OCORRÊNCIA E CLASSIFICAÇÃO DOS CORPOS ESTRANHOS ENCONTRADOS EM 17 PIQUETES DE UMA PROPRIEDADE NO PARANÁ

 

Fernanda Simões da Fontoura¹, Caio Galvão Cordeiro¹, Camila Martins de Melo¹, Cristina Yumi Massuda¹, Felipe Volpato¹, Marcela Pititto Scanavaca¹, Maria Fernanda Passos de Almeida¹, Tamyres Moro Abib¹, Rodrigo Azambuja Machado de Oliveira2, Rüdiger Daniel Ollhoff3

  1. Acadêmico do Curso de Medicina Veterinária, PUCPR, São José dos Pinhais.
  2. Médico Veterinário Residente, PUCPR, Fazenda Rio Grande.
  3. Médico Veterinário, Professor Titular do Curso de Medicina Veterinária, PUCPR, São José dos Pinhais – E-mail: daniel.ollhoff@pucpr.br (autor correspondente)

 

 

PALAVRAS-CHAVE: Bovino, objetos metálicos estranhos, profilaxia.

 

ABSTRACT

 

OCCURRENCE AND CLASSIFICATION OF FOREIGN BODIES FOUND IN 17 PASTURES FROM A FARM IN PARANÁ, BRAZIL

This study investigates the occurrence of foreign bodies (FB) in 17 pastures from a farm in Paraná State, Brazil. A portable metal detector was used to collect them around 3,6 km of fencing. A total of 314 foreign bodies were described. At least one highly dangerous metallic FB was found every 20m. We suggest the training of farm staff and theapplication of hygienic procedures such as prophylaxis against trauma and accidental ingestion by cattle.

 

KEYWORDS: Cattle, foreign metallic bodies, prophylaxis.

 

INTRODUÇÃO

A baixa sensibilidade dos órgãos gustativos (língua e lábios) da espécie bovina, aliada ao hábito de mastigar sumariamente os alimentos nos primeiros momentos do ato alimentar e às possíveis deficiências nutricionais, possibilita a ingestão de diferentes corpos estranhos juntamente com os alimentos (MARTINS et al., 2004). Pedaços de arame, pregos, grampos, pedaços de pau e de ossos, que seriam rejeitados por outras espécies, freqüentemente são ingeridos durante a alimentação pelos bovinos (MARTINS et al., 2004), o que faz com que esses objetos sejam encontrados rotineiramente em amostras de abatedouro (REBHUN & GUARD, 2000). A incidência é considerada alta por RADOSTITS & BLOOD (1991) e MARQUES (2003) em rebanhos que vivem em ambientes de curral, de estábulos e de piquetes com cuidados higiênicos negligenciados. Após a ingestão, os corpos estranhos podem permanecer alojados no retículo por tempo indefinido, causando ou não danos. Os corpos estranhos lisos e de pequenas dimensões são, via de regra, inofensivos, o que não se pode dizer daqueles de maiores dimensões, ou dotados de arestas e pontas aguçadas, capazes de contundir ou perfurar a parede do aparelho digestivo (MARTINS et al., 2004). Objetos metálicos pontiagudos podem atravessar a parede do órgão e produzir uma peritonite local ou generalizada, recebendo a denominação “reticuloperitonite traumática” (MARQUES, 2003), bem como perfurar o diafragma e atingir o coração, causando uma reticulopericardite, ou mesmo outros órgãos (BRAUN et al., 2007; GARCIA et al., 2008; PICCININ et al., 2008). Segundo REBHUN & GUARD (2000); MARQUES (2006) e RIET-CORREA et al., (2006) os sinais vão desde febre, depressão, anorexia completa, dor abdominal, hipomotilidade ruminal, estase ruminal, timpanismo à grave toxemia e diminuição da produção leiteira súbita, drástica e maior que 50 %, segundo ORPIN (2007). A reticulite causada por objetos metálicos culmina, mormente, com a morte (Roth & King, 1991), e mesmo a peritonite sendo precocemente tratada, ocorrem seqüelas e a recorrência, comprometendo a recuperação plena (FECTEAU, 2005). A importância econômica não somente advém das perdas diretas e visíveis dos animais mortos ou descartados precocemente, mas também da piora na conversão alimentar, diminuição na produção leiteira e prejuízos sobre a fertilidade (DIRKSEN et al., 2002). Como a prevalência da enfermidade sofre influência do sistema de criação (a pasto, confinado), tipo de estabulação, características da alimentação, época do ano entre outros (DIRKSEN et al., 2002), o objetivo do presente trabalho foi colher e classificar os objetos potencialmente injuriosos encontrados nos piquetes da Unidade Hospitalar de Animais de Fazenda (UHAF-PUCPR), no município de Fazenda Rio Grande/PR, após reforma de cercas realizada nos mesmos.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Percorreu-se a extensão total de cercas que delimitam os 17 piquetes e corredores da UHAF, totalizando 3.656 metros. O método de colheita de objetos metálicos baseou-se no arrasto pela superfície do solo de um imã de 10 x 2,5 cm, preso a uma corda, na extensão total das cercas. Foram recolhidos manualmente todos os demais corpos estranhos (CEs) visualizados no percurso, sendo todos os corpos classificados segundo os seguintes critérios: tipo de material (metálicos; plásticos e tecidos e fibras), tamanho (0-5 cm; 6-10 cm; 11-15 cm; 16-20 cm; 21-25 cm; 26-30 cm e acima de 30 cm), presença de pontas (2 extremidades pontiagudas; 1 extremidade pontiaguda e 1 romba ou 2 extremidades rombas), forma (retos; curvos e contorcidos) e periculosidade. O critério periculosidade foi avaliado considerando-se objetos metálicos com tamanhos entre 0 e 15 cm de comprimento e com ao menos uma extremidade pontiaguda.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Dos 314 CEs analisados, 84,71% (266/314) eram metálicos; 14,65% (46/314) plásticos e 0,64% (2/314) tecidos e fibras. 29,32% (78/266) dos corpos metálicos (n = 266) mediram entre 0-5cm; 25,56% (68/266) entre 6-10cm; 16,54% (44/266) entre 11-15cm; 6,77% (18/266) entre 16-20cm; 2,63% (7/266) entre 21-25cm; 3,01% (8/266) entre 26-30cm e 16,17% (43/266) mediram mais de 30 cm de comprimento. Dos objetos metálicos com medidas de até 15 cm, quanto ao tipo de ponta, classificou-se 71,58% (136/190) com 2 extremidades pontiagudas; 24,21% (46/190) com 1 extremidade aguçada e uma romba e 4,21% (8/190) com duas extremidades rombas. Dentro do grupo com uma ou ambas as extremidades pontiagudas (n = 182) avaliou-se o formato, sendo 32,97% (60/182) retos; 17,58% (32/182) curvos e 49,45% (90/182) contorcidos, portanto dos 266 CEs metálicos encontrados 182 (68,42%) foram considerados de alta periculosidade se ingeridos (Roth & King, 1991; BRAUN et al., 2007). A incidência de um CE a cada 12 metros percorridos, sendo um CE metálico de alta periculosidade a cada 20 metros percorridos, é um dado até então único na literatura consultada e alarmante, demonstrando a falta de treinamento dos funcionários executores de serviços de manutenção de cercas, assim como a total ausência de medidas preventivas de preservação da saúde animal adotadas nestes serviços. A possibilidade de causar uma única reticuloperitonite (FECTEAU, 2005) seria motivo o suficiente para tomar medidas preventivas, desconsiderando-se outras complicações decorrentes da presença de CEs no pasto como lesões ao locomotor distal, à pele, ao úbere e tetos, à língua e olhos dos animais no local (DIRKSEN et al., 2002). Frisa-se que é fundamental o controle baseado na eliminação de CEs pontiagudos não somente durante a construção e manutenção de cercas, mantendo os animais longe destas áreas neste momento, como também na amarração de fardos com barbantes ao invés de arames e na magnetização de depósitos de preparo e estocagem de alimentos, assim como na saída de rações em alimentadores automáticos. Como medida de precaução adicional, pode-se administrar, via oral, imãs intrareticulares permanentes desenvolvidos para a retenção de CEs metálicos (DIRKSEN et al., 2002; ORPIN, 2007).

