RESUMO
Uma dieta apropriada é importante e os erros nutricionais podem ter
consequências irreparáveis. Atualmente, a obesidade é a doença
nutricional mais comum em cães, com prevalência de 16%. Em cães, o
nível de atividade física, composição dietética, sabor do alimento e
estilo de vida são os fatores mais importantes que contribuem para a
obesidade. Este trabalho foi desenvolvido no sentido de avaliar os
efeitos da superalimentação na bioquímica clínica e hematologia de
filhotes saudáveis. Foram estudados 14 cães da raça Dogue Alemão,
machos, 10 semanas de idade, durante 27 semanas. O delineamento
experimental foi inteiramente casualizado, com dois tratamentos, sete
repetições e seis meses de duração. Os tratamentos constituíram-se de
dieta super prêmio ofertada à vontade (GI) (tratamento 1) e com
quantidade restrita (GII) (tratamento 2). Procedeu-se a avaliação da
bioquímica sanguínea e urinária e a determinação dos parâmetros
hematológicos. Constatou-se que filhotes superalimentados apresentaram
elevações séricas de alfa1 globulina e menores valores de beta
globulina, gama globulina, ALT, ALP e creatinina. No hemograma
observaram-se maiores valores de linfócitos e menores valores no
eritrograma. O índice proteína urinária: creatinina urinária não
apresentou diferença entre os tratamentos.
____________
PALAVRAS-CHAVE: Alimentação à vontade; canino; hematologia; parâmetros bioquímicos.
ABSTRACT
HEMATOLOGY, RENAL AND HEPATIC FUNCTION IN OVERFED GREAT DANE PUPPIES
An adequate diet is important and nutritional errors may lead to
irrevocable consequences. Nowadays, obesity is the most common
nutritional disease in dogs, with a prevalence of 16%. In dogs, the
level of physical activity, diet composition, food taste, and lifestyle
are the most important factors which contribute to obesity. This study
was carried out in order to assess the effects of overfeeding on
clinical biochemistry and hematology of healthy puppies. Fourteen male
Great Dane dogs at 10 weeks of age were studied during 27 weeks. The
experimental design was completely randomized, with two treatments,
seven replications, and six months of duration. Treatments were made up
of super premium diet given ad libitum (GI) (treatment 1) and
restrictedly (GII) (treatment 2). The evaluation of blood and urinary
biochemistry as well as the determination of hematological parameters
were carried out. It was concluded that overfed puppies revealed seric
elevations of alpha1 globulin, and lower values of beta globulin, gamma
globulin, ALT, ALP, and creatinine. In blood evaluation, higher values
of lymphocytes and lower values in the erythrogram were observed. The
urinary protein:urinary creatinine value did not reveal any difference
between treatments.
____________
KEYWORDS: Ad libitum feed; biochemical parameters; canine animal; hematological parameters.
INTRODUÇÃO
A proximidade dos animais de estimação com os seres humanos, o acesso a
dietas com alta densidade energética, petiscos e guloseimas e a redução
de atividades físicas vêm predispondo-os à obesidade (EDNEY &
SMITH, 1986; ARMSTRONG & LUND, 1996; JERICÓ & SCHEFFER, 2002).
A obesidade é a doença nutricional mais comum em seres humanos, cães e
gatos que vivem nas sociedades desenvolvidas. Dados nacionais expressam
prevalência de 16% de obesidade em cães (JERICÓ & SCHEFFER, 2002),
números inferiores aos descritos em outros países, nos quais se reporta
entre 24% e 30% de cães com sobrepeso (EDNEY & SMITH, 1986; LEWIS
et al., 1994).
O excesso de peso pode acarretar diversos efeitos deletérios sobre a
saúde dos animais. Dentre eles, os mais importantes são os distúrbios
do aparelho locomotor, hipertensão arterial, prejuízos à resposta
imunológica, aumento da incidência de diabetes mellitus tipo II,
dermatopatias, neoplasias, intolerância ao calor, menor eficiência
reprodutiva e decréscimo na função hepática (HAND
et al., 1989, LEWIS
et al., 1994, JERICÓ
et al., 2006).
