DOI: 10.1590/1809-6891v21e-60433


Ocorrência de Escherichia coli em psitacídios cativos: suscetibilidade antimicrobiana e genes de virulência


Occurrence of Escherichia coli in captive psittaciformes: antimicrobial susceptibility and virulence genes


Karine Louise Calaça1 , Renato Clini Cervi1* , Silvânia Andrade Reis1 , Iolanda Aparecida Nunes1 , Valéria de Sá Jayme1 , Maria Auxiliadora Andrade1


1Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, Brasil
*Correspondente - renatoclinicervi@gmail.com


Resumo
Psittaciformes em cativeiro podem abrigar bactérias Gram-negativas em seu trato digestivo, principalmente devido a condições higiênicas inadequadas e ao confinamento. O presente estudo teve o objetivo de isolar e identificar Escherichia coli em amostras coletadas de gaiolas de Psittaciformes em 50 estabelecimentos comerciais da região metropolitana de Goiânia, com subsequentes testes de susceptibilidade antimicrobiana e detecção de genes de virulência. Foram coletadas 141 amostras de excrementos e suabes de alimentadores e bebedouros, totalizando 423 amostras. Escherichia coli foi isolada em 9,7% (41/423) amostras: 12% (17/141) em excrementos, 8,5% (12/141) em ração e 8,5% (12/141) em bebedouros. Os isolados de E. coli mostraram resistência à ciprofloxacina 4,9% (2/41), gentamicina 17,0% (7/41), doxiciclina 34,1% (14/41), florfenicol 34,1% (14/41), trimetoprim 39,0% (16/41), tetraciclina 41,5% (17/41), enrofloxacina 43,9% (18/41), amoxicilina 48,8% (20/41), neomicina 61,0% (25/41) e sulfonamida 90,2% (37 / 41) foi determinado. Multirresistência (resistência a quatro ou mais antimicrobianos) foi encontrada em 20 amostras, sete de excrementos (7/17), cinco de ração (5/12) e oito de bebedouros (8/12). Um dos isolados dos bebedouros apresentou resistência a todos os antimicrobianos. O gene iss foi detectado em três isolados, o gene tsh em três, o gene papC em dois, os genes traT e eae não foram detectados. Neste estudo, pode-se concluir que os Psittaciformes comercializados como animais de estimação são portadores de isolados de E. coli resistentes aos antimicrobianos mais utilizados, principalmente sulfonamidas e neomicina, além de possuir genes de virulência e resistência sérica, destacando a possibilidade de causar doenças em humanos.
Palavras chave: APEC, amostras multirresistentes, genes de virulência, aves silvestres, saúde pública

Abstract
Captive Psittaciformes may harbor Gram-negative bacteria in their digestive tract, mainly due to poor hygienic conditions and confinement. The present study was carried out with the objective of isolating and identifying Escherichia coli in samples collected from Psittaciformes cages in 50 commercial establishments in the metropolitan region of Goiania, with subsequent antimicrobial susceptibility testing and detection of virulence genes. A total of 141 samples of excreta and swab samples from feeders and water bowls were collected, totaling 423 samples. Escherichia coli was isolated from 9.7% (41/423) samples: 12% (17/141) in excreta, 8.5% (12/141) in feed, and 8.5% (12 /141) in waterers. To determine the susceptibility profile of E. coli isolates, resistance to ciprofloxacin 4.9% (2/41), gentamicin 17.0% (7/41), doxycycline 34.1% (14/41), florfenicol 34.1% (14/41), trimethoprim 39.0% (16/41), tetracycline 41.5% (17/41), enrofloxacin 43.9% (18/41), amoxicillin 48.8% (20/41), neomycin 61.0% (25/41), and sulfonamide 90.2% (37/41) was determined. In 20 isolates, resistance was determined at 4 or more antimicrobials, seven of excreta (7/17), five of feed (5/12), and eight of waterers (8/12). One of the isolates from the waterers showed resistance to all antimicrobials. The iss gene was detected in three isolates, the tsh gene in three, the papC gene in two, traT and eae genes were not detected. In this study, it can be concluded that Psittaciformes commercialized as pet are carry E. coli isolates resistant to most commonly used antimicrobials, mainly sulfonamides and neomycin, besides having virulence and serum resistance genes, which highlights the possibility of the to cause disease in humans.
Key words: APEC, multidrug resistance, virulence genes, wild birds, public health


Seção: Medicina Veterinária

Recebido
17 de setembro de 2019.
Aceito
1 de junho de 2020.
Publicado
18 de setembro de 2020.

www.revistas.ufg.br/vet
Como citar - disponível no site, na página do artigo.

