RESUMO
Com o objetivo de avaliar a concentração sérica dos biomarcadores da
função renal e hepática em equinos submetidos a um modelo experimental
de obstrução intestinal, 24 animais foram distribuídos em quatro
grupos-controle instrumentado (GI), obstrução do duodeno (GII), íleo
(GIII) e cólon maior (GIV). As amostras de sangue destinadas à dosagem
de ureia, creatinina, aspartato aminotransferase, gama
glutamiltransferase, fosfatase alcalina, albumina, glicose,
fibrinogênio e bilirrubina (total, direta e indireta) foram coletadas
uma hora antes do procedimento cirúrgico (T0), ao final do período de
três horas de obstrução/isquemia (T3i) e 1, 3, 12, 24, 72 e 120 horas
após a desobstrução/reperfusão. Durante a obstrução não se observaram
alterações nos parâmetros bioquímicos séricos avaliados. Após a
desobstrução, os equinos do GII e do GIII apresentaram aumento dos
valores de aspartato aminotransferase, fosfatase alcalina,
fibrinogênio, bilirrubina total e direta. Entretanto, tais alterações
não foram associadas a sinais clínicos de lesão hepática e, ao final do
período de observação, seus valores já encontravam-se entre os de
normalidade. Devido à falta de especificidade dos testes laboratoriais
existentes para o diagnóstico de lesões hepáticas, recomenda-se que
estes sejam realizados concomitantemente e de modo seriado.
PALAVRAS-CHAVES: Abdômen agudo, biomarcadores sanguíneos, equinos.
ABSTRACT
EVALUATION OF BLOOD BIOMARKERS CONCENTRATION IN EQUINES SUBMITTED TO EXPERIMENTAL OBSTRUCTION OF DUODENUM, ILEUM AND LARGE COLON
This study aimed to evaluate the parameters of renal and hepatic
functions in horses submitted to an experimental model of intestinal
obstruction. Twenty-four animals were distributed into four different
groups: instrumented control (GI), duodenum obstruction (GII), ileum
obstruction (GIII) and large colon obstruction (GIV). Blood samples
were collected one hour before the surgical procedure (T0); 3 hours
after the obstruction/ischaemia (T3i); and 1, 3, 12, 24, 72 and 120
hours after the beginning of reperfusion/deobstruction for
determination of the concentration of urea, creatinine, aspartate
aminotransferase, gamma glutamyl transferase, alkaline phosphatase,
albumin, glucose, fibrinogen and bilirrubin (total, direct and
indirect). During obstructive period none significant alterations were
observed in the biochemical parameters evaluated. After the unblocking
procedure, the animals from GII and GIII presented an increase in
aspartate aminotransferase, alkaline phosphatase, fibrinogen and total
and direct bilirrubin values. However, these changes were not
associated with clinical signs of liver damage and, at the end of the
observation period their values were found within normal range.
Considering the laboratory tests for the diagnosis of hepatic lesions
lack specificity, it is recommended that such tests are performed
concomitantly and in series.
KEYWORDS: Acute abdomen, blood biomarkers, equines.
INTRODUÇÃO
A síndrome cólica é uma das urgências mais frequentes dentro da
medicina equina, sendo considerada a maior causa de óbito nessa
espécie. Dentre as suas etiologias, os distúrbios associados a isquemia
e reperfusão têm grande importância, devido a elevadas taxas de
incidência e óbito (WHITE, 1990).
A isquemia é definida como a redução ou interrupção do fluxo sanguíneo,
constituindo uma das principais causas de lesão tecidual (COTRAN
et al.,
1994). As alterações celulares são diretamente relacionadas à duração
da isquemia; quando esta se prolonga por tempo suficiente, acarreta
necrose, desencadeando efeitos intensos e complexos, em virtude da
absorção de endotoxinas e da ocorrência de distúrbios
hidroeletrolíticos e no equilíbrio ácido-base. Esses distúrbios
manifestam em órgãos a distância e têm tratamento mais difícil que o de
distúrbios isquêmicos ou ressecção cirúrgica intestinal (MOORE, 1990).
