COMPOSIÇÃO CORPORAL NOS CAVALOS DE TRABALHO


Jose Mario Girão Abreu,1 Hélio Cordeiro Manso Filho2,3 e  Helena Emília
Cavalcanti da Costa Cordeiro Manso2,4

1. Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, CE. E-mail: zemariovet@yahoo.com.br
2. Departamento de Zootecnia, Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife, PE
3. Programa de Pós-Graduação em Ciência Veterinária, Universidade Federal Rural de Pernambuco. E-mail: hmanso@dz.ufrpe.br
4. Laboratório de Biologia Molecular Aplicada à Produção Animal – BIOPA/ Universidade Federal Rural de Pernambuco.  E-mail: hecosta@dz.ufrpe.br




RESUMO

A caracterização da massa-livre de gordura e da massa de gordura nos cavalos atletas pode representar melhor acompanhamento das práticas de treinamento, contribuindo para seu bem-estar. O objetivo deste trabalho foi mensurar a composição corporal de três grupos de cavalos de trabalho (serviço de patrulha [SER, n=18]; hipismo [HIP, n=19]; inoperantes [INO, n=14]) submetidos ao mesmo programa alimentar, mas com atividade física diferente. Determinou-se essa variável a partir da massa corporal em associação com a mensuração da espessura do tecido adiposo na garupa, por meio de ultrassonografia. Foram mensurados: massa corporal, massa livre de gordura, massa de gordura, espessura da capa de gordura na garupa, escore corporal e idade. Ocorreram diferenças (p<0,05) entre os grupos na comparação das seguintes características: massa corporal, massa livre de gordura e idade. O grupo INO apresentou menor massa livre de gordura (255,2±12,7 kg) quando comparado com os grupos SER (294,5±10,0 kg) e HIP (310,9±9,5 kg). A massa corporal do INO (297,3±14,1 kg) foi diferente quando comparada à do HIP (354,3±10,5 kg), mas semelhante à do SER (339,0±11,0 kg). O grupo INO foi o mais velho (~20 anos) e o grupo HIP o mais jovem (~7,5 anos). A atividade física contribuiu (p<0,05) para as diferenças na massa livre de gordura, pois o grupo INO não foi capaz de produzir diferenças na massa de gordura, na percentagem de gordura e no escore corporal. Não se observou relação entre a idade e a massa livre de gordura (MLG).

PALAVRAS CHAVE: Composição corporal, equinos, exercício, massa livre de gordura.

ABSTRACT

BODY COMPOSITION IN WORKING HORSES

Determination of fat-free mass and fat mass in working horses may contribute to understanding the effects of training of these groups of horses. Also it could be used to improve the well-being of horses. The objective of this research was to evaluate the body composition of three different groups of horses (patrol [SER, n=18]; event [HIP, n=19]; inactive [INO, n=14]), submitted to a similar nutritional program but with different exercise level. It were evaluated the corporal mass, fat-free mass, fat mass, fat thickness, body score and age. And, to determine the body composition it was used the evaluation of body mass in association with fat thickness at rump by ultrasonography. The body mass, fat-free mass and age showed differences between groups (P<0,05). The INO had small fat-free mass (255.2±12.7 kg) when compared with SER (294.5±10.0 kg) and HIP (310.9±9.5 kg). The body mass of INO (297.3±14.1 kg) was smaller than body mass in HIP (354.3±10.5 kg) but was similar to the body mass in SER (339.0±11.0 kg). The INO was older (~20 years old) and HIP was younger (~7.5 years old). In conclusion, exercise level promoted differences on size of fat-free mass, however did not produce differences in fat mass, percentage of fat and body score. It was not observed relationship between age and fat –free mass.

KEY WORDS: Body composition, equine, exercise, fat-free mass.


