Este trabalho teve como objetivos determinar a soroprevalência e as variáveis epidemiológicas associadas com a infecção de Leishmania
spp. em cães de cinco localidades no Distrito do Tirirical no município
de São Luís, Maranhão. Foram visitadas 72 moradias, perfazendo uma
amostra de cem cães domiciliados, e aplicados questionários com o
objetivo de determinar os fatores que poderiam estar relacionados com a
ocorrência da infecção. Utilizaram-se como variáveis: proximidade da
moradia com a mata, existência de criação/abrigo de animais de produção
e de animais silvestres, sexo, idade, raça, além de exame clínico do
animal, com observação da presença de sinais clínicos compatíveis com a
doença. A análise sorológica demonstrou que 67 amostras apresentaram-se
positivas para Leishmania
spp. Os sinais clínicos observados foram linfadenopatia localizada,
alopecia, pelo opaco, emagrecimento, úlceras cutâneas, descamação
furfurácea, ceratoconjuntivite, e onicogrifose. Animais das localidades
Cruzeiro de Santa Bárbara e Cajupari, ambas localizadas próximas de
matas, têm 3,4 e 12,0 vezes mais chances de serem soropositivos para Leishmania
spp. do que aqueles das outras localidades estudadas. Não se verificou
correlação entre as outras variáveis estudadas e soropositividade para Leishmania spp.
PALAVRAS-CHAVES: Epidemiologia, fatores associados, leishmaniose
visceral canina, soroprevalência.
This work aimed to determine the seroprevalence and epidemiological variables associated to
Leishmania
spp. infection in dogs from five locations of Tirirical District, in
São Luís, Maranhão State, Brazil. Seventy-two houses were visited and
samples of one hundred dogs were taken. A questionnaire was applied in
order to investigate the possible factors related to the
Leishmania
infection. The following variables were used: forest proximity from the
residence, livestock of domestic animals or shelter of wild animals,
sex, age and breed. Clinical examination was also performed looking for
clinical signs compatible to the infection. The serological analysis
revealed that 67 samples were reactive. The clinical signs observed
were focal lymphadenophaty, alopecia, weight loss, cutaneous ulcers,
skin desquamation, keratoconjuntivitis and onycogrifosis. Animals from
Cruzeiro de Santa Bárbara and Cajupari, both locations near the forest,
have 3.4 and 12.0 more chances of being reactive to
Leishmania
spp. than the ones in the other studied locations. No statistical
relation was found between seropositive dogs and any other variables.
KEYWORDS: Associated factors, canine visceral leishmaniasis, epidemiology, seroprevalence.
INTRODUÇÃO
As leishmanioses são doenças causadas por protozoários tripanosomatídeos do gênero
Leishmania,
consideradas primariamente como zoonoses. Constituem-se importantes
problemas de saúde pública, encontrando-se atualmente entre as doenças
tropicais prioritárias da Organização Mundial de Saúde (MINISTÉRIO DA
SAÚDE, 2006). A leishmaniose visceral (LV) tem como agente etiológico,
no Novo Mundo, a espécie
Leishmania (
Leishmania chagasi)
, sendo
Lutzomyia longipalpis o principal transmissor da doença no Brasil (MENDES
et al.,
2002). É uma doença de notificação compulsória, que apresenta taxas
elevadas de incidência e letalidade, sendo endêmica em 62 países, com
um total estimado de 200 milhões de pessoas sob risco de infecção. Sua
distribuição ocorre na Ásia, na Europa, no Oriente Médio, na África e
nas Américas. Na América Latina a doença já foi descrita em pelo menos
doze países, com a maioria dos casos provenientes do Brasil (GONTIJO
& MELO, 2004; MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006).
No Brasil, a doença apresenta ampla distribuição territorial, com
aspectos geográficos, climáticos e sociais diferenciados. Atualmente
vem se expandindo para áreas urbanas de médio e grande porte, mudando
seu perfil epidemiológico, antes eminentemente rural. Sua distribuição
geográfica abrange as regiões Centro-Oeste, Sudeste, Norte e Nordeste,
sendo esta última a que apresenta a maioria dos casos notificados no
país (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006). Estudos têm relatado a ocorrência de
casos de LV canina na Região Sul do país (POCAI
et al., 1998; KRAUSPENHAR
et al., 2007; THOMAZ-SOCCOL
et al.,
2009). O estabelecimento da LV como epidemia no Maranhão ocorreu a
partir de 1982, na cidade de São Luís, em uma extensão do Bairro do
Tirirical, com registro de 1.089 casos em quinze anos, período em que
recebeu grande fluxo migratório oriundo em parte do deslocamento de
lavradores de Estados vizinhos, em virtude do êxodo de famílias que
viviam na zona rural do Maranhão (MENDES
et al.,
2002). Posteriormente houve expansão para outras áreas da Ilha de São
Luís, como São José de Ribamar e Paço do Lumiar. A partir de 1988, a
doença passa por uma segunda fase da epidemia, com franca expansão para
áreas suburbanas da Ilha de São Luís, período em que o Maranhão
transformou-se em um dos Estados com áreas de maior problema em relação
à doença (COSTA
et al., 1995).
