A presente pesquisa avaliou os sinais
clínicos, as alterações histopatológicas e as variações em enzimas
séricas em ovinos infectados experimentalmente por T. vivax.
Para tanto utilizaram-se oito ovinos machos, sendo quatro destes para o
grupo-testemunho e quatro infectados com 105 tripomastigotas de T. vivax.
Coletaram-se amostras de sangue em dois tempos antes da infecção e
posteriormente em dias determinados, avaliando-se as dosagens de
gamaglutamiltransferase, aspartatoaminotransferase, lactato
desidrogenase, fosfatase alcalina e creatina quinase. Os animais foram
examinados, diariamente, por parasitemia e aos 120 dias após infecção
(dpi) foram eutanasiados e necropsiados, com estudo histopatológico de
fígado, rins, baço, coração, linfonodos, cérebro, pulmão e testículos.
Para a análise estatística, empregou-se o teste de Wilcoxon a 5% de
probabilidade. Os sinais clínicos encontrados foram: apatia, palidez
das mucosas, aumento de linfonodos superficiais, secreção nasal e
elevação da temperatura retal, diarreia esporádica e sinais nervosos
(bruxismo e incoordenação). Houve alterações significativas em todos os
parâmetros bioquímicos e histopatológicos avaliados nos animais
infectados. Dessa forma, a amostra de T. vivax
procedente da Paraíba é capaz de causar alterações enzimáticas,
clínicas e histológicas importantes, comprometendo a funcionalidade dos
órgãos afetados e resultando em disfunção metabólica animal.
This present research evaluated the
clinical signs, histopathological and enzymatic changes in sheep
experimentally infected with T. vivax. For this evaluation, eight male sheep, four in the control group and four infected with 105 T. vivax
trypomastigotes were used. Blood samples were collected twice before
infection and on certain days after infection, evaluating the serum
levels of gamma-glutamyltransferase, aspartate aminotransferase,
lactate dehydrogenase, alkaline phosphatase and creatine kinase. The
animals were examined daily for parasitaemia, and 120 days after
infection (dpi) the animals were euthanized and necropsied with
posterior liver, kidney, spleen, heart, lymph nodes, brain, lung and
testicles histopathology. Wilcoxon test at 5% probability was used for
the statistical analysis. The following clinical signs were found:
apathy, pallor of mucous membranes, increase of superficial lymph
nodes, nasal discharge and elevated rectal temperature, occasional
diarrhea and nervous signs (bruxism and incoordination). Significant
changes in all biochemical parameters and histopathological parameters
were found in infected animals, thus the T. vivax
sample found in Paraíba, Brazil, can cause changes on enzyme levels
besides clinical and important histological changes, compromising the
functionality of the affected organs and resulting in metabolic
dysfunction.
T. vivax
é responsabilizado por perdas econômicas na pecuária, por provocar
abortamentos, infertilidade, perda na condição física, diminuição da
produção e mortalidade, além dos custos com diagnóstico e tratamento
causados pela enfermidade (SEIDL
et al., 1999).
No Brasil, foi diagnosticado um surto de tripanossomíase em bovinos por
T. vivax
na região de Poconé, Pantanal do Estado do Mato Grosso, sendo o
parasito responsabilizado por perdas econômicas na região, com
informação de que haveria a possibilidade de disseminação pelo
território nacional (SILVA
et al., 1996). Confirmando essa observação,
T. vivax vem se expandindo pelo território brasileiro, sendo encontrados surtos na Paraíba (BATISTA
et al., 2008), Tocantins (LINHARES
et al., 2006) e Maranhão (GUERRA
et al.,
2008), porém poucos estudos descrevem a patogenicidade da amostra do
protozoário e principalmente são esquecidos os aspectos referentes às
alterações bioquímicas causadas por ele. O estudo dos sinais clínicos,
histopatologia e da função hepática por meio das dosagens das enzimas
alanina aminotransferase (ALT) e fosfatase alcalina (ALP) associadas a
gamaglutamiltransferase (GGT) poderia contribuir para um melhor
entendimento da enfermidade, auxiliando no diagnóstico clínico e até
mesmo para instituir um tratamento adequado com uso de hepatoprotetores
quando necessário.
