A conformação dos membros dos potros,
futuros atletas, tornou-se o alvo principal da atenção de veterinários
e criadores nos últimos vinte anos, em virtude da contribuição de uma
conformação deficiente na maior incidência de lesões
músculo-esqueléticas e da consequentemente maior valorização econômica
de indivíduos com aprumos corretos. O objetivo deste estudo é
identificar as principais alterações angulares de potros da raça
Crioula do primeiro ao oitavo mês de vida, destacando as de maior
ocorrência. Foram avaliados 77 potros da geração 2007, escolhidos por
um processo de amostragem aleatória simples de um total de 164 potros
criados nas propriedades analisadas. O estudo foi realizado em duas
etapas: a primeira avaliação foi feita com animais entre um e quatro
meses de idade e a segunda com os mesmos potros com idade entre cinco e
oito meses. Com base nas duas avaliações realizadas, o principal desvio
angular observado foi o desvio medial de pinças (estevado), sendo
registrado em 47 potros. A identificação de alterações de desvios
angulares após o nascimento ou seu surgimento é de fundamental
importância, pois permite ao médico veterinário imediata intervenção,
através da realização de casqueamento e/ou alterações no manejo ou
cirurgia para correção dos desvios angulares.
PALAVRAS-CHAVES: Casqueamento, desvios angulares, potros, valgus.
ABSTRACT
ANGULAR LIMB DEFORMITIES IN CRIOULO FOAL IN SOUTHERN REGION OF
RIO GRANDE DO SUL, BRAZIL, FROM THE FIRST TO THE EIGHTH MONTH OF LIFE REARED UNDER EXTENSIVE MANAGEMENT
The conformation of the limbs of foals, future athletes, has become the
focus of attention of physicians and breeders in the last 20 years due
to the contribution of a poor conformation to a higher incidence of
musculoskeletal disorders and consequently greater economic recovery of
individuals with correct angulations. The aim of this study was to
identify the main angulation disorders of Crioulo foals from the first
to the eighth month of life, highlighting those that are the most
frequent. A total of 77 foals of the 2007 generation were evaluated,
they were chosen by a process of simple random sampling of a total of
164 foals raised on the properties analyzed. The study was conducted in
two stages, the first evaluation was performed with animals within 1
and 4 months of age and the second with the same foals aged 5 and 8
months. Considering the two evaluations, the main angular defect
observed was toed-in, which was observed in 47 foals. The
identification of defects in angulations after birth or its appearance
is extremely important to the veterinary, allowing immediate
intervention by performing trimming and/or changes in management or
surgery for correction of angular deviation.
KEYWORDS: Angular deformities, foal, trimming, valgus.
INTRODUÇÃO
As alterações de conformação são referidas como possíveis etiologias
das lesões que acometem os equinos durante suas vidas desportivas.
Dessa forma, as alterações do sistema locomotor são altamente
representativas com alterações dos demais sistemas. São importantes não
apenas nos primeiros meses de vida, quando normalmente se identificam,
mas também na fase adulta, quando suas consequências podem dar origem a
enfermidades graves, comprometendo o desempenho do animal e
desperdiçando anos de investimento e trabalho (FREY
et al., 2005).
A conformação dos membros dos potros, futuros atletas, tornou-se o alvo
principal da atenção de veterinários e criadores nos últimos vinte
anos, pois a conformação deficiente acarreta o aumento da incidência de
lesões músculo-esqueléticas. Por isso, há maior valorização econômica
de indivíduos com aprumos corretos (SANTSCHI, 2003). A incidência das
claudicações é altamente influenciada pela distribuição do peso natural
e pela distribuição do peso de acordo com o trabalho que o animal
realiza (GODOY & TEIXEIRA NETO, 2007).
A conformação é definida como a forma ou o contorno de um animal. Essa
definição pode ser ampliada para incluir a relação de forma e função,
em que os desvios angulares (DA) são os desvios do eixo vertical dos
membros no seu plano frontal, denominando-se pelas articulações
envolvidas. O desvio lateral e distal ao ponto de origem da alteração é
denominado valgus e o desvio medial varus (AUER, 1992).
Já a posição de pinças para dentro, estevado, é aquela em que as pinças
apontam uma em direção à outra quando vistas de frente, sendo que o
membro pode estar torto desde sua origem no peito ou apenas da
articulação metacarpofalangana para baixo (STASHAK, 2006). Na avaliação
frontal, quando a linha de falanges está voltada lateralmente, a
alteração é denominada esquerda.
Uma vez que os cavalos da raça Crioula são cavalos de sela e devem
suportar o peso de um cavaleiro e ao mesmo tempo executar movimentos
requeridos, assim, necessita-se de animais que tenham vida útil longa e
saudável. É evidente, portanto, a importância de bons aprumos para a
realização das atividades desempenhadas por esses animais.
