com as mesmas características observadas no dorso, fazendo uma protuberância e comprimindo aproximadamente 60% da medula espinhal em direção ventral. A avaliação microscópica do fragmento da massa neoformada do dorso, da musculatura e do canal vertebral apresentava as mesmas características. De acordo com a histopatologia o carcinoma foi classificado como diferenciado Este tipo apresenta ilhas de células com núcleo oval e nucléolos grandes únicos a múltiplos e figuras de mitose freqüentes. As pérolas córneas e as junções intercelulares são menos comuns e verificam-se células com citoplasma contendo material eosinofílico (RAMOS et al., 2007). Estas características microscópicas foram predominantes na análise microscópica da neoplasia. A compressão da medula espinhal pela massa verificada na vértebra L1 ocasionou degeneração e necrose de corpos de neurônios o que associa com os sinais neurológicos observados de paraparesia espástica e hiperreflexia.

A presença e gravidade dos sinais clínicos dependem de fatores como o segmento da medula em que está a lesão bem como a sua extensão e profundidade. Alterações nos membros pélvicos, sem alterações nos torácicos, indicam lesão tóraco-lombar (RIET-CORREA et al., 2002).

As metástases não foram verificadas no presente caso. De acordo com a literatura os carcinomas de pele são altamente invasivos, como foi verificado neste caso, porém, com baixo poder metastático (YAGER & SCOOT, 1993).

 

 

CONCLUSÃO

No presente caso verificou-se a compatibilidade dos sinais clínicos com o local da invasão neoplásica no canal medular da região lombar verificada na necropsia. As características microscópicas do tecido neoplásico associada condição de pelagem do animal e do local do desenvolvimento do tumor auxiliaram no diagnóstico de carcinoma de células escamosas.

 

REFERÊNCIAS

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SCOPEL, D.; SPADER, M. B.; GUIM, T. N.; DANIELI, V. M.; FERNANDES, C. G. Estudo retrospectivo da casuística de carcinoma de células escamosas em felinos, bovinos, caninos, eqüinos e ovinos entre os anos de 2002 e 2006 no LRD/UFPel. CONGRESSO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA, 16. Anais... Disponível em: < http://www.ufpel.tche.br/cic/2007/cd/pdf/CA/CA_00890.pdf>. Acesso em: jul. 2009.

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WITHROW, S. J.; MACEWEN, E. G. Small animal clinical oncology. 2.ed. Philadelphia: W. B. Saunders, 1996, p. 4-16.