Este estudo buscou evidenciar o papel
das enteroparasitoses como fator adicional de pressão biológica sobre
as espécies de aves silvestres locais e migratórias. A ocorrência de
endoparasitos pode ser considerada como indicador de alterações
indesejáveis das condições higiênicas, acarretando diminuição das áreas
naturais com comprometimento dos locais de descanso e da qualidade do
hábitat utilizado como ponto de alimentação aviária. Setenta e cinco
amostras fecais foram coletadas no câmpus da Universidade Federal Rural
do Rio de Janeiro (UFRRJ), Brasil, entre agosto 2007 e maio 2008, e
analisadas em lugol e pela técnica de Faust. Das amostras analisadas,
82,66% foram positivas para parasitas entéricos, 44% parasitados por
tricomonadídeos, 5,33% com o gênero
Chilomastix, 52% com oocistos de coccídeos, 29,33% por formas vegetativas de
Entamoeba coli, 37,33% com
Iodamoeba butschlii
e 10,66% com ovos de helmintos. A elevada prevalência de
enteroparasitas indica a necessidade de estudos mais detalhados e
avaliações mais frequentes de saneamento deste hábitat, cujo impacto
parece estar associado às precárias condições higiênicas locais
decorrentes da crescente antropização na região.
PALAVRAS-CHAVES: Aves silvestres, enteroparasitos, impacto ambiental.
ABSTRACT
GASTRINTESTINAL PARASITIC OCCURRENCE IN WILD BIRDS CAPTURED IN SEROPEDICA CITY AT RIO DE JANEIRO STATE, BRAZIL
This study aimed to assess the role of endoparasitic infections as
another factor of biological pressure on both migratory and local bird
species. The occurrence of endoparasites may be considered a sign of
undesirable hygienic alterations, causing the shortening of natural
fields, compromising the resting area and the habitat nutritional
quality. A total of 75 fecal samples were collected at the Campus of
the Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Brazil,
between August 2007 and May 2008, and they were analyzed in a Lugol´s
solution by Faust´s technique. Amongst the 82.66% positive
samples for enteric parasites, 44% were parasitized by the trichomonads
and 5.33% by the
Chilomastix enterozoary genera, 52% presented coccidian oocysts, 29.33% showed
Entamoeba coli, 37.22% presented
Iodamoeba butschlii
vegetative forms, and 10.66% were positive for worm eggs. The high
prevalence of enteroparasites observed indicates the need of more
detailed and frequent evaluations of the environmental sanitary
conditions, whose impact seems to be associated to the scarce local
hygienic conditions due to the growing anthropization.
KEYWORDS: Enteroparasites, environmental impact, wild birds.
INTRODUÇÃO
O parasitismo é uma condição em que dois organismos, um hospedeiro e um
parasito, desenvolvem uma relação direta e estreita na qual o agente
parasitário depende de algum elemento naturalmente produzido pelo
indivíduo infectado para manter seu ciclo biológico (LEDERBERG, 1998).
Com isso, os parasitos desenvolvem estágios diferenciados em função da
disponibilidade de alimentos em tecidos, humores e constituintes
gerados pelo hospedeiro, estabelecendo assim um relacionamento
essencialmente nutricional (LEDERBERG, 1998), sendo o hospedeiro
importante para manutenção das características bióticas das formas
parasitárias disponíveis no ambiente. Assim, as alterações no
ecossistema podem afetar tanto parasitas em suas fases de vida livre
quanto os hospedeiros e vetores que, por se tornarem mais resistentes
ou tolerantes, exercem uma contrapressão biológica capaz de levar à
extinção ou à modificação das populações parasitárias presentes no
ambiente (LEDERBERG, 1998; BRADLEY & ALTIZER, 2006), e assim
determinar, desse modo, a emergência e/ou reemergência de doenças
parasitárias capazes de pôr em risco a saúde animal e do homem. Este
aspecto pode ser evidenciado pela relação das condições sanitárias do
ambiente e o declínio das populações avícolas em diversos biomas de
todo o mundo (REED
et al., 2003).