A avaliação da bioquímica sanguínea na monitorização clínica da
obesidade é de fundamental importância. A determinação das
concentrações séricas de proteínas vem se tornando um procedimento
valioso para o entendimento dos processos fisiopatológicos, sendo
utilizadas em animais sadios e doentes (ECKERSALL, 2000). A análise
hematológica proporciona uma ampla variedade de informações que
completam os achados bioquímicos, inclusive quando a maioria dos
achados hematológicos são normais e usados para excluir diferentes
diagnósticos diferenciais (BUSH, 1999).
Estudos das mudanças fisiológicas decorrentes dos efeitos nutricionais
em diferentes idades são cada vez mais necessários com o aumento na
expectativa de vida dos animais de companhia, em parte atribuída à
melhora da qualidade das dietas e acesso ao atendimento veterinário. Ao
identificar mudanças hematológicas e o perfil bioquímico sérico
relacionado ao fígado e aos rins no decorrer da vida dos animais,
pesquisadores podem desenvolver formulações e métodos alimentares mais
apropriadas para cada estágio de vida.
Pelo presente trabalho, objetivou-se verificar, por meio do
acompanhamento laboratorial – bioquímica clínica e hemograma – a
higidez de filhotes da raça Dogue Alemão superalimentados.
MATERIAL E MÉTODOS
O experimento foi realizado no Hospital Veterinário da Escola de
Veterinária e Zootecnia da Universidade Federal de Goiás. Empregaram-se
14 filhotes da espécie canina, da raça Dogue Alemão, do sexo masculino,
com peso corpóreo médio inicial de 8Kg e dez semanas de idade,
provenientes de seis ninhadas diferentes, adquiridas em canis
particulares dos estados de Goiás, Minas Gerais, São Paulo e Distrito
Federal. A seleção dos cães deu-se após investigação sistematizada, na
qual foram avaliadas as condições clínicas e ortopédicas por manobras
semiológicas rotineiras.
Antes do início do experimento os filhotes passaram por um período de
adaptação de sete dias, em que receberam a mesma ração comercial seca
extrusada (Ossobuco large size filhotes, super prêmio - Nutron
Alimentos, Campinas, SP) utilizada na fase experimental. Nessa etapa,
os animais também receberam ecto e endoparasiticidas e foram
primoimunizados com vacina polivalente (Galaxy DA2PPvl + CV, Fort Dodge
Animal Health-EUA) contra parvovirose, leptospirose, cinomose,
coronavirose, adenovirose, parainfluenza e hepatite viral, recebendo
posteriormente três doses de reforço, com intervalos de 21 dias.
O delineamento experimental foi inteiramente casualizado, com dois
tratamentos e sete repetições. Os 14 filhotes foram distribuídos em
cada grupo de modo que cada ninhada fosse igualmente representada em
ambos os tratamentos. Foram constituídos dois grupos de sete animais
cada, sendo o primeiro grupo (GI) com cães tratados com ração à vontade
e o segundo grupo (GII) com cães tratados com ração com restrição. Os
cães foram tatuados com números na orelha direita.
O experimento compreendeu um período de 27 semanas, sendo que todos os
animais receberam água à vontade e permaneceram no mesmo alojamento com
os mesmos horários fixos de alimentação. A composição da ração seca
extrusada fornecida para os cães do experimento está descrita na
Tabela 1.
O fornecimento da ração variou de acordo com os tratamentos adotados
neste experimento. Para os cães do GI, o fornecimento foi livre e
individual das 8h às 18h. A quantidade de ração fornecida e as sobras
ao final do dia eram pesadas, de modo a permitir o cálculo do consumo
diário individual de cada animal. Para o GII, a ração foi fornecida em
quantidades preestabelecidas pelo fabricante, calculada levando-se em
consideração a idade e o peso corporal. Como os cães foram pesados a
cada sete dias, o ajuste da quantidade de ração foi feito semanalmente.
Foram fornecidas três refeições individuais diárias, às 7h, 12h e 30min
e às 17h. Foi estabelecido o tempo máximo de 30min para cada refeição.
No momento do fornecimento da ração, cada filhote foi colocado sozinho
em uma baia, onde permanecia até atingir o tempo estabelecido para
ingestão ou consumir todo o alimento disponibilizado.