Nessas condições, fígado e rins são frequentemente prejudicados, e
alterações severas nesses órgãos relacionam-se negativamente com a
recuperação dos animais com cólica (SEANOR
et al., 1984; DAVIS
et al., 2003; DI FILIPPO & SANTANA (2007).
Os testes bioquímicos específicos utilizados para avaliação da função
hepática podem ser classificados em quatro grupos: os indicativos de
lesão hepatocelular, representados pela aspartato aminotransferase
(AST); aqueles indicativos de colestase, representados pela fosfatase
alcalina (FA) e gama-glutamiltransferase (GGT); os de dosagem de
bilirrubina, que avaliam o armazenamento, a conjugação e a secreção
hepática; e os de albumina, glicose e ureia nitrogenada sérica, que
avaliam a síntese hepática (DIAL, 1995).
Na avaliação da função renal, pode-se levar em conta a ureia e a
creatinina sérica como marcadores de possível alteração na taxa de
filtração glomerular, servindo como parâmetros de evolução,
monitoramento do tratamento e progressão da doença (DUNCAN
et al.,
1994). A ureia, produto final do metabolismo protéico, é excretada
pelos rins; entretanto, 40% ou mais são reabsorvidos pelos túbulos
renais. Consequentemente, os níveis sanguíneos de ureia constituem uma
indicação da função renal e podem servir como índice da taxa de
filtração glomerular, apesar de a creatinina ser mais indicada nesse
caso, pois sua quantidade presente nos rins é constante e não é
reabsorvida nos túbulos renais (STEVEN & SCOTT, 2002). A
creatinina, derivada da creatina e da fosfocreatina durante o
metabolismo muscular, também é excretada pelos glomérulos renais. A
taxa de creatinina sérica é influenciada pela massa muscular e pelo
treinamento físico (DUNCAN
et al.,
1994) e, ao contrário da ureia, não sofre alteração diante de dietas
hiperproteicas e hemorragias gastrintestinais (MEYER & HARVEY,
1998).
Diante dessas observações, o presente estudo teve o objetivo de avaliar
e comparar as alterações nos valores dos biomarcadores sanguíneos de
função renal e hepática relacionadas às repercussões da síndrome
cólica. Determinaram-se o início e o comportamento de tais alterações,
em função do tempo, e se elas podem ser utilizadas no diagnóstico de
lesões renais e hepáticas e no prognóstico de equinos com cólica.
MATERIAL E MÉTODOS
Utilizaram-se 24 equinos, sendo oito fêmeas (não gestantes), dezesseis
machos (doze castrados e quatro não castrados), sem raça definida, com
média de idade de 6,2 ± 3,0 anos, escore corporal de três a quatro
(SPEIRS, 1997) e peso corporal médio de 295,9 ± 32,7 kg. Uma semana
antes do experimento, após avaliação clínica do estado sanitário,
fez-se o controle de endoparasitas (mebendazol, 50 mg kg
-1 -
Platelmin Equino – UCB S.A) e de ectoparasitas (deltametrina a 0,025% -
Butox P – Intervet S.A.). Os animais foram mantidos em piquetes
coletivos com dieta à base de feno de Coast cross (
Cynodon dactylon)
e água à vontade. Forneceu-se a ração concentrada comercial (Tec Horse
– Purina) duas vezes ao dia em quantidade equivalente a 1% do peso
corpóreo (2,5 a 3,4 kg), adicionada de 50 g/dia de suplemento mineral
(Omolen Ephos – Purina).
Os equinos foram separados em quatro grupos de seis animais (duas
fêmeas, três machos castrados e um não castrado): um grupo-controle
instrumentado, GI – sem realização da obstrução intestinal, porém
submetido aos mesmos procedimentos anestésicos e cirúrgicos descritos
para os demais grupos – e três grupos obstruídos. Realizaram-se as
obstruções intestinais em três diferentes segmentos: duodeno (GII),
íleo (GIII) e cólon maior – flexura pélvica (GIV).