Dentre os problemas sanitários que afetam as aves silvestres, as
enfermidades parasitárias importam não só pela frequência com que
ocorrem, mas também pela potencialidade de estarem relacionadas às
graves infecções ou até mesmo à morte de considerável parte da avifauna
presente em uma região densamente parasitada (REED
et al., 2003; MARIETTO
et al.,
2009). A prevalência de infecções parasitárias e, em particular, das
endoparasitoses, está diretamente relacionada ao comportamento,
nutrição e desenvolvimento reprodutivo das aves silvestres, causando um
déficit na densidade populacional. Isso porque propicia o aparecimento
de infecções secundárias, como o surgimento de enterite hemorrágica,
abscesso no tecido subcutâneo, hepático, pulmonar, infecções causadas
por organismos que atinjam a corrente sanguínea, acometendo outros
tecidos, incluindo pulmões, fígado, baço, rins, intestinos, musculatura
esquelética e até mesmo cérebro (FREITAS
et al., 2002; MARIETTO
et al.,
2009), resultando em graves consequências sobre a conservação das
espécies avícolas e, em especial, daquelas ameaçadas de extinção.
Além disso, as endoparasitoses que acometem a avifauna são de grande
importância para a saúde pública, pois podem significar o agravamento
de problemas econômicos, sociais, médicos e ambientais, sobretudo nos
países em desenvolvimento. Isto se deve à dispersão resultante dos
diferentes endoparasitos causadores de uma ampla diversidade de
zoonoses disponibilizadas em um hábitat destruído, fragmentado ou mesmo
ocupado de forma inadequada pela população humana, caracterizando um
ambiente antropizado (DASZAK
et al., 2001).
O parasito, o hospedeiro e o meio ambiente são três fatores primordiais
intimamente relacionados com as infecções parasitárias. Por conta
disso, os inquéritos coproparasitológicos, que inicialmente (até a
década de 1970) eram focalizados em infecções em seres humanos, cederam
espaço e atenção às análises de frequência de parasitismo em espécies
animais exóticos (FERREIRA
et al., 1994; BUNBURY
et al., 2008). Neste contexto, as aves ganharam destaque, por sua diversidade nos diferentes espaços geográficos que ocupam.
Atualmente, as avaliações epidemiológicas do parasitismo em diferentes
espécies aviárias originam resultados de maior valia quando se deseja
comparar parasitas e seus hospedeiros infectados, em função das
alterações do meio ambiente (DASZAK
et al., 2000; BUNBURY
et al., 2008).
Em relação às criações extensivas e à produção avícola, as protozooses
intestinais representam grande impacto em termos de custo-benefício,
com efeitos deletérios à saúde dos indivíduos, sobretudo ao atingir
criadouros avícolas ou mesmo outros animais de produção que entrem em
contato com aves silvestres naturalmente infectadas, independentemente
da tolerância ou resistência ao parasitismo (McCALLUM & DOBSON,
2002).
Embora existam diversos programas de prevenção do parasitismo
destinados aos seres humanos com projeções teóricas de controle das
parasitoses intestinais em diferentes países, infelizmente, constata-se
um descompasso entre o êxito alcançado nas nações mais desenvolvidas e
aquele verificado nas economias mais pobres, onde a economia, a
educação e as condições ambientais são barreiras quase que
intransponíveis a serem derrubadas. Com isso, há o claro
comprometimento da saúde humana, da preservação de espécies animais e
das condições higiênico-sanitárias do ambiente. Assim, é de extrema
relevância que se realizem estudos epidemiológicos e prospectivos
buscando maiores informações sobre o impacto causado pelo crescimento
desordenado das áreas urbanas, assim como aquele decorrente da
urbanização das áreas rurais e reservas florestais, capazes de pôr em
risco a própria saúde humana, além de causar prejuízos à produção
animal e à biologia das espécies vivas, tanto parasitárias como de
animais silvestres sob risco de extinção e/ou modificação
comportamental por conta da falta de alimentos disponíveis e do
esgotamento inerente à degradação e antropização ambientais (DASZAK
et al., 2000; SLIFKO
et al., 2000; SLEEMAN, 2006).
