Investigou-se
a eficiência da detoxificação do veneno crotálico para bovinos, pelos
métodos
de iodação e iodação com encapsulação em liposomas, através da
avaliação
clínica dos animais inoculados. Onze
fêmeas, com idade média de 18 meses e peso médio de 160 kg, foram
inoculadas com
0,03mg/kg de peso vivo do veneno crotálico do tipo crotamina positivo.
Cinco
animais receberam o veneno iodado livre, cinco, o iodado encapsulado em
liposomas e um animal recebeu o mesmo veneno na forma natural, para
controle da
letalidade da amostra. Avaliações clínicas foram realizadas a cada duas
horas
após a inoculação do veneno (T0 - T 24). Todos
os parâmetros
clínicos avaliados (comportamento, postura, temperatura,
frequências
respiratória, cardíaca e de movimentos de rumem, coloração de mucosas,
funções
sensorial e motora e alterações no local da inoculação) permaneceram
dentro dos limites de normalidade desta espécie durante todo
o período estudado. Conclui-se
que a iodação do veneno crotálico, com ou sem incorporação em
liposomas,
suprime o quadro clínico do envenenamento crotálico nos bovinos.
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PALAVRAS-CHAVE: bovino; Crotalus; veneno.
CLINICAL EVALUATION OF CATTLE
INOCULATED WITH Crotalus durissus
terrificus SNAKE VENOM DETOXIFIED BY IODINATION WITH OR WITHOUT
ENCAPSULATION INTO LIPOSOMES
ABSTRACT
The
efficacy of
detoxification of the crotalic venom for cattle by iodination and
iodination
plus encapsulation methods was clinically evaluated. Eleven
18-month-old
heifers, weighing 160
kg
in average, were used in this study. Groups of five animals were
inoculated
intramuscularly with 0.03mg/kg with either the detoxified
non-encapsulated
venom or the detoxified encapsulated venom. One control animal received
the
same dose of non-detoxified venom by the same route. Clinical
evaluations were performed every two hours after venom
inoculation (T0 - T 24). All clinical parameters
(behaviour, posture, temperature, cardiac, respiratory and rumen
movements
frequencies, color of mucous membrane, sensorial and motor functions,
and alterations
at the inoculation site) were within the normal standards of the
species
throughout the studied period. It could be concluded that
iodination of
the crotalic venom, with or without incorporation into liposomes,
suppresses
the clinical manifestations of the crotalic envenomation in cattle.
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KEYWORDS:
bovine; Crotalus; venom.
INTRODUÇÃO
As serpentes do
gênero Crotalus são responsáveis por 14% dos
acidentes ofídicos em humanos no
Brasil (NETTO et al. 2004) e provocam a maioria dos envenenamentos
fatais (RANGEL-SANTOS et al. 2004). O tratamento desse envenenamento
com soro heterólogo obtido de equinos hiperimunizados ainda é a opção
disponível mais eficiente (CHOUMET et al. 1998); no entanto, ele causa,
frequentemente, reações de hipersensibilidade no paciente humano
tratado (NETTO et al. 2002) e provoca graves problemas na sua cadeia
produtiva como alto custo orgânico e até mesmo a morte do animal
soro-produtor, pois esse veneno é altamente tóxico e pouco imunogênico
(CLISSA et al., 1999, FERREIRA JUNIOR et al., 2005). Além disso,
apresenta ainda um alto custo na sua linha de produção (GUIDOLIN et
al., 1989, FERREIRA JUNIOR et al., 2006).
Muitos estudos
têm sido realizados com o objetivo de se encontrar alternativas para
resolver esses problemas e a detoxificação do veneno com preservação da
sua imunogenicidade parece ser importante passo nessa busca. KOCHOLATY
et al. (1968) detoxificaram o veneno da cascavel sul-americana
utilizando foto-oxidação e concluíram que, além da atenuação de seus
efeitos deletérios, esse processo também preserva sua imunogenicidade.
DANIEL et al. (1987) detoxificaram esse veneno mediante iodação
controlada e concluíram que o método é eficiente para camundongos.
