AVALIAÇÃO
COPROPARASITOLÓGICA E CLÍNICA DE AVES SILVESTRES E EXÓTICAS
MANTIDAS
Milena
Batista Carneiro1, Antônio de Calais Júnior2,
Isabella Vilhena Freire Martins3
1Doutoranda
em Parasitologia Veterinária na Universidade Federal Rural do Rio de
Janeiro -
milenabatistacarneiro@hotmail.com
2Residente
em Patologia Animal no Centro Universitário Vila Velha - UVV.
RESUMO
COPROPARASITOLOGICAL AND
CLINICAL
EVALUATION OF PARTICULAR BIRDS IN ALEGRE-ES, BRAZIL
The objective of this study was to identify the gastrointestinal parasites and to carry out a clinical evaluation of particular birds of Alegre, ES, Brazil. Of the 36 examined birds, 14 (38.89%) were positive. Of the 25 examined Sporophila caerulescen, six (24%) were positive for coccidia and one (4%) for coccidia and Strongyloidea. Of eight Saltator similis, four (50%) were positive for coccídios and two (25%) for coccidia and Giardia. The Nymphicus hollandicus presented coccidia and Giardia and both Serinus canaria and Passerina brissonii were negative. Of the 25 examined animals the physical alterations were: six birds with big nails (24%), three animals with skin descamation (12%), two fat birds (8%), one thin bird (4%), one animal with diarrhea (4%) and an animal presented cough signals and sneeze (4%). The study showed a high frequency of parasites in the birds without clinical signs. The lack of specialized professionals in the area of wild animals in Alegre, ES makes difficult specific examinations and detailed orientations on birds handling.
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KEYWORDS: clinical
evaluation; wild bird; exotic bird.
INTRODUÇÃO
De
acordo com MARIETTO-GONÇALVES
et al. (2009), aves silvestres e exóticas podem ser parasitadas por
ovos de Ascaridia
spp., Heterakis spp. e Tricurídeos, cistos de Balantidium
spp.,
Blastocystis spp. e Entamoeba spp. e oocistos de
Coccídeos, sendo
que estes últimos são as estruturas parasitárias mais encontradas,
principalmente na ordem Passeriformes. Parasitismos por Giardia,
Ascaridia
e coccídeos se destacam entre as de maior ocorrência em aves
psitaciformes
(TSAI et al., 1992; BARTON et al.,
2003; KAJEROVA & BARUS,
2005).
Além
destas, a
criptosporidiose é considerada a mais prevalente infecção parasitaria
em aves
domésticas, de gaiolas e pássaros silvestres, sendo caracterizada como
problema
emergente para a indústria avícola mundial (DILLINGHAM et al., 2002).
Pode
causar tanto infecções respiratórias, como entéricas (O'DONOGHUE, 1995;
STRETER
& VARGA, 2000).
A
coccidiose, muito comum em
aves, é uma doença parasitária causada por protozoário da classe
Coccidia,
destacando-se os genêros Eimeria e Isospora,
por serem parasitas tanto de
animais domésticos como selvagens, causando-lhes enfermidades
persistentes
principalmente quando criados
Qualquer
fator que comprometa
as defesas orgânicas de um pássaro com coccidiose assintomática poderá
levá-lo
à manifestação de um quadro agudo de coccidiose (SOULSBY, 1986). A transmissão da doença ocorre por meio de
oocistos eliminados com as fezes e a urina, contaminando os alimentos,
a água e
o meio ambiente (BENEZ, 1993; THADEI, 2007). Os sinais incluem: penas
arrepiadas, sonolência, perda do apetite ou apetite exagerado,
diarréia,
fraqueza, perda de peso, caquexia (“peito seco”), apatia e prostração.
Também
podem ser observados problemas reprodutivos, problemas de pele e de
muda
atrasada de penas (BENEZ, 2007).