O objetivo deste estudo é identificar as principais alterações
angulares de potros da raça Crioula do primeiro ao oitavo mês de vida,
destacando as alterações de maior ocorrência.
MATERIAL E MÉTODOS
Desenvolveu-se um estudo longitudinal e prospectivo com 77 potros da
geração 2007, escolhidos por um processo de amostragem aleatória
simples de um total de 164 potros criados em sete criatórios da região
sul do Rio Grande do Sul. O estudo foi realizado em duas etapas, com
uma avaliação feita com os animais entre um e quatro meses de idade e
outra com os mesmos potros com idade entre cinco e oito meses. Todos os
potros eram mantidos no sistema de manejo de cada propriedade,
criando-se os potros somente a pasto e sem nenhum manejo de
casqueamento.
Avaliaram-se somente os potros sem alterações clínicas detectáveis. Os
animais eram colocados em estação sob superfície plana, para
verificação visual da vista cranial e após vista caudal.
Para a avaliação e quantificação dos desvios angulares, empregou-se o
seguinte critério: nenhum; 1 desvio; 2 desvios – tanto para os membros
torácicos quanto para os pélvicos de cada animal. A mudança na
frequência em ambos os períodos foi comparada mediante o teste de
Wilcoxon para dados pareados. Repetiram-se as análises, considerando-se
as categorias de idade em ambas as visitas (1-2,9 meses; 3-4,9 meses;
5-6,9 meses e ≥ 7 meses). Todos os resultados foram repetidos de forma
separada para machos e fêmeas. Empregou-se nas análises o pacote
estatístico Stata 9.0, com grau de significância de 5%.
RESULTADOS
Dos 77 potros avaliados, a proporção de fêmeas foi maior que de machos (58,5% e 41,5%, respectivamente).
A
Figura 1
mostra redução estatisticamente significativa no número de DA do tipo
valgus entre ambos os períodos de avaliação, que foi mais evidente para
o tarsus valgus (frequência de 31,2% vs. 7,1%) do que para o carpus
valgus (frequência de 63,6% vs. 47,1).
Já para os DA dos tipos carpus varus e estevado anterior e posterior,
não houve diferença estatisticamente significativa entre ambos os
períodos de avaliação, sendo que o desvio estevado anterior teve
frequência relativamente alta (aproximadamente 50%). Os DA dos tipos
esquerdo anterior apresentaram um padrão contrário entre ambos os
períodos, sendo que o primeiro apresentou uma redução significativa
(frequência de 24,7% vs. 8,6%) e o segundo um aumento entre a primeira
e a segunda visita (frequência de 6,5% vs. 17,1%).
Esses resultados foram similares aos encontrados na análise das categorias de idade (
Figura 2),
mostrando uma tendência inversa com os DA dos tipos carpus valgus,
tarsus valgus e esquerdo anterior, uma tendência direta com o DA
esquerdo anterior e nenhuma relação com os desvios carpus varus e
estevados anterior e posterior.
Na estratificação do número de DA conforme o sexo, os resultados foram
diferentes apenas para os tipos carpus valgus e tarsus valgus (
Figura 3).
Embora ambos os sexos tenham apresentado uma redução na frequência
desses desvios, estes foram mais evidentes e com uma diferença
estatisticamente significativa apenas nas fêmeas, enquanto que para os
machos essa redução ficou no limite da significância estatística.
DISCUSSÃO
GREET
et al. (2000) citam que
potros neonatos de boa conformação devem apresentar um discreto desvio
valgus do carpo de aproximadamente 2-5°, o qual se confirma com os
resultados obtidos na segunda avaliação. Para BRAMLAGE & EMBERTSON
(1990), a correção natural progride até os quatro meses de vida. Uma
leve correção natural ocorre entre os oito e dez meses, quando a placa
de crescimento lateral apresenta crescimento maior, antes do seu
fechamento, que ocorre ao redor de um ano de vida.
Em vista disso, a conformação comum para potros puro sangue de
corrida desmamados é um leve desvio valgus, nas condições de
carpo (RIECK, 2000). Porém alterações na conformação do carpo são
importantes fatores predisponentes a fraturas dos ossos do carpo e
injúrias nesta articulação (MUNDY, 1997).
Apesar de se ser baixa a frequência de alteração carpus varus entre os
animais avaliados, ela se manteve na segunda avaliação, diferentemente
da alteração carpus valgus, que diminuiu.
Neste trabalho, a presença de potros estevados entre a primeira e a
segunda avaliação teve uma discreta redução e deve estar diretamente
relacionada à conformação dos cavalos da raça Crioula. HOLMSTROM
et al.
(1990) encontraram uma frequência de 50% de animais com conformação de
pinças para dentro em grau leve nos cavalos de esporte de elite,
indicando que mínimos desvios não impedem a integridade nem o
desempenho.
Já o DA esquerdo teve aumento significativo da incidência entre a
primeira e a segunda avaliação, podendo ser a questão genética e/ou não
casqueamento dos animais o fator determinante.
