DOI: 10.5216/cab.v12i1.5940

VARIAÇÕES NAS CONCENTRAÇÕES DOS BIOMARCADORES SANGUÍNEOS DA FUNÇÃO RENAL E HEPÁTICA EM EQUINOS SUBMETIDOS À OBSTRUÇÃO EXPERIMENTAL DO DUODENO, ÍLEO E CÓLON MAIOR


Paula Alessandra Di Filippo,1 Rodrigo Norberto Pereira,2 João Henrique Perotta,3
Maria Augusta Berlingieri,4 Fernanda Coutinho de Freitas5 Áureo Evangelista Santana6

1. Doutora em Cirurgia Veterinária pela FCAV, Unesp, Jaboticabal, SP. E-mail: paula_difilippo@yahoo.com.br
2. Professor de Clínica e Cirurgia de Grandes Animais da Faculdade Integrada de Campo Mourão, PR
3. Mestrando em Cirugia Veterinária pelo Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinária da FCAV/Unesp, Jaboticabal, SP
4. Mestranda em Cirugia Veterinária pelo Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinária da FCAV/Unesp, Jaboticabal, SP
5. Professora de Higiene e Inspeção de Produtos de Origem Animal da Faculdade de Ituverava  “Dr. Francisco Maeda” (FAFRAM/SP)
6. Professor adjunto do Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinária da FCAV/Unesp, Jaboticabal, SP.



RESUMO

Com o objetivo de avaliar a concentração sérica dos biomarcadores da função renal e hepática em equinos submetidos a um modelo experimental de obstrução intestinal, 24 animais foram distribuídos em quatro grupos-controle instrumentado (GI), obstrução do duodeno (GII), íleo (GIII) e cólon maior (GIV). As amostras de sangue destinadas à dosagem de ureia, creatinina, aspartato aminotransferase, gama glutamiltransferase, fosfatase alcalina, albumina, glicose, fibrinogênio e bilirrubina (total, direta e indireta) foram coletadas uma hora antes do procedimento cirúrgico (T0), ao final do período de três horas de obstrução/isquemia (T3i) e 1, 3, 12, 24, 72 e 120 horas após a desobstrução/reperfusão. Durante a obstrução não se observaram alterações nos parâmetros bioquímicos séricos avaliados. Após a desobstrução, os equinos do GII e do GIII apresentaram aumento dos valores de aspartato aminotransferase, fosfatase alcalina, fibrinogênio, bilirrubina total e direta. Entretanto, tais alterações não foram associadas a sinais clínicos de lesão hepática e, ao final do período de observação, seus valores já encontravam-se entre os de normalidade. Devido à falta de especificidade dos testes laboratoriais existentes para o diagnóstico de lesões hepáticas, recomenda-se que estes sejam realizados concomitantemente e de modo seriado.

PALAVRAS-CHAVES: Abdômen agudo, biomarcadores sanguíneos, equinos.


ABSTRACT

EVALUATION OF BLOOD BIOMARKERS CONCENTRATION IN EQUINES SUBMITTED TO EXPERIMENTAL OBSTRUCTION OF DUODENUM, ILEUM AND LARGE COLON

This study aimed to evaluate the parameters of renal and hepatic functions in horses submitted to an experimental model of intestinal obstruction. Twenty-four animals were distributed into four different groups: instrumented control (GI), duodenum obstruction (GII), ileum obstruction (GIII) and large colon obstruction (GIV). Blood samples were collected one hour before the surgical procedure (T0); 3 hours after the obstruction/ischaemia (T3i); and 1, 3, 12, 24, 72 and 120 hours after the beginning of reperfusion/deobstruction for determination of the concentration of urea, creatinine, aspartate aminotransferase, gamma glutamyl transferase, alkaline phosphatase, albumin, glucose, fibrinogen and bilirrubin (total, direct and indirect). During obstructive period none significant alterations were observed in the biochemical parameters evaluated. After the unblocking procedure, the animals from GII and GIII presented an increase in aspartate aminotransferase, alkaline phosphatase, fibrinogen and total and direct bilirrubin values. However, these changes were not associated with clinical signs of liver damage and, at the end of the observation period their values were found within normal range. Considering the laboratory tests for the diagnosis of hepatic lesions lack specificity, it is recommended that such tests are performed concomitantly and in series.
KEYWORDS: Acute abdomen, blood biomarkers, equines.