Introdução

Psittaciformes são comercializados como animais de estimação em todo o mundo, devido às suas características naturais, lindas cores e fácil manuseio(1). Em seu habitat natural, a microbiota de seu trato digestivo é composta principalmente por bactérias gram-positivas(2,3). No entanto, quando mantidos como animais de estimação, passando a maior parte do tempo em microambientes limitados, o risco de exposição a bactérias potencialmente patogênicas aumenta. A higiene inadequada do ambiente e dos recipientes em que a água e os alimentos são fornecidos(4) favorecem o crescimento de bactérias gram-negativas(5,6). O risco de exposição se torna ainda maior em estabelecimentos comerciais, onde geralmente há superlotação de gaiolas com higiene inadequada e condições de alto estresse(7). Segundo Marietto-Gonçalves et al.(8), o monitoramento da presença de bactérias gram-negativas na microbiota entérica de Psittaciformes deve ser incluído na rotina de criação dessas aves, uma vez que não fazem parte da microbiota fisiológica e há riscos de disseminação de possíveis patógenos para humanos e outros animais.

Dentre as bactérias gram-negativas isoladas em psitacídeos(6), Escherichia coli tem sido a mais frequente. Essa enterobactéria pode sobreviver na natureza, colonizar o trato gastrointestinal (GIT) de aves, ser apatogênica e ser considerada comensal e oportunista(9). No entanto, algumas cepas podem modificar suas estruturas antigênicas e adquirirem genes que as tornam capazes de gerar doenças(10,11).

E. coli é um microrganismo cujo fenótipo selvagem não possui resistência intrínseca. No entanto, têm sido identificados isolados de E. coli resistentes a um grande número de antibióticos(9). Segundo a Organização Mundial da Saúde(12), os países precisam se unir para implementar medidas e monitorar estudos para entender melhor as infecções, concentrando suas ações em medidas precisas de controle e diagnóstico para o uso racional de antimicrobianos.

Dentre os diversos patótipos de E. coli, APEC é considerada uma das principais causadoras de morbidade e letalidade em aves silvestres e domésticas(13), possui ampla diversidade genética, com diversos fatores de virulência. Entre os genes que classificam uma cepa como APEC, estão os responsáveis pela resistência sérica aos efeitos bactericidas do soro (traT e iss), mecanismos de adesão (papC), aerobactina (iuc) e hemaglutinina sensível à temperatura (tsh)(9, 14-16).

Estudos envolvendo isolados de E. coli de origem humana e animal têm demonstrado a presença de vários genes em comum, indicando a possibilidade de trocas genéticas entre as diferentes linhagens quando em contato, o que pode contribuir para aumento da virulência e o desenvolvimento de cepas patogênicas resistentes(17). Além disso, estudos subsequentes apontaram um aumento exponencial de microrganismos resistentes aos antimicrobianos(18), sendo os Psittaciformes o foco de alguns estudos que revelaram sua importância como hospedeiros de bactérias resistentes aos antibióticos(19).

Considerando a importância da investigação de cepas bacterianas presentes em aves criadas comercialmente, como animais de estimação, o que pode representar um desafio no controle epidemiológico da relação homem-animal, o presente estudo foi desenvolvido com os objetivos de identificar a presença de E. coli em amostras de gaiolas de psittaciformes, com a avaliação do perfil de resistência antimicrobiana e na detecção de genes de virulência.