Os animais foram contidos em brete e, após tricotomia e antissepsia da
fossa paralombar, foram sedados com acepromazina 1% (0,025 mg kg-1, IV
- Acepran 1% – Univet S.A), cloridrato de xilazina 2% (0,5 mg kg
-1, IV - Virbaxil 2% – Virbac.) e meperidina (4 mg kg
-1,
IM - Dolosal – Cristália). Ato contínuo procedeu-se à anestesia local
infiltrativa, utilizando-se associação (1:1) de lidocaína 2% (Lidovet –
Bravet) e bupivacaína 0,75% (Neocaína 0,75% – Cristália), ambas sem
vasoconstritor. Para mimetizar ao máximo as condições naturais, os
animais ensaiados não foram submetidos a jejum hídrico e alimentar
prévios.
Com os animais em estação, por meio da laparotomia, flanco direito para
duodeno e íleo, e esquerdo para cólon maior, os segmentos intestinais
foram identificados. Em seguida, posicionou-se um dreno de Penrose nº 3
ao redor da alça intestinal e, após o seu fechamento, iniciou-se a
obstrução intestinal, segundo modelo descrito por DATT & USENIK
(1974). Nesse momento, os animais receberam 1,5 mg kg
-1, IV
de cloridrato de tramadol (Tramal – Cristália) (NATALINI &
ROBINSON, 2000). Sequencialmente, procedeu-se à sutura simples contínua
dos músculos transversos do abdômen e da pele, utilizando-se vicryl no
0 e náilon no 4, respectivamente. As obstruções foram mantidas por três
horas e, após esse período, promoveu-se a reversão das obstruções,
tendo como acesso cirúrgico e protocolo os mesmos utilizados para
promovê-las. Removeram-se então os drenos, e as cavidades abdominais
foram fechadas de acordo com a técnica descrita por TURNER &
MCILWRAITH (2002).
No pós-operatório foi instituída terapia antimicrobiana com penicilina
benzatina (Pentabiótico Veterinário Reforçado – Fort Dodge), na dose de
30.000 UI kg
-1, IM, a cada 48 horas, perfazendo três
aplicações. Como analgésico e antiinflamatório, administrou-se flunixim
meglumine (Flunixina injetável – UCB S. A), na dose de 0,5 mg kg
-1,
IV, a cada 24 horas, durante dois dias. Realizou-se curativo da ferida
cirúrgica com polivinilpirrolidona-iodo tópica a 1%, duas vezes ao dia,
até a retirada dos pontos no décimo dia pós-operatório.
Amostras de sangue foram obtidas mediante punção da veia jugular, uma
hora antes do início do procedimento cirúrgico (T0), ao final do
período de obstrução/isquemia de três horas (T3i) e 1, 3, 24, 72, 120 e
168 horas após a desobstrução, ou seja, durante o período de reperfusão
(T1r-T168r). Durante a fase de obstrução ou de isquemia (Ti),
obtiveram-se as amostras a intervalos regulares de trinta minutos até
completar três horas de obstrução. No entanto, para a confecção das
tabelas foram utilizados apenas os resultados obtidos três horas após o
início das obstruções, excluindo-se os demais momentos. Tal
procedimento possibilitou a elaboração de tabelas com resultados mais
objetivos e claros, sem prejuízo da análise geral.
Para a avaliação de parâmetros bioquímico-séricos, ureia UV cinética
(método do Diacetil monoxiona), creatinina colorimétrica (método de
Lustosa–Basques), aspartato aminotransferase (método cinético UV),
fosfatase alcalina PNP cinética (método de Roy modificado), albumina
(método do verde de bromocresol), e gama-glutamiltransferase (método de
Szasz modificado) foram utilizadas amostras de sangue colhidas em
frascos sem anticoagulante. Ato contínuo, as amostras foram
centrifugadas a 2.000 rpm, por cinco minutos e, após sinérese,
acondicionou-se o soro obtido em tubos do tipo eppendorf, identificados
e armazenados a -20ºC até o momento das determinações. Em seguida, as
amostras foram analisadas com o auxílio de um conjunto de reagentes
para diagnósticos e posteriores leituras espectrofotométricas.
Obteve-se o volume globular (VG) em tubos de microhematócrito
centrifugados a 14.000 G, por cinco minutos, com posterior leitura em
escala especial.