INTRODUÇÃO

A síndrome cólica é uma das urgências mais frequentes dentro da medicina equina, sendo considerada a maior causa de óbito nessa espécie. Dentre as suas etiologias, os distúrbios associados a isquemia e reperfusão têm grande importância, devido a elevadas taxas de incidência e óbito (WHITE, 1990).
A isquemia é definida como a redução ou interrupção do fluxo sanguíneo, constituindo uma das principais causas de lesão tecidual (COTRAN et al., 1994). As alterações celulares são diretamente relacionadas à duração da isquemia; quando esta se prolonga por tempo suficiente, acarreta necrose, desencadeando efeitos intensos e complexos, em virtude da absorção de endotoxinas e da ocorrência de distúrbios hidroeletrolíticos e no equilíbrio ácido-base. Esses distúrbios manifestam em órgãos a distância e têm tratamento mais difícil que o de distúrbios isquêmicos ou ressecção cirúrgica intestinal (MOORE, 1990). Nessas condições, fígado e rins são frequentemente prejudicados, e alterações severas nesses órgãos relacionam-se negativamente com a recuperação dos animais com cólica (SEANOR et al., 1984; DAVIS et al., 2003; DI FILIPPO & SANTANA (2007).
Os testes bioquímicos específicos utilizados para avaliação da função hepática podem ser classificados em quatro grupos: os indicativos de lesão hepatocelular, representados pela aspartato aminotransferase (AST); aqueles indicativos de colestase, representados pela fosfatase alcalina (FA) e gama-glutamiltransferase (GGT); os de dosagem de bilirrubina, que avaliam o armazenamento, a conjugação e a secreção hepática; e os de albumina, glicose e ureia nitrogenada sérica, que avaliam a síntese hepática (DIAL, 1995).
Na avaliação da função renal, pode-se levar em conta a ureia e a creatinina sérica como marcadores de possível alteração na taxa de filtração glomerular, servindo como parâmetros de evolução, monitoramento do tratamento e progressão da doença (DUNCAN et al., 1994). A ureia, produto final do metabolismo protéico, é excretada pelos rins; entretanto, 40% ou mais são reabsorvidos pelos túbulos renais. Consequentemente, os níveis sanguíneos de ureia constituem uma indicação da função renal e podem servir como índice da taxa de filtração glomerular, apesar de a creatinina ser mais indicada nesse caso, pois sua quantidade presente nos rins é constante e não é reabsorvida nos túbulos renais (STEVEN & SCOTT, 2002). A creatinina, derivada da creatina e da fosfocreatina durante o metabolismo muscular, também é excretada pelos glomérulos renais. A taxa de creatinina sérica é influenciada pela massa muscular e pelo treinamento físico (DUNCAN et al., 1994) e, ao contrário da ureia, não sofre alteração diante de dietas hiperproteicas e hemorragias gastrintestinais (MEYER & HARVEY, 1998).
Diante dessas observações, o presente estudo teve o objetivo de avaliar e comparar as alterações nos valores dos biomarcadores sanguíneos de função renal e hepática relacionadas às repercussões da síndrome cólica. Determinaram-se o início e o comportamento de tais alterações, em função do tempo, e se elas podem ser utilizadas no diagnóstico de lesões renais e hepáticas e no prognóstico de equinos com cólica.