Outra
doença parasitária de
grande importância em aves mantidas em cativeiro é a giardíase, causada
por um
protozoário do gênero Giardia. O
cisto é a forma infectante para homens e animais (LLOYD et al., 2002),
que se
infectam por contato direto e ingestão de água e alimento contaminados
(THOMPSON, 2000). A Organização Pan-Americana de Saúde (PAHO) considera
a
giardíase uma doença zoonótica cosmopolita de potencial epidêmico (ACHA
et al.,
2003). É considerada doença comum e importante em psitacídeos
(McDONNELL et
al., 2003), tendo como sinal clínico mais comum a diarréia. Alterações
cutâneas
também podem surgir, como pele seca, prurido e automutilação. Apesar de
ser
relativamente comum em psitacídeos, a giardíase é considerada rara em
outros
pássaros em cativeiro (RUPLEY, 2000).
A
prevenção dessas parasitoses está ligada aos
cuidados gerais de
higiene na criação, alimentação balanceada, água de boa qualidade,
regras de
manejo adequado ao tipo de criação, treinamento dos tratadores nos
cuidados com
o manuseio das aves doentes, exames periódicos de fezes e realização de
exames laboratoriais
no caso de morte no plantel (SCHARRA, 2007).
Objetivou-se
com este
trabalho traçar a relação entre o perfil coproparasitológico e
sintomatologia
clínica de pássaros silvestres e exóticos de criadores particulares na
cidade
de Alegre, ES.
Antes
da realização do exame
físico foi realizada anamnese e exame geral da gaiola observando o
comportamento do animal. Posteriormente, as aves foram contidas
fisicamente e,
após anotação do número de registro observado na anilha, foram
verificados os
parâmetros clínicos. Alguns animais não foram examinados clinicamente
por
receio de seus proprietários.
As
fezes foram coletadas
forrando-se o fundo da gaiola com papel alumínio colocado no fundo da
gaiola um
dia antes da realização do exame. As amostras fecais foram mantidas sob
refrigeração e encaminhadas ao Hospital Veterinário do Centro de
Ciências
Agrárias da Universidade Federal do Espírito Santo (HOVET- CCA/UFES).
Foi
realizada a Técnica de Faust com solução de sulfato de zinco a 33%
(FAUST,
1938)17, indicada para o diagnóstico dos protozoários do
gênero Giardia, além de facilitar a
identificação de outros protozoários e permitir a observação de ovos de
helmintos. A coleta de fezes foi realizada uma única vez para cada
animal.
Após
todas as análises
laboratoriais, foi elaborado um laudo para cada proprietário indicando
o
tratamento adequado para cada caso e orientações de manejo, incluindo
controle
de doenças.
Foi realizada análise através de estatística descritiva, calculando-se a frequência de parasitoses presentes nas aves.
Das 36 aves examinadas, 14 (38,89%) apresentaram diagnóstico positivo nos exames coproparasitológicos. Dos 25 coleiros examinados, seis (24%) animais foram positivos para coccídios e um (4%) foi positivo para coccídios e ovos do tipo Strongyloidea e nenhum positivo para Giardia. Dos oito trinca-ferros, quatro (50%) foram positivos para coccídios e dois (25%) foram positivos para coccídio e Giardia. A calopsita apresentou resultado positivo para coccídio e Giardia e o canário belga e azulão apresentaram resultados negativos (Tabela 1).
BURBANO
et al. (2003), em estudo com 88 psitacídeos na Colômbia, relataram prevalência
de 6% de Isospora em aves criadas em
cativeiro, dado que difere do encontrado neste estudo. Esses resultados podem
ter diferido por diversos fatores: o fato de serem psitacídeos e não
passeriformes, as condições diferentes de manejo das aves, a condição física
das aves, a contaminação dos alimentos e água oferecidos às aves, entre outros. GOLÇALVES et al. (2006), em artigo sobre
endoparasitos de aves silvestres, relataram que 95,45% das amostras
positivas para coccidios foram provenientes de passeriformes.
Com relação às outras parasitoses, relatam-se frequência de
2,12% de Giardia em aves silvestres (CARBONERA et al., 1997), dados que diferem daqueles
presentes neste estudo. Foi confimada a presença de Giardia em corvos necropsiados no Egito, correlacionando-a com um
surto de diarréia humana, incriminando a contaminação ambiental por cistos
eliminados por estes pássaros como possível causa do aumento do número dos
casos de diarréia na população (Al-SALLAMI, 1991).