A urbanização da LV no Brasil nas últimas décadas tem criado condições
epidemiológicas favoráveis para a manutenção da doença, com densa
população de reservatórios, vetores e humanos, distribuídos no mesmo
ambiente tropical que é extremamente favorável à transmissão (DINIZ
et al.,
2008). Os bairros com animais positivos, em geral, estão localizados
próximos de pequenas áreas de mata característica da região, o que
viabilizaria a presença do vetor junto às residências (MARZOCHI, 1994;
MOURA
et al., 1999). O
controle efetivo dessa doença requer a diminuição de sua incidência em
cães, que servem como reservatório para a doença no homem. Porém há
discordância entre os pesquisadores de que a LV canina seja a causa
necessária para a infecção humana, apesar de os estudos apontarem nessa
direção (GONTIJO & MELO, 2004).
Em virtude da importância epidemiológica do cão como reservatório da
leishmaniose visceral e da situação endêmica da doença no Estado do
Maranhão, além da constante busca por alternativas concretas e viáveis,
tanto no campo do diagnóstico e prognóstico quanto da imunoprofilaxia
da LV canina, propostas inovadoras e interdisciplinares visando o
desenvolvimento de conhecimentos básicos e de alternativas para o
controle da leishmaniose devem ser priorizadas. Torna-se importante
determinar seu perfil epidemiológico, assim como os fatores que
implicam a ocorrência da doença. Dessa forma, este trabalho teve como
objetivos determinar a soroprevalência e as variáveis epidemiológicas
associados com a infecção de
Leishmania spp. em cães residentes no Distrito do Tirirical de São Luís, MA.
MATERIAL E MÉTODOS
Área de estudo
A área de estudo foi o município de São Luís, localizado na região norte do Estado do Maranhão (
Figura 1),
com área de 827 km², 24 metros de altitude, e como coordenadas
geográficas 2º31´ S e 44º18´ 0. O clima é do tipo tropical, quente e
semiúmido da Zona Equatorial. São Luís tem duas estações distintas: o
verão, de julho a dezembro, e o inverno, de janeiro a junho. O verão é
quente e seco com ventos frescos e o inverno é chuvoso. Possui média
pluviométrica de 1953 mm.
O município divide-se em sete distritos sanitários: Itaqui-Bacanga,
Centro, Tirirical, Vila Esperança, Cohab, Bequimão e Coroadinho. O
presente estudo foi realizado em cinco localidades, incluindo bairros,
vilas e povoados que fazem parte do Distrito do Tirirical. A escolha
foi baseada nos seguintes fatores: positividade canina para a doença,
localização em área com características urbanas, semiurbanas e rurais e
elevado índice de casos humanos. As localidades estudadas foram a
Cidade Operária (ambiente com características urbanas); Cruzeiro de
Santa Bárbara, Residencial José Reinaldo Tavares e Recanto Canaã
(ambiente com características rurais e urbanas); Cajupari (ambiente com
características rurais). Também foi levado em consideração, na escolha
das localidades do estudo, o número de casos humanos e caninos
notificados pelo Centro de Controle de Zoonoses de São Luís, MA. As
escolhas recaíram sobre o Residencial José Reinaldo Tavares, pelo fato
de ser a maior localidade do distrito do Tirirical com menor número de
casos caninos, e sobre o Recanto Canaã, porque, dentre as localidades,
é a que apresenta maior número de casos humanos.
Amostras e diagnóstico laboratorial
Para diagnóstico da infecção canina, foram obtidas amostras de cem
animais domiciliados, sintomáticos e assintomáticos, de 72 moradias
visitadas, com a seguinte distribuição por localidade: Cidade Operária
(21); Cruzeiro de Santa Bárbara (21), Residencial José Reinaldo Tavares
(23); Recanto Canaã (19) e Cajupari (16). O número de animais incluídos
no estudo por localidade foi resultante dos moradores que quiseram
colaborar com a pesquisa, cujo somatório levou à amostra final. As
localidades com menor número de amostras, caso do Cajupari e Recanto
Canaã, são as que possuem menor número de casas com criação de cães, o
que é uma limitação deste estudo.