MATERIAL E MÉTODOS

Utilizaram-se 24 equinos, sendo oito fêmeas (não gestantes), dezesseis machos (doze castrados e quatro não castrados), sem raça definida, com média de idade de 6,2 ± 3,0 anos, escore corporal de três a quatro (SPEIRS, 1997) e peso corporal médio de 295,9 ± 32,7 kg. Uma semana antes do experimento, após avaliação clínica do estado sanitário, fez-se o controle de endoparasitas (mebendazol, 50 mg kg-1 - Platelmin Equino – UCB S.A) e de ectoparasitas (deltametrina a 0,025% - Butox P – Intervet S.A.). Os animais foram mantidos em piquetes coletivos com dieta à base de feno de Coast cross (Cynodon dactylon) e água à vontade. Forneceu-se a ração concentrada comercial (Tec Horse – Purina) duas vezes ao dia em quantidade equivalente a 1% do peso corpóreo (2,5 a 3,4 kg), adicionada de 50 g/dia de suplemento mineral (Omolen Ephos – Purina).
Os equinos foram separados em quatro grupos de seis animais (duas fêmeas, três machos castrados e um não castrado): um grupo-controle instrumentado, GI – sem realização da obstrução intestinal, porém submetido aos mesmos procedimentos anestésicos e cirúrgicos descritos para os demais grupos – e três grupos obstruídos. Realizaram-se as obstruções intestinais em três diferentes segmentos: duodeno (GII), íleo (GIII) e cólon maior – flexura pélvica (GIV).
Os animais foram contidos em brete e, após tricotomia e antissepsia da fossa paralombar, foram sedados com acepromazina 1% (0,025 mg kg-1, IV - Acepran 1% – Univet S.A), cloridrato de xilazina 2% (0,5 mg kg-1, IV - Virbaxil 2% – Virbac.) e meperidina (4 mg kg-1, IM - Dolosal – Cristália). Ato contínuo procedeu-se à anestesia local infiltrativa, utilizando-se associação (1:1) de lidocaína 2% (Lidovet – Bravet) e bupivacaína 0,75% (Neocaína 0,75% – Cristália), ambas sem vasoconstritor. Para mimetizar ao máximo as condições naturais, os animais ensaiados não foram submetidos a jejum hídrico e alimentar prévios.
Com os animais em estação, por meio da laparotomia, flanco direito para duodeno e íleo, e esquerdo para cólon maior, os segmentos intestinais foram identificados. Em seguida, posicionou-se um dreno de Penrose nº 3 ao redor da alça intestinal e, após o seu fechamento, iniciou-se a obstrução intestinal, segundo modelo descrito por DATT & USENIK (1974). Nesse momento, os animais receberam 1,5 mg kg-1, IV de cloridrato de tramadol (Tramal – Cristália) (NATALINI & ROBINSON, 2000). Sequencialmente, procedeu-se à sutura simples contínua dos músculos transversos do abdômen e da pele, utilizando-se vicryl no 0 e náilon no 4, respectivamente. As obstruções foram mantidas por três horas e, após esse período, promoveu-se a reversão das obstruções, tendo como acesso cirúrgico e protocolo os mesmos utilizados para promovê-las. Removeram-se então os drenos, e as cavidades abdominais foram fechadas de acordo com a técnica descrita por TURNER & MCILWRAITH (2002).
No pós-operatório foi instituída terapia antimicrobiana com penicilina benzatina (Pentabiótico Veterinário Reforçado – Fort Dodge), na dose de 30.000 UI kg-1, IM, a cada 48 horas, perfazendo três aplicações. Como analgésico e antiinflamatório, administrou-se flunixim meglumine (Flunixina injetável – UCB S. A), na dose de 0,5 mg kg-1, IV, a cada 24 horas, durante dois dias. Realizou-se curativo da ferida cirúrgica com polivinilpirrolidona-iodo tópica a 1%, duas vezes ao dia, até a retirada dos pontos no décimo dia pós-operatório.
Amostras de sangue foram obtidas mediante punção da veia jugular, uma hora antes do início do procedimento cirúrgico (T0), ao final do período de obstrução/isquemia de três horas (T3i) e 1, 3, 24, 72, 120 e 168 horas após a desobstrução, ou seja, durante o período de reperfusão (T1r-T168r). Durante a fase de obstrução ou de isquemia (Ti), obtiveram-se as amostras a intervalos regulares de trinta minutos até completar três horas de obstrução. No entanto, para a confecção das tabelas foram utilizados apenas os resultados obtidos três horas após o início das obstruções, excluindo-se os demais momentos. Tal procedimento possibilitou a elaboração de tabelas com resultados mais objetivos e claros, sem prejuízo da análise geral.