Os cães do GI foram alojados em baias individuais, de 1,96m por 2,92m,
com piso de cimento rústico, paredes de alvenaria com iluminação e
ventilação natural por aberturas laterais nas paredes. Os do GII, fora
do período de alimentação, foram alojados em duas baias coletivas de
3,92m x 5,84m, piso de cimento rústico, paredes de alvenaria com
iluminação e ventilação natural por meios de aberturas laterais nas
paredes.
Todos os dias, os cães dos dois grupos foram levados para o solário
para realização de exercícios físicos, por duas vezes, das 7h às 8h e
das 16h às 17h horas. Nos dias em que eram realizadas as medições, os
filhotes eram colocados no solário às 8h 30min, onde permaneceram até
as 11h 30min.
Os filhotes dos dois grupos foram observados três vezes ao dia, no
horário em que os cães do grupo restrito recebiam a alimentação e nos
dias das medições. Um exame clínico detalhado (determinação da
temperatura corporal, frequência cardíaca, frequência respiratória e
pulso, avaliação da pele e mucosas, palpação dos linfonodos e das
articulações) era realizado sempre que um animal apresentava alguma
alteração comportamental ou em seu estado geral.
Foram realizadas 27 colheitas de sangue e de urina, em intervalos
regulares de sete dias com os animais em jejum alimentar mínimo de 12
horas, para realização dos seguintes exames: perfil bioquímico
sanguíneo (proteína total, uréia, creatinina, alanina aminotransferase
e fosfatase alcalina) e bioquímica urinária (proteína e creatinina).
Para realização do hemograma e perfil eletroforético de proteínas
séricas foram realizadas 14 colheitas de sangue com intervalos
quinzenais. As amostras de sangue foram obtidas por punção da veia
jugular com os animais mantidos em decúbito lateral e as amostras de
urina foram colhidas por cateterização da uretra, com os animais
mantidos em estação.
Todas as avaliações laboratoriais foram realizadas no Laboratório de
Patologia Clínica do HV/EVZ/UFG. Para cada metabólito analisado foram
utilizados reagentes comerciais padronizados (Labtest®, Labtest
Diagnóstica S.A., Lagoa Santa, MG). As reações ocorreram à temperatura
de 37ºC e a leitura realizada em espectrofotômetro manual (Micronal B
342, São Paulo, SP).
Para os testes bioquímicos na urina, as amostras de 20mL, após a
colheita, foram centrifugadas, divididas em microtubos de polipropileno
de 1,5mL (Eppendorf®, Alemanha) e refrigeradas até o momento da
realização dos exames.
Para realização do hemograma foram colhidos 5mL de sangue utilizando-se
tubos à vácuo (Vacutainer®, Becton Dickinson Ind. Cirúrgicas Ltda,
Brasil) de vidro e com anticoagulante EDTA (ácido
etilediaminotetracético, sal dissódico). O exame foi realizado no
período máximo de seis horas, utilizando-se analisador hematológico
automático (Analisador Hematológico ABX Modelo Micros 60, França). A
contagem diferencial de leucócitos foi feita em esfregaços sanguíneos.
Para realização da bioquímica sérica, foram colhidos 10 ml de sangue em
tubo vacutainer® descartáveis e sem anticoagulante. Após retração do
coágulo e obtenção do soro, os tubos foram centrifugados. Em seguida, o
soro foi separado por aspiração, dividido em alíquotas, mantido sob
refrigeração, por no máximo seis horas, e as provas bioquímicas
realizadas em, no máximo, 12 horas.
A proteína sérica total foi determinada pelo método colorimétrico, por
reação com biureto e leitura em comprimento de onda de 550 nm. As
frações proteicas foram separadas pela técnica de eletroforese em gel
de agarose, utilizando-se tampão tris pH 9,5 gelado (2º a 8ºC), sendo
corados em negro de amido (amido black 10-B – art.1810 – CELM) a 0,1%
em ácido acético a 5%. A leitura do filme foi realizada por
densitometria, em 520 nm, utilizando-se o sistema SE-250 da CELM, de
acordo com metodologia descrita pelo fabricante.
A uréia foi determinada pelo método enzimático-colorimétrico, por
reação com uréase, e a leitura feita em comprimento de onda de 600nm. A
creatinina sérica foi determinada por método colorimétrico, por reação
com picrato alcalino, sendo realizada a leitura em comprimento de onda
de 520 nm.
