CARACTERIZAÇÃO DAS AFECÇÕES PODAIS EM REBANHO DE
GADO HOLANDÊS CONFINADO
Pedro
Ivo de Albuquerque1, Fábio Henrique Bezerra Ximenes2,
Augusto Coelho Ricardo Moscardini3, Liana Villela de Gouvêa3,
Ana Lourdes Arrais de Alencar Mota4, Roberta Ferro de Godoy5,
José Renato Junqueira Borges5
E-mail:
fabioximenes@unb.br
(autor correspondente)
Palavras-chave: Casqueamento,
confinamento, doenças digitais.
ABSTRACT
CHARACTERIZATION OF PODAL
AFFECTION IN CONFINED
Due to high
prevalence and incidence of lameness disorders in dairy cattle, many research
studies have been carried out in this area, and some authors concluded that
they constitute the third most important cause of discard in herds. Bovine hoof
affections lead to a 5-20% decrease in milk production and losses caused by
secondary diseases may also occur. This study characterizes podal diseases in
cattle with locomotor disorders that were reared under a freestall barn
breeding system in a milk farm. A total of 66
KeyWords: Confinement, digital diseases, trimming.
INTRODUÇÃO
A
saúde dos membros locomotores dos bovinos é pré-requisito para que o animal
tenha uma vida saudável e possa expressar sua produção. A dor faz com que o
animal reduza a locomoção interferindo no seu comportamento e na ingestão de
água e alimentos, fato inaceitável em relação ao bem-estar animal.
Nas últimas duas décadas a produção
brasileira de leite vem crescendo a taxas superiores às do crescimento da
população. Dados do CNPGL (2007) mostram que o Plano Real permitiu um aumento
do consumo e uma postura liberal da política macroeconômica, que alteraram o
patamar das importações de produtos lácteos no país.
As
altas taxas de prevalência e incidência das afecções digitais em bovinos
leiteiros, principalmente em sistemas de confinamento, incentivaram pesquisas
nas quais diversos autores constataram que esta é a terceira maior causa de
descarte nos rebanhos, ficando atrás apenas da mastite e problemas
reprodutivos. Nos últimos anos houve um aumento significativo de pesquisas sobre
melhoramento genético de bovinos leiteiros, com extraordinários avanços na
produção de leite, sem que houvesse preocupação no melhoramento de membros e
dígitos, cuja herdabilidade é muito baixa (SILVA et al., 2004a; FERREIRA et al.,
2005).
As
afecções do casco em bovinos levam a diminuição entre 5% e 20% na produção de
leite por lactação, além de dificultar a observação e reduzir a ocorrência do
cio e a taxa de concepção (GREEN et al., 2002; MARTINS et al., 2002; FERREIRA et
al., 2005; SOUZA et al., 2006). Também desencadeiam custos com tratamento de
animais doentes, maior incidência de mastite, perda de valor genético por
acometer frequentemente animais de grande valor, e em alguns casos pode até
levar o animal a óbito (MARTINS et al., 2002; SILVA et al., 2006b; FERREIRA et
al., 2005).
O
objetivo deste trabalho foi caracterizar as afecções podais encontradas nos
animais com problemas locomotores, em propriedade leiteira que utiliza o
sistema de estabulação livre de criação, na região do entorno de Brasília.
MATERIAL E MÉTODOS
Os
galpões tinham piso de concreto, eram limpos quando os animais se encontravam
na ordenha e possuíam sistema de ventilação artificial. A cama dos animais era
produzida com borracha picada e alimentação a base de silagem de milho, feno de
tifton-85 (Cynodon dactylon) moído,
polpa cítrica, fubá de milho, caroço de algodão e cevada. Além disso, é feita
uma suplementação mineral comercial de acordo com o período de lactação.
Foram
avaliados 66 animais, representando aproximadamente 10% do rebanho em lactação,
todos da raça Holandesa, em diferentes períodos de lactação e com idades
diversas. As vacas eram ordenhadas três vezes ao dia e são pré-lavadas por aspersão
antes da ordenha.
Para
caracterizar as doenças podais encontradas no rebanho, só foram utilizadas as
vacas que apresentavam algum tipo de enfermidade digital. Cada animal teve seus
dados anotados numa ficha individual, própria para doenças digitais, com a
identificação do local e caracterização das lesões. Em seguida as unhas eram
aparadas com a rineta, torquês e/ou esmerilhadeira elétrica, para que novas
lesões fossem identificadas. Os animais foram tratados de acordo com a
necessidade.
Além
da caracterização das afecções no rebanho, foi estudada a ocorrência nos
membros anteriores e posteriores, e nas unhas laterais e mediais.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A
doença da linha branca foi a enfermidade de maior ocorrência encontrada no
estudo (26/3%). A erosão de talão foi a segunda doença em número de casos,
representando 20,7% das lesões, seguindo de úlcera de sola com 14,6% e
dermatite interdigital, com 13,6% de incidência. Também foram encontradas
hemorragia de sola e pododermatite séptica, ambas presentes em 8, 1% dos casos,
sola dupla em 6,1%, hiperplasia interdigital em 2,0% e apenas uma lesão (0,5%)
diagnosticada como úlcera de pinça.
Estes
resultados provavelmente ocorreram devido ao confinamento dos animais, criados
sobre piso de concreto e submetidos a caminhadas diárias nesta superfície até a
sala de ordenha, fatos que contribuem para desgaste dos cascos, como sugerem SHEARER
& AMSTEL (2000), que citam que este tipo de ambiente propicia mais casos de
úlceras de sola e doença da linha branca.
