DOI: 10.1590/1809-6891v21e-56913

Balanço iônico da água e características físico-químicas do solo de fazendas de camarão marinho do município interiorano de Jaguaruana, Ceará, Brasil


Ionic balance of water and physical-chemical properties of soil from marine shrimp farms of the Jaguaruna interior county, Ceará, Brazil


Francisco Hiago Gadelha Moreira1, Francisco Roberto dos Santos Lima2 , Davi de Holanda Cavalcante1 , Marcelo Vinícius do Carmo e Sá1

1Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Pesca, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE Brasil.
2Instituto Federal de Educação, IFCE Campus Acaraú, Acaraú, CE Brasil.
*Correspondente - marcelo.sa@ufc.br

Resumo
O presente trabalho teve os seguintes objetivos: 1 – caracterizar a composição físico-química e as relações Na+: K+ e Ca+2: Mg+2 da água de poços profundos utilizados no abastecimento de viveiros de criação de camarão marinho, Litopenaeus vannamei, pertencentes a fazendas do município interiorano de Jaguaruana, Ceará, Brasil; 2 – caracterizar a composição físico-químico do solo das fazendas de camarão de Jaguaruana. Amostras de água e solo foram coletadas em quatro fazendas, três localizadas em Jaguaruana (Pasta Branca, Sargento e Poró) e uma em Aracati, que serviu como controle experimental. As amostras de água foram analisadas para pH, condutividade elétrica, salinidade, clorinidade, alcalinidade total, dureza total e cálcica, potássio e sódio. As amostras de solo foram analisadas quanto ao pH, condutividade elétrica, salinidade, acidez potencial, fósforo, carbono orgânico, nitrogênio total, sódio e potássio. As águas das fazendas de Aracati, Pasta Branca/Sargento e Poró foram classificadas como eurihalina, oligohalinas e mesohalinas, respectivamente. Os resultados de pH da água (6,8 ± 0,2) indicaram a necessidade de calagem em todas as fazendas investigadas. A água de todos os poços demandava a fertilização potássica, tanto para suprir suas concentrações insuficientes, como para ajustar a relação Na: K. Concluiu-se que, no manejo produtivo de fazendas de carcinicultura interior, é importante monitorar não apenas as relações Na: K e Ca: Mg da água, mas também as concentrações absolutas de cada íon.
Palavras-chave: Águas subterrâneas, cálcio, carcinicultura interior, magnésio, potássio, sódio.


Abstract
The present work aimed at describing and characterizing the physical-chemical composition and the Na+: K+ and Ca+2: Mg+2 ratios of well waters used to fill L. vannamei culture ponds, belonging to farms located in Jaguaruana, an interior municipality of the State of Ceará, Brazil. Besides that, the study also sought to describe and characterize the physical-chemical properties of soils from the same shrimp farms. Well water and soil samples were taken in four farms, three located in Jaguaruana (Pasta Branca, Sargento and Poró) and one in the municipality of Aracati, which served as a control. Water samples were analyzed for pH, specific conductance, salinity, total alkalinity, total and calcium hardness, potassium and sodium. Soil samples were analyzed for pH, specific conductance, salinity, potential acidity, phosphorus, organic carbon, total nitrogen, sodium and potassium. The well waters from Aracati, Pasta Branca/Sargento and Poró were classified as euhaline, oligohaline and mesohaline, respectively. The results of pH indicated that liming was necessary in all four farms. All well waters demanded potassium fertilization to compensate for K+ deficiency and to adjust Na: K ratio. It has been concluded that, in the productive management of inland shrimp farms, it is important to monitor not only the Na: K and Ca: Mg ratios of the water, but also the absolute concentrations of each ion.
Keywords: Inland shrimp culture. Sodium. Potassium. Calcium. Magnesium. Low-salinity Waters.