Além disso, um aspecto importante é o comprometimento muscular observado em animais infectados com
Trypanosoma spp. FINOL
et al. (2001) e CADIOLI (2005), em pesquisa realizada em ratos infectados com
T. evansi,
verificaram que o sistema muscular parecia ser alvo importante do
patógeno, pois os animais apresentavam emagrecimento progressivo até
caquexia, com perda do tônus muscular e transtornos motores,
caracterizados por movimentos lentos até a incapacidade de sustentação
do próprio peso nos membros pélvicos, evoluindo para paraplegias
atribuídas às lesões que envolvem o sistema nervoso central e o
muscular.
Para o estudo da patogenicidade dos isolados de campo são necessários,
além da avaliação da enfermidade em animais portadores da infecção
natural, estudos realizados mediante infecção experimental e em
decorrência da suscetibilidade de caprinos e ovinos à tripanossomíase
por
T. vivax, frequentemente
utilizadas para obtenção de conhecimentos dos aspectos fundamentais das
manifestações clínica e patológica da infecção (BATISTA
et al., 2008).
Dessa forma, o presente trabalho teve por objetivo verificar os sinais
clínicos, as alterações histopatológicas e as variações em enzimas
séricas em ovinos infectados experimentalmente por
T. vivax com a amostra procedente da Paraíba.
MATERIAL E MÉTODOS
O experimento foi realizado no Setor de Enfermidades Parasitárias dos
Animais, Departamento de Medicina Veterinária Preventiva e Reprodução
Animal da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias
(FCAV/UNESP/Jaboticabal).
Para preparação do inóculo, inocularam-se 2 mL de sangue com aproximadamente 1,95 x 105 tripomastigotas de
T. vivax
por via intravenosa, em um ovino macho, sem raça definida, de um ano de
idade, visando à multiplicação do agente utilizado para infecção dos
animais do experimento. A amostra de
T. vivax foi obtida de surto em bovinos na região de Catolé do Rocha, Paraíba, e cedida pela Universidade Federal da Paraíba.
Para montagem do grupo experimental foram utilizados oito ovinos
machos, com um ano de idade e sem raça definida, que passaram por um
período de quarentena para avaliações clínicas e parasitológicas,
incluindo a pesquisa de anticorpos anti-
T. vivax pela Reação de Imunofluorescência Indireta (RIFI) descrita por AQUINO
et al.
(1999) e exames hematológicos, bioquímicos e coprológicos. Os animais
hígidos foram mantidos em baias individuais, suspensas e teladas, e
alimentados com silagem de milho, água
ad libitum
e suplementados com sal mineral. Dividiram-se os animais,
aleatoriamente, em dois grupos, sendo quatro ovinos destinados ao
grupo-testemunho (C1, C2, C3 e C4) e quatro infectados (Ι1, Ι2, Ι3 e
Ι4) com 1 mL de sangue com aproximadamente 105 tripomastigotas de
T. vivax por via intravenosa.
Para realização da parasitemia foi colhido 0,5 mL de sangue da veia
jugular externa, em frascos contendo EDTA a 10%, diariamente e pela
manhã, dos animais infectados até os 120 dias após infecção (dpi). A
contagem dos parasitos foi realizada por meio da metodologia descrita
por BRENER (1961). Durante a colheita de sangue, verificaram-se os
aspectos das mucosas aparentes, comportamento, palpação dos linfonodos
superficiais e aferição da temperatura retal.
Para os exames bioquímicos foram colhidos 5 mL de sangue, sem
anticoagulante, da veia jugular externa de cada animal dos grupos
testemunho e infectado, para separação do soro, que permaneceu sob
temperatura de -20ºC para realização dos exames bioquímicos após sete
dias. As colheitas foram realizadas aos quatorze e sete dias antes da
infecção, sendo os soros usados para estabelecimento dos valores de
referência, máximos e mínimos, para cada parâmetro avaliado,
seguindo-se no 5, 7, 9, 11, 13, 15, 20, 30, 45, 60, 75, 90, 105 e 120
dpi.
As dosagens das enzimas gamaglutamiltransferase (GGT),
aspartatoaminotransferase (AST), lactato desidrogenase (LDH), fosfatase
alcalina (ALP) e creatina quinase (CK) foram realizadas pelo método
cinético, utilizando kits comerciais (Labtest® Diagnóstica, Belo
Horizonte, MG) e lidos em espectofotômetro (LabQuest ®
Diagnóstica, Belo Horizonte, MG).
Após os 120 dpi, os animais foram eutanasiados e necropsiados, sendo
fragmentos de fígado, rins, baço, coração, linfonodos, cérebro, pulmão,
testículos e glândulas adrenais retirados e fixados em solução
tamponada de formaldeído a 10%, para confecção de lâminas histológicas,
coradas por hematoxilina e eosina.
