Revisaram-se os dados de cinquenta
equinos com cólica submetidos à laparotomia exploratória, atendidos no
Hospital Veterinário da FCAV/Unesp, campus de Jaboticabal, entre
setembro de 2004 e julho de 2005. Animais das raças Brasileira de
Hipismo (28%), Paint Horse (16%) e Quarto de Milha (12%) foram os mais
acometidos. Fêmeas mostraram-se mais propensas à cólica (46%) que
machos não castrados (28%) e castrados (26%). Animais com média de
idade entre 2 e 10 anos foram prevalentes (64%). Em geral, as três
causas mais comuns de cólica foram deslocamento (22%), compactação do
cólon maior (16%) e hérnia inguinoescrotal (12%). Dos cinquenta animais
com cólica submetidos à laparotomia, 27 (54%) sobreviveram e 23 (46%)
foram a óbito ou sacrificados. Dentre os 27 sobreviventes, 21 (78%)
apresentavam lesões no intestino grosso (IG) e 6 (22%) no intestino
delgado (ID). Entretanto, dos 23 animais que foram a óbito ou
sacrificados, 15 (65,21%) apresentavam lesões no ID e 8 (34,78%) no IG.
O tempo médio de evolução do distúrbio até que os animais recebessem
atendimento especializado foi de 20,13 horas para os animais com lesões
no IG e de 13,29 horas para os equinos com lesões no ID. A demora no
atendimento reduz as chances de recuperação dos animais e contribui
para o expressivo número de procedimentos cirúrgicos realizados.
PALAVRAS-CHAVES: Cavalo, cólica, laparotomia, prognóstico.
RETROSPECTIVE STUDY OF 50 EQUINE COLIC CASES PRESENTED TO THE VETERINARY HOSPITAL OF FCAV-UNESP BETWEEN 2004 AND 2005
The medical records of 50 equine
gastrointestinal colic cases submitted to laparatomy presented to the
Veterinary Hospital of FCAV-UNESP between 2004 and 2005 were reviewed.
The breeds with higher predisposition to colic were Brasileira de
Hipismo (28%), Paint Horse (16%) and Quarter Horse (12%). Females (46%)
were more prone to colic than stallions (28%) and geldings (26%).
Overall, the 3 most common causes of colic were large colon
displacement (22%), large colon impaction (16%), and inguinal hernia.
Animals with average age between two and ten years were the most
affected (64%). From the 50 animals with colic submitted to laparatomy,
27 (54%) survived and 23 (46%) were sacrificed or died. Among the 27
survivors, 21 (78%) had lesions on the large intestine (LI) and six
(22%) on the small intestine (SI). However, from the 23 animals that
died or were euthanized, 15 (65.21%) showed damage on SI and eight
(34.78%) on LI. The mean time between the first symptoms and the
carrying out of specialized treatment was 20.13 hours to the animals
with damage on LI and 13.29 hours to the equines with damage on SI. In
conclusion, the delay on the admission reduces the animals’ chances of
recovery and contributes to the expressive number of surgical
procedures performed.
KEYWORDS: Colic, horse, laparotomy, prognosis.
INTRODUÇÃO
As doenças que envolvem o sistema digestório, tais como as cólicas, as
diarréias e as enterotoxemias, representam 50% dos problemas médicos
que resultam na morte de cavalos adultos (GONÇALVES
et al.,
2002). A cólica, por envolver fatores – de natureza e grandeza –
distintos, apresenta patogenia que pode variar desde um distúrbio
passageiro a um episódio complexo e de difícil resolução,
constituindo-se na doença mais comum e severa (ALVES, 1994).
Apesar dos avanços em relação aos métodos de diagnóstico, às técnicas
anestésicas e cirúrgicas e ao acompanhamento intensivo no
pós-operatório, a mortalidade permanece alta. É exigida do médico
veterinário ação muito eficaz para impulsionar o correto tratamento, em
curto espaço de tempo (THOEFNER
et al.,
2003). Além do mais, embora as manifestações clínicas dos equinos com
abdômen agudo guardem certa semelhança, a etiologia, a patofisiologia e
o prognóstico podem ser extremamente diferentes. Por isso, é necessário
que o clínico seja capaz de diferenciar casos simples, que podem ser
tratados de modo conservativo, daqueles cujos animais apresentam lesões
gastrintestinais graves e que podem evoluir para um colapso
circulatório e, fatalmente, para a morte.
Estima-se que a incidência anual de cólica nos Estados Unidos seja de
4,2 casos/100 cavalos a um custo aproximado de 115,3 milhões de dólares
(MEHDI & MOHAMMAD, 2006). Na Grã-Bretanha foi observada incidência
de 7,2 casos/100 animais por ano e no Irã 8,6% (HILLYER
et al.,
2001). Os casos que requerem tratamento cirúrgico resultam em um maior
número de óbitos do que os casos tratados clinicamente. A letalidade
atinge 13% dos casos não submetidos à cirurgia e 31% nos casos que
requerem intervenção cirúrgica (KANEENE
et al.,
1997). As porcentagens dos episódios de cólica que resultam em cirurgia
variam de 1,4% a 6,3%, segundo os plantéis analisados e o tipo de
cólica apresentada (TINKER
et al., 1997; TRAUB-DARGATZ
et al., 2001).