Material e métodos


O presente estudo foi realizado nos Laboratórios de Bacteriologia e de Diagnóstico Molecular do Departamento de Medicina Veterinária da Escola de Veterinária e Zootecnia (EVZ) da Universidade Federal de Goiás (UFG) e aprovado pela Comissão de Ética no Uso de Animais (CEUA) sob o protocolo nº 058/17.

Após a atualização do cadastro oficial das revendas, juntamente com um auditor fiscal estadual, foram identificados estabelecimentos com presença de aves (Psittaciformes) nas regiões metropolitanas de Goiânia-Goiás-Brasil, em 2017. Em seguida, 50 estabelecimentos foram selecionados para coleta de amostras. A seleção do número de gaiolas para coleta de amostras foi estabelecida de acordo com o número total de gaiolas de cada estabelecimento. Em cada gaiola selecionada, coletaram-se amostras de excretas, alimentadores e suabes de bebedouros, num total de três amostras por gaiola.

Aproximadamente 1,0 g de excretas foi coletado, em cinco pontos diferentes das bandejas, formando assim um pool que constituiu uma amostra. Em relação ao alimento, coletaram-se 2,5g nos alimentadores, os quais foram acondicionados em frascos esterilizados. As coletas nos bebedouros foram realizadas por três suabes que foram esfregados em toda a extensão deles e acondicionados em tubos de polipropileno, os quais constituíram uma amostra. As amostras foram identificadas e transportadas ao laboratório para processamento em caixas isotérmicas contendo gelo reciclável. Ao final das coletas, obtiveram-se 423 amostras, sendo 141 de excretas, 141 de alimentos e 141 de suabes de bebedouro.

As amostras foram coletadas de 50 revendas em 141 gaiolas, onde se identificou oito espécies diferentes de psitacídeos, das quais 48,2% (68/141) eram de periquitos australianos (Melopsittacus undulatus); 33,4% (47/141) de calopsitas (Nymphicus hollandicus); 14,2% (20/141) de agapornis (Agapornis roseicollis); 1,4% (2/141) bourke rosa; 0,7% (1/141) papagaios vermelhos rumped (Psephotus haematonotus) e iguais percentuais de papagaio-de-frente-turquesa (Neophema pulchella); papagaio-da-amazônia de frente azul (Amazona aestiva) e arara escarlate (Aramacao macao ). Verificou-se que a maioria das gaiolas (100/141) continha mais de duas aves.

As amostras foram processadas de acordo com Oliveira(20), com modificações. Inicialmente, as amostras dos alimentos foram pesadas e os suabes dos alimentadores transferidos para 1% de água peptonada e incubadas a 37 °C por 18-24h. Em sequência, 1 mL dessa solução foi transferida para 9 mL de caldo selenito cistina (CS) e incubada a 37°C/ 18-24h. Já as amostras de excretas foram pesadas e inoculadas em caldo cérebro coração (BHI) e incubadas a 37 °C/ 18-24h.

Após a incubação, alíquotas de caldos CS e BHI foram estriadas em ágar MacConkey e incubadas a 37 °C por 18-24h. Três unidades formadoras de colônias (UFC), com características morfológicas de Escherichia coli, foram transferidas para tubos contendo ágar de ferro de açúcar triplo (TSI) e incubadas a 37 °C por 24h.

Após esse período, os tubos TSI foram selecionados de acordo com o uso de glicose, sacarose e lactose e submetidos a testes de motilidade, produção de indol, de urease, de H2S, malonato, reação ao vermelha de metila e citrato de Simmons. Os isolados, com bioquímicas compatíveis de E. coli, foram mantidos em caldo BHI, incubados a 37 °C por 24h e mantidos a -20 °C para uso posterior.

O perfil de suscetibilidade antimicrobiana dos isolados de E. coli foi determinado pelo método de difusão do disco de acordo com Clinical and Laboratory Standards Institute – CLSI(23). Os antimicrobianos testados foram: amoxicilina (10 μg), gentamicina (10 μg), ciprofloxacina (5 μg), enrofloxacina (5 μg), florfenicol (30 8 μg), neomicina (30 μg), sulfonamida 300 μg), tetraciclina (30 μg), trimetoprim (25 μg) e doxiciclina (30 μg). E. coli ATCC 25922 foi utilizado como isolado de referência.