Seção: Recursos Pesqueiros e Engenharia de Pesca

Receido
30 de janeiro de 2019.
Aceito
1 de novembro de 2019.
Publicado
16 de junho de 2020.

www.revistas.ufg.br/vet
Como citar - disponível no site, na página do artigo.

Introdução

Atualmente, diversos países do mundo, tais como China, Egito, Austrália, Índia, Brasil, Equador, Estados Unidos e México, fazem a criação comercial de camarão marinho em águas interiores. Em 2014, quase 30% dos 2,7 milhões de toneladas de camarões e pitus produzidos pela aquicultura foram provenientes de fazendas instaladas em áreas afastadas da costa(1).

No Brasil, os estados do Ceará e do Rio Grande do Norte são os maiores produtores de camarão marinho cultivado. No estado do Ceará, destacam-se os municípios de Aracati, no litoral, e de Jaguaruana, no interior. Em Jaguaruana, as fazendas de camarão despescaram cerca de 5 mil toneladas de Litopenaeus vannameii, em 2015(2). Jaguaruana possui o maior número de fazendas ativas do estado, superando 200 propriedades (3). Das 590 fazendas de camarão do estado do Ceará, mais de 250 estão localizadas em municípios afastados do litoral, tais como Alto Santo, Jaguaribara e Limoeiro do Norte.

As águas interiores são muitas vezes deficientes e, frequentemente, desbalanceadas em alguns íons biologicamente importantes para os camarões marinhos. Além disso, a composição iônica das águas interiores pode variar muito entre diferentes locais e até entre áreas distintas de uma mesma fazenda(4). As águas interiores, em geral, apresentam concentrações inapropriadas de íons K+, Na+, Mg+2 e Ca+2, tendo em vista a obtenção de bons índices de desempenho produtivo na criação do L. vannamei. Embora as exigências ambientais do camarão marinho para os principais íons ainda não tenham sido determinadas, a experiência prática indica que concentrações iônicas próximas a da água do mar, que tenha sido diluída para a mesma salinidade, são favoráveis ao cultivo(5). Os produtores podem corrigir as deficiências e os desbalanços iônicos existentes pela aplicação de fertilizantes apropriados na água. Roy et al.(5) e Boyd(6) relataram que a aplicação de muriato de potássio (KCl) na água (100 g m-3) aumentou, de modo significativo, a sobrevivência e o crescimento do camarão marinho, cultivado em águas de baixa salinidade.

Apesar da crescente importância econômica e social do cultivo de camarões marinhos, em águas interiores brasileiras, ainda há considerável escassez de informação sobre as características limnológicas dessas águas. O presente trabalho teve por objetivo descrever e caracterizar a composição físico-química e as relações Na+: K+ e Ca+2: Mg+2 da água de poços profundos utilizados no abastecimento de viveiros de camarão marinho, pertencentes a fazendas do município cearense de Jaguaruana, Ceará, Brasil. A qualidade da água de poços do município litorâneo de Aracati, Ceará, foi utilizada como referência. Além disso, objetivou-se descrever e caracterizar a composição físico-química do solo das fazendas de camarão de Jaguaruana, tendo a qualidade do solo de fazenda de camarão de Aracati como referência. Medidas corretivas foram propostas, em cada caso, tendo em vista a obtenção dos melhores resultados zootécnicos possíveis.


Material e métodos

As amostras de água e de solo foram coletadas em quatro fazendas de camarão marinho, L. vannamei, sendo três localizadas no município interiorano de Jaguaruana, Ceará, nos distritos de Pasta Branca (PB), Sargento (SAR) e Poró (POR), e uma localizada no município litorâneo de Aracati, Ceará (ARAC). As características de ARAC foram utilizadas como referência (controle experimental). Todas as fazendas investigadas utilizavam água de poços profundos no abastecimento dos viveiros de camarão.

