COMPACTAÇÃO DO CÓLON EM VACA. RELATO DE CASO.

 

José Augusto Bastos Afonso1, José Cláudio de Almeida Souza2, Eduardo Levi de Sousa Guaraná3, Carla Lopes de Mendonça1, Nivaldo de Azevedo Costa1, Rafael Otaviano do Rego4.

1. Médico Veterinário, Doutor, Clínica de Bovinos, Campus Garanhuns/UFRPE.

 E-mail: cbg@prppg.ufrpe.br (autor correspondente)

2. Médico Veterinário, Doutor, professor da Unidade Acadêmica de Garanhuns/UFRPE.

3. Médico Veterinário, Aluno de Mestrado do PPGCV/UFRPE.

4. Médico Veterinário Residente, Clínica de Bovinos, Campus Garanhuns/UFRPE.

 

PALAVRAS-CHAVE: Bovino, intestino grosso, sistema digestivo.

 

ABSTRACT

 

COLON IMPACTION IN A COW: CASE REPORT

This work reports the clinical, laboratorial and pathological findings of colon impaction in a 3½-year-old female crossbred cow (3/4 Holstein x ¼ Gir) weighing 400kg. Clinical examination revealed apathy, tachycardia and 10% of dehydration. There was a reduction on appetite as well as ruminal and intestinal motility. Simultaneous auscultation and percussion showed a well-defined metallic area, or ping, in the 11th intercostal space. Rectal examination detected scant, pasty, blackish and fetid feces, as well as a hard, spherical structure that had adhered to the upper right abdominal cavity of the large intestine, not allowing its total palpation. Hematology diagnosed leukocytosis with neutrophilia and hyperfibrinogenemia. Increased chloride ion concentration (42,42 mEq/L) was evidenced by rumen fluid analysis. Right flank celiotomy followed by exploratory laparotomy was performed revealing colon impaction and diffuse peritonitis. Necropsy findings indicated an ovoid solid mass in the spiral valve of the ascendant colon. It was adhered to the peritoneal wall, partially covered by fibrin, and displayed focal hemorrhage areas that extended into the greater omentum. During the opening of the colonic region, mild stenosis and fecaloma obstruction were observed due to mucosal necrosis and ulceration.

 

KEY WORDS: Bovine, digestive system, large intestine.

 

INTRODUÇÃO

As enfermidades relacionadas ao intestino delgado e grosso são pouco freqüentes quando comparada as que acometem os pré-estômagos e abomaso. Entre as mais citadas podem-se relatar as intussuscepções, torção e obstrução por fitobezoários dos diferentes segmentos do intestino delgado e grosso, e a dilatação do ceco (AFONSO et al., 2002; TSCHUOR et al., 2007; AFONSO et al., 2008).

            As afecções de origem obstrutiva que comprometem o cólon de bovinos são esporádicas, e a região mais acometida é o segmento espiral. A intussuscepção é rara, mas tem sido comumente relatada em bezerros do que em animais adultos. A obstrução do cólon espiral pode ser uma seqüela da dilatação do ceco que acarreta uma hipomotilidade. Fatores extraluminais como linfossarcoma, aderências provocadas por peritonites, úlcera de abomaso perfurada, aplicação de injeção intraperitoneal, perimetrites e cirurgias intra-abdominais são causa predisponentes da obstrução (SMITH & DONAWICK 1979, HAMILTON & TULLENERS 1980, FUBINNI 1990, OKAMOTO et al. 2007).

Em virtude da relativa falta de informação a respeito deste tipo de distúrbio digestivo em bovinos na região, este artigo teve como objetivo relatar os achados clínicos, laboratoriais e anatomopatológico de um caso de compactação do cólon em bovino.

 

MATERIAL E MÉTODOS

            As descrições dos achados foram obtidas a partir de um bovino, fêmea mestiça (3/4 Holandês x ¼ Gir), com 3 ½ anos de idade, pesando 400 Kg, oriundo de uma fazenda do município de São Bento do Una, Estado de Pernambuco. A alimentação diária era composta de resíduo de cevada, capim elefante (Penisetum purpurium) e sal mineral ad libitum. Não estava em lactação. Na anamnese, o proprietário relatou que há cinco dias o animal ficou apático, sem querer comer, não ruminava.  Sendo medicada na propriedade sem sucesso. O animal foi encaminhado à Clínica de Bovinos, Campus Garanhuns – UFRPE. O exame clínico e do fluido ruminal foi realizado seguindo as normas preconizadas por DIRKSEN et al. (1993).