Após análise comparativa com os
exames clínicos, constatou-se que as aves estudadas são deslocadas do plantel
apenas durante os dias de torneio, não apresentando nenhum sinal de doença
clínica relacionada a essas protozooses e nem apresentando nenhuma outra
patologia.
Do total de 36 animais, 25 foram
examinados clinicamente por receio dos proprietários em realização da
contenção. Dos 25 animais examinados fisicamente, as alterações observadas
foram: seis animais com onicogrifose (24%); três animais com descamação de pele,
principalmente da região peitoral (12%); dois animais obesos (8%); um animal
magro (4%); um animal com diarréia (4%); e um animal apresentou sinais de tosse
e espirro (4%).
Deve-se
relacionar o resultado do exame coproparasitológico com o estado físico do
animal. Nenhum animal apresentou um problema grave de saúde, porém, as aves que
demonstraram alta infecção por oocistos de coccídios foram encaminhadas para
tratamento antiparasitário, pois, como estavam na época da muda, poderiam, em
algum momento, apresentar sintomatologia. Nesse caso, foi recomendado o uso de
sulfamidinas na dose descrita pelo fabricante. Além disso, foi recomendado o
fornecimento de água tratada e higienização das frutas em água filtrada para
evitar contaminação por essa via.
Nos
animais positivos para Giardia foi
indicado o tratamento com metronidazol na dose de 0,65 mL para 200 mL de água e
a utilização de água filtrada para beber e para limpeza das frutas.
Para
as aves que apresentaram descamação de pele foi recomendada a administração de
vitamina A assim como fornecimento variado de frutas. Nos animais obesos, os
proprietários foram orientados a diminuir o fornecimento de algumas sementes
até a recuperação do peso. Ao contrário, para a ave caquética, foi recomendado
o fornecimento de sementes e frutas variadas. Os animais com tosse/ espirro e
diarréia ficaram sob observação dos proprietários, pois os sintomas não eram
frequentes.
Como
melhoria nas técnicas de manejo foi recomendada a lavagem periódica das gaiolas
com sabão neutro, secando-as ao sol; lavagem diária dos bebedouros e comedouros
com sabão neutro e, se possível, deixar os vasilhames de molho em água
sanitária diluída em água; limpeza diária do fundo da gaiola; fornecimento de
frutas variadas para todas as espécies; exposição dos animais ao sol durante a
manhã e final da tarde; evitar colocar frutas, bebedouros e comedouros sob os
poleiros para que não haja contaminação dos alimentos e realização de exame
coproparasitológico periodicamente.
Durante a realização deste
trabalho, nem todos os animais que apresentaram resultado positivo para
coccídios receberam tratamento, pois a presença de oocistos no trato
gastrointestinal de pássaros é comum, sendo até aconselhável que se tenha
certas quantidades de oocistos para que a ave, quando exposta à contaminação
por esse protozoário, não manifeste a doença.
Foi possível relatar que
nenhum proprietário havia feito qualquer exame nos seus pássaros anteriomente,
tanto pela falta de informação sobre a importância de acompanhamento de um
profissional da área, como o médico veterinário, quanto para evitar o uso
indiscriminado de vitaminas, minerais e medicações, o que pode acarretar
problemas sérios de saúde das aves quando feito sem orientação. E todos os
proprietários já haviam usado em determinada época de vida da ave alguma
medicação.
No entanto, a participação de pássaros em cativeiro como
reservatórios e eliminadores do agente para o meio ambiente merece um estudo
mais detalhado. Reforça essa idéia a falta de educação sanitária por parte dos
criadores de pássaros, que, em sua maioria, não procura assistência
veterinária, tão pouco realiza exames coproparasitológicos em seus
plantéis. Esses fatos, aliados ao
descarte de dejetos oriundos da criação no meio ambiente, provavelmente contribuem
para a contaminação ambiental, com eventuais implicações econômicas e
zoonóticas.
CONCLUSÕES
A partir do perfil
coproparasitológico foi possível verificar uma alta frequência de parasitoses
nos pássaros silvestres e exóticos mantidos em criatórios particulares no
município de Alegre-ES, especialmente coccidiose, o que não necessariamente
caracteriza a presença de sintomatologia clínica.
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