Em cada fazenda, três diferentes poços profundos foram utilizados na coleta das amostras de água. Além disso, realizou-se a coleta de três amostras de solo subsuperficial (5 cm de profundidade), em áreas preservadas de cada fazenda. Os solos dessa região de Jaguaruana-CE são classificados como solos aluviais. A água dos poços foi coletada em duplicata, diretamente da fonte, sem que houvesse contato com o solo superficial. As amostras de água foram envasadas em garrafas plásticas de 1 L, devidamente identificadas, e acondicionadas em caixa térmica de isopor com gelo. As amostras de solo foram coletadas com o auxílio de pás, em locais próximos aos poços, onde não havia nenhum tipo de construção ou revestimento do solo natural. Três pontos aleatórios foram perfurados no solo para obtenção de cada amostra. As amostras de solo foram armazenadas em sacos plásticos, devidamente identificados, para o transporte ao laboratório. Todas as amostras de solo e de água foram coletadas em um único dia. As análises físico-químicas das amostras de água se iniciaram em até 48 horas, após as coletas. As amostras de solo foram mantidas em temperatura ambiente, até o início do processamento para análise laboratorial, que aconteceu três dias após as coletas.

As amostras de água foram conduzidas ao Laboratório de Ciência e Tecnologia Aquícola (LCTA), unidade de pesquisa do Departamento de Engenharia de Pesca da Universidade Federal do Ceará (UFC), Fortaleza, Ceará, para realização das seguintes determinações: 1 – condutividade elétrica (CE; condutivímetro Instrutherm CD-850); 2 – pH (medidor MS Tecnocpon mPA210); 3 – clorinidade (titulação com solução de nitrato de prata); 4 – alcalinidade total (titulação com solução-padrão de ácido sulfúrico); 5, 6 e 7 – dureza total, cálcica e magnesiana (titulação com solução-padrão de EDTA). Determinou-se a salinidade da água através da seguinte expressão matemática:

salinidade (g L-1) = [34,5 * CE (δS cm-1)]/50000. Essas determinações foram realizadas segundo as metodologias apresentadas por Clesceri et al.(7).

As concentrações de Na+ e K+, das amostras de água e solo, foram determinadas no Laboratório de Manejo de Solo (LMS), do Departamento de Ciências do Solo da UFC, por meio de fotometria de chama (Fotômetro de chama Micronal B-462).

Após prensagem com rolo para desfazer os torrões e secagem ao ar, as amostras de solo foram submetidas às seguintes determinações, todas realizadas de acordo com as metodologias descritas pela EMBRAPA(8): 1 – pH (medidor Tecnal, em solução solo: líquido KCl 1M); 2 – condutividade elétrica (condutivímetro Tecnal Tec-4MP de leitura direta, em extrato de saturação); 3 – acidez potencial (extração com solução de acetato de cálcio); 4 – fósforo total (método do extrato sulfúrico); 5 – carbono orgânico (método do dicromato de potássio); 6 – nitrogênio total (método de Kjeldahl).

Os resultados de qualidade de água e solo foram submetidos à estatística descritiva para obtenção de média, desvio-padrão e valores de mínimo e máximo. Os resultados de solo foram agrupados em duas classes distintas, em função salinidade, e submetidos ao teste t de Student para detectar possíveis diferenças significativas entre as médias, ao nível de significância de 5%. Utilizou-se o software SigmaPlot 12.0 nas análises estatísticas.