 

RESULTADOS

            Ao exame clínico evidenciou-se apatia, temperatura de 38,50C, pulso de 100 batimentos por minuto, freqüência respiratória de 16 movimentos respiratórios por minuto, membranas mucosas de coloração normal e desidratação (10%). O apetite, a motilidade ruminal e intestinal estavam diminuídas. A observação do contorno abdominal constatou-o com aspecto de pêra. A percussão simultânea a auscultação revelaram uma área definida de ressonância timpânica (“tilintar”) no 11o espaço intercostal. O paralelo balotamento e auscultação desta região elucidaram som de líquido nos intestinos. No exame retal constatou-se que as fezes eram escassas, pastosas, escuras, bem digeridas e fétidas; havia na região superior do antímero direito da cavidade, na altura do intestino grosso, a presença de uma estrutura de forma esférica endurecida, com áreas de aderência, não contornável a palpação. O animal estava com prenhes de quatro meses.  

Na avaliação hematológica os valores da série vermelha estavam dentro da normalidade para a espécie, o leucograma revelou uma leucocitose por neutrofilia com desvio para a esquerda regenerativo, além de hiperfibrinogemia. No exame do fluido ruminal observou-se um comprometimento da microbiota ruminal e uma elevação do teor de cloreto.

Diante dos achados clínicos e laboratoriais estabeleceu-se um diagnóstico presuntivo de um transtorno obstrutivo envolvendo o intestino grosso, sendo indicado uma laparotomia exploratória na fossa paralombar direita mantendo o animal em estação (STEINER, 2004).

Após a completa exploração manual da cavidade abdominal, constatou-se na região espiral do cólon ascendente, que havia uma estrutura de consistência firme e com alguns pontos friáveis na sua serosa e áreas contento fibrina, com ± 30 cm de comprimento, apresentando aderências ao ceco. Pelo tamanho e comprometimento da estrutura, que não tinha mobilidade, dificultava a sua exposição e impedindo definir a natureza da lesão que comprometia o órgão.  Diante da gravidade da lesão intestinal e quadro clínico, que inviabilizava o seu tratamento, a cirurgia foi finalizada com fechamento da cavidade, de acordo com os padrões de rotina. Foi indicado o seu sacrifício, seguindo as recomendações de LUNA & TEIXEIRA (2007).

            Nos achados de necropsia foi observado no intestino grosso, ao nível do segmento espiral do cólon ascendente, uma massa de forma ovóide medindo aproximadamente 30 cm x 20 cm x 20 cm, de consistência firme e aderida a parede peritoneal, recoberta parcialmente por fibrina e com áreas focais de hemorragia que se estendiam ao mesentério. Esta estrutura era constituída pelos segmentos centrípetos e centrífugos dos giros do cólon, que se apresentavam envolvidos por fibrina e edema dificultando a dissecação. Na abertura da região colônica notou-se discreta estenose com a presença de uma massa alimentar compactada (bolo fecal), formando um halo na mucosa com área de necrose e ulceração, sugestivo de obstrução.  Na porção anterior ao halo observou-se distensão dos segmentos do cólon de aproximadamente 1,5m. Ao corte, foi observado conteúdo mal digerido, de coloração escura e odor fétido, e a mucosa apresentando áreas ulceradas de tamanhos variados contendo material fibrino necrótico.

