DETERMINAÇÃO DO PERFIL HIDROELETROLÍTICO E DO
EQUILÍBRIO ÁCIDO-BÁSICO DE BEZERRAS HÍGIDAS DE TRÊS AOS TRINTA DIAS DE IDADE
Moisés Dias Freitas1, Elias
Jorge Facury Filho2, Marcos Bryan Heinemman2, Paulo
Marcos Ferreira2, Antônio Último de Carvalho2, Andrey
Lage2 e Marina Guimarães Ferreira1
1.
Médico Veterinário, aluno (a) de doutorado
2.
Médico Veterinário, doutor, professor do curso de
Veterinária, Universidade Federal de Minas Gerais.
E-mail: m_diasfreitas@yahoo.com.br (autor correspondente)
PALAVRAS-CHAVE: Bovinos, neonatos, patologia clínica.
ABSTRACT
ASSESSMENT OF ELECTROLYTIC PROFILES AND
ACID-BASE BALANCES OF HEALTHY DAIRY CALVES BETWEEN THREE AND THIRTY DAYS OF AGE
To assess electrolytic
profiles and acid-base balances of newborn animals, venous blood samples of 36
healthy calves (¾ Holstein x 31/32 Gir) were collected.
Then they were randomly distributed into one of the following six groups: 3, 7,
10, 14, 21, and 30 days of age. Concentrations of Na+, Cl-,
K+, HCO3-, and levels of pH, PaCO2,
TCO2, BE, and AnGap were evaluated to determine electrolytic
profiles and acid-base balances, respectively. Results revealed no differences
(p<0,05) between the groups in any variable, which contributed to the
establishment of reference values for the components based on a 95% confidence
interval. Furthermore, stable neonatal clinical conditions were observed.
KEYWORDS: Cattle; clinical
pathology; newborns.
INTRODUÇÃO
Um dos principais entraves na bovinocultura
leiteira é a criação de bezerras. Esta fase demanda grandes custos com mão de
obra, alimentação, e, é quando ocorrem as maiores perdas por mortalidade, pois
neste período os animais estão mais susceptíveis as doenças tais como: septicemias,
pneumonias e distúrbios entéricos.
Ao nascerem os neonatos bovinos encontram-se,
normalmente, em um quadro de acidose mista, devido às modificações inerentes ao
inicio da vida extra-uterina. Esse perfil tende a se resolver durante as
primeiras 24 horas de vida (MOORE, 1969; SZENCI et al., 1985). Alguns autores afirmam que este processo de adaptação e obtenção da
homeostase só é alcançada plenamente entre o terceiro e o quinto dia de vida
(ANGELOV et al., 1996; LISBÔA et al., 2002).
Após a fase de adaptação do recém-nascido, é de
se supor que haja um estágio de equilíbrio, no qual, a concentração
hidrogeniônica de eletrólitos seja mantida nos fluidos orgânicos como resultado
da eficiência dos mecanismos homeostáticos (KANEKO et al, 2008). As informações
sobre os possíveis efeitos da idade no período neonatal sobre o equilíbrio
ácido-básico de bezerros são escassas na literatura e os resultados mostram-se,
por muitas vezes, conflitantes. Autores como DIRKSEN et al. (1993), CARLSON
(1997), RADOSTITS et al. (2007) e KANEKO et al. (2008) apresentam valores de
referência obtidos de bovinos que são criados em condições de manejo, clima e
nutrição diferentes às do Brasil. Além disso, a maioria dos autores não
estabelecem valores destas variáveis especificas para bezerros até os trinta
dias de idade.
Conhecer os valores de referência das variáveis
eletrolíticas e hemogasométricas de bezerros neonatos, assim como as variações
fisiológicas, que os mesmos podem sofrer no decorrer do primeiro mês de vida
são necessários, pois podem fornecer ao clínico a informação dos parâmetros
fisiológicos para as nossas condições de criação e, desta forma, estabelecer
uma comparação mais adequada à interpretação dos resultados.
O objetivo desse trabalho foi de investigar o perfil
eletrolítico e o equilíbrio ácido-básico de bezerras sadias, de três a 30 dias
de idade, criadas a campo, em uma propriedade de exploração leiteira.
MATERIAL E MÉTODOS
Local e animais:
Este
experimento foi totalmente conduzido a campo, em uma propriedade particular
localizada na bacia leiteira centro oeste de Minas Gerais, no município de
Martinho Campos, no período da seca, entre os meses de junho a outubro de 2008.
As bezerras
eram criadas no sistema de casinhas tropicais, recoberta com areia, em um
piquete coberto com gramíneas do gênero Cynodon
spp.. As bezerras eram dispostas de forma aleatória, sendo presas por meio
de uma coleira e corrente, esta afixada ao chão. Os animais eram alimentados
com quatro litros de leite, uma vez por dia no período da manhã, entre oito e
12 horas, no balde e, a partir do segundo dia de vida, concentrado ad libitum. A água era trocada uma vez
por dia, no período da tarde, em baldes de oito litros, os mesmos utilizados no
fornecimento do leite, pela manhã.