Equinos com histórico de cólicas recorrentes apresentam risco 3,6 vezes maior de serem acometidos por novo episódio (TINKER
et al., 1997). Estudo realizado por TRAUB-DARGATZ
et al.
(2001) revelou taxa de reincidência de 11% e por VAN DEN BOOM & VAN
DER VELDEN (2001) taxa de 16%. O histórico de episódio anterior de
cólica não ajuda a identificar o mecanismo patofisiológico da cólica e
também não é um fator de risco que possa ser alterado. Porém, a
associação de um episódio de cólica com um episódio subsequente é uma
informação importante para aqueles que manejam os equinos (COHEN, 1997).
Peculiaridades anatômicas, tais como a pequena capacidade volumétrica
do estômago, quando comparada com outras espécies domésticas, a
incapacidade de regurgitar, dada a musculatura muito desenvolvida do
cárdia, e a ausência do centro do vômito no sistema nervoso central,
bem como o longo mesentério associado ao jejuno, que favorece as
torções, além dos segmentos intestinais com diminuição abrupta do
diâmetro do lume, como a flexura pélvica e a transição para o cólon
menor, que favorecem o acúmulo de alimentos, e ainda de uma mucosa
retal frágil, predisposta a rupturas, tudo isso predispõe os equinos a
distúrbios gastrentéricos (PEIRÓ & MENDES, 2004). Entretanto,
outros fatores frequentemente associados a alterações no manejo, na
atividade física ou na dieta, infestações parasitárias e fatores
intrínsecos, tais como sexo, raça e idade, também tornam o equino
propenso a episódios de cólica (LACERDA NETO
et al., 1989).
Diante dessas observações, o presente estudo teve o objetivo de
descrever o perfil de cinquenta equinos com cólica submetidos à
laparotomia exploratória, atendidos no Hospital Veterinário da
FCAV/UNESP, Jaboticabal, SP, no período de setembro de 2004 a julho de
2005.
MATERIAL E MÉTODOS
Entre setembro de 2004 a julho de 2005, cinquenta equinos foram
encaminhados ao Hospital Veterinário da FCAV, Unesp, Jaboticabal para
tratamento da síndrome cólica. Confirmou-se o diagnóstico de cólica
cirúrgica através de exame físico, exame transretal, abdominocentese,
presença de refluxo por sonda nasogástrica, exploração cirúrgica, ou
quando estes não podiam mais ser controlados, medicamente.
Após preparação preoperatória rotineira, todos os animais receberam xilazina (Sedazine – Fort Dodge - média de 0,5 mg kg
-1)
via intravenosa (IV) como medicação pré-anestésica. Ato contínuo,
procedeu-se à infusão sob pressão de éter gliceril guaicol a 10% (Éter
gliceril guaiacol – Henrifarma - 100 mg kg
-1, IV) e midazolam (Midazolam – Hipolabor - 0,05 mg kg
-1, IV), seguidos de cetamina (Dopalen - Vetbrands - 2 mg kg
-1,
IV). Após a intubação orotraqueal, a manutenção foi feita com halotano
volatizado em 15 ml/kg de oxigênio, em circuito anestésico semifechado
com ventilação espontânea, sendo os animais posicionados em decúbito
dorsal. Durante o procedimento cirúrgico, administraram-se 5 a
10ml/kg/min, IV, de solução de ringer com lactato para auxiliar a
manutenção da pressão arterial média, entre 70 e 100 mmHg.
No pós-operatório, instituiu-se terapia antimicrobiana com penicilina
benzatina (Pentabiótico Reforçado – Fort Dodge), na dose de 30.000UI kg
-1,
via intramuscular (IM), a cada 48 horas, num total de três aplicações.
Como analgésico e anti-inflamatório, administrou-se flunixin meglumine
(Flunixina Injetável – UCB S.A.), na dose de 0,5mg kg
-1, IV,
a cada 12 horas, durante três dias. Reposições hidroeletrolíticas foram
realizadas com solução de ringer com lactato e solução fisiológica,
calculadas em função das taxas de manutenção e reposição hídrica dos
animais. Os fármacos selecionados e a duração de administração variaram
em função da gravidade da enfermidade e resposta ao tratamento. O
ensaio recebeu aprovação da Comissão de Ética e Bem-Estar Animal
(protocolo no 013332-07).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Na
Tabela 1
estão expressos os dados relativos à idade, ao sexo e à raça dos
cinquenta equinos com cólica avaliados e respectivas porcentagens.