 

DISCUSSÃO

            Os achados obtidos no exame clínico sugeriram uma condição em que a obstrução intestinal posterior completa, envolvendo o cólon e/ou ceco, não poderia ser descartada. Entretanto, obstruções nestes segmentos não são freqüentes em animais adultos. O diagnóstico diferencial inclui as intussuscepções e torção do cólon, na região ascendente (giros sigmóide) e descendente respectivamente. (HITCHCOCK, 1970; HAMILTON & TULLENERS, 1980; ROSS et al., 1983; STRAND et al., 1993).  A obstrução intraluminal do cólon nas regiões ascendente e descendente geralmente é provocada por fitobezoários, enterólitos, neoplasia, aderências e pela compactação das fezes (FUBINI, 1993). A ocorrência da compactação do conteúdo intestinal no cólon ascendente (espiral) no animal deste relato, provavelmente esteja relacionada à ingestão de fibra alimentar de pouca digestibilidade, cuja oferta de alimento para a mesma era só forragem e apenas dois kg de resíduo de cervejaria (bagaço de cevada) ao dia, e em virtude da época do ano na região ser mais seca a oferta de água ficava comprometida (NUSS et al. 2006).

            Segundo PEARSON & PINSENTE (1977), FUBINI (1993) E DIRKSEN & DOLL (2005) os sinais clínicos observados no caso de obstrução no cólon espiral, não diferem muito dos outros tipos de obstruções, são progressivos podendo ocorrer em poucos dias, como foi relatado, ou semanas. Os mais evidentes inicialmente são cólicas agudas, diminuição do apetite a anorexia, redução das contrações ruminais. A freqüência cárdica pode está elevada e há desidratação. O abdômen fica distendido na região da fossa paralombar direita, e com a percussão resulta ressonância com som metálico devido às alças dilatadas, além da presença de líquidos que podem ser escutados. No inicio da doença as fezes são escassas, escuras e fétidas e com a evolução só é possível encontrar a presença de muco. Na palpação retal uma estrutura firme e aderências usualmente podem ser sentidas, como verificada no caso em estudo. No presente relato observou-se que os sinais clínicos eram semelhantes aos citados pela literatura (PAPADOPOULOS et al., 1985a; REBHUN, 1995; RADOSTITS et al., 2007).

            As alterações laboratoriais encontradas como uma leucocitose por neutrofilia, e uma elevação nos valores do fibrinogênio plasmático, podem ser interpretadas como conseqüência de um processo inflamatório do órgão acometido (JAIN, 1993; RADOSTITS et al., 2007). O comprometimento das características da microbiota ruminal está relacionada à anorexia e ao quadro de pouca dinâmica digestiva provocada pela enfermidade, como relatado por PAPADOPOULOS et al. (1985b), cujo o refluxo do conteúdo gastrointestinal resulta na passagem de íons cloretos e hidrogênio para os pré-estômagos, o que pode explicar a elevação do primeiro íon no conteúdo do rúmen no caso em estudo.

            Segundo BARKER at al. (1993), nos casos de obstrução intestinal, ocorre necrose na parede em função da compressão provocada pela massa alimentar compactada, com consequente comprometimento das camadas levando a perfuração da víscera e peritonite, como também verificada neste caso e caracterizada pela presença de bandas de fibrina entre a superfície serosa lesada e alças intestinais adjacentes.

            Os achados obtidos reiteram a inclusão deste tipo de afecção no diagnóstico diferencial dos diferentes tipos de transtornos digestivos que acometem bovinos adultos, principalmente àqueles relacionados com a natureza obstrutiva dos segmentos intestinais.

 

REFERÊNCIAS

AFONSO, J. A. B.; COSTA, N. A.; MENDONÇA, C. L.; SOUSA, M. I. ; SIMÃO, L. C. V.; DANTAS, F. R. Alterações clínicas e laboratoriais na dilatação do ceco em bovinos. Análise de 10 casos. Revista de Educação Continuada, CRMV-SP, São Paulo, v. 5, n. 3, p. 313-320, 2002.

AFONSO, J. A. B.; PEREIRA, A. L. L.; VIEIRA, A. C.; MENDONÇA, C. L.; COSTA, N. A.; SOUSA, M. I. Alterações clínicas e laboratoriais na obstrução gastrintestinal por fitobezoários em bovinos. Revista Brasileira Saúde Produção Animal, Salvador, v. 9, n. 1, p. 91-102, 2008.

BARKER, I. K.; DREUMEL, A. A. V.; PALMER, N. C. The alimentary system. In: Pathology of domestic animals. 4.ed. JUBB K. V. F.; KENNEDY, P.C.; PALMER, N. San Diego: Academic Press. 1993. 3v. p. 74-140.

DIRKSEN, G.; GRÜNDER, H. D.; STÖBER, M. Rosenberger exame clínico dos bovinos. 3.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1993. 419p.