Para a avaliação de parâmetros bioquímico-séricos, ureia UV cinética (método do Diacetil monoxiona), creatinina colorimétrica (método de Lustosa–Basques), aspartato aminotransferase (método cinético UV), fosfatase alcalina PNP cinética (método de Roy modificado), albumina (método do verde de bromocresol), e gama-glutamiltransferase (método de Szasz modificado) foram utilizadas amostras de sangue colhidas em frascos sem anticoagulante. Ato contínuo, as amostras foram centrifugadas a 2.000 rpm, por cinco minutos e, após sinérese, acondicionou-se o soro obtido em tubos do tipo eppendorf, identificados e armazenados a -20ºC até o momento das determinações. Em seguida, as amostras foram analisadas com o auxílio de um conjunto de reagentes para diagnósticos  e posteriores leituras espectrofotométricas. Obteve-se o volume globular (VG) em tubos de microhematócrito centrifugados a 14.000 G, por cinco minutos, com posterior leitura em escala especial.
A glicose e o fibrinogênio foram dosados imediatamente após a colheita do sangue. A glicose em plasma fluoretado (método cinético de ponto final), com o auxílio de conjuntos de reagentes para diagnósticos (Labtest – Sistema de Diagnósticos Ltda. – Lagoa Santa, Brasil) e analisador bioquímico(Labquest – Labtest); o fibrinogênio, em plasma citratado (tubos contendo citrato de sódio 3,8%), de acordo com o procedimento cronométrico descrito por CLAUSS (1957), com o auxílio de conjuntos de reagentes para diagnósticos (Kit comercial Wiener – Rosário, Argentina) e posterior leitura em analisador específico (Quick timer DRAKE.).
Utilizou-se um delineamento experimental inteiramente casualizado, com quatro grupos e oito colheitas. Quando se constatou significância entre os grupos, dentro de cada momento, aplicou-se o teste de Tukey (P<0,05) para comparação das médias (SAMPAIO, 2002), através do programa estatístico SAS (Statistical Analysis of System – versão 8).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na Tabela 1 estão apresentados os valores relativos à ureia e à creatinina, com as respectivas médias, desvios padrão e estatística calculada.
Não foram observadas alterações (P<0,05) dos valores de ureia e de creatinina nos animais dos grupos GI, GII, GIII e GIV, durante todo o período experimental. Esses resultados diferem dos obtidos por DI FILIPPO & SANTANA (2007), os quais, avaliando equinos com cólica de ocorrência natural, observaram que os animais que não sobreviveram apresentaram valores de ureia e creatinina superiores aos que sobreviveram. Segundo esses autores, as alterações foram atribuídas à diminuição da perfusão tecidual, à septicemia e à utilização de drogas anestésicas, principalmente os α2-agonista. Para COLES (1984), os valores aumentados de ureia e de creatinina derivaram unicamente da hipotensão. A hipotensão, comum em animais com cólica, acarreta diminuição da perfusão tecidual e da velocidade da filtração glomerular, com consequente aumento desses biomarcadores na corrente sanguínea.
Neste ensaio, a manutenção das obstruções intestinais por três horas não foi capaz de desencadear alterações hídricas significativas (Tabela 2). Utilizando o mesmo modelo de obstrução intestinal, DATT & USENIK (1974) observaram severas alterações hídricas nos animais submetidos a obstrução do duodeno e do íleo; entretanto, somente entre seis e doze horas após a realização das obstruções. Com exceção dos animais submetidos à obstrução do cólon menor, todos os demais ensaiados por DATT & USENIK (1974) foram a óbito.
Os valores relativos às variáveis aspartato aminotransferase, gama-glutamiltransferase e fosfatase alcalina, com as respectivas médias, desvios padrão e estatística calculada estão expressos na Tabela 3.
Nos T24r e T72r, observou-se aumento na atividade sérica das enzimas aspartato aminotransferase e fosfatase alcalina nos animais dos grupos GII e GIII. Entretanto, não foram observadas alterações na atividade sérica da gama-glutamiltranferase. Para DAVIS et al. (2003) e DI FILIPPO & SANTANA (2007), o aumento da AST e da FA no soro de equinos com cólica deve-se a possível infecção ascendente do órgão por meio do ducto biliar; a absorção de endotoxinas ou de mediadores inflamatórios através da circulação portal; ao bloqueio do ducto biliar; a hipóxia hepática associada com a síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS) e com o choque. Entretanto, tem-se que a AST e a FA são encontradas em muitos tecidos, logo, a atividade sérica dessas enzimas não é específica para tecido algum, mas o músculo e o fígado podem ser considerados suas maiores fontes (STEVEN & SCOTT, 2002; CÂMARA & SILVA et al., 2007; DI FILIPPO & SANTANA, 2008).