Utilizou-se o teste de Wilcoxon, ao nível de 5% de probabilidade, para
avaliação das variáveis relacionadas às dosagens bioquímicas. Todas as
análises foram realizadas utilizando-se o programa estatístico SAEG –
Sistema para Análises Estatísticas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O período pré-patente (PPP) foi de um dia no animal Ι4 e nos outros
animais de dois dias; a parasitemia foi intermitente e com variação de
intensidade em todos os animais até os 120 dpi. Encontraram-se o
seguintes sinais clínicos nos ovinos infectados experimentalmente pelo
T. vivax:
apatia, palidez das mucosas, aumento de linfonodos superficiais,
corrimento nasal, elevação da temperatura retal entre os 10 ao 18 dpi
de até 41,5 ºC. Após esse período, houve uma redução da temperatura,
permanecendo dentro dos valores de normalidade para a espécie, com um
novo período de elevação entre os 86 e 92 dpi. Após os 85 dpi, houve
diarreia esporádica em todos os animais e sinais nervosos em dois
ovinos caracterizados por bruxismo e incoordenação motora.
Os sinais clínicos observados nos ovinos estão de acordo com os relatos da maioria dos trabalhos desenvolvidos com
T. vivax (MORAES, 2001; PELLÍN
et al., 2003; BATISTA
et al., 2006). BATISTA
et al.
(2006) verificaram ainda respiração ofegante e sinais de cansaço após
esforço, e um animal apresentou depressão, fraqueza, decúbito lateral e
morte aos 75 dpi.
Alguns autores acreditam que a patogenicidade do
T. vivax
em infecções experimentais deve-se a grandes quantidades de inóculo
utilizadas nos experimentos (DESQUENES & GARDINER, 1993). No
entanto, em alguns trabalhos, mesmo com grandes inóculos, não foram
verificados sinais clínicos (SCHENK
et al.,
2001), levando a crer que, realmente, existam diferenças na
patogenicidade entre diferentes amostras e/ou na susceptibilidade
animal. Além disso, trabalhos realizados com a mesma amostra, porém com
inóculos diferentes, obtiveram resultados semelhantes (BATISTA
et al., 2006; ALMEIDA
et al., 2008), demonstrando que as diferenças na patogenicidade do
T. vivax pode estar associada ao animal, tendo em vista raça, idade, alimentação e fatores ambientais.
Nos animais infectados, todas as enzimas estudadas (GGT, AST, ALP, LDH
e CK) apresentaram diminuição em comparação aos testemunhos (p<0,05)
e com valores abaixo da referência para GGT aos 20, 30 e 120 dpi; para
ALP aos 60 e 120 dpi; para LDH aos 13, 20, 45, 60 e após o 105 dpi;
para AST após nove dpi; e para CK aos 13 e 15 dpi e após 30 dpi até o
final do período experimental (
Tabela 1), demonstrando haver uma tendência à diminuição dessas enzimas nos animais infectados.
As enzimas AST, ALP e GGT, que geralmente estão aumentadas quando se
tem um dano hepático, demonstraram, no presente estudo, uma diminuição.
Em bovinos infectados com
T. vivax, a AST permaneceu inalterada (MORAES, 2001; SCHENK
et al., 2001) ou apresentou incremento inicial (até 6 dpi) com posterior decréscimo (KADIMA
et al.,
2000). O aumento ocorreu não por danos teciduais, mas pelo fato de o
parasito secretar parte dos seus metabólicos (AST e ALT) dentro da
circulação sanguínea, o que foi observado por GRAY (1961) em suspensão
de tripanossomas; e o decréscimo, associado à alteração hepática
desenvolvida com a progressão da doença (KADIMA
et al., 2000), conforme observado na presente pesquisa. Para GGT, SCHENK
et al. (2001) observaram um aumento em relação ao controle, mas dentro dos valores normais para bovinos.
Em relação à ALP, sua diminuição também foi observada em bovinos infectados com
T. vivax
(MORAES, 2001). Em estudo com cultura de placenta, que avaliou a ação
de tripomastigotas sobre a ALP, foi demonstrado um aumento da enzima
aos 150 minutos e decréscimo após esse período, sendo sugerido que o
decréscimo seja resultante da interação do parasito com a membrana
placentária (FRETES & FABRO, 1990). Dessa forma, se a interação
também puder ocorrer entre
T. vivax e o hepatócito, resultaria na redução dessa enzima, explicando o observado nos ovinos infectados deste estudo.
A diminuição na concentração de AST pode também estar relacionada à
alteração muscular, visto que ela não é hepato-específica assim como a
LDH, que possui cinco isoenzimas. Mas quando associadas suas dosagens e
as da enzima CK, caracterizam uma alteração muscular. Dessa forma,
esses achados sugerem haver lesão muscular em ovinos infectados com
Trypanosoma vivax. Segundo CABRAL
et al.