O presente estudo foi realizado com o intuito de se estabelecer uma
provável correlação entre parasitas, hospedeiro e ambiente. Para tanto,
desenvolveu-se uma análise prospectiva coproparasitológica das aves
silvestres capturadas no ambiente do câmpus da Universidade Federal
Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, RJ, Brasil, nos períodos de agosto
de 2007 (inverno) e de maio de 2008 (outono).
MATERIAL E MÉTODOS
Área de estudo
Como local de estudo, foi utilizado o lago do Instituto de Biologia,
pertencente à Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)
(22º44’38” S; 43º42’27’’ W).
Captura das aves
Aves silvestres pertencentes às ordens Passeriformes, Cuculiformes e
Columbiformes foram capturadas no período de agosto de 2007 a maio de
2008 em rede-de-neblina, armadas entre os períodos da manhã e o
crepúsculo. As aves capturadas em rede-de-neblina eram rapidamente
coletadas, colocadas em sacos de pano, contendo papel absorvente em seu
interior, e postas em descanso até que estas defecassem. As aves
capturadas eram marcadas cortando-se penas estratégicas da asa,
normalmente primárias, para eventual notificação da recaptura do dia,
evitando, assim, falsos-negativos em cada campanha.
Identificação das espécies avícolas
A identificação das aves silvestres capturadas foi realizada pelo Dr.
Ildemar Ferreira, responsável pelo Laboratório de Ornitologia do
Instituto de Biologia da UFRRJ.
Classificação das espécies avícolas
A classificação das aves silvestres capturadas foi realizada com auxílio da bibliografia do CBRO (2009).
Amostras fecais
Foram analisadas 75 amostras fecais que, após a coleta, eram
acondicionadas em frascos de 50mL contendo solução 2,5% de dicromato de
potássio (K
2Cr
2O
7), que impede a
proliferação de fungos e bactérias nas amostras fecais. As amostras
eram enviadas ao Laboratório de Toxicologia Ambiental e Imunologia
Parasitária do Departamento de Biologia Animal da UFRRJ. As amostras
foram mantidas tanto à temperatura ambiente (23ºC a 24°C) quanto sob
refrigeração (4ºC a 10°C) até a realização das análises parasitológicas.
Identificação dos parasitos
O diagnóstico dos parasitos foi realizado por meio dos seguintes
procedimentos: exame direto a fresco realizado ao microscópio ótico
com lugol, objetivando o encontro de trofozoítos; técnica de
centrífuga-flutuação em solução de sacarose (com densidade de 1,3g/mL)
para pesquisa de cistos nas amostras; identificação dos parasitos por
meio de dados morfológicos obtidos, analisados com auxílio da
bibliografia.
RESULTADOS
Foram capturadas 75 aves sendo 92% Passeriformes, 6,66% Columbiformes e
1,33% Cuculiformes. As espécies, bem como o número de indivíduos de
cada espécie de ave capturada e seus respectivos nomes populares, estão
na
Tabela 1.
Observou-se parasitismo em 82,66% das espécies de aves capturadas. Das amostras fecais positivas, tricomonadídeos (88%) e
Iodamoeba butschlii
(74,66%) foram os parasitas mais prevalentes. A ocorrência de
endoparasitos, no entanto, correspondeu a uma frequência relativa de
58,66% de oocistos de coccídeos e 44% de trofozoítas de
tricomonadídeos. As espécies
Entamoeba coli e
I. butschlii foram,
respectivamente, encontradas em 29,33% e 37,33% das amostras fecais. Os
endoparasitos de menor frequência foram do gênero
Chilomastix, (5,33%) e ovos de helmintos (10,66%).