A glicose e o fibrinogênio foram dosados imediatamente após a colheita
do sangue. A glicose em plasma fluoretado (método cinético de ponto
final), com o auxílio de conjuntos de reagentes para diagnósticos
(Labtest – Sistema de Diagnósticos Ltda. – Lagoa Santa, Brasil) e
analisador bioquímico(Labquest – Labtest); o fibrinogênio, em plasma
citratado (tubos contendo citrato de sódio 3,8%), de acordo com o
procedimento cronométrico descrito por CLAUSS (1957), com o auxílio de
conjuntos de reagentes para diagnósticos (Kit comercial Wiener –
Rosário, Argentina) e posterior leitura em analisador específico (Quick
timer DRAKE.).
Utilizou-se um delineamento experimental inteiramente casualizado, com
quatro grupos e oito colheitas. Quando se constatou significância entre
os grupos, dentro de cada momento, aplicou-se o teste de Tukey
(P<0,05) para comparação das médias (SAMPAIO, 2002), através do
programa estatístico SAS (Statistical Analysis of System – versão 8).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Na
Tabela 1
estão apresentados os valores relativos à ureia e à creatinina, com as
respectivas médias, desvios padrão e estatística calculada.
Não foram observadas alterações (P<0,05) dos valores de ureia e de
creatinina nos animais dos grupos GI, GII, GIII e GIV, durante todo o
período experimental. Esses resultados diferem dos obtidos por DI
FILIPPO & SANTANA (2007), os quais, avaliando equinos com cólica de
ocorrência natural, observaram que os animais que não sobreviveram
apresentaram valores de ureia e creatinina superiores aos que
sobreviveram. Segundo esses autores, as alterações foram atribuídas à
diminuição da perfusão tecidual, à septicemia e à utilização de drogas
anestésicas, principalmente os α2-agonista. Para COLES (1984), os
valores aumentados de ureia e de creatinina derivaram unicamente da
hipotensão. A hipotensão, comum em animais com cólica, acarreta
diminuição da perfusão tecidual e da velocidade da filtração
glomerular, com consequente aumento desses biomarcadores na corrente
sanguínea.
Neste ensaio, a manutenção das obstruções intestinais por três horas
não foi capaz de desencadear alterações hídricas significativas (
Tabela 2).
Utilizando o mesmo modelo de obstrução intestinal, DATT & USENIK
(1974) observaram severas alterações hídricas nos animais submetidos a
obstrução do duodeno e do íleo; entretanto, somente entre seis e doze
horas após a realização das obstruções. Com exceção dos animais
submetidos à obstrução do cólon menor, todos os demais ensaiados por
DATT & USENIK (1974) foram a óbito.
Os valores relativos às variáveis aspartato aminotransferase,
gama-glutamiltransferase e fosfatase alcalina, com as respectivas
médias, desvios padrão e estatística calculada estão expressos na
Tabela 3.
Nos T24r e T72r, observou-se aumento na atividade sérica das enzimas
aspartato aminotransferase e fosfatase alcalina nos animais dos grupos
GII e GIII. Entretanto, não foram observadas alterações na atividade
sérica da gama-glutamiltranferase. Para DAVIS
et al.
(2003) e DI FILIPPO & SANTANA (2007), o aumento da AST e da FA no
soro de equinos com cólica deve-se a possível infecção ascendente do
órgão por meio do ducto biliar; a absorção de endotoxinas ou de
mediadores inflamatórios através da circulação portal; ao bloqueio do
ducto biliar; a hipóxia hepática associada com a síndrome da resposta
inflamatória sistêmica (SIRS) e com o choque. Entretanto, tem-se que a
AST e a FA são encontradas em muitos tecidos, logo, a atividade sérica
dessas enzimas não é específica para tecido algum, mas o músculo e o
fígado podem ser considerados suas maiores fontes (STEVEN & SCOTT,
2002; CÂMARA & SILVA
et al., 2007; DI FILIPPO & SANTANA, 2008).
