EMPREGO DA COLA DE
CIANOACRILATO EM FERIDAS CUTÂNEAS DE ASININOS
Daniel
Dantas
Marques1, Pedro Isidro Nóbrega Neto2, Kézia dos
Santos
Carvalho1
RESUMO
Avaliou-se
o emprego do adesivo de éster de cianoacrilato na síntese de feridas
cutâneas
de asininos, a partir da análise do tempo de duração do procedimento
cirúrgico
e do processo cicatricial. Para tanto, foram utilizados cinco asininos
clinicamente sadios, machos, adultos, pesando 103±
-----------------------------
PALAVRAS-CHAVE: adesivo cutâneo; dermorrafia; equídeo.
USE OF
CIANOACRILATE GLUE ON CUTANEOUS WOUNDS OF DONKEYS
ABSTRACT
-----------------------------
KEYWORDS: cutaneous adhesive;
dermorraphy; equine.
INTRODUÇÃO
A
maioria dos criadores de
asininos pertence à classe de Agricultores Familiares. Com isso, os
procedimentos em relação aos asininos devem ser o menos onerosos
possíveis,
minimizando ao máximo os gastos com os animais, para obtenção de lucro
na sua
atividade agrícola.
Os
adesivos, em contato com o
tecido, são convertidos do estado líquido para o sólido por
polimerização e
catalisados por baixa umidade. O tempo de assentamento varia entre dois
e
sessenta segundos, dependendo da presença e quantidade de fluidos
corporais, da
espessura da película e do comprimento da molécula do radical alquil
(SLATTER
et al., 2007). As características físicas, químicas e biológicas variam
de
acordo com o tamanho da cadeia carbônica do radical (PAPATHEOFANIS,
1989; TSENGET
et al., 1990).
Os
cianoacrilatos podem
apresentar efeitos tóxicos, provavelmente devido aos produtos
resultantes de
sua degradação, como o formaldeído (TSENGET al., 1990), sendo
caracterizado por
processo inflamatório granulomatoso, já os de cadeia mais longa
apresentam
menor toxicidade e menor adesividade, sem prejudicar o efeito adesivo
(BORBA,
2000). Quanto mais lenta a degradação, menor será o efeito tóxico, pois
a lenta
liberação dos produtos permite um metabolismo mais efetivo dos mesmos,
provocando
reação inflamatória de menor intensidade (GUEIROS et
al., 2001).
Como
vantagens da utilização
do adesivo podem-se citar a fácil aplicação, a diminuição do tempo de
cirurgia
e, consequentemente, do tempo de anestesia. Além disso, nos casos de
redução de
feridas traumáticas de pequena extensão não há necessidade de material
cirúrgico para a sua aplicação, nem anestesia local. Estudos revelam
que os
adesivos também possuem ações antibacterianas, que aumentam com a
diminuição da
cadeia do radical, e ação hemostática imediata (MATTHEWS, 1993;
AZEVEDO, 2000),
sendo comprovada a sua eficácia ao serem utilizadas na superfície de
pele ou
mucosa, em substituição à sutura convencional (BORGES et al., 1993;
FREITAS-JUNIOR et al. 2008 ).
A
cola de éster de cianoacrilato
é um produto de fácil aquisição no mercado e de custo reduzido que, de
acordo
com a literatura consultada, ainda não foi empregada na dermorrafia de
asininos. Dessa forma, objetivou-se avaliar o emprego da cola na
síntese
cutânea de asininos, analisando a duração do procedimento cirúrgico e o
processo cicatricial.
MATERIAL E MÉTODOS
Foram
utilizados cinco
asininos adultos, hígidos, machos não castrados, sem raça definida,
pesando
103±
Após
jejum alimentar de 12
horas, cada animal foi sedado com maleato de acepromazina[1],
realizou-se a tricotomia das regiões torácicas direita e esquerda, com
uma área
de 20 x
Foi
feita uma incisão de pele
e subcutâneo de 10,0 cm no sentido dorso-ventral, realizou-se, então, a
hemostasia por compressão, seguida da redução dos tecidos adjacentes
subcutâneo
com fio categute simples número 2-0 em padrão zigue-zague. A síntese
cutânea
foi feita no grupo controle com fio de náilon monofilamentar número 0,
em
padrão simples separado (Figura 1) e no grupo tratamento com o adesivo
de éster
de cianoacrilato[4]
(Figura 2).