INTRODUÇÃO

A utilização de cavalos em patrulhas tem sido uma prática frequente e importante em várias cidades brasileiras. Esses animais são utilizados em centros urbanos, periferias e em eventos esportivos (AVELAR, 1997). Pouca atenção tem sido dada às condições de manejo e bem-estar dos animais dessa categoria.
Normalmente os equinos de cavalaria militar são alojados em grandes cavalariças, sem um sistema de manejo individualizado, permanecendo grande parte do dia confinados em boxes individuais. O confinamento prolongado, quando associado a programas nutricionais incorretos, favorece o aparecimento de enfermidades relacionadas à obesidade. Neste caso, a caracterização da composição corporal pode contribuir para aperfeiçoar os programas nutricionais e de treinamento dos cavalos utilizados neste segmento da equideocultura (KEARNS et al., 2002a; GORDON et al., 2004).
As informações sobre a composição corporal nos equinos submetidos a diferentes tipos de atividade física ou durante diferentes fases produtivas ainda são escassas (FITZGERALD et al., 2002; KEARNS et al., 2002b; GORDON et al., 2004). Todavia, pesquisas nesta área podem contribuir para uma melhor compreensão dos processos metabólicos e fisiológicos, melhorando o desempenho e o bem-estar desse grupo de cavalos. O objetivo deste trabalho foi avaliar a composição corporal, por meio de análise descritiva, em três grupos de equinos (inoperantes, serviço e hipismo) submetidos às mesmas práticas de manejo nutricional, mas com diferentes níveis de atividade física.