CONCLUSÃO

Conclui-se que existiu uma expressiva contaminação, principalmente por CEs metálicos, de áreas de pastagem durante uma reforma de cerca quando executada por trabalhadores rurais não treinados e sem a aplicação de conceitos de higiene. Os CEs metálicos constituíram o principal grupo com 84, 71% do total, seguidos por plásticos (14,65 %) e tecidos e fibras (0,64%). Este estudo quantificou pela primeira vez no Brasil a ocorrência de CEs em piquetes usados por bovinos, encontrando um CE a cada 12 metros lineares percorridos.

 

REFERÊNCIAS

BRAUN, U.; LEJEUNE, B.; SCHWEIZER, G.; PUORGER, M.; EHRENSPERGER, F. Clinical findings in 28 cattle with traumatic pericarditis. The Veterinary Record, London, v. 161, p. 558-563, 2007.

DIRKSEN, G.; GRÜNDER, H.-D.; STÖBER, MT. Innere Medizin und Chirurgie des Rindes. 4.ed. Berlin, Wien: Paul Parey Verlag, 2002. 1325 p.

FECTEAU, G. Management of peritonitis in cattle. Veterinary Clinics of North America. Food Animal Practice, Philadelphia, v. 21, p. 155-171, 2005.

GARCIA, P. V.; GARCIA, M. M.; PEREIRA, M.; ROSA, E. P. Retículo pericardite traumática: relato de caso. Revista Científica Eletrônica de Medicina Veterinária, Garça, a. 6, n. 10, p. 1-4, jan. 2008. Disponível em: <http://www.revista.inf.br/veterinaria10/relatos/edic-vi-n10-RC06.pdf > Acesso em: 28 maio 2009.

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ORPIN, P. Traumatic reticuloperitonitis in cows. Veterinary Record, London, v. 160, n. 23, p. 811, 2007.

PICCININ, A.; ALMEIDA, L. R..; BATAIER NETO, M.; TOZZET, D. S. Presença de corpo estranho no aparelho digestivo do bovino. Revista Científica Eletrônica de Medicina Veterinária, Garça, a. 6, n. 10, p. 1-7, jan. 2008. Disponível em: <http://www.revista.inf.br/veterinaria10/revisao/edic-vi-n10-RL73.pdf> Acesso em: 28 maio 2009.

RADOSTITS, O. M.; BLOOD, D. C. Clínica veterinária. 7.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1991.

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RIET-CORREA, F.; SCHILD, A. L.; MÉNDEZ, M. D. C.; LEMOS, R. A. A. Doenças de ruminantes e equinos. 2. ed. São Paulo: Varela, 2006. v. 2.

ROTH, L; KING, J. M. Traumatic reticulitis in cattle: a review of 60 fatal cases. Journal of Veterinary Diagnostic Investigation, Columbia, v. 3, p. 52-54, 1991.