No
grupo controle, a
dermorrafia foi realizada empregando-se nove pontos de sutura em padrão
simples
separado, com espaçamento de um centímetro entre os pontos. No grupo
tratamento, a aplicação do adesivo foi feita por meio do gotejamento
com a
própria embalagem, sem que esta entrasse em contato com a ferida
cirúrgica.
Foram utilizadas nove gotas de adesivo, colocados sobre a incisão de
forma
descontínua, com espaçamento também de um centímetro entre as gotas,
após
aproximação digital das bordas. O tempo de trans-operatório foi
mensurado em
ambas as cirurgias, em todos os animais.
Após
a cirurgia, os animais
foram medicados com dose única de benzilpenicilinabenzatina, procaína,
potássica e estreptomicina[5],
20.000 UI/kg. Ao redor da
incisão aplicou-se sulfadiazina prata, alumínio e cipermetrina[6],
pela sua ação repelente,
sem ter contanto com a linha de incisão.
Os
animais foram avaliados
diariamente durante dez dias, mensurando-se frequência cardíaca,
respiratória e
temperatura corpórea, sendo observados o tipo e quantidade de secreção,
presença de edema e deiscência. Os curativos diários foram realizados
da mesma
maneira que após a cirurgia, até o décimo dia do pós-operatório, quando
foram
removidas as suturas cutâneas do grupo controle.
Foram
realizadas biópsias de
pele aos 10 (T10), 20 (T20) e 30 (T30) dias após a cirurgia, para
avaliação
histológica do processo cicatricial, em ambos os grupos. A biópsia em
T10 foi
realizada na porção dorsal da ferida cirúrgica, em T20 no centro e em
T30 na porção
ventral.
Para
a realização das
biópsias, realizou-se tricotomia ao redor e sobre a ferida cirúrgica e
antissepsia com clorexidina4, realizando-se bloqueio
anestésico
local infiltrativo subcutâneo circular, com 10 mL lidocaína 2% com
vasoconstrictor3, diluída para 1% com água bidestilada.
Procedeu-se
à coleta do material, utilizando-se um punch trepano
para biopsia da pele de seis milímetros de diâmetro. Os
fragmentos de pele foram conservados em formol a 10% e encaminhados ao
processamento histológico. Depois de fixadas, as amostras foram
clivadas e
encaminhadas para diafanização e embebição em parafina, para serem
cortadas em
micrótomo, na espessura de quatro ou cinco micras. Os fragmentos foram
corados
pela técnica de hematoxilina e eosina e a leitura das lâminas foi feita
em
microscópico óptico. Cada fragmento foi avaliado quanto à presença de
crostas,
espessamento da epiderme, retração da epiderme, fibrose, inflamação,
necrose e
reação de corpo estranho.
Para
análise estatística da duração do procedimento
cirúrgico,
empregou-se o teste t de Student para
amostras independentes, com correção de Welch, ao nível de 5% de
significância,
em microcomputador, empregando o programa GraphpadInstat.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A
polimerização do éster de
cianoacrilato, observado pela mudança de cor, de incolor para o
esbranquiçado,
ocorreu em torno de 30 segundos após a aplicação, demonstrando a
rapidez com
que o adesivo fixa os bordos e inicia o processo de cicatrização. Esse
período
de polimerização foi semelhante ao relatado por GUEIROS et al. (2001),
que
utilizou o adesivo em cães e gatos.