Os DA de membros pélvicos, embora com pouca prevalência, devem ser
levados em consideração, tendo em vista o tipo de exercício executado
pelos animais da raça Crioula nas provas funcionais, em que os animais
realizam paradas deslizantes e giros rápidos, com alterações abruptas
de direção e esbarros longos. MUNDY
et al.
(1997) demonstram que os desvios angulares da articulação tibiotársica
são citados como fatores predisponentes a alterações patológicas que
levarão à queda de desempenho e a lesões. STASHAK & HILL (2006)
sugerem que as possíveis causas de claudicação serão artrite precoce de
jarrete, síndrome do navicular e fratura de quartela.
A identificação de alterações de desvios angulares imediatamente após o
nascimento ou seu surgimento é de fundamental importância, permitindo
ao médico veterinário imediata intervenção. Outro fator determinante
para correções dos desvios angulares é o casqueamento contínuo dos
animais, que deve ser mantido como medida profilática contra futuros
desvios.
Dessa forma, salienta-se, com o presente estudo, que as alterações do
sistema locomotor do potro são determinantes para sua futura vida
atlética e suas consequências podem dar origem a enfermidades graves,
comprometendo, assim, o desempenho de toda uma criação.
CONCLUSÃO
Existem diversos fatores envolvidos para o desenvolvimento de
deformidades angulares, sendo que os desvios podem regredir
espontaneamente, como por exemplo a alteração carpus valgus.
Entretanto, o desvio angular estevado não regrediu espontaneamente,
sendo a principal alteração em potros da raça Crioula.
REFERÊNCIAS
AUER, J. A. Equine surgery. Filadélfia:
Saunders, 1992.
BRAMLAGE, L. R.; EMBERTSON, R. M. Observations on the
evalution and selection of foal limb deformities for surgical treatment. In:
ANNU MEET OF AAEP, 37., 1990, Lexington, Kentucky. Proceedings... Lexington:
American Association of Equine Practioners, 1990. p. 273-279. 454
p.
FREY, F. F.; NOGUEIRA, C. E.
W.; RIPOLL, P. K.; SACCHET, R. S. Levantamento das alterações angulares e
flexurais em potros na região de Bagé. In: CIC, 4., ENPOS, 7., 2005, Pelotas,
RS. Anais... Pelostas, RS: Universidade Federal de Pelotas. 2005.
Disponível em: <www.ufpel.edu.br/cic/2008/cd/pages/pdf/CA/CA_01945.pdf,>.
Acesso em: ago. 2008.
GODOY, R. F., TEIXEIRA NETO,
A. R. Claudicação em equinos. In: RIET-CORREA, F.; SCHILD, A. L.; LEMOS, R. A.
A.; BORGES, J. R. J. Doenças de ruminantes e eqüinos. 3. ed. Santa Maria, RS: Pallotti.
2007. p. 529-560.
HOLMSTROM, M.; MAGNUSUM L. E.; PHILIPSSEN, J.
Variations in conformation of Swedish Warmblood horses and conformational
characteristics of elite sport horses. Equine Veterinarian, v. 22, p.
186-193, 1990.
HUNT, R. J.; Management of angular limb
deformities. In: ANUAL CONVENTION OF THE AMERICAN ASSOCIATION OF EQUINE
PRACTITIONERS (AAEP), 46., 2000, Lexington. Procedeengs… Lexington,
2000. p. 128-129.
MARKS, D. Conformation and Soundness. In: ANUAL
CONVENTION OF THE AMERICAN ASSOCIATION OF EQUINE PRACTITIONERS (AAEP), 46.,
2000, Lexington. Proceedings… Lexington, 2000. p. 39-45.
MUNDY, G. D.; Review of risk factors associated
with racing injuries. In: ANUAL CONVENTION OF THE AMERICAN ASSOCIATION OF
EQUINE PRACTITIONERS (AAEP), 43., 1997, Lexington. Proceedengs…
Lexington, 1997, p. 204-210.
RIECK, E. R.; DE LA CORTE,
F. D.; SILVA, C. A. M.; BRASS, K. E. Desvios angulares em potros puro sangue de
corrida do nascimento aos 30 dias de vida: origem e incidência. Ciência Rural, v. 30, n. 5, p. 825-828, 2000.
SANTSCHI, E. M. Forelimb conformation in thoroughbred
foals. In: ANNUAL AMERICAN COLLEGE OF VETERINARY SURGEONS SYMPOSIUM, 2003, Washington,
MD. Proceeding… Bethesda: ACVS, 2003. p. 23-25.
STASHAK, T. S. Conformação e movimento:
claudicação em equinos segundo Adams. 5. ed. São Paulo, SP: Roca, 2006. p. 55-59.
Protocolado em: 1.o jan. 2009. Aceito em: 23 nov. 2009.