A fragmentação de áreas naturais causa a diminuição da qualidade e da
quantidade de recursos ambientais, induzindo as espécies de aves
silvestres a buscarem novos locais de refúgio, abrigo, alimentação e
nidificação, com repercussões sobre os ambientes urbanos mais próximos.
Assim, elegem “poleiros” em praças, parques e jardins botânicos, em
nichos que não lhes foram destinados, ou planejados, originalmente.
Em decorrência da degradação ambiental como resultado da antropização
de hábitats, há uma crescente necessidade de se estabelecerem medidas
que permitam análise da impactação ambiental. Um dos resultados dessa
fragmentação é a perda da riqueza de espécies da avifauna (VALADÃO
et al.,
2006). Em termos de conservação, é importante que se conheçam as
espécies presentes em um dado local e as interações estabelecidas entre
elas, uma vez que a integridade do meio é dependente dessa diversidade
e do equilíbrio das espécies existentes no ambiente (KIRWAN
et al., 2001; MATHEWS, 2009).
Assim, as enteroparasitoses representam uma pressão considerável para
aves silvestres, em que seu autoíndice denota um agravamento do
desequilíbrio ecológico do local que essas aves habitam, podendo ser
associado à rápida diminuição das áreas naturais e à qualidade
higiênica (VALADÃO
et al., 2006; MARIETTO
et al., 2009).
Aves são consideradas ideais para avaliar os efeitos das pressões
ambientais, representadas principalmente pelas atividades
agropecuárias, pois são diversificadas e conspícuas, além de se
constituírem em indicadores sensíveis da degradação ambiental (DASZAK
et al., 2000; VALADÃO
et al.,
2006). Quando se trata de aves migratórias, podem-se ainda avaliar
ambientes distintos com uma única espécie como instrumento de estudo.
A avaliação da qualidade do hábitat por meio das áreas de descanso,
utilizadas como ponto de alimentação, permite que os inquéritos
parasitológicos da ocorrência de enteroparasitoses possam ser
utilizados como parâmetro de avaliação para as condições sanitárias do
ecossistema, assim como do grau de regeneração ambiental. O hábito
alimentar do hospedeiro influencia diretamente a composição da sua
fauna parasitária, segundo relato de MARIETTO
et al. (2006), assim como as associações existentes entre as espécies de parasitas (MATHEWS, 2009).
A ocorrência de endoparasitos encontrados nas amostras fecais de aves silvestres está representada na
Figura 1.
A alta frequência de
Entamoeba coli (29,33%) (
Figura 2) e de
I. butschlii
(37,33%) na avifauna local demonstra o elevado grau de antropização em
que se encontra o ambiente estudado. Acredita-se que estas espécies
estejam ocupando uma via oportunista de infecção em aves, existindo,
assim, a possibilidade de sua transmissão aos seres humanos, pois
apesar de não serem consideradas patogênicas, comensais no intestino do
homem. É importante salientar que os índices encontrados podem ser
utilizados como parâmetros para medir o grau de contaminação fecal a
que os indivíduos estão expostos, corroborando as informações de
GRACZYK (2008).
Com as amostras fecais do garibaldi,
Agelaius ruficapillus,
foi possível construir um paralelo entre as espécies de amebas
encontradas e o hábitat ocupado pelo hospedeiro, pois, segundo GRACZYK
et al.
(2008), um dos principais mecanismos de transmissão dos protozoários se
dá por meio da água contaminada. Isso explicaria o alto índice de
contaminação pelos parasitos, já que a espécie de
Passeriforme
está intimamente ligada à água. Além de alimentar-se de insetos e grãos
que apanha na vegetação palustre, segundo relatos de PORTO &
PIRATELLI (2005), seu ninho, em forma de tigela, é geralmente
construído entre as folhas de taboas, que é o ambiente encontrado no
local de coleta das amostras.