MATERIAL E MÉTODOS

Os animais avaliados neste estudo estavam submetidos ao mesmo programa alimentar e sanitário. A metodologia foi aprovada pelo Comitê de Ética para o Uso de Animais da Universidade Estadual do Ceará (parecer número 06093330-5). Selecionaram-se 51 cavalos, castrados, clinicamente sadios, sem raça definida, mas basicamente mestiços de crioulo com nordestino, alojados no esquadrão de cavalaria da PMCE. Os animais excluídos das avaliações foram: fêmeas, machos inteiros, enfermos, animais utilizados exclusivamente no hipismo e os de raça definida.
Reuniram-se os animais selecionados em três grupos conforme a atividade física que desenvolviam na cavalaria, a saber: 1. Grupo serviço (SER): dezoito cavalos que realizavam entre três e quatro patrulhas semanais, frequentemente à noite, com duração máxima de oito horas, incluindo transporte e deslocamento aos locais de trabalho. Andamentos: passo e trote; idade média de 13,5±1,0 anos; 2. Grupo hipismo + serviço (HIP): dezenove cavalos que desenvolviam patrulhas regulares pelo menos uma vez por semana, acrescidos de equitação, de aproximadamente quatro horas por dia de atividade, para policiais e para a comunidade. Andamentos: passo, trote, galope ordinário e salto [<1,10m]; idade média de 7,5±1,0 anos; 3. Grupos inoperantes ou de descanso (INO): quatorze cavalos que não realizavam patrulhas regulares a mais de quatro semanas, por diversos motivos, mas sem enfermidades graves que os impedissem de retornar à patrulha em algum momento futuro ou que comprometessem a ingestão de alimentos. Os animais eram mantidos 24 horas por dia em piquetes, menores que meio hectare; idade média de 20,0±1,5 anos.
O programa alimentar consistia no fornecimento de 9,0 kg/dia/animal de volumoso picado (capim-elefante [Pennisetum purpureum]), divididos em três porções equivalentes, em intervalo médio de oito horas) e 4,0 kg/dia/animal de concentrado comercial1 (14% proteína bruta, 10% fibra bruta e 2,0% extrato etéreo, divididos em duas porções iguais com intervalo de 12 horas). Sal mineralizado e água eram fornecidos ad libitum.
A caracterização da composição corporal foi determinada a partir da massa corporal, obtida por meio da pesagem em uma balança eletrônica e com os animais em jejum de doze horas, em associação com a determinação da espessura do tecido adiposo na garupa pela ultrassonografia (WESTERVELT et al., 1976), com um transdutor ultrassonográfico linear, em tempo real, de 5,0 MHz. Essa técnica consiste em colocar o transdutor, perpendicularmente, em ponto médio entre as pontas do íleo e do ísquio e a 10,0 cm, lateralmente, da linha média do corpo. A percentagem do tecido adiposo subcutâneo foi determinada pela equação: 8,64 + (4,70 x espessura do tecido adiposo, em centímetros) (WESTERVELTet al., 1976). Conhecida a percentagem de gordura, pôde-se calcular a massa-livre de gordura e a massa de gordura por meio de uma regra de três. O escore corporal caracteriza o acúmulo de gordura corporal por meio da avaliação visual. O escore mínimo ou “1” representa um animal caquético e o escore máximo ou “7” representa obeso (HENNEK et al., 1983; MANSO FILHO, 2001).
A idade dos animais foi determinada a partir das informações obtidas nos registros oficiais. Na tentativa de se detectar uma possível interação entre o período de vida e o nível de atividade física sobre os componentes da composição corporal, agruparam-se os 51 cavalos em três diferentes períodos de vida, ou seja, jovem [< 5 anos], adulto [5 ≤ X ≤ 15 anos] e idoso [> 15 anos], sendo analisados pelo método de correlação de Pearson.
Efetuou-se a análise da variância por meio do programa de computação SigmaStat® 3.02, para sistema operacional Windows®. O método de Tukey foi utilizado para a comparação entre as médias, sendo o nível de significância estabelecido quando p<0,05. Os resultados estão expressos em média +/– desvio-padrão (SAMPAIO, 2007).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados demonstraram uma significativa variação em parâmetros da composição corporal. Essas variações estavam associadas ao nível de atividade física de cada grupo animal (Tabela 1). A média da massa corporal (MC) dos animais INO foi inferior à do grupo HIP, mas não foi diferente da do grupo SER. Os animais do grupo INO apresentaram menor massa-livre de gordura (MLG) quando comparados com os grupos SER e HIP (p<0,05). Observaram-se diferenças (p<0,05) na idade média dos animais dos grupos analisados, sendo que o grupo INO era constituído de animais mais velhos (~20 anos) e o grupo HIP, mais jovens (~7,5 anos). A diferença observada da MC entre os grupos (INO, HIP e SER) poderia estar associada à idade, todavia não foi observada interação (P>0,05) entre o período de vida e a atividade física. As demais características avaliadas (massa de gordura, percentagem de gordura, espessura da capa de gordura) não apresentaram diferenças (p>0,05) assim como os valores do escore corporal.
A comparação dos resultados dos diferentes componentes da composição corporal desse experimento com os de outros autores não é aplicável, pois se utilizaram de animais de raças diferentes (KEARNS et al., 2002b). Entretanto, estudos internacionais e o atual têm demonstrado que os treinamentos/exercícios reduzem a massa de gordura e aumentam a MLG, contribuindo para o aumento da massa muscular. Observou-se que os grupos que realizavam exercícios regularmente (SER e HIP) possuíam maior MLG quando comparado com o grupo que não realizava exercícios (INO) (p<0,05), confirmando a relação entre a atividade física e o volume da MLG. O aumento da MLG, além de contribuir para melhorar o desempenho dos animais atletas, pode reduzir o aparecimento das enfermidades associadas aos distúrbios de metabolismo da glucose.