Submeteram-se os animais a exames físicos para observação de sinais
clínicos ou não da leishmaniose visceral canina. Em seguida foram
coletadas amostras de sangue por meio de punção da veia cefálica, para
realização da Reação de Imunofluorescência Indireta (RIFI)
(BIOMANGUINHOS/FIOCRUZ), para detecção de anticorpos contra
Leishmania
spp. em soros de cão. Consideraram-se positivas as amostras com
titulação 1/40, conforme preconizado pelo Ministério da Saúde. Os
ensaios foram realizados nos Laboratórios de Anatomopatologia e
Virologia do curso de Medicina Veterinária da Universidade Estadual do
Maranhão, Campus Paulo VI.
Ficha de investigação
Foram preenchidas fichas de investigação, junto aos moradores, com o
objetivo de determinar as variáveis epidemiológicas que poderiam estar
correlacionados com a ocorrência da doença, como proximidade da moradia
com a mata; existência de criação/abrigo de animais de produção e
animais silvestres; além de características do animal, como sexo,
idade, raça, tamanho e cor do pelo.
Análise estatística
Realizou-se a associação entre os resultados da sorologia e as
variáveis pelo qui-quadrado, fazendo uso do programa BioEstat 3.0. A
regressão logística múltipla foi feita com as variáveis
estatisticamente significativas observadas na análise univariada,
mediante o programa Minitab 14.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A análise sorológica demonstrou que, das cem amostras analisadas, 67 (67%) apresentaram-se positivas para
Leishmania spp.
Na determinação da soroprevalência por localidade, constatou-se que
Cajupari e Cruzeiro de Santa Bárbara apresentaram elevados índices de
positividade, com 94% e 81%, respectivamente. O Residencial José
Reinaldo Tavares mostrou a soroprevalência mais baixa (48%). Por fim,
nas localidades Recanto Canaã e Cidade Operária, observaram-se
soroprevalências de 53% e 67%, respectivamente.
As localidades mostraram características diversas. Cajupari e Cruzeiro
de Santa Bárbara localizam-se próximos de matas, com relatos de
presença de animais silvestres nas imediações do domicílio. No
Residencial José Reinaldo Tavares, as residências ficam próximas da
mata e 65,2% delas não possuem abrigo e criação de animais. Também não
foi relatada, pelos moradores, a presença de animais silvestres nas
proximidades dos domicílios. Na localidade Recanto Canaã, as
residências são próximas da mata e a maioria dos moradores da
localidade relatou presença de animais silvestres nas imediações dos
domicílios, tanto de gambás, também conhecidos como mucuras, na região (
Didelphis marsupialis), quanto de raposas (
Cerdocyon thous).
A Cidade Operária é uma área urbanizada, sem proximidade com a mata,
não possui criação de animais no domicílio e com poucos relatos de
animais silvestres observados nas suas imediações. Tais descrições
foram importantes para caracterizar o perfil da doença nas localidades,
relacionando-a com as variáveis epidemiológicas, buscando identificar
áreas de maior risco para a ocorrência da leishmaniose canina.
A soroprevalência elevada encontrada na Cidade Operária (67%) pode ser
justificada pela expansão que a leishmaniose visceral tem demonstrado
no ambiente urbano nas últimas décadas, o que vem sendo observado no
município de São Luís, MA (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006; DINIZ
et al., 2008).
Neste estudo, as localidades Cajupari e Cruzeiro de Santa Bárbara
apresentaram os maiores índices de positividade, com 94% e 81%,
respectivamente. Ambas são localizadas próximas de matas e há relatos
da presença de animais silvestres nas imediações do domicílio.
Alguns estudos relatam que, em localidades onde há presença de animais
silvestres nas proximidades dos domicílios e em habitações situadas
perto de matas em áreas de ocupação recente e com condições sanitárias
insatisfatórias, existe uma tendência para abundância de vetores e
reservatórios, o que contribui para a manutenção e disseminação da
doença, revelando alta soroprevalência canina (GUIMARÃES
et al., 2005; OLIVEIRA,
et al., 2006).
A população de cães positivos analisada apresentou maior número de
animais assintomáticos (58,2%), o que corrobora o que é descrito na
literatura (OLIVEIRA
et al., 2001; MADEIRA
et al., 2004; ALMEIDA
et al.,
2009). Dentre os sinais clínicos observados nos animais positivos, a
linfadenopatia localizada (linfonodo poplíteo) foi o mais frequente,
acometendo 27 cães (96,4%). Outros sinais encontrados foram úlceras
cutâneas (60,7%), onicogrifose (50%), pelo opaco (25%),
ceratoconjuntivite (21,4%), eczema furfuráceo (21,4%), alopecia (14,2%)
e emagrecimento (10,7%). Não foram observados animais com formações
nodulares. Em estudos realizados em Recife, PE, os sinais clínicos mais
frequentes foram úlceras cutâneas, seguidas de linfadenopatia,
emagrecimento, onicogrifose e oftalmopatias (ALBUQUERQUE
et al., 2007).