As aves capturadas durante o mês de agosto apresentavam placa de
incubação, indicando estar em época reprodutiva, fato que não se
repetiu nas aves observadas no mês de maio.
O alto desgaste, tanto pela fase reprodutiva de todas as aves
capturadas em agosto como pela migração de algumas delas, na mesma
época, parece levar a um estresse imunitário e este a uma maior
susceptibilidade ao parasitismo, corroborando informações de MARIETTO
et al.
(2009). É possível correlacionar o parasitismo perfeitamente com a alta
demanda energética requerido pelas aves, comparando-se nos dois
momentos de captura (entre agosto/2007 e maio/2008). A maioria das
infecções parasitárias intestinais é assintomática. Geralmente os
animais jovens são mais frequentemente e gravemente parasitados
(FREITAS
et al., 2002).
Em maio, capturaram-se muitos indivíduos jovens, o que demonstra a
importância da qualidade dos hábitats utilizados como ponto de
reprodução. Uma das formas de disseminação de parasitos pode se dar dos
pais para os filhos, em que as aves jovens têm acesso ao chão e ficam
expostas aos excrementos dos demais animais (MARIETTO
et al., 2009).
Esta análise pode ser perfeitamente observada diante do elevado parasitismo, dado por tricomonadídeos (
Figura 3),
estando presente em 44% das amostras analisadas com maior frequência no
mês de agosto/2007 e se contrapondo à análise fecal do mês de
maio/2008. A disponibilidade de fontes de águas poluídas no estágio
reprodutivo, em decorrência do estresse fisiológico das aves, pode ser
associada à transmissão de patógenos deste grupo. O maior contato entre
os pares reprodutores pode também desempenhar um papel, aumentando a
susceptibilidade à infecção durante o período reprodutivo, como
relatado por BUNBURY (2008).
Os protozoários flagelados tricomonadídeos são extremamente patogênicos
para as aves e sua ocorrência indica o declínio de espécies,
correspondendo, assim, a um prognóstico ruim em termos de equilíbrio
ambiental, para espécies sob ameaça de extinção. Estes flagelados
podem atingir o trato digestório alto, como, por exemplo, a orofaringe,
causando lesões pseudomembranosas localizadas, principalmente, em aves
jovens, e ainda serem disseminados pelo organismo, atingindo diferentes
órgãos vitais, segundo informações de VIEIRA
et al. (2008).
Uma ave infectada pode ter perda de apetite, vômitos, perda de penas,
diarreia, dificuldade na deglutição, dispneia (dificuldade na
respiração), perda de peso, e polidpsia (aumento da sede). Excrementos
podem ter uma descoloração amarela, que é mais comumente visível na
porção branca das fezes. Os jovens são mais frequentemente infectados e
podem chegar a óbito. Algumas aves podem ser portadoras assintomáticas
(VIEIRA
et al., 2008). Em
nenhuma das aves positivas para estes flagelados, jovens ou adultas,
foram observados sinais clínicos da enfermidade.
Coccídeos são uma das mais comuns parasitoses intestinais em aves,
estando envolvidos em muitos processos ecológicos onde a transmissão
entre os indivíduos ocorre por meio do contato com fezes contaminadas
com oocistos esporulados (LÓPEZ
et al., 2007). A frequência de 52 % de coccídeos (
Figura 4)
nas amostras fecais apresentou ligeira queda, quando comparada ao
período de agosto de 2007, mas ainda assim manteve um resultado de
grande relevância, já que os pássaros adultos podem ser portadores de
coccídeos sem apresentarem os sinais da doença (LÓPEZ
et al.,
2007). Como no mês de maio/2008 a população era constituída por grande
número de filhotes decorrente do período reprodutivo indicado em
agosto/2007, os coccídeos podem significar um grande problema,
ameaçando o equilíbrio populacional da avifauna estudada.