Para extração de DNA, utilizaram-se Qiagen Plasmid mini kit e Wizard® Genomic DNA Purification kit. Seus protocolos foram seguidos usando 3 mL de suspensão da cultura bacteriana no caldo BHI, incubado por 24h a 37 °C. As pelotas de DNA obtidas na extração foram suspensas em 50 μL de tampão (TE). A solução tampão foi preparada como base tris 2 M de 242 g (2-amino-2-hidroximetila-propano-1,3-diol), 57.1 mL glacial acetic acid, 100 mL disodium EDTA solution (Na2 EDTA) 0,5 M (pH 8.0) e água destilada a um litro (v:v), depois armazenada a -20 °C. Para amplificação de DNA, os isolados foram submetidos ao PCR padrão utilizando diferentes primers para a detecção dos seguintes genes: tsh (5'-ACT ATT CTC TGC AGG AAG TC-3'; 5'-CTT CCG ATG TTC TGA ACG T-3'; 829 bp)(16), iss (5'-ATC ACA TAG GAT TG GCC G-3'; ISS (5'-ATC ACAC TAG GAT TG GCC-3'; 5'-CAG CGG AGT ATA GAT GCC A-3'; 309 bp)(16), traT (5'-GGT GTG GTG CGA TGA GCA CAG-3';5'-CAC GGT TCA GCC ATC CCT GAG-3'; 290 bp)(22), papC (5'-TGA TAT CAC GCA GTC AGT AGC-3'; 5'-CCG GCC ATA TTC ACA issTAA-3'; 205 bp)(23), and eae (5'-AAA CAG GTG AAA CTG TTG CC-3';5'-CTC TGC AGA TTA ACC TCT GC-3'; 454 bp)(24).

Para a análise dos genes iss, traT, papC e eae, uma reação em cadeia de polimerase foi realizada em um termociclador a uma temperatura de 90 °C durante 5 e 30 ciclos de amplificação, composto por desnaturação a 94 °C por um minuto, 50 °C por um minuto e extensão a 72 °C por dois minutos. Esse foi seguido por um passo final de 72 °C por sete minutos.

Os genes amplificados foram submetidos à eletroforese em gel de 0,8% e agarose a 90 V por um período de 50 minutos. O gel de agarose foi preparado com 0,8 mg de agarose, 10 mL de TEB (0,5X), 100 mL de água dupla destilada (q.s.p). O tampão TEB foi preparado com 5,4 g de base Tris, 2,0 mL de 0,5 M EDTA (pH 8,8), 2,75 g de ácido bórico e 100 mL de água dupla destilada (q.s.p). O gel foi corado com GelRed (Uniscience™) e visualizado sob luz ultravioleta em um transiluminador.


Resultados


Entre as 423 amostras analisadas, E. coli foi isolada de 12% (17/141) de excretas, 8,5% (12/141) de alimentos e 8,5% (12/141) de suabes de bebedouros.
Na determinação da suscetibilidade de E. coli isolados de excretas, alimentos e suabes de bebedouros, observou-se maior resistência aos antimicrobianos sulfonamida e neomicina (Figura 1).

Entre os 41 isolados de E. coli, obteve-se, em 20 cepas, multi-resistência (resistência a quatro ou mais antimicrobianos), sendo sete de excreta (7/17), cinco de alimentos (5/12) e oito de bebedouros (8/12). Um dos isolados dos bebedouros foi resistente a todos os antimicrobianos testados (Tabela 1).

Os genes iss (7,3%) foram detectados em três isolados de E. coli, sendo dois em amostras de excreta e um de alimento; três isolados continham o gene tsh (7,3%), sendo dois de amostras alimento e um de excreta. Entre esses isolados, um de excreta apresentou ambos os genes (tsh e iss). O gene papC também foi encontrado em dois isolados, um em amostra de bebedouros e outro de excreta. Os genes traT e eae não foram detectados em nenhum isolado (Tabela 2). Ressalta-se que todos os isolados positivos para os genes em estudo foram encontrados em amostras de gaiolas de periquitos australianos que continham duas ou mais aves.