Resultados e discussão

A salinidade da água em SAR (0,64 ± 0,18 g L-1) e PB (0,71 ± 0,25 g L-1) foi classificada como oligohalina; a salinidade em POR (6,14 ± 2,14 g L-1) foi classificada como mesohalina. O pH dos poços oligohalinos (SAR, PB) e mesohalinos (POR) se encontrava ácido, abaixo do limite mínimo de pH considerado ideal para carcinicultura marinha (pH = 7,0 – 9,0(9); Tabela 1). Exceto por alguns poços, a alcalinidade total (AT) e a dureza total (DT) dos poços oligohalinos estavam adequadas para a criação do camarão (125,2 ± 36,7 mg L-1; 204 ± 61 mg L-1, respectivamente). De igual modo, tanto a AT como a DT dos poços mesohalinos estavam satisfatórias para a criação do L. vannamei (185,8 ± 7,2 mg L-1; 1956 ± 499 mg L-1, respectivamente). Todos os poços oligohalinos e mesohalinos apresentavam concentrações de Ca+2 propícias para carcinicultura marinha. Por outro lado, embora as concentrações médias de Mg+2 tenham sido satisfatórias, alguns poços oligohalinos e mesohalinos possuíam concentrações de Mg+2 inadequadas para criação do camarão (< 20 mg L-1, água oligohalina; < 250 mg L-1, água mesohalina). As inadequações das águas de poços, quanto ao pH e concentração de magnésio, poderão ser suprimidas pela aplicação de calcário agrícola dolomítico aos tanques de criação. Maia et al.(10) aplicaram 1500 kg ha-1 de calcário agrícola dolomítico, na preparação de viveiros oligohalinos de camarão marinho, com o objetivo de corrigir o pH do solo. Entretanto, a calagem de águas salinas, que apresentam AT acima de 80 mg L-1, poderá não surtir nenhum efeito prático, pois o calcário agrícola, nessas condições, não se dissolve bem(11). Nesse caso, a aplicação da cal hidratada dolomítica, Ca(OH)2. Mg(OH)2, em menores dosagens, seria uma melhor opção ao produtor.

Todos os poços oligohalinos e mesohalinos apresentavam concentrações muito reduzidas de K+, insuficientes para criação de camarões marinhos em baixa salinidade. Além disso, alguns poços oligohalinos possuíam concentrações muito baixas de Na+ e Cl-, inadequadas para o bom desenvolvimento do L. vannamei. Recomendou-se a avaliação de potabilidade da água de alguns dos poços de SAR e PB. Caso a água seja potável, seria mais racional o uso dos respectivos aquíferos para consumo humano, ao invés da criação animal.

Os poços mesohalinos apresentavam concentrações desbalanceadas de Na+, inferiores ao valor mínimo exigido para criação de camarão marinho em águas de baixa salinidade. De igual modo, alguns poços mesohalinos possuíam concentrações inadequadas de íons Cl-, que desatendem ao balanceamento iônico ideal para o crescimento do camarão L. vannamei. Embora as concentrações de Na+ e Cl-, nos poços mesohalinos, estivessem afastadas do perfil ideal, tendo as respectivas concentrações iônicas da água do mar diluída, como referência, a grande capacidade osmorregulatória do L. vannamei provavelmente dispensaria o produtor de fazer qualquer tipo de correção, nesses casos, em particular. O ponto isosmótico do L. vannamei ocorre na salinidade de 24,7 g L-1. Apesar disso, sabe-se que essa espécie de camarão marinho apresenta excelente capacidade de regulação hiperosmótica(12), podendo adaptar-se bem mesmo em águas de baixa salinidade.

Como a água de SAR1 foi classificada como doce, recomendou-se o seu uso para consumo humano e animal, após avaliação de potabilidade (Tabela 2). As concentrações de K+ em SAR variaram entre 3,6 – 7,2 mg L-1, sendo que o poço de maior salinidade (SAR3; 0,80 g L-1) apresentou a menor concentração de K+ na água (3,6 mg L-1). A relação Na+: K+ das águas de poços em SAR variaram de 20: 1 (SAR1) a 50: 1 (SAR3). Tendo em vista que a relação Na+: K+ ideal da água, destinada à carcinicultura marinha, é de 28: 1 e que a concentração mínima desejável de K+ na água é de 50 mg L-1(5), recomendou-se a aplicação de fertilizantes potássicos, nas águas provenientes de SAR2 e SAR3 (Tabela 2).