A origem do aumento sérico da AST e da FA somente poderia ser determinada quando suas isoenzimas fossem avaliadas simultaneamente (DUNCAN et al., 1994; MOORE et al., 1990). Entretanto, como o uso clínico desses testes ainda não é rotina, a diferenciação deve ser feita através do histórico e do exame físico do animal, como explicou DIAL (1995). Porém, o aparecimento de sintomatologia clínica na doença hepática está ligado ao comprometimento de mais de 70% da massa hepatocelular, em que a lesão, independentemente da causa, está geralmente associada a certo grau de colestase, pois os hepatócitos se dilatam, obstruindo os canalículos biliares (DUNN, 1992). Ademais, a falta de especificidade e a alta variabilidade das manifestações clínicas das doenças hepáticas fazem na maioria das vezes, que elas passem despercebidas ou confundam-se com o próprio quadro de abdômen agudo (AMORY et al., 2005; DI FILIPPO & SANTANA, 2007).
Hipertermia, mucosas ictéricas e episódios intermitentes de cólica foram, segundo RYU et al. (2004), os únicos sinais clínicos apresentados por uma égua da raça Puro Sangue Inglês, de treze anos de idade, com lesão hepática. Devido à semelhança desses sinais com os apresentados por equinos com cólica com originada no sistema gastrentérico, recomenda-se para o diagnóstico diferencial a avaliação laboratorial (WEST, 1996).
Na Tabela 4 estão expressos os valores de fibrinogênio, albumina e glicose, com as respectivas médias, desvios padrão e estatística calculada.
No T72r verificou-se aumento dos valores de fibrinogênio nos equinos dos grupos GII e GIII e que ainda se manteve no T120r nos animais do GII. Esse aumento foi ocasionado pela existência de resposta inflamatória estimulada pelo ato cirúrgico ou foi decorrente do próprio distúrbio intestinal, como explicaram FAGLIARI & SILVA (2002). O fibrinogênio fornece substrato para a formação de fibrina e reparação tecidual, formando uma matriz para a migração das células inflamatórias (TAMZALI et al., 2001). Resultados semelhantes foram obtidos por DATT & USENIK (1974); entretanto, para esses autores, a hiperfibrinogenemia deveu-se unicamente à desidratação, com consequente aumento das proteínas totais na corrente sanguínea. Como mencionado anteriormente, neste estudo, em nenhum dos momentos avaliados constatou-se desequilíbrio hídrico nos animais ensaiados.
Não foram observadas alterações dos valores de albumina entre os animais ensaiados; entretanto, verificou-se, com relação ao momento inicial de avaliação (T0), diminuição nesses valores nos animais do grupo GIII nos T3i, T1r e T3r. Essa redução poderia, se analisada de forma isolada, dar a falsa ideia de prejuízo hepático; porém, nesse caso, a redução só ocorreria após lesões hepáticas extensas e crônicas, e não após lesões hepáticas agudas, tais como as relatadas em equinos com cólica (AMORY et al., 2005; THRALL, 2007). À semelhança das afirmações de McGORUM et al. (1999), acredita-se que a diminuição tenha decorrido do processo inflamatório intestinal, da mobilização de proteínas para o foco da lesão e da anorexia.
Após três horas de manutenção das obstruções intestinais (T3i) e uma hora após a desobstrução (T1r), observou-se aumento nos valores de glicose nos equinos do grupo GII. Esses resultados corroboram os de DI FILIPPO & SANTANA (2007), para os quais a hiperglicemia nas fases iniciais do processo obstrutivo intestinal deve-se à elevação da glicogenólise, estimulada pelo aumento das catecolaminas circulantes. Entretanto, nos animais do GII, a hiperglicemia foi um achado constante até o sétimo dia pós-operatório, diferentemente do observado neste ensaio, no qual, uma vez esgotadas as reservas energéticas os níveis plasmáticos de glicose retornaram aos valores normais ou subnormais segundo DI FILIPPO & SANTANA (2007).
A hiperglicemia persistente, de acordo com GRULKE et al. (2003), é um achado comum somente em animais com injúria pancreática aguda, desencadeada na cólica por hipovolemia, septicemia e também por compressão mecânica do órgão em função da acentuada distensão das alças intestinais. A injúria pancreática interfere na produção e na liberação da insulina, além de liberar tripsina para o espaço peritoneal e para o plasma. A tripsina, por ativar a cascata inflamatória e os leucócitos, pode levar à falência múltipla dos órgãos, o que pode contribuir para a não recuperação dos animais com cólica.
Os valores de bilirrubina total, direta e indireta, com as respectivas médias, desvios padrão e estatística calculada estão expressos na Tabela 5.
Observou-se nos T24r e T72r, nos animais dos grupos GII e GIII, aumento dos valores de bilirrubina total. Ainda no sangue dos animais dos referidos grupos verificou-se nos T1r, T3r T24r e T72 acréscimo de bilirrubina direta. Esses aumentos foram ocasionados pela interrupção do fluxo biliar e/ou pela incapacidade de excreção pelo fígado, em decorrência de um distúrbio venoso porta-sistêmico, frequente nos casos de cólica equina, como foi descrito por RYU et al. (2004).

