CETOSE NERVOSA EM BOVINOS, DIAGNOSTICADA
PELA CENTRAL DE DIAGNÓSTICO VETERINÁRIO (CEDIVET) DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO
PARÁ, NO PERÍODO DE 2000 A 2009
José Diomedes Barbosa1, Natália da Silva e Silva², Cleyton Prado Pinheiro³, José Alcides Sarmento da Silveira4, Cairo Henrique Sousa Oliveira5, Carlos Magno Chaves Oliveira6, Marcos Dutra Duarte4
1. Médico Veterinário, doutor, professor, Faculdade de
Medicina Veterinária Universidade Federal do Pará
2. Aluna de mestrado do Programa de Pós-Graduação
Saúde Animal na Amazônia, Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade
Federal do Pará (UFPA)
3. Aluno de mestrado do Programa de Pós-graduação em
Ciência Animal, Universidade Federal do Pará
4. Médico Veterinário, MSc, Faculdade de Medicina
Veterinária, Universidade Federal do Pará.
5. Acadêmico da Faculdade de Medicina Veterinária,
Universidade Federal do Pará
6. Médico Veterinário, MSc, professor da Faculdade de
Medicina Veterinária, Universidade Federal do Pará, Central de Diagnóstico
Veterinário, Universidade Federal do Pará, Campus Castanhal, Rua Maximino
Porpino da Silva 1000, Castanhal, PA, 68740-080, Brasil. E-mail: diomedes@ufpa.br
(autor correspondente)
PALAVRAS - CHAVE: Doenças metabólicas, doenças da produção,
gestação.
ABSTRACT
NERVOUS FORM OF BOVINE KETOSIS DETECTED AT THE
VETERINARY DIAGNOSTICS CENTRE (CEDIVET) OF THE FEDERAL UNIVERSITY OF PARÁ FROM
2000 TO 2009
From 2000 to 2009, eight
cases of the nervous type of ketosis were diagnosed at CEDIVET. The animals (6
crossbreed and 2 zebu) were raised in farms located in the municipalities of
Castanhal and San Francisco do Pará, Pará, and were extensively reared on Brachiaria brizantha pasture. Out of
eight, 6 cows ranged from their first and third lactation, and 2 had already
had more than five. A total of 7 were two or four weeks postpartum whilst one had calved four months
earlier. Milk production ranged from 4 to
KEYWORDS: Metabolic diseases, pregnancy, production
diseases.
INTRODUÇÃO
O estado do Pará possui hoje o quinto maior rebanho bovino do Brasil, composto em sua grande maioria por raças produtoras de carne, principalmente a Nelore. Porém, nos últimos anos vem se estabelecendo em diferentes regiões do estado, bacias leiteiras onde predominam animais mestiços, Girolando e alguns animais de raça pura, como a Pardo-Suíça.
A bovinocultura leiteira no estado do Pará caracteriza-se pela produção de leite a pasto. Porém, algumas enfermidades que geralmente estão associadas à criação intensiva, como tuberculose, mastite, acidose ruminal e cetose, estão sendo diagnosticadas.
A cetose é um transtorno comum nos rebanhos leiteiros, definida como uma desordem do metabolismo de carboidratos e gorduras, caracterizada pelo incremento de corpos cetônicos (acetona, acetoacetato, beta-hidroxibutirato) no sangue (GEISHAUSER et al., 1998). Sua principal causa é um balanço energético negativo (ENJALBERT et al., 2001). Este se observa a partir de uma diminuição dos níveis de glicose, causando um aumento anormal dos corpos cetônicos na corrente sanguínea devido à mobilização de gordura como fonte de energia, acompanhado de uma depleção no ciclo de Krebs, onde se acumulam o ácido acetoacético, acetona e ácido beta-hidroxibutírico nos tecidos e líquidos do corpo (GONZÁLEZ & CAMPOS, 2003).
Esta enfermidade acomete principalmente vacas em lactação e de alta produção (NANTES & SANTOS, 2008). O período de maior risco de ocorrência dessa enfermidade pode variar das duas primeiras até a nona semanas pós-parto, dependendo de fatores individuais (genética, adaptação metabólica), produção durante a primeira fase da lactação, manejo alimentar, consumo de matéria seca, condição corporal ao parto e momento do pico de lactação (DUFFIELD, 2000).
Pode ser classificada como clínica ou subclínica e como primária ou secundária, segundo a origem, sinais clínicos, prevalência e curso da doença (GEISHAUSER et al., 1998). Na maioria dos casos é uma doença do tipo subclínica, podendo chegar até 34% dos casos, enquanto que os casos clínicos chegam apenas a 7% (GONZÁLEZ & SILVA, 2003). Acredita-se que as perdas econômicas ocasionadas pela cetose subclínica excedam às perdas ocasionadas pela cetose clínica (DUFFIELD, 2000).
Segundo DIRKSEN et al. (2005), de
acordo com os sintomas predominantes da cetose, pode-se distingui-la em
digestiva e nervosa. Em bovinos, a forma nervosa, ocorre em casos isolados e
deve-se provavelmente a uma concentração especialmente alta de acetoacetato e
acetona no sangue.
O objetivo deste trabalho é relatar a ocorrência de oito casos de cetose nervosa em bovinos, diagnosticados pela CEDIVET da Universidade Federal do Pará (UFPA), no período de 2000 a 2009.