Neste estudo, constatou-se que animais que vivem nas localidades
Cruzeiro de Santa Bárbara e Cajupari, ambas localizadas próximas de
matas, têm 3,4 (p= 0,04) e 12,0 (p= 0,02) vezes maior probabilidade de
serem soropositivos para
Leishmania
spp. do que aqueles que vivem nas outras localidades estudadas. Desse
modo, estratégias de vigilância epidemiológica e controle da doença
devem ser buscadas, visando estabelecer ações específicas direcionadas
para essas áreas, onde o risco de ocorrência é maior. Isso, no entanto,
não significa deixar de realizar as ações nas outras áreas,
considerando-se que se trata de um área endêmica para LVC. Também é
recomendada a realização de estudos para melhor compreender o ciclo
silvestre da doença e assim propor soluções mais efetivas no controle
da doença. As áreas urbanas, como observado na localidade Cidade
Operária, também sofrem, atualmente, um incremento na casuística de
leishmaniose. O processo de urbanização da doença vem se expandindo,
inclusive, para áreas densamente povoadas. O grande número de vetores e
reservatórios é extremamente favorável para a ocorrência da doença,
devendo também ser controlada, evitando o risco para a saúde humana e
animal (DINIZ
et al., 2008).
Não se verificou correlação entre as outras variáveis estudadas e soropositividade para
Leishmania spp (
Tabela 1).
Em trabalhos realizados em Mossoró, RN, não foi evidenciada diferença
estatisticamente significativa na positividade dos cães entre o meio
rural e urbano. Entre os animais peridomiciliados, houve maior
soroprevalência tanto na área rural quanto urbana, e as fêmeas da zona
rural foram mais prevalentes (AMÓRA
et al.,
2006). Nesta pesquisa, notou-se que as áreas próximas de matas
apresentaram soroprevalência mais elevada. Não foi evidenciada
predisposição sexual.
Estudos realizados descreveram que animais de pelo curto têm maiores riscos de serem infectados por
Leishmania.
A criação de porcos e galinhas aumenta o risco para a ocorrência da
doença. Também sugerem que o risco aumenta após o primeiro ano de vida
do animal, permanecendo estável após este. Sexo, raça, grau de
confinamento não foram fatores significativos para incidência da doença
(MOREIRA
et al., 2003). No
presente estudo não se observou correlação entre a positividade canina
com o tamanho do pelo e a criação de outros animais. Contudo, os
resultados aqui apresentados estão de acordo quanto à ausência de
predisposição para a infecção relacionada ao sexo, idade, local e forma
de criação do animal.
A leishmaniose visceral é atualmente um grave problema de saúde
pública, apresentando ainda entraves para sua vigilância e controle,
como falta de padronização dos métodos de diagnóstico da infecção
humana e canina, discordância entre os estudos que avaliam o impacto da
eliminação de cães soropositivos na prevalência da infecção humana,
demonstração de que outros reservatórios podem ser fonte de infecção da
L. chagasi, como os canídeos
silvestres e os marsupiais, e a escassez de estudos sobre o impacto das
ações de controle dirigidas contra os vetores (GONTIJO & MELO,
2004). A ocorrência da doença envolve aspectos biológicos, ambientais e
sociais. Uma vez que a destruição das matas pelo homem vem causando um
desequilíbrio, ocorre um aumento do número de casos, favorecendo,
assim, a expansão e a urbanização da doença. Apesar do processo de
urbanização, constata-se que são as localidades onde as residências têm
proximidade com a mata que apresentaram maior número de animais
acometidos pela infecção.
CONCLUSÕES
A soroprevalência da LVC é elevada nas localidades estudadas. As
localidades Cajupari e Cruzeiro de Santa Bárbara apresentaram os
maiores índices de positividade canina. O Residencial José Reinaldo
Tavares mostrou a menor soroprevalência. Animais que vivem nas
localidades Cruzeiro de Santa Bárbara e Cajupari têm maior
probabilidade de serem soropositivos para
Leishmania
spp. do que animais que vivem nas outras localidades estudadas. Com
exceção da localidade, não se encontrou correlação entre as outras
variáveis estudadas e soropositividade para
Leishmania spp.
AGRADECIMENTOS
À Universidade Estadual do Maranhão, pela concessão de bolsa de
Iniciação Científica (programa BIC/UEMA), no período de novembro de
2006 a novembro de 2007. À FAPEMA, pela concessão de Bolsa de Apoio
Técnico no período de fevereiro de 2008 a fevereiro de 2009.
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em: 9 abr. 2009. Aceito em: 17 mar.
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