O
tempo de duração do
procedimento cirúrgico no grupo controle foi de 31,2 ± 4,3
minutos e no grupo
tratamento de 21,2 ±
3,7 minutos, sendo a diferença entre as médias de 10 minutos, o que
corresponde
a uma redução estatisticamente significativa da ordem de 35,3% na
duração total
do procedimento, tornando-se um dos pontos positivos da utilização dos
adesivos, pois o tempo de exposição a agentes externos, da ferida
cirúrgica está
relacionado à contaminação no pós-operatório. Essa redução foi relatada
também
por GUEIROS et al. (2001), SHIMIZU et al. (2003) e FREITAS-JÚNIOR et
al.
(2008), que fixaram a pele de ratas utilizando cola de cianoacrilato.
Um
dos animais do grupo
tratamento apresentou deiscência da ferida cirúrgica, no segundo dia de
pós-operatório. Ele se encontrava agitado durante o procedimento
cirúrgico,
tendo inclusive necessitado de sedação complementar, tal comportamento
pode ter
influenciado para a quantidade excessiva de sangue nos bordos da ferida
no
momento da aplicação do adesivo, o que deve ter reduzido a capacidade
de
fixação. Tal relato contrasta com a citação de SILVER (1976) e AZEVEDO
(2000)
de que os cianoacrilatos têm ação hemostática imediata. A ferida foi
tratada
por segunda intenção, com sua cicatrização em vinte dias.
Não
foi observada variação
significativa nos parâmetros vitais mensurados, revelando que a
resposta
inflamatória foi apenas local, todos os parâmetros avaliados
permaneceram
dentro dos limites fisiológicos para a espécie, de acordo com FEITOSA
(2004).
Na
análise macroscópica,
observou-se discreto edema em todas as feridas até o terceiro dia de
pós-operatório, correspondendo às fases iniciais da resposta
inflamatória
(SLATTER et al., 2007). Em todos os animais, em ambos os tratamentos,
verificou-se evolução no processo cicatricial sem presença de secreção.
No
T10, a cicatriz do grupo
tratamento apresentou-se mais linear e fina, tendo melhores resultados
estéticos em relação ao grupo controle, observados também por GUEIROS
et al.
(2001) e FREITAS-JÚNIOR et al. (2008). No T20 e T30 observou-se
completa
reepitelização e reparação da ferida cirúrgica (Figuras 3 e 4), em
ambos os
grupos. O resultado estético da cicatriz cirúrgica foi melhor no grupo
tratamento que no grupo controle (Figuras 5 e 6).
Na
análise histológica do
processo cicatricial, no T10, não foram observadas diferenças
significativas
entre os grupos, já que ambos apresentaram hiperqueratose moderada,
espessamento da epiderme com vacuolização discreta dos queratinócitos,
presença
de neovascularização, reação inflamatória mononuclear, com presença de
linfócitos e plasmócitos ao redor dos vasos e presença de fibrose
moderada
(Figura 7).
No
T20 foi verificada
retração da epiderme, proliferação de tecido fibroso na derme e
presença de
neovascularização, acompanhada de infiltrado inflamatório mononuclear
ao redor
dos vasos, em todos os animais e em ambos os tratamentos (Figura 8).
As
reações observadas sugerem
uma resposta inflamatória inicial, aos 10 dias, e os fenômenos de
reparação, a
partir dos 20 dias, como fibroplasia da derme e neovascularização,
descritos
também por GUEIROS et al. (2001) e Freitas-Júnior et al. (2008).
CONCLUSÕES
REFERÊNCIAS
BORBA,
C.C.;ROUBAUD NETO, E.; VAL, R.L.R; BORBA JÚNIOR, C.O; SOUFEN, M.A;
FRANCISCO
NETO, A.; SAKOTANI, A.Y. Uso do cianoacrilato na síntese da pele de
ratos
trabalho de pesquisa experimental. Acta Cirurgica Brasileira,
(serial
online), v.15, n.1, jan-mar, 2000. Disponível em:<http://dx.doi.org/10.1590/S0102-86502000000100008>. Acesso
em: 22 junho 2009.
BORGES,
A.P.B.; POMPERMAYER, L.G.; REZENDE, C.M.F.; SAMPAIO, R.; OLIVEIRA,
H.P.;
SANTOS, B.M. Aspectos histológicos da consolidação de fraturas de
fêmur, em
cães, com esquírola fixada pelo adesivo butil-2-cianoacrilato. Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária
e Zootecnia, v. 45, n. 4, p. 375-383, 1993.