Houve predomínio de animais com cólica da raça Brasileira de Hipismo
(BH), o que foi associado à localização geográfica do centro de
referência, margeado por fazendas de criação de animais da referida
raça. Ensaio realizado por WHITE & LESSARD (1986) revelou
predomínio de animais da raça Árabe e, segundo COHEN
et al. (1995), tal achado deveu-se às características de manejo dos animais. Entretanto, em ensaio desenvolvido por TINKER
et al. (1997), animais da raça Puro Sangue Inglês foram os mais acometidos.
Dos cinquenta animais avaliados, 46% eram fêmeas, 28% eram machos não
castrados e 26% machos castrados. Sabe-se que os haras do interior do
país abrigam principalmente fêmeas reprodutoras. Os machos, castrados
ou não, são encaminhados aos grandes centros, onde participam de provas
desportivas, o que explica os resultados obtidos neste ensaio. Os
resultados diferem dos de ABUTARBUSH
et al.
(2005), os quais observaram maior número de machos não castrados.
Apesar da existência de inúmeros tipos de cólica e da influência dos
distúrbios sexo dependentes, segundo MEHDI & MOHAMMAD (2006), há
muitas controvérsias entre os resultados obtidos por diferentes
pesquisas. Dos 3.848 equinos com cólica avaliados por KANEENE
et al.
(1997), os machos não castrados foram os mais acometidos. Entretanto,
no mesmo ano, COHEN & PELOSO observaram, em uma população de 1.214
animais com cólica, predomínio de machos castrados.
Na
Tabela 1,
observa-se que os animais com idade entre dois e dez anos (64%) foram
os mais acometidos. Resultados semelhantes foram obtidos por COHEN
et al. (1999). Segundo TINKER
et al.
(1997), certos tipos de cólica são mais frequentes em determinadas
categorias de idade. As resultantes da obstrução do intestino por
enterólitos acometem principalmente animais com idade superior a onze
anos. Compactação e deslocamento de cólon maior são frequentemente
observados em animais com idade entre sete e oito anos. Entretanto, as
chances da ocorrência de torções e estrangulamentos do intestino
delgado e cólon maior diminuem com a idade. As cólicas que requerem
tratamento cirúrgico são mais frequentes em animais idosos. Ainda
segundo esses autores, a relação entre idade e o surgimento do episódio
de cólica é complexa. A idade pode ser um indicador da utilização do
animal, do nível de atividade e do tipo e quantidade de alimento, que
constantemente são incriminados no desencadeamento do distúrbio.
Corroborando as afirmações anteriores, observa-se, na
Tabela 2,
que os principais achados clínico-cirúrgicos foram compactação e
deslocamento de cólon maior, sendo a média de idade dos animais
acometidos de 7,5 e 8,6 anos, respectivamente.
Os dados relativos às causas da cólica, à duração dos sinais antes da
apresentação e evolução do processo após a laparotomia exploratória
estão expressos na
Tabela 2.
Compactação e deslocamento do cólon maior também foram as alterações mais frequentes observadas por ABUTARBUSH
et al.
(2005). Segundo esses autores, os principais fatores de riscos
associados às obstruções do cólon maior (deslocamentos e compactações)
incluem a aerofagia, as mudanças nos regimes regulares de exercícios, a
falta da administração de anti-helmínticos por tempo superior a doze
meses, o histórico de viagens realizadas a menos de 24 horas e o
aumento no tempo de estabulagem dos animais. Esses fatores eram comuns
entre os animais ensaiados. Os resultados, entretanto, diferem dos
obtidos por MARKUS
et al.
(2008), que observaram predomínio de quadros de enterolitíase (62,5).
Alimentação de má qualidade e em quantidade inadequada, falta de
cuidados com a dentição e com o controle de verminoses foram os fatores
incriminados por esses autores no desenvolvimento da afecção.
Dos cinquenta animais com cólica submetidos à laparotomia exploratória,
27 (54%) sobreviveram e 23 (46%) foram a óbito ou foram sacrificados.
Dentre os 27 sobreviventes, 21 (78%) apresentavam lesões no intestino
grosso (IG) e 6 (22%) no intestino delgado (ID). Entretanto, dos 23
animais que foram a óbito ou sacrificados, 15 (65,21%) apresentavam
lesões no ID e 8 (34,78%) no IG. Ademais, observa-se na
Tabela 2
que o tempo médio de evolução do distúrbio, antes que os animais
chegassem ao centro de referência, foi de 20,13 horas para os animais
que apresentavam lesões no IG (58%) e de 13,29 horas para os animais
com alterações no ID (42%).
CONCLUSÕES
Dos cinquenta animais com cólica atendidos na FCAV no período de
setembro de 2004 a julho de 2005, fêmeas da raça Brasileira de Hipismo,
com idade entre dois e dez anos, apresentando compactação e
deslocamento de cólon maior, foram prevalentes. A demora no atendimento
reduz as chances de recuperação dos animais e contribui para o
expressivo número de procedimentos cirúrgicos realizados.
AGRADECIMENTO
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), pelo
financiamento integral a esta pesquisa (processos nº 03/09844-5 e
04/08662-3).
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Protocolado
em: 30 abr. 2009. Aceito em: 4 maio
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