A origem do aumento sérico da AST e da FA somente poderia ser
determinada quando suas isoenzimas fossem avaliadas simultaneamente
(DUNCAN
et al., 1994; MOORE
et al.,
1990). Entretanto, como o uso clínico desses testes ainda não é rotina,
a diferenciação deve ser feita através do histórico e do exame físico
do animal, como explicou DIAL (1995). Porém, o aparecimento de
sintomatologia clínica na doença hepática está ligado ao
comprometimento de mais de 70% da massa hepatocelular, em que a lesão,
independentemente da causa, está geralmente associada a certo grau de
colestase, pois os hepatócitos se dilatam, obstruindo os canalículos
biliares (DUNN, 1992). Ademais, a falta de especificidade e a alta
variabilidade das manifestações clínicas das doenças hepáticas fazem na
maioria das vezes, que elas passem despercebidas ou confundam-se com o
próprio quadro de abdômen agudo (AMORY
et al., 2005; DI FILIPPO & SANTANA, 2007).
Hipertermia, mucosas ictéricas e episódios intermitentes de cólica foram, segundo RYU
et al.
(2004), os únicos sinais clínicos apresentados por uma égua da raça
Puro Sangue Inglês, de treze anos de idade, com lesão hepática. Devido
à semelhança desses sinais com os apresentados por equinos com cólica
com originada no sistema gastrentérico, recomenda-se para o diagnóstico
diferencial a avaliação laboratorial (WEST, 1996).
Na
Tabela 4
estão expressos os valores de fibrinogênio, albumina e glicose, com as
respectivas médias, desvios padrão e estatística calculada.
No T72r verificou-se aumento dos valores de fibrinogênio nos equinos
dos grupos GII e GIII e que ainda se manteve no T120r nos animais do
GII. Esse aumento foi ocasionado pela existência de resposta
inflamatória estimulada pelo ato cirúrgico ou foi decorrente do próprio
distúrbio intestinal, como explicaram FAGLIARI & SILVA (2002). O
fibrinogênio fornece substrato para a formação de fibrina e reparação
tecidual, formando uma matriz para a migração das células inflamatórias
(TAMZALI
et al., 2001).
Resultados semelhantes foram obtidos por DATT & USENIK (1974);
entretanto, para esses autores, a hiperfibrinogenemia deveu-se
unicamente à desidratação, com consequente aumento das proteínas totais
na corrente sanguínea. Como mencionado anteriormente, neste estudo, em
nenhum dos momentos avaliados constatou-se desequilíbrio hídrico nos
animais ensaiados.
Não foram observadas alterações dos valores de albumina entre os
animais ensaiados; entretanto, verificou-se, com relação ao momento
inicial de avaliação (T0), diminuição nesses valores nos animais do
grupo GIII nos T3i, T1r e T3r. Essa redução poderia, se analisada de
forma isolada, dar a falsa ideia de prejuízo hepático; porém, nesse
caso, a redução só ocorreria após lesões hepáticas extensas e crônicas,
e não após lesões hepáticas agudas, tais como as relatadas em equinos
com cólica (AMORY
et al., 2005; THRALL, 2007). À semelhança das afirmações de McGORUM
et al.
(1999), acredita-se que a diminuição tenha decorrido do processo
inflamatório intestinal, da mobilização de proteínas para o foco da
lesão e da anorexia.
Após três horas de manutenção das obstruções intestinais (T3i) e uma
hora após a desobstrução (T1r), observou-se aumento nos valores de
glicose nos equinos do grupo GII. Esses resultados corroboram os de DI
FILIPPO & SANTANA (2007), para os quais a hiperglicemia nas fases
iniciais do processo obstrutivo intestinal deve-se à elevação da
glicogenólise, estimulada pelo aumento das catecolaminas circulantes.
Entretanto, nos animais do GII, a hiperglicemia foi um achado constante
até o sétimo dia pós-operatório, diferentemente do observado neste
ensaio, no qual, uma vez esgotadas as reservas energéticas os níveis
plasmáticos de glicose retornaram aos valores normais ou subnormais
segundo DI FILIPPO & SANTANA (2007).
A hiperglicemia persistente, de acordo com GRULKE
et al.