MATERIAL E MÉTODOS
Dados epidemiológicos e sinais
clínicos da enfermidade foram obtidos em visitas a oito propriedades
localizadas nos municípios de Castanhal e São Francisco do Pará, estado do Pará.
Foram realizados exame clínico geral e específico do sistema nervoso e pesquisa
de corpos cetônicos na urina utilizando o Teste de Rothera segundo DIRKSEN et al. (1993).
RESULTADOS
Epidemiologia
Das oito vacas examinadas, seis eram mestiças, pertencentes à fazendas de exploração leiteira e duas da raça nelore. Duas vacas tinham idade acima de sete anos com mais de cinco lactações e seis tinham idade variando de três a cinco anos, encontrando-se entre a primeira e a terceira lactação. Sete animais estavam entre a segunda e a quarta semanas pós-parto e um havia parido há quatro meses. Nas vacas mestiças, a produção de leite variava de 4 a 15 litros por dia. Todas eram mantidas em sistema de criação extensivo em pastagem de Brachiaria brizantha. Dois casos ocorreram no início do período chuvoso (janeiro/fevereiro) e seis no final deste período (junho/julho).
Sinais clínicos
A maioria das vacas apresentava queda na produção de leite, rúmen moderadamente vazio e com movimentos incompletos, hiperexcitabilidade, orelhas em posição de alerta, tremores musculares e paresia dos membros posteriores. Uma vaca apresentava marcha com a cabeça voltada para cima, micção freqüente, tenesmo e tônus da cauda diminuído; este animal apresentou recidiva no ano seguinte, entre a terceira e quarta semanas pós-parto. As duas vacas nelores apresentavam rotação da cabeça e pressão da cabeça contra obstáculos. Um animal apresentava andar em círculo, tremores musculares e lambedura vigorosa da pele na região do costado.
Foi observado, em sete animais, presença de corpos cetônicos na urina por meio do teste de Rothera, com reação fortemente positiva (coloração violácea). Em um animal esse teste não foi realizado, pois não se conseguiu coletar urina. Associando-se os dados epidemiológicos, sinais clínicos e reação positiva ao teste de Rothera, diagnosticou-se cetose nervosa.
Todos os animais se recuperaram após o tratamento com glicose em solução a 20%, na dose de 1g/kg de peso corporal, sendo que cinco animais receberam por via intra-peritoneal e três por via endovenosa.
DISCUSSÃO
Segundo CONTI et al. (2002), o período entre o final da gestação e o início da lactação em vacas leiteiras de maior produção, representa maior risco de doenças metabólicas, quando comparadas com outras fases do ciclo de lactação, justificando o maior aparecimento de cetose 8 a 60 dias pós-parto, período no qual o animal exibe balanço energético negativo. Isto foi observado neste trabalho, visto que a maioria das vacas acometidas era mestiça, ou seja, de maior produção quando comparadas às vacas da raça Nelore e encontravam-se no início da lactação.
Segundo RADOSTITS et al. (2002), a doença é mais frequente em animais estabulados e rara em animais mantidos a pasto, observações estas diferentes dos resultados obtidos, onde todas as vacas eram mantidas em sistema de criação extensiva. SCHILD (2007), também relata a ocorrência de cetose em vacas e novilhas de corte, apesar desta alteração ter ocorrido no terço final da gestação, o que difere do período de ocorrência descrito no presente trabalho. Este autor relata que isto ocorre devido à súbita restrição alimentar a que são submetidos os animais, pela escassez de forragem que, normalmente, ocorre na região durante o inverno e/ou pelo manejo inadequado quando são colocados em áreas com baixa disponibilidade de forragem. No presente estudo, a maioria dos casos ocorreu no final do período chuvoso, provavelmente devido a um manejo inadequado dos animais, uma vez que nesse período há uma boa disponibilidade de forragem na região.
Os sinais clínicos apresentados pelos animais no presente estudo foram predominantemente da forma nervosa, caracterizados principalmente por hiperexcitabilidade, orelhas em posição de alerta, tremores musculares, paresia dos membros posteriores e pressão da cabeça contra obstáculos. Esses resultados estão de acordo com os descritos por GARCIA et al. (1999), DIRKSEN et al. (2005) e SCHILD (2007).
Um animal apresentava andar em círculo e lambedura vigorosa da pele na
região do costado, o que segundo DIRKSEN
et al. (2005), isso pode ocorrer em casos avançados da enfermidade, em
que o animal apresenta períodos de
excitação recidivante, caracterizados principalmente por movimentos anormais da
língua, marcha incoordenada, andar em círculos e roedura ou lambedura da
própria pele ou objetos.
BARBOSA & PFEIFER BARBOSA (1999) indicam a administração intraperitoneal ou endovenosa de soluções de glicose, 1 g/Kg PV a 20%, para o tratamento dos animais com cetose. Neste estudo, com a realização deste mesmo tratamento, houve a recuperação dos animais.
CONCLUSÃO
O aparecimento da cetose nervosa, deveu-se provavelmente à demora na solicitação de atendimento veterinário aos animais enfermos, uma vez que quanto mais tardio for o diagnóstico, maiores serão as concentrações de corpos cetônicos na corrente sanguínea e mais exacerbados serão os sinais clínicos, caso não seja realizado o tratamento adequado.
O tratamento realizado com glicose a 20% tanto por via intra-peritoneal como por via endovenosa foi suficiente para a recuperação dos animais.
REFERÊNCIAS
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