Discussão


A presença de E. coli, isolada da excreta, não caracterizou distúrbio entérico ou doença sistêmica, uma vez que as aves estavam aparentemente saudáveis. Os resultados obtidos na pesquisa coincidem com os relatos de outros autores, os quais constataram que E. coli pode ser detectada em aves clinicamente saudáveis e atuar como uma bactéria oportunista com possibilidades de gerar doenças apenas em aves imunossuprimidas, submetidas a altas cargas de estresse, ou que já estejam debilitadas por outros fatores(25,26).Corrêa et al.(6) detectaram uma alta carga de E. coli com alto potencial patogênico em aves silvestres mantidas em cativeiro submetidas a estresse crônico, indicando problemas de manejo. Godoy(27) relatou que a colibacillose é frequente em Psittaciformes mantidos em alta densidade populacional, o que facilita a dispersão de bactérias por contaminação fecal de água, alimentos e o ambiente onde as aves são mantidas.

A hipótese para a detecção de E. coli isolados de aves aparentemente saudáveis deve-se ao fato de que as aves mantidas em estabelecimentos comerciais estão sujeitas ao estresse crônico(28), o que pode ser verificado pelas condições encontradas na maioria das revendas visitadas. Nessas revendas, foi observada a presença de excretas nos recipientes para água e alimentos, muitas aves alojadas por gaiola, proximidade entre gaiolas, inclusive com as gaiolas de outras espécies animais, e manipulação frequente de aves.

As condições de cativeiro podem contribuir para a contaminação, conforme relatado por Taormina(29), uma vez que recipientes abertos podem ser facilmente contaminados por microrganismos externos e fezes de aves ou fragmentos de alimentos. Além disso, as aves regurgitam pequenas quantidades de água ao recipiente e, se não forem limpas periodicamente, a formação de biofilme pode ocorrer. Também foi observado o fornecimento de frutas e hortaliças em algumas lojas, sendo que esses alimentos também têm sido relatados como possíveis fontes de contaminação(29).

As condições nas quais as aves estavam alojadas nesses estabelecimentos estão diretamente relacionadas ao isolamento de E. coli nas amostras coletadas, conforme relatado por Xenoulis et al.(30), que compararam a microbiota entérica de papagaios de vida livre e de cativeiro através de técnicas moleculares. Com isso, relataram um isolamento significativamente maior nos psitacídeos mantidos em cativeiro, atribuindo tal resultado às condições do ambiente de cativeiro, além da dieta e do possível uso de antimicrobianos. Em estudo semelhante, Bowman & Jacobson(31) avaliaram oito espécies de Psittaciformes adultos clinicamente saudáveis e, apesar de relatarem uma baixa porcentagem de bactérias gram-negativas, isolaram E. coli com mais frequência.

O uso de antimicrobianos nos estabelecimentos onde os psitacídeos estavam alojados não era frequente. No entanto, alguns proprietários relataram seu uso em aves de outras espécies, como em pintinhos que estavam alojados em gaiolas próximas às aves estudadas. Entre os antimicrobianos relatados, a sulfonamida foi a mais utilizada e a que apresentou maior resistência neste estudo. Embora não tenham sido administrados diretamente aos Psittaciformes, o fato dessas aves serem manuseadas e terem contato com os mesmos cuidadores, ou mesmo em gaiolas próximas, pode promover a transmissão de microrganismos resistentes entre eles(32).

Em estudo envolvendo Psittaciformes, obtidos a partir do tráfico ilegal, Lopes et al.(33) também encontraram altos níveis de resistência à sulfonamida, juntamente com azitromicina, ampicilina e tetraciclina. Os autores sugerem que tais níveis elevados podem ser uma consequência do uso frequente desses antimicrobianos na medicina humana e veterinária. Guardabassi e Prescott(34) associaram os altos níveis de resistência bacteriana presentes ao uso prolongado de antimicrobianos, alguns dos quais foram desenvolvidos há mais de sete décadas e têm sido utilizados na medicina humana desde então, contribuindo para a seleção de cepas resistentes ao longo do tempo, sendo assim menos eficazes quando utilizados, mesmo em animais que nunca tiveram contato com tais drogas(35).