(2003), é um achado comum somente em animais com injúria pancreática
aguda, desencadeada na cólica por hipovolemia, septicemia e também por
compressão mecânica do órgão em função da acentuada distensão das alças
intestinais. A injúria pancreática interfere na produção e na liberação
da insulina, além de liberar tripsina para o espaço peritoneal e para o
plasma. A tripsina, por ativar a cascata inflamatória e os leucócitos,
pode levar à falência múltipla dos órgãos, o que pode contribuir para a
não recuperação dos animais com cólica.
Os valores de bilirrubina total, direta e indireta, com as respectivas
médias, desvios padrão e estatística calculada estão expressos na
Tabela 5.
Observou-se nos T24r e T72r, nos animais dos grupos GII e GIII, aumento
dos valores de bilirrubina total. Ainda no sangue dos animais dos
referidos grupos verificou-se nos T1r, T3r T24r e T72 acréscimo de
bilirrubina direta. Esses aumentos foram ocasionados pela interrupção
do fluxo biliar e/ou pela incapacidade de excreção pelo fígado, em
decorrência de um distúrbio venoso porta-sistêmico, frequente nos casos
de cólica equina, como foi descrito por RYU
et al. (2004).
CONCLUSÃO
Equinos submetidos a um modelo de obstrução intestinal extraluminal por
três horas não apresentaram alterações dos valores dos biomarcadores
sanguíneos de lesão renal e hepática. Somente após a
desobstrução/reperfusão verificou-se aumento dos valores de aspartato
aminotransferase, fosfatase alcalina, fibrinogênio, bilirrubina total e
direta nos animais dos grupos GII e GIII. Entretanto, tais alterações
não foram associadas a sinais clínicos de lesão hepática e, ao final do
período de observação, seus valores já se encontravam entre os de
normalidade.
Devido à falta de especificidade dos testes laboratoriais existentes
para o diagnóstico de lesões hepáticas, recomenda-se que estes sejam
realizados concomitantemente e de modo seriado. Dependendo da atividade
de reparação tecidual, da localização celular, da taxa de remoção
enzimática do plasma, bem como do tipo, severidade e duração da injúria
ou estímulo, e ainda do número de hepatócitos afetados, a magnitude e a
duração da atividade enzimática no plasma são diferentes.
AGRADECIMENTO
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), pelo
financiamento integral desta pesquisa (processos no 05/58712-0 e
06/55377-8).
COMITÊ DE ÉTICA E BIOSSEGURANÇA
Aprovado pela Comissão de Ética e Bem Estar Animal (CEBEA), protocolo no 023232-05.
REFERÊNCIAS
AMORY, H.; PERRON, M. F.; SANDERSEN, C.; DELGUSTE, C.; GRULKE, S.;
CASSART, D.; GODEAU, J. M.; DETILLEUX,
J. Prognostic value of clinical signs and blood parameters in equids suffering
from hepatic diseases. Journal of Equine Veterinary Science, v. 25, n.
1, p. 18-25, 2005.
CLAUSS, A. Gerinnugsphysiologische schnellmethode zur bestimmung des
fibrinogens. Acta Haematologica, v. 17, n. 2, p. 237-246, 1957.
COTRAN, R. S.; KUMAR, V.; ROBBINS,
S. L. Robbins pathologic basis of disease. 5. ed. Philadelphia:
Saunders, 1994. p. 1-34.
DATT, S. C.; USENIK, E. A. Intestinal obstruction in the horse: Physical
signs and blood chemistry. Cornell Veterinary, v. 65, n. 2, p. 152-172,
1974.
DAVIS, J. L.; BLIKSLAGER, A. T.; CATTO, K.; JONES, S. L. A
retrospective analysis of hepatic injury in horses with proximal enteritis
(1984-2002). Journal of Veterinary Internal Medicine, v. 17, n.
6, p. 896-901, 2003.
DI FILIPPO, P. A.; SANTANA, A. E.
Atividade sérica das enzimas aspartato aminotransferase, creatina quinase e
lactato desidrogenase em equinos com cólica. Ciência Animal Brasileira, v. 9, n. 4, p. 1.138-1.143, 2008.