Apesar de a determinação da composição corporal ser um método de avaliação simples e científico (WESTERVELT et al., 1976; KANE et al., 1987), tem sido pouco utilizada nos centros de treinamentos e haras. Esse tipo de diagnóstico pode fornecer informações importantes sobre os efeitos do treinamento físico, do ciclo reprodutivo e do manejo alimentar das diversas categorias de equinos (FITZGERALD & MCMANUS, 2000; KEARNS et al., 2002b). Com a determinação da composição corporal pode-se conhecer a MLG, que tem como maior componente a massa muscular corporal (KEARNS et al., 2002a). A avaliação da massa muscular pode facilitar a compreensão das possíveis adaptações do tecido muscular durante os treinamentos ou durante a suspensão dos exercícios nos cavalos atletas, favorecendo o desenvolvimento das práticas que contribuam para o bem-estar desses animais.
A percentagem de gordura pode ser utilizada para a comparação entre a percentagem de tecido adiposo armazenado nos cavalos de diferentes categorias e sistemas de criação, pois recebe pouca influência racial ou dos tipos equinos (corrida, sela e tiro), porém os programas nutricionais podem influenciar bastante para o acúmulo ou redução do tamanho do tecido adiposo dos animais (FITZGERALD & MCMANUS, 2000; KEARNS et al., 2002a; KEARNS et al., 2002b). No presente estudo, observou-se que a percentagem de gordura variou de 12% até 14% e que essas médias estão bem acima das médias observadas em cavalos de corrida em competição (machos ~7,5% e fêmeas ~10%) (KEARNS et al., 2002b), mas semelhante aos valores observados em cavalos adultos que não realizam exercícios (~12-18%) (FITZGERALD et al., 2002; GORDON et al., 2004). As diferenças observadas entre os animais da cavalaria que realizavam exercícios (SER e HIP) e os cavalos de corrida podem ser explicadas pelo fato de os grupos SER e HIP realizarem exercícios em níveis bastante diferentes daqueles descritos por Kearns et al. (2002b), que ainda observam que os treinamentos para corridas não favorecem o acúmulo de tecido adiposo.
Além da percentagem de gordura, foi utilizado o escore corporal como indicador do acúmulo de gordura corporal nos animais. Entretanto, a técnica para a determinação dessa variável é subjetiva e não propicia uma indicação precisa da massa de gordura e da MLG (KEARNS et al., 2002b). No experimento atual, não foram observadas diferenças no escore corporal entre os três grupos avaliados (p>0,05), mas seus valores médios estavam dentro dos valores esperados para animais com bom acúmulo de gordura, entre quatro e cinco. O escore corporal pode ser utilizado como indicativo dos resultados dos programas nutricionais. todavia não se mostra eficiente como caracterização da massa muscular.
Outra constatação foi que os animais avaliados apresentaram variações na idade (p<0,05), parâmetro que pode influenciar significativamente as variações na MLG. Todavia, os resultados não demonstraram interações significativas entre o período de vida e a atividade física (P>0,05). Diferentes autores observaram que a senilidade nos equinos causa uma redução na MLG, ou seja, causa perda da massa muscular e aumento na massa de gordura (McKEEVER 2003; BREUER, 2004). Também se deve enfatizar que a redução da MLG que ocorre nos animais idosos e nos obesos pode diminuir a tolerância aos exercícios e promover uma desregulação dos hormônios associados à homeostase da glucose sanguínea (JEFFCOTT & FIELD, 1986; FITZGERALD et al., 2002; MALINOWSKI et al., 2002), sujeitando-os às enfermidades associadas à fadiga durante ou após as competições ou treinamentos. Essas informações poderão contribuir nas orientações do manejo dos animais de trabalho e para o entendimento das adaptações fisiológicas durante o treinamento, favorecendo o desenvolvimento das práticas para o bem-estar animal.
Finalmente, deve-se entender que o conhecimento dos componentes da composição corporal pode implicar a modificação ou adaptação das técnicas de treinamento, empregadas nos cavalos atletas, já que uma reduzida massa de gordura implicaria um melhor desempenho dos cavalos (KEARNS et al., 2002a). Também uma reduzida massa de gordura pode representar uma menor resistência à ação da insulina, diminuir a produção de hormônios inflamatórios e favorecer a disponibilidade de energia para o trabalho muscular (JEFFCOTT & FIELD, 1986; MALINOWSKI et al., 2002; HOFFMAN et al., 2003; VICK et al., 2007). Todavia, ainda não há um padrão para esse parâmetro nos diversos grupos de equídeos.

CONCLUSÕES

A atividade física e o exercício influenciaram na composição corporal dos cavalos no sentido de determinarem uma maior massa-livre de gordura para os animais com maior quantidade de horas de atividade física. A massa de gordura não foi influenciada pelo tipo de exercícios ou pela ausência desses grupos de animais.

AGRADECIMENTOS

À IRCA Nutrição Animal (www.ircanutricao.com.br), pelo suporte financeiro ao projeto. Também aos estudantes dos cursos de graduação em Zootecnia da Universidade Federal do Ceará e em Medicina Veterinária da Universidade Estadual do Ceará, pela cooperação, e, finalmente, aos que fazem parte do Esquadrão de Cavalaria Coronel Moura Brasil da Polícia Militar do Ceará, em Fortaleza.

FONTES DE AQUISIÇÃO

1 FRI-RIBE 14/65. Rações Fri-Ribe S.A., Maracanu, CE.
2 SigmaStat 3.0 for Windows. SPCC Inc., Jandel Scientific, San Rafael, California, EUA.

REFERÊNCIAS

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Protocolado em: 12 mar. 2009.  Aceito em: 25  ago. 2009.