Os
dados apresentados são semelhantes aos de outros autores. GREEN et al. (2002)
relataram que as quatro enfermidades de maior incidência foram a úlcera de
sola, a doença da linha branca, a dermatite interdigital e a dermatite digital.
BENEDETTI & DESTRO (2005) encontraram a dermatite interdigital e a erosão
de talão em 50% dos casos, resultado parecido com o proposto por COOK &
NORDLUND (2003). Resultados semelhantes também foram descritos por AMORY et al.
(2004) e GRAÇA et al. (2006).
Das
afecções digitais, 69,3% ocorreram nos membros posteriores e 30,7% nos membros
anteriores, resultados muito próximos aos de MOLINA et al. (1999), que
encontraram 66,7% das afecções nos membros pélvicos e 33,3% nos torácicos. PITOMBO
(1995), DIAS (2007), MARTINS et al. (2002) e GRAÇA et al. (2006), também
chegaram a resultados que comprovam a hipótese da afecção maior dos membros
pélvicos.
Para
MARTINS et al. (2002) o contato maior com fezes e urina e o excesso de umidade
contribuem para o fato das doenças podais acometerem com mais freqüência os membros
pélvicos.
Foi
notado que no sistema de estabulação livre os animais descansam com os membros
torácicos sobre as camas e os membros pélvicos no corredor de serviço,
comportamento esse que faz que os membros posteriores recebam uma sobrecarga,
que também pode interferir na saúde do casco.
Observou-se
maior freqüência de lesões nos membros posteriores esquerdos (39,42%), como
também foi verificada em trabalhos desenvolvidos por PITOMBO (1995).
Quanto
à localização das lesões ungulares, 58,1% ocorreram nas unhas laterais e 41,9%
nas mediais. Foi notado que nos membros anteriores não houve diferença
significativa no número de lesões encontradas nas unhas laterais (49%) e
mediais (51%); já nos posteriores, 67% das doenças ocorreram na unha externa.
Dos
animais que apresentaram a doença da linha branca, 14 (26,9%) tinham apenas uma
unha acometida, enquanto 20 (38,5%) apresentaram duas unhas, oito (15,4%),
três; cinco animais (9,6%), quatro e outros cinco (9,6%), cinco unhas com
lesões. Estas lesões ocorreram nas unhas laterais em 63,4% dos casos de doença
da linha branca, das quais 76,2% nos membros posteriores.
A
erosão de talões ocorreu em apenas uma unha em 17 animais (41,5%); em duas
unhas em 14 (34,1%); em três, em seis animais (14,6%); em quatro, em duas vacas
(4,9%); em seis, em um( 2,4%) e em sete unhas em um animal (2,4%). A maioria
dos casos de erosão de talões (56%) ocorreram nas unhas laterais,
principalmente nos membros posteriores (78%).
Não
houve casos de úlcera de sola na unha lateral dos membros anteriores, e nos
posteriores somente um caso ocorreu na unha medial. A quantidade de animais com
uma, duas ou três unhas afetadas foi respectivamente 69%, 24,1% e 6,9%.
No
estudo só ocorreu um caso de úlcera de pinça, na unha lateral do membro
anterior esquerdo. Dos casos de hemorragia de sola, 93,8% ocorreram em apenas
uma unha e 6,2% ocorreram em quatro unhas do mesmo animal; 63,15% nos dígitos
laterais, sendo que 68,4% ocorreram nos membros pélvicos.
A
pododermatite séptica axial foi diagnosticada em apenas uma unha em 87% dos
casos e em duas unhas em 12,5% dos animais examinados. Nos membros anteriores
ocorreu 50% das vezes na unha interna, enquanto nos posteriores 62,5% ocorreu
na unha externa.
Não
houve caso de sola dupla nas unhas laterais dos membros anteriores, e nos
posteriores apenas dois casos ocorreram na unha medial. Somente um caso (8,3%)
ocorreu em duas unhas, mas em lados opostos e unhas opostas. As demais lesões
(91,7%) ocorreram em apenas uma unha do animal.
Dos
casos de dermatite interdigital, 83,3% ocorreram nos membros posteriores, sendo
55,6% em apenas um membro, 37% em dois membros, 3,7% em três membros e outros
3,7% nos quatro membros. A hiperplasia interdigital esteve em quatro animais;
três (75%) em apenas um membro e um (25%) nos dois membros posteriores.
A
caracterização de afecções podais quanto aos dígitos acometidos individualmente
para cada doença não foi encontrada na literatura.
CONCLUSÕES
As
doenças de maior ocorrência entre os animais estudados foram a doença da linha
branca, a erosão de talão, a úlcera de sola e a dermatite interdigital. Também
foram encontradas hemorragia de sola, pododermatite séptica, sola dupla e
hiperplasia interdigital. A úlcera de pinça não teve importância clínica no
rebanho.
A maioria das lesões
podais ocorreu nos membros pélvicos. A incidência de doenças nos membros
anteriores não diferiu quanto às unhas lateral e medial, enquanto nos
posteriores ocorreu principalmente nas unhas laterais.
O confinamento em
superfície de concreto, somado à umidade e às caminhadas forçadas até à sala de
ordenha são indicadores determinantes para o desenvolvimento de problemas
digitais. No entanto, mais estudos para localização exata das afecções digitais
em rebanhos leiteiros nas condições estudadas são importantes.
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