DI
FILIPPO, P. A; SANTANA, A. E. Variações nas concentrações dos biomarcadores
sanguíneos da função renal e hepática em equinos com cólica. Veterinária
Notícias, v. 13, n. 2, p. 47-54, 2007.
DIAL, S. M. Clinicopathologic evaluation of the liver. The Veterinary
Clinics of North America, v. 25, p. 257-273, 1995.
DUNCAN, J. R.; PRASSE, K. W.; MAHAFFEY, E. A. Liver: urinary system.
In:______. Veterinary laboratory medicine: clinical pathology. 3. ed.
Iowa: State University, 1994. p. 162-183.
DUNN, J. Assessment of liver damage and dysfunction. Practice,
v. 14, p. 193-200, 1992.
FAGLIARI, J. J.; SILVA, S. L.
Hemograma e proteinograma plasmático de equinos hígidos e de equinos acometidos
por abdômen agudo, antes e após laparotomia. Arquivo Brasileiro de Medicina
Veterinária e Zootecnia, v. 54, n. 6, p. 559-567, 2002.
McGORUM, B. C.; MURPHY, D.; LOVE, S.; MILNE, E. N. Clinicopathological
features of equine primary hepatic disease: a review of 50 cases. Veterinary
Record, v. 31, n. 5, p. 134-139, 1999.
MEYER, D. J.; HARVEY, J. W. Evaluation of hepatobiliary system and
skeletal muscle and lipid desorders. In:______. Veterinary laboratory medicine.
Philadelphia: W.B. Saunders, 1998. p. 157-186.
MOORE, J. N. Pathophysiology of circulatory shock. In: WHITE, N. A.
(Ed.). The equine acute abdomen. Philadelphia: Lea & Febiger, 1990.
p. 89-100.
NATALINI, C. C.; ROBINSON, E. P. Evaluation of analgesic effects of
epidurally administered morphine, alfentanil, butorphanol, tramadol and U50488H
in horses. American Journal of Veterinary Research, v. 61, n. 12,
p.1.576-1.586, 2000.
RYU, S.; BAK, U. B.; LEE, C. W.; LEE, Y. L. Cholelithiasis associated with
recurrent colic in a Throughbred mare. Journal Veterinary Science, v.
5, n. 1, p. 79-82, 2004.
SAMPAIO, I. B. M. Estatística
aplicada à experimentação animal. 2. ed. Belo Horizonte: FEPMVZ, 2002. 265 p.
SEANOR, J. W.; BYARS, T. D.; BOUTCHER, J. K. Renal disease associated
with colic in horses. Modern Veterinary Practice, v. 65, n. 5, p.
A26-A20, 1984.
SPEIRS, C. V. The alimentary tract.
In:______. Clinical
examination of horses. Philadelphia:
Saunders, 1997. p. 261-298.
STEVEN, L. S.; SCOTT, M. S. Urinary sistem. In:______. Fundamentals
of veterinary clinical pathology. Iowa: Iowa State, 2002. p.
277-336.
TAMZALI, Y.; GUELFI, J. F.; BRAUN, J. P. Plasma fibrinogen measurement
in the horse: comparison of Millar´s technique with a chronometric technique
and the QBC-Vet autoreader. Research in Veterinary Science, v.
71, n. 3, p. 213-217, 2001.
THRALL, M. Hematologia e
bioquímica clínica veterinária 1. ed. São Paulo: Roca, 2007. p. 335-354.
TURNER, A. S.; McILWRAITH, C. W.
Laparotomia do flanco e exploração abdominal. In:______. Técnicas cirúrgicas
em animais de grande porte. São Paulo: Roca, 2002. p. 237-242.
WEST, H. J. Clinical and pathological studies in horses with hepatic
disease. Equine Veterinary Journal, v. 28, n. 2, p. 46-56, 1996.
WHITE, N. A. Epidemiology and etiology of colic. In: WHITE, N. A.
(Ed.). The equine acute abdomen. Philadelphia: Lea & Febiger,
1990. p. 49-64.
Protocolado
em: 10 abr. 2009. Aceito em: 8 dez. 2010.