Embora o gene iss tenha sido encontrado em três dos isolados, Silveira et al.(36) relataram que a detecção do plasmídeo contendo o gene da iss não é suficiente para caracterizar um isolado de E. coli como patogênico, mas esse gene pode ser considerado como um marcador para virulência, uma vez que é o mais prevalente em cepas de aves doentes(37). Alguns relatos sugerem que a presença do gene da iss também pode estar associada a altos níveis de resistência bacteriana, em concordância com o que foi relatado neste estudo. Johnson et al.(38) identificaram um plasmídeo em E. coli do patótipo APEC, que codificava simultaneamente o gene iss e a resistência aos agentes antimicrobianos tetraciclina, sulfonamidas, aminoglicosídeos, trimetoprin e agentes beta-lactâmicos.

O gene tsh, comumente detectado nas APECs, também foi detectado em três isolados de E. coli. É um gene cuja função é a síntese de proteínas termo sensíveis com capacidade de hemaglutinação(9) e é frequentemente descrito como um importante fator de patogenicidade na colibacillose(39). Esse gene, tsh, foi detectado em E. coli de uma amostra de ração e excretas da mesma gaiola. Esse resultado aponta para a possibilidade de E. coli infectar aves, disseminar o microrganismo contendo genes de virulência, que, ao contaminar a própria alimentação, infectariam as outras aves da mesma gaiola ou pessoas que as manipulam.

A associação dos genes iss e tsh foi detectada em um dos isolados. Sobre isso, Costa et. al.(40) relataram que, juntamente com outros genes de virulência, esses genes são frequentemente encontrados em isolados potencialmente patogênicos de aves domésticas e selvagens. Já Bonnet et al.(41) verificaram a menor frequência de genes de virulência, tais como tsh e iss, em E. coli comensal. Esse fato pode corroborar os achados do presente estudo, uma vez que as aves estavam aparentemente saudáveis no momento da coleta e apenas um isolado continha estes genes, o que sugere que E. coli seja comensal nesses animais.

O gene papC codifica a fímbria P, uma das adesinas mais frequentes em E. coli e foi encontrado em dois dos isolado. No entanto, sua presença não pode ser utilizada para classificação e identificação de isolados da APEC, uma vez que também pode ser encontrado em isolados de E. coli apatogênica. Mohamed et al.(42), em estudos com frangos de corte aparentemente saudáveis e doentes, detectaram o gene papC tanto em E.coli apatogênicas quanto em APEC .

O gene traT e o gene iss não foram detectados nesta pesquisa, mas estudos têm demonstrado que, quando associados, tornam os isolados da APEC mais resistentes aos efeitos bactericidas do sistema complemento e da fagocitose. Além disso, geralmente, são detectados em processos septicêmicos(17).

O gene eae, responsável por um dos mecanismos de virulência(43), frequentemente relacionado a patologias que causam diarreia em humanos em países em desenvolvimento(44), também não foi identificado nos isolados obtidos neste estudo.

Apesar da baixa frequência, os genes de virulência e resistência sérica encontrados em isolados E. coli, no estudo, podem ser transmitidos para outras espécies e para humanos através de contato direto, ou em ambientes contaminados, o que pode favorecer o surgimento de isolados patogênicos e resistentes, gerando infecções bacterianas graves, com opções de medicamentos cada vez mais limitadas(45).

Conclusão

Os dados mostram que E. coli isolada de Psittaciformes em cativeiro pode se constituir em reservatórios para genes de virulência e para múltiplas drogas antimicrobianas. Isso é ainda mais importante considerando o fato de que essas aves carregam E. coli, que é potencialmente patogênica para humanos e para aves que são comercializadas como animais de estimação.

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