FREITAS (1997) incorporou a crotoxina em liposomas e concluiu que houve
redução de, pelo menos, 42 vezes na sua toxicidade.
Esse veneno é
uma complexa mistura de peptídeos biologicamente ativos e proteínas com
atividades enzimáticas, com capacidade de interferir em inúmeros
processos fisiológicos, afetando órgãos e sistemas, causando
manifestações clínicas graves e até morte (AZEVEDO-MARQUES
et al., 1990; HUDELSON & HUDELSON,
1995; RANGEL-SANTOS et al., 2004; LAGO et al., 2004). A
crotoxina é o principal componente neurotóxico dessa mistura, molécula
formada por duas sub-unidades, a crotapotina e a crotoxina B, e é a
principal causadora da sua letalidade (AIRD et al., 1985; AIRD et al.,
1986, RANGEL-SANTOS et al., 2004, SAMPAIO et al., 2006).
Em humanos, o
quadro clínico é típico de neuropatia, sendo observada, em alguns
casos, a síndrome de rabdomiólise (MAGALHÃES et al., 1986; AMARAL et
al., 1988). Os bovinos são mais
sensíveis ao veneno da cascavel do que a maioria das outras espécies
domésticas (BRASIL & PESTANA, 1909). Eles sobrevivem se inoculados
com 0,025mg/kg do veneno, via intramuscular (ARAUJO et al.1963), e
morrem em 28 horas se a dose inoculada for de 0,03mg, apresentando um
quadro clínico característico de neuropatia com incoordenação motora,
tremores musculares e paralisia flácida, contudo, sem alterações
significativas na frequência respiratória e na temperatura retal (LAGO
et al., 2000).
SOERENSEN et
al. (1995) inocularam bovinos com veneno crotálico e observaram que os
animais apresentaram incoordenação motora, paralisia do posterior e
morte em 24 horas. Os autores concluíram que a temperatura, frequência
respiratória, frequência cardíaca e frequência de movimentos de
ruminação não são parâmetros de diferenciação clínica e que o edema,
nesse caso, é notoriamente inferior ao causado pelo veneno botrópico.
O objetivo
deste trabalho foi avaliar a eficiência da detoxicação do veneno da Crotalus durissus terrificus para bovinos, pelos métodos
de iodação e iodação com encapsulação em liposomas, por meio da
avaliação clínica, para subsidiar estudos de imunogenicidade deste
veneno nesta espécie.
O experimento
foi realizado em abril de 2001 e foram utilizadas 11 novilhas mestiças,
com idade média de 18 meses e peso médio de 160 kg. Os animais foram
mantidos em baias, identificados, vermifugados com albendazol (Valbazen-SmithKline) e banhados com
solução de amitraz (Triatox-Mallinckrodt),
segundo recomendação do fabricante, no dia seguinte ao de sua chegada
ao hospital veterinário. Foram formados três grupos experimentais: no
Grupo VI (n=5), os animais receberam inoculação
com veneno iodado livre; no Grupo VILP (n=5), inoculação
com veneno iodado incorporado em liposomas; no Grupo V,
um animal recebeu a inoculação com veneno na forma natural, para
verificação da letalidade (controle).O veneno
utilizado foi o crotálico do tipo crotamina positivo, fornecido pelo
Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Fundação Ezequiel Dias (FUNED)
que foi diluído em solução salina 0,85% e fracionado em duas alíquotas.
A primeira alíquota, na concentração de 5,00mg/ml, foi inoculada no
animal do Grupo V e a segunda, submetida à
iodação, segundo HENEINE et al. (1986), foi subdividida em duas
frações: a primeira, na concentração de 8,39mg/ml, foi inoculada nos
animais do Grupo VI e a segunda, na concentração
de 6,00mg/mL, submetida ao processo de incorporação do veneno em
liposomas, segundo FREITAS et al. (1997), foi inoculada nos animais do
Grupo VILP. A inoculação do
veneno, na dose de 0,03mg/kg, foi feita por via intramuscular, na
região glútea, conforme BELLUOMINI (1972).