A alanina aminotransferase (ALT) e a fosfatase alcalina (ALP) foram
determinadas pelo método Frankel Reitman e Roy modificado,
respectivamente. A leitura foi feita em espectrofotômetro com
comprimento de onda de 505 nm para a ALT e 590 nm para ALP (Labetest).
A determinação da concentração de proteína urinária foi feita
utilizando-se método colorimétrico, por reação coomassie azul brilhante
em absorbância de 610 nm. A creatinina urinária foi determinada pelo
método colorimétrico, por reação com picrato alcalino, sendo realizada
a leitura em comprimento de onda de 520 nm.
O índice proteína urinária:creatinina urinária foi calculado conforme
citado por FINCO (1995), dividindo-se os valores de proteína urinária
pelos de creatinina urinária, visando à verificação de lesão tubular
renal.
Procedeu-se a análise estatística descritiva para verificação dos
valores de média e desvio-padrão. Para cada variável analisada no
estudo fez-se a comparação dos dois tratamentos, considerando-se os
dados gerais e os de cada período de avaliação. Considerando que as
variáveis sanguíneas e urinárias e os cálculos delas originados
(relação proteína urinária/creatinina urinária) não apresentaram
normalidade e homogeneidade de variância simultaneamente, utilizaram-se
a análise não paramétrica e o teste de Wilcoxon, 5% de significância
(SAMPAIO,1998). Os testes estatísticos foram realizados pelo programa
computacional SAEG (UFV, 2003).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os valores de média e desvio padrão das hemácias, hemoglobina,
hematócrito, leucócitos totais, neutrófilos e linfócitos determinados
no sangue dos cães deste trabalho e os valores de referência utilizados
estão descritos na
Tabela 2.
O valor médio de hemácia do GI foi superior (p<0,05) em relação ao
GII. Entretanto, os valores dos dois grupos ficaram dentro dos limites
de normalidade (BUSH, 1999). Analisando cada colheita individualmente,
detectou-se que, durante o período experimental, não houve diferença
significativa entre os grupos.
Os valores médios de hemoglobina apresentaram diferença estatística,
sendo superior (p<0,05) no GI (12,22g/dL) em relação ao GII
(11,70g/dL). Esses valores estão dentro dos intervalos de referência
(BUSH, 1999). Ao longo do período experimental, apenas na quinta semana
houve diferença, sendo superior no GII (11,24g/dL) vs. GI (10,67g/dL).
O hematócrito apresentou valores médios de 35,93% e 37,23% para os cães
do GI e do GII, respectivamente, havendo, portanto, diferença entre
eles, sendo superior no GII. No entanto, esses valores ficaram dentro
dos intervalos de referência (BUSH, 1999). Durante as semanas do
experimento não houve diferença estatística.
De acordo com NELSON & COUTO (2001), quando se avalia a série
eritróide, o clínico não precisa analisar todos os valores no hemograma
completo, porque fornecem informação idêntica. Neste estudo, o valor do
hematócrito refletiu comportamento semelhante ao das hemácias e das
hemoglobinas, corroborando com esses autores (
Figura 1).
NAP
et al. (1991) estudaram os
efeitos de três dietas com diferentes níveis de proteína (14,6%, 23,1%
e 31,6%) e não observaram diferenças entre os valores de hemácias e
hematócrito. Entretanto, FERREIRA (2006) encontrou diferenças entre os
grupos, que receberam dieta com variação dos teores de proteína (12%,
22% e 32%), sendo o hematócrito superior no grupo alimentado com maior
teor de proteína. Os resultados deste presente estudo diferiram desses
dois trabalhos, pois os maiores valores foram detectados nos cães que
receberam alimentação restrita, ou seja, os que receberam menos
proteína.
Segundo LIPPERT (1992) e AGAR (2001), as hemácias são células que
apresentam metabolismo elevado, portanto, necessitam de energia
prontamente utilizável para manutenção da sua atividade normal, e a
redução de reservas protéicas e energéticas no organismo pode resultar
em anemia. Ao contrário do esperado, neste estudo os cães que
tiveram restrição alimentar apresentaram maiores valores de
eritrócitos, hemoglobina e hematócrito.