A
Figura 5
mostra a ocorrência do parasitismo por coccídeos, no período
reprodutivo (agosto/2007) e no período de crescimento dos filhotes
(maio/2008), comparada à distribuição do parasitismo por
tricomonadídeos.
O nível elevado de parasitas permite inferir que a alta antropização do
ambiente não evoluiu juntamente com a qualidade de higienização do
ambiente em questão, já que se correlacionou o parasitismo ao hábito
alimentar das aves e à possível sobreposição de nichos de algumas
delas, dada a grande fragmentação local. Alguns relatórios sugerem que
muitas dessas aves adquirem enteropatógenos, em virtude dos seus
hábitos alimentares. Numerosas espécies de aves são atraídas por
esgotos não tratados, lixo, lixeiras, chorume, e outras fontes de
patógenos entéricos (REED
et al., 2003).
No ambiente urbano, aves insetívoras e onívoras são representadas,
normalmente, por espécies generalistas, conforme preconizado por
VILLANUEVA & SILVA (1996). Além disso, um grande número de
insetívoros e onívoros presentes em pequenos fragmentos é esperado,
pois esses hábitos alimentares funcionam como “efeito-tampão” contra as
flutuações no suprimento alimentar, que restringem a ocorrência de
frugívoros e nectarívoros, além de insetívoros mais especializados, de
acordo com informações de VILLANUEVA & SILVA (1996).
As aves de hábito onívoro são mais susceptíveis ao parasitismo, pois,
ao se alimentarem de insetos e frutos, têm uma maior variedade em sua
dieta, ampliando as formas de contágio por enteroparasitas, como
demonstrado na
Figura 6. Os artrópodes ocupam o papel de vetores para o parasitismo de aves insetívoras, como, por exemplo, o curutié (
Certhiaxis cinnamomea),
alimentando-se de insetos, que podem ser capturados ainda em voo, sendo
menos parasitadas em comparação às aves onívoras e granívoras.
Possivelmente, as aves que coletam grãos durante o forrageio, ao
revirarem o solo ou fezes de animais em busca de sementes, como a
maria-preta (
Molothrus bonariensis),
acabam aumentando as chances de contaminação por enteroparasitos, não
somente pelo hábito alimentar, mas também pelo comportamento parasita
da maria-preta, que consiste na postura de ovos no ninho de uma ave de
outra espécie, em que a fêmea “hospedeira” encarrega-se de incubar os
ovos e criar os filhotes “adotivos” (PORTO & PIRATELLI, 2005). Esse
comportamento, tanto pelo hábito alimentar quanto pelo modo parasita
dessas aves, aumenta as chances de dispersão de patógenos para a
própria maria-preta e para as aves hospedeiras, que podem vir a se
contaminar por meio do contato com as fezes deixadas pela maria-preta
no ninho de seus hospedeiros.
Em termos de conservação, é importante que se conheçam as espécies
presentes em um dado local e as interações estabelecidas entre elas,
uma vez que a integridade do meio é dependente dessa diversidade e do
equilíbrio das espécies existentes no ambiente. Os resultados deste
estudo concordam com registros prévios feitos por outros grupos de
pesquisas em biomas similares (MARIETTO, 2009). Contudo, deve-se
considerar a necessidade de um maior número amostral, que confirmaria
com maior êxito a abundância relativa do parasitismo nesses animais,
muito embora as diferenças marcantes obtidas com os resultados das
análises de
I. butschlii e
Entamoeba coli sejam questionáveis e indicativos de antropização pelos quais se devem direcionar maior atenção.