CONCLUSÃO

Equinos submetidos a um modelo de obstrução intestinal extraluminal por três horas não apresentaram alterações dos valores dos biomarcadores sanguíneos de lesão renal e hepática. Somente após a desobstrução/reperfusão verificou-se aumento dos valores de aspartato aminotransferase, fosfatase alcalina, fibrinogênio, bilirrubina total e direta nos animais dos grupos GII e GIII. Entretanto, tais alterações não foram associadas a sinais clínicos de lesão hepática e, ao final do período de observação, seus valores já se encontravam entre os de normalidade.
Devido à falta de especificidade dos testes laboratoriais existentes para o diagnóstico de lesões hepáticas, recomenda-se que estes sejam realizados concomitantemente e de modo seriado. Dependendo da atividade de reparação tecidual, da localização celular, da taxa de remoção enzimática do plasma, bem como do tipo, severidade e duração da injúria ou estímulo, e ainda do número de hepatócitos afetados, a magnitude e a duração da atividade enzimática no plasma são diferentes.

AGRADECIMENTO

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), pelo financiamento integral desta pesquisa (processos no 05/58712-0 e 06/55377-8).

COMITÊ DE ÉTICA E BIOSSEGURANÇA

Aprovado pela Comissão de Ética e Bem Estar Animal (CEBEA), protocolo no 023232-05.

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Protocolado em:  10 abr. 2009.  Aceito em: 8 dez. 2010.