Os valores absolutos médios de neutrófilos ficaram dentro dos
intervalos de referência e não houve diferença significativa
(p>0,05). Durante o período experimental, houve diferença
(p<0,05) apenas na terceira semana do experimento. Os filhotes do
GII foram mais estressados quando comparados com os cães do GI,
provavelmente devido à restrição alimentar ter sido severa durante o
período experimental, o que pode ter contribuído para os valores mais
altos de neutrófilos nesse grupo.
Os valores médios de linfócitos absolutos apresentaram diferença
significativa (p<0,05), sendo superior no GI em relação ao GII.
Esses valores estão dentro dos intervalos de referência e, ao longo do
período experimental, não houve diferença estatística.
Os valores de média e desvio padrão dos metabólitos determinados no
soro dos cães deste trabalho e os valores de referência utilizados
estão descritos na
Tabela 3.
Os valores médios de albumina foram de 2,30g/dL e 2,23g/dL,
respectivamente, para os grupos GI e GII, não havendo diferença
estatística entre eles. De acordo com NAOUM (1999), a análise
quantitativa dessa proteína tem importante significado clínico, pois a
sua diminuição pode estar relacionada a um defeito de sua síntese
hepática ou a perdas renais. Esses valores ficaram dentro dos
intervalos de referência (HARRUS
et al.
(1996). Nos períodos analisados, foram identificadas variações entre os
grupos GI e GII apenas na 11ª semana (2,21g/dL vs. 2,04g/dL), conforme
Figura 2.
A alfa1 globulina foi superior (p<0,05) no GI em relação ao GII.
Entretanto, os valores dos dois grupos ficaram dentro dos intervalos de
referência (HARRUS
et al.,1996). Durante as semanas do experimento, houve diferença estatística na 17ª semana (
Figura 3).
Os maiores valores de alfa1 globulina aliados ao maior número de
linfócitos detectados no GI sugerem a estimulação de alguns componentes
do processo inflamatório.
Os valores médios de alfa2 globulina foram os mesmos para os cães do GI
e GII e mantiveram-se dentro dos intervalos de referência (HARRUS
et al., 1996). Durante o período experimental não houve diferença (p>0,05) entre os grupos (
Figura 4).
De acordo com TRAYHURN & WOOD (2005), a obesidade em humanos induz
a um estado crônico de inflamação representado pelo aumento da
haptoglobina. Neste estudo não foi observada diferença (p>0,05)
entre os dois grupos na fração alfa2 globulina, fração que comporta a
haptoglobina, sugerindo que os cães do tratamento GI, que se
apresentaram com excesso de peso ou gordos, não tiveram aumento da
haptoglobina.
O valor médio da beta globulina foi superior (p<0,05) nos cães do
grupo GII comparado com o GI. Os valores dos dois grupos ficaram dentro
dos valores de referência (HARRUS
et al.,
1996). Durante as semanas do experimento, os cães do GII apresentaram
valores superiores em relação aos do GI nas seguintes semanas: 9ª (1,09
vs. 1,27) e 21ª (1,13 vs. 1,46), para os grupos GI e GII,
respectivamente (
Figura 5).
De acordo NAOUM (1999), não é raro que a zona beta globulina, por estar
bem próxima à zona gama, seja encoberta pelas bandas monoclonais,
podendo justificar o mesmo comportamento daquela fração quando
comparado ao padrão de resposta da gama globulina.
A gama globulina apresentou média superior no grupo GII e os
valores ficaram acima dos intervalos de referência. Durante as semanas
do experimento houve diferença estatística na 13ª semana, sendo
superior no GII (0,77g/dL) em relação ao GI (0,56g/dL), conforme
Figura 6.
O valor médio da ALT foi superior (p<0,05) nos cães do GII quando
comparado com o GI. As médias dos dois grupos ficaram dentro dos
valores de referência. Durante o período experimental, houve diferença,
sendo superior nos cães do GII em relação aos do GI em nove semanas,
conforme
Figura 7.
Os resultados para essa enzima foram diferentes em relação ao
encontrado por DIEZ et. al. (2004), que não observaram diferenças na
atividade sérica da ALT em cães submetidos a dietas diferentes, ou
seja, uma rica em proteína e outra, em fibras.