DIRKSEN, G.; DOLL, K. Obstrucción interna del intestino, íleo por obturación. In: DIRKSEN, G.; GRÜNDER, H. D.; STÖBER, M. Medicina interna y cirugía del bovino. 4.ed. Buenos Aires: Inter.-Médica, 2005. v.1, p.484-485.

FUBINI, S. L. Surgery of the bovine large intestine. Veterinary Clinics of North America: Food Animal Practice, Philadelphia, v. 6, n. 2, p. 461-471, 1990.

FUBINI, S.L. Surgery of the bovine large intestine. Agri-Practice, Santa Barbara, v. 14, n. 7, p. 40-42, 1993.

HAMILTON, G. F.; TULLENERS, E. P. Intussusception involving the spiral colon in a calf. Canadian Veterinary Journal, Ottawa, v. 21, p. 32, 1980.

HITCHCOCK, P. L. Torsion of the large intestine in a young bull. Australian Veterinary Journal, Brunswick, v. 46, p. 542-543, 1970.

JAIN, N. C. Essentials of veterinary hematology. Philadelphia: Lea & Febiger, 1993. 417p.

LUNA, S. P. L.; TEIXEIRA, M. W. Eutanásia: considerações éticas e indicações técnicas. Revista do CFMV, Brasília, v. 13, n. 41, p. 60-69, 2007.

OKAMOTO , M.; ITOH, H.; KOIWA, M.; INAGAKI, M.; NADAO, T.; KUROSAWA, T.; KAWASAKO, K.; KOMINE, M.; AKIHARA, Y.; SHIMOYAMA, Y.; MIYASHO, T.; HIRAYAMA, K.; TANIYAMA, H. Intussusception of the spiral colon associated with fibroserous granulation in a heifer. Veterinary Record, London, v. 17, p. 376-378, 2007.

PAPADOPOULOS, P. H.; RAPTOPOULU,S D.; DESSIRIS, A.; TSIMOPOULOS, G. Experimental intestinal obstruction in cattle. Part I: Changes in the clinical picture. Zentralblatt fur Veterinarmedizin . Reihe A., Berlin, v. 32, p. 264-275, 1985a.

PAPADOPOULOS, P.H.; RAPTOPOULUS, D.; DESSIRIS, A., TSIMOPOULOS, G.; ROUMPLES, N. Experimental intestinal obstruction in cattle. Part II: Changes in blood, urine and rumen content chemistry. Zentralblatt fur Veterinarmedizin . Reihe A., Berlin, v. 32, p. 276-288, 1985b.

PEARSON, H.; PINSENT, P. J. N. Intestinal obstruction in cattle. Veterinary Record, London, v. 101, n. 9, p. 162-166, 1977.

RADOSTITS, O. M.; GAY, C. C.; HINCHCLIFF, K. W.; CONSTABLE, P. D. Veterinary medicine: A textbook of the diseases of cattle, horses, sheep, pigs and goats. 10.ed. Edinburg: Saunders, 2007. 2156p.

REBHUN, W. C Diseases of dairy cattle. Baltimore: Lea & Febiger, 1995. 530p.

ROSS, M. W.; DUCHARME, N. G., POWER, H. T. Torsion of the descending colon in a cow. Canadian Veterinary Journal, Ottawa, v. 24, p. 150-151, 1983.

STEINER, A. Surgery of the colon. In: FUBINI, S. L.; DUCHARME, N. G. Farm animal surgery. St Louis: Saunders. 2004. p. 257-262.

SMITH, D. F.; DONAWICK, W. J. Obstruction of the ascending colon in cattle. I Clinical presentation and surgical management. Veterinary Surgery, Philadelphia, v. 8, p. 93-97, 1979.

STRAND, E.; WELKER, B.; MODRANSKY, P. Spiral colon intussusception in a three-year-old bull. Journal of the American Veterinary Medical Association, Schaumburg, v. 202, n. 6, p. 971-972, 1993.

TSCHUOR, A. C.; SACHER, K.; KEMPF, E.; NUSS, K. Torsion of the sigmoid colon in a cow. Veterinary Record, London, v. 20, p. 567-568, 2007.