Foram
utilizadas 36 bezerras, grau de sangue ¾ a 31/32
Holandes-Gir, hígidas, com idades entre três e 30 dias, selecionados
aleatoriamente. Estes animais foram subdivididos em seis grupos (com seis
animais cada), tendo como critério a idade destes animais (3, 7, 10, 14, 21 e
30 dias de vida). Todos os animais selecionados eram submetidos ao exame físico
e só eram utilizados animais que se encontrassem hígidos (DIRKSEN et al.,
1993).
Coleta e análise dos dados de patologia clínica:
As amostras
eram colhidas por meio de punção da veia jugular, seguindo as instruções de
LISBÔA et al. (2002), e as analises realizadas imediatamente após a colheita.
As análises do pH, pressão parcial de gás carbônico (PaCO2), gás
carbônico total (TCO2), excesso de bases (EB), diferença aniônica
(AGap) e das concentrações séricas de sódio (Na+), potássio (K+),
cloro (Cl-) e bicarbonato (HCO3-) foram
realizadas no analisador clínico portátil (i-STAT®Co. – Abbott Laboratories – EUA), imediatamente após a coleta com a utilização de
um cartucho Ec8+® (i-STAT®Co. – Abbott Laboratories - EUA ), no qual foram instilados duas gotas de sangue
sem anticoagulante para a realização das analises. O aparelho efetuava as
análises e apresentava os resultados em aproximadamente dois minutos.
O mesmo sangue colhido também era utilizado para
a análise do lactato sérico que foi realizado no analisador de lactato portátil
(Accutrend Lactate® - Roche), imediatamente após a coleta com a utilização de uma fita reagente,
na qual, fora instilada uma gota de sangue sem anticoagulante. O aparelho
realizava a leitura e apresentava os resultados em aproximadamente um minuto.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Não houve diferença (p<0,05) nas variáveis
estudadas, entre os momentos das coletas compreendidos entre os três e trinta
dias de idade. Esses resultados estão de acordo aos encontrados na literatura,
para bezerros saudáveis (MOORE, 1969; SZENCI et al., 1985; LISBÔA et al., 2002).
Os valores médios e respectivos desvios padrões
para as concentrações séricas dos eletrólitos e parâmetros hemogasométricos de
bezerras sadias com três dias de idade foram: Na+: 136,7±2,9 mEq/L;
Cl-: 97,2±2,9 mEq/L; K+: 4,3±0,16 mEq/L; HCO3-:
31,2±1,6 mEq/L; pH sanguíneo 7,42±0,23; PaCO2: 47,8±2,8 mm/Hg; TCO2:
32,5±1,6 mEq/L; EB: 6,5±1,9 mEq/L; AGap: 12,6±1,8 mEq/L e lactato sérico:
2,3±0,5 mmol/L.
Os valores médios e respectivos desvios padrões
para as concentrações séricas dos eletrólitos e parâmetros hemogasométricos de
bezerras sadias com sete dias de idade foram: Na+: 137,5±2,1 mEq/L;
Cl-: 98,7±1,2 mEq/L; K+: 4,3±0,1; HCO3-:
30,3±1,4 mEq/L; pH sanguíneo 7,41±0,01; PaCO2: 48,1±2,0 mm/Hg; TCO2:
31,8±1,7 mEq/L; EB: 5,5±1,8 mEq/L; AGap: 13,2±1,3 mEq/L e lactato sérico:
2,0±0,3 mmol/L.
Os valores médios e respectivos desvios padrões
para as concentrações séricas dos eletrólitos e parâmetros hemogasométricos de
bezerras sadias com dez dias de idade foram: Na+: 137,1±2,0 mEq/L;
Cl-: 99,5±0,9 mEq/L; K+: 4,8±0,1 mEq/L; HCO3-:
30,5±1,7 mEq/L; pH sanguíneo 7,42±0,05; PaCO2: 47,5±3,4 mm/Hg; TCO2:
31,8±1,6 mEq/L; EB: 6,0±2,4 mEq/L; AGap: 12,0±1,0 mEq/L e lactato sérico:
2,1±0,6 mmol/L.
Os valores médios e respectivos desvios padrões
para as concentrações séricas dos eletrólitos e parâmetros hemogasométricos de
bezerras sadias com 14 dias de idade foram: Na+: 137,0±1,7 mEq/L; Cl-:
99,8±1,8 mEq/L; K+: 4,5±0,4 mEq/L; HCO3-:
29,8±1,8 mEq/L; pH sanguíneo 7,42±0,04; PaCO2: 45,8±4,5 mm/Hg; TCO2:
31,0±2,0 mEq/L; EB: 5,4±1,9 mEq/L; AGap: 12,2±1,6 mEq/L e lactato sérico:
1,7±0,7 mmol/L.