VÄHALA
et al. (1991) não
observaram diferenças de valores relacionados com a idade,
diferentemente deste trabalho que, com o decorrer do experimento, nos
dois tratamentos, esses valores aumentaram, sugerindo o efeito da idade
nessa enzima. Similarmente a este trabalho, SWANSON
et al. (2004) observaram o efeito da idade na atividade sérica da ALT, aumentando em cães mais velhos.
O valor médio da ALP dos cães do GII (40,52UI) foi superior (p<0,05)
em relação aos do GI (35,75UI); entretanto, esses valores estiveram
dentro dos intervalos de referência. Durante o período experimental
houve diferença (p<0,05), sendo superior no restrito em nove semanas
(
Figura 8).
Na
Figura 8
observa-se o declínio da atividade sérica da ALP à medida que os cães
ficam mais velhos. Esse comportamento está de acordo com SWANSON
et al.
(2004) que, ao estudarem os efeitos da idade em cães desmamados e
idosos, observaram que a ALP foi maior nos cães jovens. Esse fato
reforça a maior atividade da fosfatase alcalina óssea no período de
maior crescimento, ou seja, três a quatro meses de idade.
A determinação das concentrações séricas de uréia e creatinina é um
método convencional utilizado para avaliação da função renal (NELSON
& COUTO, 2001). Mais de 90% da uréia é excretada pelos rins;
entretanto, a uréia, como um indicador independente de função renal, é
limitada pela variabilidade de seus níveis no sangue, como resultado de
fatores não renais. De acordo com CHEW & DIBARTOLA (1992) e WHELTON
et al. (1998), a uréia é o
principal produto metabólico nitrogenado do catabolismo proteico do
organismo, sendo sintetizada no fígado, por meio do ciclo da ornitina,
utilizando amônia derivada do catabolismo de aminoácidos que, por sua
vez, são provenientes da degradação de proteínas exógenas e endógenas.
Assim, embora a uréia esteja mais diretamente envolvida com o
metabolismo hepático, a principal utilidade clínica da determinação da
uréia no soro, no estudo aqui desenvolvido, justifica-se na
determinação conjunta com creatinina e na discriminação da azotemia pré
e pós-renal (CHEW & DIBARTOLA, 1992; VANDER, 1995 e WHELTON
et al., 1998).
Neste trabalho, era esperado valor maior de uréia sérica nos cães do GI
com ração de alta porcentagem de proteína. Contudo, não houve diferença
(p>0,05) para os níveis séricos médios de uréia (
Tabela 1),
valores dentro dos intervalos de referência (BUSH,1999). Na Figura 9
pode ser observado o comportamento da uréia sérica nas semanas de
experimento entre os cães do GI e GII, evidenciando diferença
(p<0,05) apenas na 16ª semana (35,42mg/dL vs. 43,28mg/dL).
A concentração sérica de creatinina ficou dentro dos intervalos de
referência (KANEKO, 1989) nos dois grupos em todo o experimento, mas
foi maior (p<0,05), nos filhotes do GII. Houve diferença entre os
grupos em quatro semanas (
Figura 9).
Os animais dos dois grupos não apresentaram indícios clínicos ou laboratoriais de doença renal neste experimento.
O índice proteína-urinária:creatinina-urinária (P-u:Cr-u), de acordo com WHITE
et al.
(1984), substitui, com vantagens, o volume de 24 horas, já que a
creatinina é produzida em taxas constantes e filtrada livremente, não
sendo nem secretada nem reabsorvida pelos túbulos renais. Assim, ao
aplicar-se o índice, o efeito do volume de urina sobre a concentração
de proteína em uma única amostra é anulado. De acordo com LULICH &
OSBORNE (1990), cães hígidos apresentam índice P-u:Cr-u menor que 0,5,
sendo valores entre 0,5 e 1,0, questionáveis e valores maiores que 1,0
anormais.
O índice P-u:Cr-u apresentou valores de média e desvio padrão de 0,27
(0,23) e 0,24 (0,13) para os grupos GI e GII, respectivamente, sem
diferença (p>0,05) entre eles. Houve diferença (p<0,05) apenas na
primeira semana de experimento, sendo superior nos filhotes do GII (
Figura 10).
