INDICADORES
SANGUÍNEOS DE LIPOMOBILIZAÇÃO E
FUNÇÃO HEPÁTICA NO INÍCIO DA
LACTAÇÃO
Félix González1, Rodrigo Muiño2, Víctor Pereira3, Rómulo Campos4,
José Luis Benedito Castellote3
1 Médico veterinário, professor Faculdade de Veterinária, Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil. CEP: 91540-000.
E-mail: felix.gonzalez@ufrgs.br (autor
correspondente)
2 Médico veterinário, Centro Veterinário de Meira, Galícia,
Espanha
3 Médico veterinário, professor Faculdade de Veterinária,
Universidade de Santiago de Compostela, Lugo, Espanha
4 Médico veterinário, professor Faculdade de Ciências Agropecuárias,
Universidade Nacional da Colômbia, Palmira, Colômbia
PALAVRAS-CHAVES: Bioquímica sanguínea, cetose, lipidose
hepática
ABSTRACT
BLOOD INDICATORS OF LIPOMOBILIZATION AND HEPATIC FUNCTION IN HIGH
YIELDING DAIRY COWS DURING EARLY LACTATION
Blood indicators are used as a tool
for diagnosing and estimating the severity of metabolic disorders. This work
investigates the relationship between blood indicators of lipomobilization and
hepatic function in high yielding dairy cows. Two groups of
KEYWORDS: Blood biochemistry, hepatic lipidosis, ketosis.
INTRODUÇÃO
A maioria (97%) do gado leiteiro na
Galícia está formada por vacas da raça Holandesa de alta produção com média de 7.426
L/lactação (XUNTA DE GALICIA, 2003). Cerca de 2% das vacas de alta produção
sofrem cetose e cerca de 1% sofrem desordens hepáticas (BENEDITO, 1998).
A cetose e o fígado gorduroso estão
intimamente relacionados e são responsáveis por severas perdas econômicas. Geralmente
a cetose clínica em vacas leiteiras ocorre entre a 2ª e a 7ª semanas de
lactação (DUFFIELD et al., 1997). A prevalência de cetose subclínica em vacas
de alta produção está estimada entre 7% a 32% do rebanho (NIELEN et al., 1994).
Esta prevalência é considerada maior no primeiro mês de lactação (BAIRD, 1982).
As vacas leiteiras de alta produção
sofrem um balanço energético negativo na 1ª semana de lactação por conta do
desequilíbrio entre o gasto de energia envolvendo a produção de leite e a
limitada ingestão de alimento (NIELEN et al., 1994), levando a lipomobilização
com possibilidade de infiltração de gordura no fígado (AMETAJ et al., 2002). As
lesões hepáticas devidas à infiltração de gordura derivada da lipomobilização
aumentam a possibilidade de sofrer outros transtornos como cetose, hipocalcemia,
deslocamento de abomaso e retenção de placenta (AMETAJ, 2005). A abordagem
diagnóstica da lipidose hepática e a suscetibilidade a cetose em vacas de alta
produção incluem biopsia ou ecografia de fígado, mas uma análise menos invasiva
e mais econômica pode ser o estudo dos indicadores bioquímicos sanguíneos de lipomobilização
e de lesão e função hepática (BAIRD, 1982).
O presente trabalho visa estudar as
relações entre os indicadores sanguíneos de lipomobilização e de função
hepática em vacas leiteiras de alta produção a fim de obter parâmetros que
ajudem no diagnóstico da severidade de transtornos metabólicos relacionados com
balanço energético negativo no início da lactação.
MATERIAL E MÉTODOS
O experimento foi desenvolvido na
Região de Galícia (Espanha) em quatro propriedades leiteiras de similares condições
de manejo e alimentação. As vacas, todas da raça Holandesa, eram de produção maior
de 40 L/dia. Os animais estavam acomodados em free-stalls com camas de areia, alimentados com ração totalmente
misturada. As vacas eram ordenhadas duas vezes por dia e o número de vacas em
ordenha variou de
Amostras de sangue foram coletadas da
veia coccígea em tubos vacutainer sem anticoagulante após a primeira ordenha da
manhã. As amostras foram centrifugadas para obtenção de soro, o qual foi imediatamente
congelado em tubos plásticos tipo eppendorf
a -20ºC até a determinação bioquímica. Os seguintes metabolitos foram
determinados mediante técnicas de espectrofotometria: beta-hidroxibutirato e ácidos
graxos não esterificados (Randox, Irlanda), AST, GGT e triglicerídeos
(Spinreact, Espanha), glicose, proteína total e albumina (Human, Alemanha), uréia,
creatinina, bilirrubina, cálcio e fósforo (RAL, Espanha). A análise estatística
incluiu ANOVA multivariada dos principais componentes e teste de Pearson para
correlação.