FEITOSA, F.L.F. Exame físico geral
ou de rotina.
In: _______. Semiologia Veterinária : a arte
do diagnóstico. São Paulo : Roca, cap. 4, p.77-102. 2004
FREITAS-JÚNIOR, R.; PAULINELLI RR,
R.R.;RAHAL, R.M.S.;
MOREIRA M.A.R.; OLIVEIRA, E.L.C.; AIKO, K.F.; APPROBATO M.S. Estudo
experimental comparando o uso do 2-octil cianoacrilato ao nylon 4-0 na
sutura
da pele. Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgia. v.35, n.3, p. 194-198, junho
2008. Disponível em <http://dx.doi.org/10.1590/S0100-69912008000300011>. Acesso em: 15 de outubro de
2008.
GUEIROS, V.A.;BORGES, A.P.B.; SILVA, J.C.P.;
DUARTE,
T.S.; FRANCO, K.L.Utilização do adesivo Metil-2-Cianoacrilato e fio de
náilon
na reparação de feridas cutâneas de cães e gatos. Ciência Rural,
v. 31, n.2,
p. 285-289. Abril 2001. Disponível em
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-84782001000200015. Acesso em: 10 de outubro de 2008.
IBGE
- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2006). Dados do
censo.
Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/ppm/
2006/ppm2006.pdf Acesso em: 21 de outubro de 2008.
MARQUES, E. S. B.; OKAMOTO, T. Influência do etilcianocrilato
na
reparação da mucosa gengival e do alvéolo dentário após exodontia.
Estudo
microscópio em ratos. Revista do
Instituto de Ciências da Saúde (UNIP), v. 19, p. 99-105, 2001.
MATSUMOTO T.; PANI K.C.; KOVARIC
J.J.; Tissue
adhesive in intestinal surgey.American
Journal of Surgery,v.35, n.3,p.210-217.1969.
MATTHEWS, S.C. Tissue bonding
the
bacteriological properties of a comercially-available cyanoacrylate
adhesive.British Journal of Biomedical Science,v.
50, n.1, p.17-20. 1993.
PAPATHEOFANIS, F.J. Cytotoxicity
of alty
e-2-cyanoacrylate adhesive.Journal of
Biomedical Material Research, v.23, n.6. p.661-668.1989.
ROBBINS,
S.L.; COTRAM, R.S.; KUMAR V. Inflamação e reparo. In: _______. Patologia estrutural e funcional. Rio
de Janeiro: Guanabara Koogan,p.33-72. 1991.
SHIMIZU,
R.K.; RAHAL, S.C.; SEQUEIRA, J.L. Emprego da Cola N-ButilCianoacrilato
na
Fixação de Retalho Cutâneo em Ratos. Archives of Veterinary Science,v.8,n.1, p.35-40. 2003
SILVER, I.A. Tissue adhesive. Veterinary Record, London, v.98, n.3,
p.405-406.1976.
SLATTER
D. Manual de Cirurgia de Pequenos
Animais.Manole, São Paulo, SP.
3.ed. v.1, 2007. 1286p.
TSENG, Y.C.; TABATA, Y.; HYONS, S.H.; IKATA, Y. In vitro toxicity testoof 2-cyanoacrylate polymers by cell culture method. Journal of Biomedical Materialy Research, Kyoto, Japan, v.24, n.10, p.1355-1367. 1990.
Protocolado em: 17 abr.
2009. Aceito em: 21 jan. 2013.
[2] Anestésico Bravet - Bravet
Indústrias Químicas e Farmacêuticas. São Paulo,SP
[3]Riohex 0,5% - Indústrias
Farmacêuticas Rioquímica. São José do Rio Preto, SP
[4]Superbonder.Loctite do Brasil
[5]PencivetPlusforte.Akzo
Nobel. Cruzeiro, SP
[6]Bactrovet
Spray Prata. König do Brasil. São Paulo - SP