Não foi observada correlação entre a salinidade da água de poço e a concentração de K+. Logo, não seria possível se estimar a concentração de K+ da água, conhecendo-se apenas a salinidade do poço. Nesse caso, o produtor de camarão deveria encaminhar uma amostra de água de poço para determinação laboratorial da concentração de K+. A elevação da concentração de potássio na água pode trazer claros benefícios ao crescimento e sobrevivência do L. vannamei cultivado em águas de baixa salinidade(5,14). Jahan et al.(15) observaram que a sobrevivência e o ganho de peso de camarões marinhos foram maiores nos tanques fertilizados com fonte de K+.


As relações Na+: K+ dos poços costeiros (ARAC) estavam desbalanceadas para criação de camarão marinho, em águas de baixa salinidade, pela deficiência de K+. Portanto, sugere-se que as águas subterrâneas, em geral, tanto interiores como costeiras, demandam aplicações de K+ para obtenção de melhores resultados na carcinicultura. Embora se faça referência, geralmente, à relação Na+: K+ ideal para carcinicultura marinha em águas de baixa salinidade, isto é, 28:1, dever-se-ia considerar, em termos práticos, não um valor único, mas uma faixa de relação Na+: K+ aceitável para criação do camarão. Se aplicarmos um fator de 15%, para mais e para menos, sobre a relação Na+: K+ de 28: 1 teríamos 24 – 32:1 como sendo a faixa aceitável de relação Na+: K+ para carcinicultura marinha. Essa sugestão vai ao encontro do trabalho de Liu et al.(14) que, ao avaliarem diferentes relações Na+: K+ da água, sugeriram que a faixa entre 23 – 33:1 poderia melhorar a sobrevivência e crescimento de camarões marinhos, cultivados em baixas salinidades.

Em PB, poços com relações Na+: K+ menores que 24:1 demandariam a aplicação de composto com sódio para adequação à faixa aceitável de relação Na+: K+ para carcinicultura marinha em águas de baixa salinidade (24 – 32:1). O produto mais indicado, nesse caso, por sua grande disponibilidade no mercado, seria o sal de salina. A salinização da água, entretanto, somente seria admissível para fontes consideradas impróprias para o consumo humano, pecuária e agricultura. Além disso, faz-se necessário verificar se a concentração de potássio na água é igual ou maior que 50 mg L-1. Na Tailândia, utilizava-se, com sucesso, salmoura, ou sal de salina, para elevar a salinidade da água doce de tanques de camarão até 2 - 5 g L-1(5). Como a aplicação de sal comum também pode levar a salinização do solo de fazendas de camarão, essa prática somente é indicada para áreas afetadas pela salinidade, ou seja, que já sejam impróprias para outros usos.

Recomendou-se a aplicação de muriato de potássio (KCl), em todas as águas provenientes de POR, para obtenção da concentração mínima aceitável de K+ para criação de camarões marinhos em águas de baixa salinidade, bem como ajuste da relação Na+: K+ da água. Os ecossistemas marinhos são naturalmente ricos em potássio. Potássio é o sexto íon em maior concentração na água do mar, com concentração média próxima a 400 mg L-1(16). O contato e a interação entre os solos costeiros e os ecossistemas marinhos promove enriquecimento dos solos com potássio. Essa é a explicação mais plausível para as maiores concentrações de K+ nos poços costeiros (ARAC), em relação aos poços interiores (SAR, PB). Parte dos íons K+ permanece em solução, parte é adsorvida às partículas do solo. A intensa adsorção de potássio aos sedimentos tem como consequência a necessidade de se reaplicar, periodicamente, os fertilizantes potássicos na água de criação, com o objetivo de manter as concentrações de K+ na água dos tanques sempre acima de 50 mg L-1. Em viveiros de camarão de baixa salinidade nos EUA, a fertilização potássica é aplicada várias vezes por ano, mesmo em unidades que já receberam potássio por mais de 10 anos(17). Roy et al.(5) afirmaram que os solos adsorvem íons K+ por diferentes processos de trocas iônicas e que parte do potássio adsorvido ao solo se torna indisponível aos camarões.