RESULTADOS
E DISCUSSÃO
Os indicadores de lipomobilização, ácidos graxos não esterificados (NEFA)
e beta-hiroxibutirato (BHB) foram mais elevados nas vacas em início da lactação
comparados aos valores das vacas no terceiro mês de lactação. Em média, o valor
de NEFA das vacas no primeiro mês de lactação foi duas vezes o valor das vacas
no terceiro mês de lactação (536,6 vs. 237,2 μmol/L), enquanto que os valores
de BHB no primeiro grupo ultrapassaram o limiar de 1,0 mmol/L considerado como normal
(DUFFIELD, 2000). Poucos trabalhos indicam qual seria o limiar de concentração
sérica de NEFA em que se possa considerar que existe alta lipomobilização, mas
valores >400 μmol/L já indicam problemas de
balanço energético (OETZEL, 2004). No presente trabalho, 67% das vacas em início
de lactação e 14% das vacas em lactação intermédia apresentaram evidência de
alta lipomobilização. Concentrações de NEFA >700 μmol/L são compatíveis com cetose
(OETZEL, 2004). Cinco vacas de lactação inicial (18,5%) e uma de lactação
intermédia (7%) apresentaram valores de NEFA acima desse valor. A cetose
subclínica também pode ser diagnosticada com concentrações séricas de BHB acima
de 1,2 mmol/L, enquanto que a cetose clínica é diagnosticada com valores de BHB
acima de 2,6 mmol/L (OETZEL, 2004). No presente trabalho, 41% das vacas do
grupo inicial de lactação e 36% do grupo de lactação mais avançada tiveram BHB acima
de 1,2 mmol/L. Os dados sugerem que os valores de NEFA são menos sensíveis para
detectar cetose subclínica que os valores de BHB em vacas leiteiras de alta
produção.
Uma condição de cetose clínica pode
ser diagnosticada quando coincidem sinais clínicos com os seguintes valores de
indicadores bioquímicos: BHB >1,2 mmol/L, glicose <2,5 mmol/L, e triglicerídeos
<0,12 mmol/L (MUTLU & ABDULLAH, 1998). Sob este critério, 22% das vacas
em início de lactação e nenhuma das vacas em lactação avançada tiveram
coincidência desses valores. DOKOVIC et al. (2005) mostraram que em vacas
cetósicas a concentração sérica de triglicerídeos (TG) é menor que em vacas
sadias porque os TG podem estar se acumulando no tecido hepático e não saem
para circulação. O presente trabalho mostra que 52% das vacas de alta lipomobilização
e 43% das vacas de baixa lipomobilização tiveram valores de TG <0,12 mmol/L.
Não houve correlação significativa entre TG e NEFA nem entre TG e BHB, sugerindo
que valores isolados de TG não podem ser considerados como indicadores de lipomobilização.
Entretanto, todas as vacas que sofreram cetose subclínica pelos critérios
citados acima e 61% das vacas com alta lipomobilização (NEFA> 400 μmol/L) tiveram valores de TG menores de 0,1 mmol/L.
Quando o fígado sofre infiltração
de gordura é produzida uma lesão das células hepáticas e as enzimas indicadoras
de injúria (aspartato aminotransferase - AST e gama glutamiltransferase - GGT) têm
atividade aumentada no soro (BOBE et al., 2004). Apesar de o valor médio de AST
ser maior nas vacas de lactação inicial não houve diferença significativa entre
os dois grupos de vacas (93,1 vs. 84 U/L). STOJEVIĆ et al. (2005) relatam em vacas de raça
Holandesa valor máximo de AST de 85 U/L, aquém do valor máximo encontrado neste
trabalho (184.5 U/L). Considerando um valor de AST acima de 100 U/L como sugestivo
de lesão hepática, este trabalho mostra 30% dos animais de lactação inicial com
possível lesão hepática devida provavelmente à infiltração de gordura. Esses animais
incluem as vacas cetósicas, as quais tiveram um valor médio de AST de 137,4
U/L. A atividade de GGT foi similar nos dois grupos de vacas (28,9 e 30,6 U/L)
e maior que o valor de 17,1 U/L relatado por STOJEVIĆ et al. (2005). Os dados apresentados sugerem que nessas vacas o processo
de lipomobilização foi capaz de produzir lesões relevantes no fígado em 1/3 das
vacas em lactação inicial e que AST é indicador mais sensível que GGT para
detectar lesões hepáticas. A infiltração gordurosa no fígado também pode afetar
a concentração de outros componentes do sangue. Glicose, proteína total,
albumina e uréia podem estar diminuídas (WEST,
1990). No presente
trabalho, a glicemia e as concentrações séricas de
proteína total, albumina e uréia
das vacas em início de lactação foram menores
(P< 0,01) que nas vacas no
meio da lactação. Estes metabolitos são
indicadores de funcionalidade hepática (BOBE
et al., 2004) e sua diminuição pode estar refletindo uma
infiltração gordurosa
em animais com alta lipomobilização. Possíveis
alterações na função hepática
podem ter efeito deletério no metabolismo dos animais, com
impacto no
desempenho na produção e na reprodução.
CONCLUSÃO
Os dados de bioquímica sanguínea mostram
que vacas leiteiras de alta produção têm alto grau de lipomobilização e risco
de cetose no primeiro mês de lactação comparado com vacas no terceiro mês de
lactação. Os melhores indicadores para a detecção de cetose e de risco de
complicações derivadas são o beta-hidroxibutirato, a enzima AST e os
metabolitos glicose, proteína total e uréia. NEFA é útil para detectar
lipomobilização mas não tem sensibilidade para detectar cetose.
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Acesso em fevereiro de 2009.