Embora o presente trabalho não permita uma conclusão definitiva sobre o
parasitismo aviário como indicador de espécies em extinção (BUNBURY
et al.,
2008), a necessidade de particularização das espécies avícolas dentro
de um período definido não impediu que se observassem os efeitos do
ambiente sobre o parasitismo avícola no local escolhido. Ainda que
elevada ocorrência (~90%) de endoparasitas nas espécies de aves
silvestres indique a necessidade de elas serem avaliadas
individualmente, a abundância relativa de parasitas limitantes à
sanidade avícola sugere haver uma correlação direta entre a ocorrência
desses agentes parasitários e alterações ambientais decorrentes da
impactação decorrente da antropização crescente na região estudada.
As práticas de higiene inadequadas, como lançamento de esgoto não
tratado, lixo nos hábitats em que vivem essas aves, estão intimamente
relacionadas ao elevado parasitismo pelo gênero
Iodamoeba e por tricomonadídeos (BUNBURY
et al.,
2008; GRACZYK, 2008). Os parasitos tricomonadídeos são de grande
importância no declínio populacional de aves em extinção (BUNBURY
et al., 2008; GRACZYK, 2008) e assim como os parasitas da espécie
I. butchlii
são indicadores de degradação e antropização ambiental. Os resultados
do presente estudo corroboraram a hipótese de que os inquéritos
parasitológicos podem ser utilizados como parâmetro de risco ambiental,
quando se busca avaliar as condições sanitárias do meio ambiente e da
avifauna em determinado local.
CONCLUSÕES
Os resultados dos ensaios prospectivos do presente estudo permitem afirmar que:
– a evidente antropização do local escolhido influenciou
significativamente na prevalência das endoparasitoses ocorrentes nas
aves silvestres capturadas no câmpus da UFRRJ entre agosto de 2007 e
maio de 2008, com flutuação parasitária diretamente relacionada com as
condições ambientais e alimentos disponíveis para as aves presentes no
hábitat estudado;
– a relação das aves com organismos patogênicos pode gerar numerosos
problemas de sanidade acometendo estes animais e, provavelmente, os
demais organismos relacionados a estes, dada a presença de parasitos
zoonóticos;
– a antropização exerce uma pressão sobre as espécies migratórias,
presentemente representadas por andorinhas, que se tornam potenciais
vetores de parasitas importantes para o estabelecimento de novos focos
endêmicos e para o ressurgimento de surtos de doenças ao longo de suas
rotas migratórias.
REFERÊNCIAS
BRADLEY, C. A.; ALTIZER, S. Urbanization and the
ecology of wildlife diseases. Trends in Ecology and Evolution, v. 22, n.
2, p. 95-102, 2006.
BUNBURY, N.; JONES, C. G.;
GREENWOOD, A. G.; BELL, D. J. Epidemiology and conservation implications of Trichomonas
gallinae infection in the endangered Mauritian pink pigeon. Biological
Conservation, v. 141, n. 1, p. 153 -161, 2008.
COMITÊ BRASILEIRO
DE REGISTROS ORNITOLÓGICOS. Listas das aves do Brasil. Versão 9/8/2009.
Disponível em <http://www.cbro.org.br>. 2009. Acesso em: 20 jul. 2010.
DASZAK, P.;
CUNNINGHAM, A. A.; HYATT, A. D. Emerging infectious diseases of wildlife
threats to biodiversity and human health. Science, v. 287, n. 1, p.
443-448, 2000.
DE CASTRO, F.;
BOLKER, B. Mechanisms of disease-induced extinction. Ecology Letters, v.
8, n. 1, p. 117-126, 2005.
FERREIRA, C. S.; FERREIRA, M. U.;
NOGUEIRA, M. R. The prevalence of infection by intestinal parasites in urban
slum in São Paulo, Brazil. Journal of Tropical Medicine and Hygiene, v.
97, n. 1, p. 121-127, 1994.
FREITAS, M. F. L.; OLIVEIRA, J.
B.; CAVALCANTI, M. D. B.; LEITE, A. D.; MAGALHÃES, V. S.; OLIVEIRA, R. A.;
SOBRINHO, A. E. Parasitos gastrointestinales de aves silvestres en cativeiro en
el estado de Pernambuco, Brasil. Parasitología latinoamericana, v. 57, n. 1-2, p. 50-54, 2002.