Tendo em vista que a concentração mínima de Mg+2, na água para criação de camarão marinho, em águas de baixa salinidade, é de 100 mg L-1(5), recomendou-se a aplicação de MgSO4, nas águas provenientes de SAR2 e SAR3 (Tabela 3). Nehru et al.(18) obtiveram melhor desempenho zootécnico do L. vannamei quando a concentração de Mg+2 da água foi elevada de 40 para 80 mg L-1. Embora a aplicação de fertilizantes magnesianos possa surtir efeitos positivos no crescimento do L. vannamei, geralmente não há viabilidade econômica para essa prática porque o ganho adicional em peso animal não supera os custos com a aquisição desses produtos.

Recomendou-se a aplicação de MgSO4 nas águas provenientes de PB1 e PB3. Diferentemente do observado em SAR, as águas de PB apresentavam relações Ca:Mg elevadas, mais afastadas da faixa aceitável para criação de camarão marinho em águas de baixa salinidade. Essa condição talvez justificasse a aplicação de fertilizantes magnesianos nas águas de PB. Não se sabe ainda a partir de qual relação Ca: Mg haveria viabilidade econômica para aplicação de fertilizantes magnesianos, em tanques oligohalinos de carcinicultura. Esse é um problema de pesquisa que mereceria a realização de trabalhos futuros. Tanto em SAR como em PB, as concentrações de Ca+2 foram de moderadas a baixas, tendo em vista a criação do camarão marinho. Assim, sugere-se a aplicação do calcário agrícola ou da cal hidratada, ambas dolomíticas, para elevação simultânea da dureza cálcica e magnesiana da água.

Em dois dos poços mesohalinos de POR, havia riqueza tanto de íons Ca+2 como Mg+2. Nessas águas, entretanto, a relação Ca:Mg estava bem acima do limite superior da faixa considerada ideal (0,251 – 0,340), ou seja, havia muito cálcio para pouco magnésio dissolvido nas águas dos poços 1 e 2, em POR. Entretanto, como as concentrações de magnésio nesses poços já eram elevadas, acima de 300 mg L-1, não haveria justificativa para a aplicação de fertilizante magnesiano nessas águas. Esse resultado demonstra a importância de se observar conjuntamente a relação Ca: Mg e as concentrações absolutas de Ca+2 e Mg+2 dissolvidos na água.

Reconhece-se que a fertilização potássica de viveiros de baixa salinidade de camarão marinho é bem mais importante que a fertilização magnesiana. A fertilização magnesiana somente se justificaria em casos mais extremos, nos quais as concentrações de Mg+2 estivessem abaixo de 20 mg L-1. Davis et al.(19) afirmaram que aplicações de potássio e magnésio na água aumentam a sobrevivência dos camarões, mas que a fertilização potássica parece ter efeitos mais evidentes no crescimento do L. vannamei cultivados em água de baixa salinidade.