Antes da inoculação do veneno (tempo zero) e a cada
duas horas, durante 24 horas (T2 a T24), foram
realizados exames clínicos e colheita de sangue venoso da
jugular em tubos venoject (Terumo Medical Corporation).
Foi definido um protocolo de exame clínico com avaliação do
comportamento e da postura, medição da temperatura retal, frequências
respiratória, cardíaca e de movimentos de rumem, coloração de mucosas,
avaliação das funções sensorial e motora e de alterações no local da
inoculação. A concentração do veneno no soro sanguíneo dos animais foi
determinada por teste imunoenzimático (ELISA), segundo HENEINE et al.
(1990). O animal do Grupo V foi necropsiado e os fragmentos de órgãos
colhidos foram conservados em formol a 10% e em seguida, processados e
corados pela hematoxilina-eosina, segundo LUNA (1968). O delineamento
experimental foi um sistema de “blocos ao acaso”, em que cada animal
configurou um bloco, destacando-se o T0
como sendo o controle experimental (cada animal é controle absoluto e
perfeito de si mesmo, SNEDECOR & COCHRAM, 1967). Análise de
variância e os testes de Kruskal-Wallis
e de Scott-Knott, foram
usados para verificação das diferenças entre as médias. Este
trabalho não foi submetido à Comissão de Ética de Experimentação Animal
por ser anterior à Lei 11.794/08 da Constituição Federal que
regulamenta e
estabelece procedimentos para o uso científico de animais. Trata-se de
dados experimentais de banco de teses, cujo experimento foi realizado
no mês de abril de 2001 e seu projeto de pesquisa devidamente aprovado
e registrado pela Escola de Veterinária da Universidade Federal de
Minas Gerais no ano de 1998; portanto, num período em que não havia
Comissão de Ética e Experimentação Animal (CETEA) nesta instituição.
RESULTADOS
A Figura 1
ilustra o perfil da concentração do veneno crotálico na circulação dos
animais utilizados no experimento. O grupo tratado com veneno iodado
(VI) apresentou uma concentração de veneno mais elevada
e com oscilações maiores durante todo o período estudado. O grupo
tratado com veneno iodado encapsulado em liposomas (VILP)
apresentou um perfil com concentração baixa, mas bastante estável
durante todo tempo. Todos os grupos mostraram aumentos entre duas e 4
horas após, sendo mais altos e o mais rápidos no Grupo VI.
Embora a diferença de concentração entre os Grupos VI e VILP seja
grande, o perfil apresentado é muito semelhante, com três picos
observados em três, 11 e 18 horas após o envenenamento. O Grupo V
apresentou uma concentração máxima em quatro horas,
caindo a valores em torno de 1,0ng/mL em oito horas e assim
permanecendo até a morte do animal.
As Figuras 2 e
3 ilustram os perfis da
temperatura, frequências respiratória, cardíaca
e de movimentos ruminais dos animais utilizados no experimento. Houve
diferenças estatísticas significativas entre os tempos T4, 6, 8, 10,
T0, 2, 12, T14, 22, 24 e T0,
16, 18, 20, para temperatura; T2, 4, 6, 8,10, 12, 24 e
os demais para frequência respiratória; T2, 4, 6, 8, 10, 12,
T14, 16, 22, 24 e T0, 18, 20, para
frequência cardíaca entre os Grupos VI e VILP; contudo, os valores
permaneceram dentro dos
limites de normalidade da espécie. O animal do Grupo V apresentou em T20
diminuição da frequência
respiratória, acompanhada de dispnéia, sialorréia seguida de morte 21
horas após envenenamento. Os animais dos Grupos VI
e VILP apresentaram discreta inapetência, que
desapareceu após o período experimental e não foram observadas
alterações dos outros parâmetros clínicos estudados.