GRACZYK, T. K.; MAJEWSKA, A. C.;
SCHWAB, K. J. The role of birds in dissemination of human waterborne
enteropathogens. Trends in Parasitology, v. 24, n. 2, p. 55-59, 2008.
KIRWAN, G. M.; M. BARNETT, J.;
MINNS, J. Significant ornithological observations from the Rio São Francisco
valley, Minas Gerais, Brazil, with notes on conservation and biogeography. Ararajuba,
v. 9, n. 1, p. 145-161, 2001.
LEDERBERG, J. Emerging infectious:
an evolutionary perspective. Emerging infectious Diseases, v. 4, n. 3,
p. 366-371, 1998.
LÓPEZ G.; FIGUEROLA, J.; SORIGUER,
R. Time of day, age and feeding habits influence coccidian oocyst shedding in
wild passerines. International Journal for Parasitology, v. 37, n. 5, p.
559-564, 2007.
MARIETTO GONÇALVES, G. A.;
MARTINS, T. F.; LIMA, E. T.; LOPES, R. S.; ANDREATTI FILHO, R. L. Prevalência
de endoparasitas em amostras fecais de aves silvestres e exóticas examinadas no
Laboratório de Ornitopatologia e no Laboratório de Enfermidades Parasitárias da
FMVZ-UNESP/Botucatu-SP. Ciência Animal Brasileira, v. 10, n. 1, p.
349-354, 2009.
MATHEWS, F. Chapter 8
zoonoses in wildlife: integrating ecology into management.
Advances in Parasitology, v. 68, n. 1, p. 185-209, 2009.
McCALLUM, H.;
DOBSON, A. Disease, habitat fragmentation and conservation. Proceedings
Biological Sciences, v. 269, n. 1, p. 2041-2049, 2002.
PORTO G. R.; A. PIRATELLI.
Etograma da maria-preta, Molothrus bonariensis (Gmelin) (Aves,
Emberizidae, Icterinae). Revista Brasileira de Zoologia, v. 22, n. 2, p.
306-312, 2005.
REED, K. D.; MEECE, J. K.; HENKEL,
J. S.; SHUKLA, S. K. Birds, migration and emerging zoonoses: west nile virus, lyme
disease, influenza A and enteropathogens. Clinical Medicine and Research,
v. 1, n. 1, p. 5-12, 2003.
SIH, A.; JOHNSON, B. G.; LUIKART,
G. Habitat loss: ecological evolutionary and genetic consequences. Trends in
Ecology and Evolution, v. 15, n. 1, p. 132-134, 2000.
SLEEMAN, J. Wildlife
zoonoses for the veterinary practitioner. Journal of Exotic Pet
Medicine, v. 15, n. 1, p. 25-32, 2006.
SLIFKO, T. R.; SMITH, H. V.; ROSE,
J.B. Emerging
parasite zoonoses associated with water and food. International
Journal for Parasitology, v. 30, n. 12-13, p. 1379-1393, Nov. 2000.
SMITH, K. F.; D. F. SAX; K. D.
LAFFERTY. Evidence for the role of infectious disease in species extinction and
endangerment. Conservation Biology, v. 20, n. 5, p. 1349-1357, 2006.
VALADÃO, R.
M; MARÇAL JÚNIOR, O.; FRANCHIN, A. G. A
avifauna no parque municipal Santa Luzia, zona urbana de Uberlândia, Minas
Gerais. Bioscience
Journal, v. 22, n. 2, p. 97-108, 2006.
VILLANUEVA, R. E. V.; SILVA, M.
Organização trófica da avifauna do Campus da Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC), Florianópolis, SC. Biotemas, v. 9, n. 2, p.
57-69, 1996.
Protocolado
em: 7 set. 2009. Aceito em: 2 ago.
2010.