Em dois momentos deste trabalho, na segunda e na 11ª semanas, os cães
do GI apresentaram valores médios de índice P-u:Cr-u maiores que 0,5 o
que pode ser atribuído à ingestão excessiva de proteína pelos animais
desse grupo.
TOLEDO (2001) encontrou valores entre 0,22 e 0,13, respectivamente,
para machos e fêmeas, sendo os valores encontrados nos machos próximos
aos achados do estudo em questão. Valores superiores aos aqui
observados foram descritos por ZARAGOZA
et al.
(2003), que encontraram médias de 0,5 no cálculo desse índice em cães
sadios de raças e sexo variados estando, portanto, no limite da
normalidade.
CONCLUSÕES
A alimentação oferecida à vontade com ração de alta digestibilidade,
34% de PB e 16% de lipídeos, não está relacionada a alterações
hematológicas e de função hepática e renal em filhotes de cães da raça
Dogue Alemão.
FONTE DE FINANCIAMENTO – Nutron Alimentos
REFERÊNCIAS
AGAR, S. Small animal nutrition. Edinburgh: Butterworth-Heinemann, 2001. 187 p.
ARMSTRONG, P. J.; LUND, E. M. Changes in body composition and energy balance with aging. Veterinary Clinical Nutrition, Montreal, 1996. v.3, .n.3, p.83-87.
BURKHOLDER, W. J.; TOLL, P. W. Controle da Obesidade. In: HAND, M.S., THATCHER, C.D.; REMILLARD, R. L.; ROUDEBUSH, P. Small animal clinical nutrition. 4 ed. Topeka: Mark Morris Institute, 2000. p.401-430.
BUSH, B. M. Interpretación de los análisis de laboratorio para clínicos de pequeños animales. Harcourt. Espanha. 1999. 616p.
CHEW, D. J.; DIBARTOLA, S. P. Diagnóstico e fisiopatologia da moléstia renal. In: ETTINGER, S. J. (Ed.). Tratado de medicina interna veterinária: moléstias do cão e do gato. 3.ed. São Paulo: Manole, 1992. v.4, p.1975-2046.
DIEZ, M.; MICHAUX, C.; JEUSETTE, I.; BALDWIN, P., ISTASSE, L.;
BIOURGE, V. Evolution of blood parameters during weight loss in
experimental obese Beagle dogs. Journal of Animal Physiology and Animal Nutrition, Berlin, v.88, p.166-171, 2004.
ECKERSALL, P. D. Recent advances and future prospects for the use of acute phase proteins as markers of disease in animals. Revue de Médiccine Vétérinaire, Toulouse, v.151, p.577-584, 2000.
EDNEY, A. T. B.; SMITH, P.M. Study of obesity in dogs visiting veterinary practices in the United Kingdom. The Veterinary Record, London, v.118, n.14, p.391-396, 1986.
FERREIRA, R. P. Função renal de cães adultos sadios alimentados com diferentes teores de proteína bruta.
2006. 81f. Dissertação (Mestrado em Ciência Animal) – Escola de
Veterinária da Universidade Federal de Goiás. disponível em
http://www.ufg.br/this2/uploads/files/66/Dissertacao2006_Renata_Pereira.pdf
FINCO, D. R. Urinary protein loss. In: OSBORNE, C. A.; FINCO, D. R. (Ed.) Canine and feline nephrology and urology. Philadelphia: Williams & Wilkins, 1995. p.211-215.
HAND, M. S.; ARMSTRONG, J.; ALLEN, T. A. Obesity: Occurrence, treatment, and prevention. The Veterinary Clinics of North America: Small Animal Practice, Philadelphia, v.19, n.3, p.447-474, 1989.
HARRUS, S., WANER, T., AVIDAR, Y., BOGIN, E., PEH, H., BARK, H. Serum protein alterations in canine ehrlichiosis. Veterinary Parasitology, v.66, p.241-249. 1996.
JERICÓ, M. M.; SCHEFFER, K. C. Aspectos epidemiológicos dos cães obesos na cidade de São Paulo. Clínica Veterinária, São Paulo, v.7, n.37, p.25-29, 2002.