O animal do
Grupo V apresentou quadro clínico típico do envenenamento crotálico
conforme descrito por SOERENSEN
et al. (1995) e também LAGO et al. (2000) pois,
logo após a inoculação, já apresentou inquietação e desconforto e após
duas horas observou-se apatia com cabeça baixa, letargia e edemaciação
discreta no local da inoculação. Dez horas após a inoculação o edema já
havia desaparecido e diminuição da sensibilidade superficial, do tônus
muscular, do reflexo patelar, com incoordenação motora e decúbito
external foram observados. Decorridas 16 horas da inoculação o animal
apresentou paralisia flácida dos membros pélvicos e, ao completar 20
horas, surgiram dispnéia e sialorréia, culminando com a morte passadas
vinte e uma horas desde o envenenamento.
O estudo
anatomo-histopatológico desse animal revelou lesões discretas como
pequenas áreas hemorrágicas do tipo sufusões e petéquias na musculatura
esquelética e cardíaca, degenerações hialina, vacuolizações e
estriações nas fibras musculares e infiltrados de células
polimorfonucleares, principalmente no local da inoculação do veneno.
A estabilidade e baixa concentração de veneno no
soro apresentada pelo Grupo VILP ocorreram,
principalmente, porque uma das propriedades dos liposomas é exatamente
permitir que o veneno seja liberado mais lentamente, portanto, em
quantidades menores e mais constantes (FREITAS & FREZARD, 1997).
Nisso consiste um dos principais efeitos imunoadjuvantes dos liposomas.
As maiores médias da temperatura e frequências
respiratória e cardíaca observadas nos tempos entre T2 e T12
e no tempo T24 ocorreram possivelmente porque essas
medições começaram às nove horas, logo, os cinco tempos seguintes e o T24,
coincidiram com o período mais quente do dia. Além disso, outro
fator que possivelmente contribuiu para essa discreta hipertermia é o
fato de que os animais estavam alojados num galpão cujo teto é de
amianto e com ventilação deficiente. O esforço físico dos animais a
cada colheita de material, durante sua contenção, também contribuíram
para a elevação de temperatura observada. A eliminação de calor via
respiratória, vasodilatação periférica e elevação da frequência
cardíaca fazem parte do mecanismo fisiológico de termólise (SILVA, 2000 STARLING et al., 2002).
A observação de valores de
temperatura do Grupo VILP, discretamente
superiores, ocorreu provavelmente devido aos liposomas, por meio de seu
efeito imunoadjuvante de liberação lenta e em menores quantidades do
veneno e do processo inflamatório provocado pela sua presença. A
síndrome febril pode estar presente no quadro clínico do acidente
ofídico crotálico segundo HUDELSON & HUDELSON (1995).
Casos relatados por AMARAL et al. (1988)
apresentaram temperatura sem alteração. SOERENSEN et al. (1995)
investigaram o quadro clínico do envenenamento crotálico e botrópico
bovino e concluíram que temperatura, freqüência respiratória e
frequência cardíaca não são parâmetros de diferenciação clínica entre
esses envenenamentos. LAGO et al. (2000) observaram que a temperatura e
a frequência respiratória dos animais inoculados com esse veneno
mantiveram-se normais até 20 horas desde o envenenamento, quando
começaram a cair.
Embora a frequência respiratória tenha se elevado
nos Grupos VI e VILP, dispnéia
foi observada apenas no animal do Grupo V.
Diversos autores relatam dispnéia nesse envenenamento em humanos
(MAGALHÃES et al., 1986; AZEVEDO-MARQUES et al., 1990; JORGE &
RIBEIRO, 1992, LAGO et al., 2000; e LAGO et al., 2004). A discreta
inapetência apresentada pelos animais dos Grupos VI VILP provavelmente decorreu do estado de
desconforto e manipulação a cada duas horas a que foram submetidos.
CONCLUSÃO
De acordo com os resultados observados neste
trabalho, conclui-se que a iodação com ou sem encapsulação em liposomas
suprime completamente o quadro clínico do envenenamento crotálico em
bovinos e, portanto, a metodologia de detoxificação do veneno utilizado
mostrou-se eficiente. Diante disso, fica evidente a necessidade da
realização de estudos da imunogenicidade do veneno detoxificado por
esse método.
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