A salinidade dos solos de PB e POR, por apresentar CE < 4 mS cm-1, foi classificada como normal ou baixa; já os solos de SAR e ARAC, por apresentarem CE > 4 mS cm-1, foram classificados como salinos ou de alta salinidade(20). Não houve diferença significativa entre o pH dos solos de alta (SAR, ARAC) e baixa salinidade (PB, POR; Tabela 4). O pH médio dos solos foi igual a 6,29 ± 1,26. A CE e a concentração de Na+ dos solos de alta salinidade foram bem superiores ao observado nos solos de baixa salinidade (P<0,05). A CE dos solos de alta salinidade foi quase oito vezes maior que a CE dos solos de salinidade baixa. Já a concentração de Na+ dos solos mais salinos foi mais de cinco vezes superior que a concentração de Na+ dos solos com salinidade menor. As fazendas de camarão marinho deveriam ser instaladas em áreas de solos já salinos, tais como apicuns e salgados. A salinização do solo e do lençol freático é um dos possíveis impactos ambientais da carcinicultura marinha, devendo ser combatida com medidas apropriadas. É comum a utilização de águas captadas em estuários, lagunas ou mesmo no oceano para abastecimento de viveiros de camarão. Com a evaporação da água, ocorre o acúmulo de sais durante o ciclo de produção. Com isso, os efluentes dos viveiros de camarão podem salinizar e degradar os ecossistemas naturais adjacentes à fazenda(21). O revestimento dos viveiros com geomembranas impermeáveis e o reuso da água são medidas importantes para prevenir a salinização de corpos receptores. A fertilização da água também pode elevar a salinidade do meio. Mcnevin et al.(22) relataram que, após as aplicações de muriato de potássio e sulfato de potássio e magnésio na água, a salinidade se elevou de 2,6 g L-1 para cerca de 4,0 g L-1, no fim do cultivo. Portanto, seria importante a realização de estudos sobre os efeitos da suplementação iônica da água na salinidade dos solos de fazendas de camarão marinho.

Não se verificou diferenças significativas entre as concentrações de K+ dos solos de alta e baixa salinidade. A concentração de K+ nos solos foi igual a 151,5 ± 72,1 mg kg-1. As concentrações de carbono orgânico (CO) e de nitrogênio (N) nos solos de menor salinidade foram significativamente maiores que os respectivos valores observados nos solos de maior salinidade (P<0,05). A concentração de CO nos solos de baixa salinidade foi quase 50% maior que nos solos mais salinos; já a concentração de N nos solos de menor salinidade foi mais de 30% superior ao observado nos solos de alta salinidade. Com a salinização do solo, a atividade biológica bentônica, tanto de macro como de microrganismos, diminui, ou seja, ocorre queda na biodiversidade bentônica. Essa é uma das explicações possíveis para menor fertilidade de solos degradados pela salinização.

Ao contrário do N, a concentração de P dos solos mais salinos foi superior a dos solos de baixa salinidade (P<0,05). A concentração de P dos solos mais salinos foi quase três vezes maior que a concentração de P dos solos de menor salinidade. A acidez potencial dos solos de alta e baixa salinidade não diferiu de modo significativo entre si (P>0,05). Em média, a acidez potencial dos solos amostrados foi de 1,75 ± 0,25 cmolc dm-3. Os solos mais salinos apresentam maior capacidade para adsorver fosfatos que solos de menor salinidade(16). Com isso, a fertilização fosfatada de viveiros de camarão, com solos mais salinos, se tornaria mais dispendiosa pelas maiores perdas de fósforo adsorvido aos sedimentos.


Conclusões

Existe grande variabilidade na salinidade dos poços profundos de fazendas de camarão marinho de Sargento, Pasta Branca e Poró, distritos do município de Jaguaruana, Ceará, indo desde água doce (0,45 g L-1) até mesohalina (7,87 g L-1).

O pH dos poços profundos de fazendas de camarão marinho de Sargento, Pasta Branca e Poró é levemente ácido (pH = 6,8 ± 0,2). Por isso, recomenda-se a calagem dos viveiros abastecidos com a água proveniente daqueles poços, antes do povoamento com os animais.

As concentrações de K+ da água dos poços profundos de fazendas de camarão marinho de Sargento, Pasta Branca e Poró são baixas (3,6 – 8,6 mg L-1) e estão bem abaixo da concentração mínima recomendada para carcinicultura (50 mg L-1). Por isso, recomenda-se a aplicação de fertilizantes potássicos na água dos viveiros de criação para obtenção de melhores resultados zootécnicos.

Na carcinicultura interior, dever-se-ia monitorar não apenas as relações Na+: K+ e Ca+2: Mg+2 da água, mas também as concentrações absolutas de cada íon.


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