JERICÓ, M. M.; SILVA, M. B. F. P.; MACHADO, F. L. A. Avaliação
cardiovascular em cães obesos: mensuração da pressão arterial e achados
eletrocardiográficos. Clinica Veterinária, São Paulo, v.11, n.61, p.66-72, 2006.
KANECO, J. J. Clinical biochemistry of domestic animals. San Diego: Academic Press, 1989. 932p
LEWIS, D. L.; MORRIS, L. M.; HAND, S. M. Small animal clinical nutrition III. Topeka: Mark Morris Institute, 1994. 369 p.
LIPPERT, A. C. The metabolic response to injury: enteral and
parenteral nutritional support. In: MURTAUGH, R.; KAPLAN, P. M. (Ed.). Veterinary emergency and critical care. Saint Louis: Mosby-Year Book, 1992. p.593-617.
LULICH, J. P.; OSBORNE, C. A. Interpretation of urine
protein-creatinine ratios in dogs with glomerular and non-glomerular
disorders. The Compendium on Continuing Education for the Practicing Veterinarian, Princeton. v. 12, n. 1 p. 59-72, 1990.
NAOUM, P. C. Eletroforeses - técnicas e diagnósticos. 2.ed. São Paulo: Santos, 1999. 154 p.
NAP, R. C.; HAZEWINKEL, H. A. W.; VOORHOUT, G.; BROM, W. E.;
GOEDEGEBUURE, S. A.; KLOOSTER, A. T. V. Growth and skeletal development
in Great Dane puppies fed different levels of protein intake. Journal of Nutrition, Philadelphia, v.121, n.11, p.107-113, 1991.
NELSON, R. W., COUTO, C. G. Medicina interna de pequenos animais. Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, RJ. 2.ed., 2001. 1084 p.
SAMPAIO, I. B. M. Estatística aplicada à experimentação animal. Belo Horizonte: FEPMV,1998. 221p.
SWANSON, K. S.; KUZMUK, K. N.; SCHOOK, L. B.; FAHEY JR. G. C. Diet
affects nutrient digestibility, hematology, and serum chemistry of
senior and wealing dogs. Journal of Animal Science, Champaign, v.82, p.1713-1724, 2004.
TOLEDO, E. G. H. Perfil eletroforético de proteínas séricas e urinárias de cães normais e de portadores de insuficiência renal crônica.
2001. 52f. Dissertação (Mestrado em Medicina Veterinária) - Faculdade
de Ciências Agrárias e Veterinárias, Universidade Estadual Paulista,
Jaboticabal.
TRAYHURN, P., WOOD, L. S. Signalling role of adipose tissue: adipokines and inflammation in obesity. Biochemical Society Transactions, v.33, part 5, p. 1078–1081, 2005
UFV, UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA. Sistema de análises estatísticas e genéticas: Manual do usuário (SAEG). Versão 8.1, Viçosa, 2003. 301 p.
VÄHALA, J., POSPISIL, J., POKORNY, R., KASE, F. Blood serum
biochemical values of cape hunting dogs (Lycaon pictus): variations
whit age and sex. Acta Veterinaria, Scandinavica, v.60, p.219-224,1991.
VANDER, A. J. Renal physiology. 5.ed. New York: McGraw-Hill, 1995. 238p.
WHELTON, A.; WATSON, A. J.; ROCK, R. C. Metabólitos nitrogenados e função renal. In: BURTIS, C. A.; ASHWOOD, E. R. (Ed.). Fundamentos de química clínica. 4.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1998. p.552-574.
WHITE, V. OLIVIER, N.B., REIMANN, K., JOHNSON, C. Use of
protein-to-creatinine in a single urine specimen for quantification of
canine proteinuria. Journal of the American Veterinary Medical Association, v.185, n.8, p.882-885, 1984.
ZARAGOZA, C.; BARRERA, R.; CENTENO, F.; TAPIA, J. A.; MAÑÉ, M. C.
Characterization of renal damage in canine leptospirosis by sodium
dodecyl sulphate – polyacrylamide gel electrophoresis (SDS - PAGE) and
western blotting of the urinary proteins. Journal of Comparative Pathology, Edinburgh, v.129, p.169-178, 2003.
Protocolado em: 12 dez. 2006 Aceito em: 02 jan. 2011