Os valores médios e respectivos desvios padrões
para as concentrações séricas dos eletrólitos e parâmetros hemogasométricos de
bezerras sadias com 21 dias de idade foram: Na+: 137,0±0,6 mEq/L; Cl-:
99,5±2,1 mEq/L; K+: 4,6±0,3 mEq/L; HCO3-:
30,0±0,8 mEq/L; pH sanguíneo 7,41±0,02; PaCO2: 47,7±3,0 mm/Hg; TCO2:
31,3±0,8 mEq/L; EB: 5,2±0,8 mEq/L; AGap: 12,2±2,0 mEq/L e lactato sérico:
2,2±0,5 mmol/L.
Os valores médios e respectivos desvios padrões
para as concentrações séricas dos eletrólitos e parâmetros hemogasométricos de
bezerras sadias com 30 dias de idade foram: Na+: 136,8±1,3 mEq/L; Cl-:
100,0±2,6 mEq/L; K+: 4,2±0,32 mEq/L; HCO3-:
28,78±1,3 mEq/L; pH sanguíneo 7,41±0,04; PaCO2: 45,9±3,5 mm/Hg; TCO2:
30,2±1,5 mEq/L; EB: 4,16±1,5 mEq/L; AGap: 12±1,5 mEq/L e lactato sérico:
1,9±0,4 mmol/L.
Foram realizados analises de comparação de média
das variáveis estudadas entre as idades e não foram evidenciadas diferenças
(p<0,05). Essa ausência de variação dos parâmetros estudados nos permitiu a
possibilidade de agrupar os 36 dados individuais, oriundos de diferentes
animais hígidos e desta forma criar novos valores de referência para as
concentrações eletrolíticas e hemagosometricas de bezerras sadias criadas nas
condições climáticas do Brasil, mais especificamente na região centro oeste, do
Estado de Minas Gerais.
Os valores de referencia foram criados com base
no intervalo de confiança de 95%. Nas variáveis, analisadas podemos observar
que os valores do intervalo de confiança são próximos, dando maior
confiabilidade aos resultados (SAMPAIO, 1998).
Os valores do intervalo de confiança das
concentrações séricas eletrolíticas e hemogasométricas foram: Na+
:136,41-137,65 mEq/L; K+: 4,36-4,58 mEq/L; Cl-:
98,36-99,82 mEq/L; HCO3-: 29,55-30,60 mEq/L; pH:
7,399-7,42; PaCO2: 46,09-48,25 mm/Hg; TCO2: 30,9-32,02
mEq/L; EB: 4,84-6,08 mEq/L; AGap: 11,79-12,94 mEq/L e lactato sérico: 1,72-2,1
mmol/L. Importante ressaltar que estes valores estão contidos dentro da faixa
de valores de referências citados na literatura, que possuem uma grande
amplitude (DIRKSEN et al., 1993; CARLSON, 1997; KANEKO et al., 2008).
Entretanto, no presente trabalho, essa amplitude de variação foi menor que os
encontrados na literatura, o que permite interpretar os achados de patologia
clinica de forma mais eficiente e traçar um tratamento e prognóstico mais
fidedignos às nossas condições de criação e climáticas do Brasil.
CONCLUSÃO
Os valores estabelecidos no intervalo de
confiança obtidos nesse trabalho, estão contidos dentro da faixa dos valores
referidos na literatura, porem com amplitude menor e podem auxiliar na
avaliação da interpretação do perfil hidroeletrolítico e ácido-básico de
bezerras sadias e enfermas, criadas em nossas condições ambientais e de manejo,
entre três e trinta dias de vida.
REFERÊNCIAS
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G.; GRÜNDER, H. D.; STÖBER, M. Rosenberger:
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KANECO, J. J.; HARVEY, J. W.; BRUSS, M. L. Clinical biochemistry of domestic animal. 6.ed. Elsevier Inc, 2008, 918p.
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J. A. N.; BENESI, F. J.; LEAL, M. L. R. et al. Efeito da idade sobre o equilíbrio ácido-básico de bezerras sadias no
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NAGY, O.; SEIDEL, H.; KOVÁČ, G.; PAULÍKOVÁ, I.
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RADOSTITS, O. M.; GAY, C. C.; HINCHCLIFF, K. W.;
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the diseases of cattle, horses, sheep, pigs and goats. 10.ed., Philadelphia: Elsevier, 2007, p.2156.
SAMPAIO, I. B. M. Estatistica aplicada
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SZENCI, O.; TORÖS,