(1999), a diminuição da atividade de AST e CK pode estar relacionada a
um desequilíbrio metabólico, vindo a ocasionar um funcionamento anormal
do órgão onde ela tem sua maior atividade. Além disso, conforme
TOMIMOTO
et al. (1993), uma
diminuição da atividade da CK pode prejudicar a homeostase energética
cerebral, contribuindo para a morte celular, resultando em
neurodegeneração.
Todos os órgãos dos animais infectados apresentaram alterações no exame
histopatológico como hiperplasia de órgãos linfoides e infiltrados
inflamatórios de diferentes intensidades em diversos tecidos, conforme
apresentado na
Tabela 2.
As alterações histopatológicas em infecções por
T. vivax
são frequentemente observadas, acometendo diversos órgãos com lesões de
intensidades diferentes. No trabalho realizado em ovinos, com a mesma
amostra usada no presente estudo, foram observadas hiperplasia do baço,
linfadenite eosinofílica e miocardite (BATISTA
et al., 2006). Já no trabalho realizado por PAIVA
et al. (2000a) em bovinos infectados experimentalmente com amostra de
T. vivax
do Pantanal, encontraram-se pequeno aumento no tamanho do baço e do
fígado, glomerulonefrite e miocardite não supurativa multifocal.
A fisiopatologia das lesões inflamatórias e degenerativas causadas
pelos tripanossomas não é bem determinada e/ou conhecida, e supõe-se
que haja deposição de imunocomplexos nos diversos tecidos e, desse
modo, as hemácias sensibilizadas por tais complexos seriam destruídas
pelo sistema fagocítico-mononuclear do hospedeiro (TIZARD
et al.,
1978), e/ou o próprio parasito teria causado danos aos tecidos do
espaço extravascular pela inerente movimentação (VAN DEN INGH
et al., 1976).
A presença dos tripanossomas no coração, conforme observado no presente
estudo, é possível, pois esse protozoário já foi encontrado em tecido
cardíaco (KIMETO
et al.,
1990). As alterações histológicas observadas no coração dos ovinos,
caracterizadas por infiltrado multifocal de células mononucleares no
interstício, são semelhantes às descritas por MASAKE (1980) em bovinos
e caprinos infectados experimentalmente por
T. vivax. KIMETO
et al.
(1990) também descreveram lesões hemorrágicas com infiltrado
mononuclear, atribuindo a reação inflamatória no miocárdio à presença
extravascular do
T. vivax.
WHITELAW
et al. (1988) demonstraram
T. vivax
no fluido cérebro-espinhal, causando coroidite, meningite e
meningoencefalite. Nas observações do presente estudo as mesmas lesões
estiveram presentes.
As alterações encontradas nos testículos dos ovinos podem afetar
diretamente a fertilidade dos animais, demonstrando que não só as
fêmeas infectadas com
T. vivax
possuem problemas reprodutivos. Conforme SEKONI (1994), as alterações
reprodutivas em machos infectados por tripanossoma incluem perda da
libido, retardamento da puberdade e má qualidade do sêmen.
PAIVA
et al. (2000b) verificaram infiltrado inflamatório no rim de animais positivos para
T. vivax, mas como apresentavam também outras alterações compatíveis com intoxicação por
Solanum malacoxylon,
acreditaram dever-se a ela a lesão renal. No entanto, achados
semelhantes no presente estudo sugerem que as lesões poderiam também
ser causadas por
T. vivax.
As lesões hepáticas, observadas histologicamente e
mais visivelmente no aspecto funcional pela alteração nas enzimas
estudadas, podem ocorrer pela produção de uma hepatotoxina produzida
pelos tripanossomas (LUMSDEN
et al., 1972) ou por um autoanticorpo hepático verificado por SEED & GAM (1967) em infecção por
T. brucei.
CONCLUSÃO
A amostra de
T. vivax
procedente da Paraíba é capaz de causar alterações enzimáticas,
clínicas e histológicas importantes, comprometendo a funcionalidade dos
órgãos afetados e resultando em disfunção metabólica animal.
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