DOI: 10.1590/1809-6891v21e-56666


Avaliação do uso de goma arabica como adjuvante de secagem para camarão em pó obtido por spray-dryer


Assessing the use of arabic gum as a drying adjuvant for powdered shrimp obtained using a spray dryer


Janaina de Paula da Costa1 , Luís Gomes de Moura Neto2* , Sueli Rodrigues1 , José Maria Correia da Costa1


1Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil.
2Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco, Afogados da Ingazeira, PE, Brazil.
*Correspondente- netugomes@gmail.com


Resumo
O presente trabalho trata de uma nova forma de disponibilizar o camarão, visando sua aplicação na indústria alimentícia ou na culinária, em que se deseje agregar o sabor de camarão, como molhos, temperos, patês, sopas desidratadas, salgadinhos, entre outros. Este trabalho teve como objetivo avaliar os efeitos do uso da goma arábica como adjuvante de secagem nas características físicas e químicas do pó de camarão obtido pelo processo de secagem por atomização. O camarão fresco foi submetido às etapas: lavagem, pré-aquecimento, eliminação do cefalotórax e trituração do abdômen em liquidificador. À pasta de camarão resultante foi adicionada goma arábica nas concentrações de 2, 4 e 8% e desidratada em spray de aquecimento utilizando as temperaturas de entrada de 120 e 150 ° C. O pó obtido foi avaliado quanto às suas características químicas, físicas e físico-químicas. A adição de goma arábica não alterou significativamente as características químicas, físicas e físico-químicas em relação à amostra controle. O aumento da temperatura de 120 para 150°C, amostras controle, não teve efeito significativo (p ≤ 0.05) sobre a umidade do produto. O uso da temperatura de entrada de 120 ° C no spray-dryer foi mais indicado para a secagem do camarão, apresentando um produto final de alto valor proteico.
Palavras-chave: Pó, Spray dryer; Litopenaeus vannamei.


Abstract
The aim of this study was to find a new method to improve shrimp availability in the culinary and food industry, especially for products in which the flavour of shrimp must be preserved, such as sauces, seasonings, dehydrated soups, and snacks. The approach involved the use of arabic gum as a drying adjuvant on powdered shrimp obtained by spray drying. The effects of the arabic gum on the physicochemical characteristics of the powdered shrimp were then evaluated. The fresh shrimp was processed using the following steps: washing, pre-baking, cephalothorax elimination, and grinding of the abdomen in a blender. Arabic gum was added to the shrimp paste at concentrations of 2%, 4%, and 8% and dehydrated in a spray dryer with input temperatures of 120 ˚C and 150 ˚C. The chemical, physical, and physicochemical characteristics of the powder were evaluated. When compared to the case of the control treatment, the addition of arabic gum did not cause any significant alterations to the chemical, physical, and physicochemical characteristics. The temperature increase from 120 ˚C to 150 ˚C in the control samples had no significant effect (p ≤ 0.05) on the moisture of the product. The input temperature of 120 ˚C was found to be the most efficient for drying the shrimp, given that the final product had a high protein content.
Keywords: Powder; Spray dryer; Litopenaeus vannamei.

Secção: Ciência e Tecnologia de Alimentos

Recebido
16 de janeiro de 2019.
Aceito
5 de agosto de 2019.
Publicado
13 de março de 2020.

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Como citar - disponível no site, na página do artigo.

Introdução

De todos os produtos cárneos, o pescado é o mais sensível à deterioração, à oxidação, à hidrólise das gorduras e à alteração por microrganismos, devido a sua própria composição biológica que apresenta elevada umidade, atividade de água e músculo com baixa quantidade de colágeno. Como qualquer outro animal, ao morrer, o camarão passa por profundas alterações químicas, físicas e microbiológicas, que os conduzem à sua completa deterioração. Por tais razões, o camarão deve ser criteriosamente armazenado para manutenção de sua qualidade e prolongamento da vida útil.

Do ponto de vista nutricional, os camarões são ricos em proteínas, mas pobres em gordura saturada e calorias e têm um sabor neutro(1). Além de ser uma boa fonte de vitamina B12, selênio, ômega-3, ácidos graxos altamente insaturados (HUFA) e astaxantina, um potente antioxidante natural(2).

A desidratação de produtos biológicos, tais como pescado e seus derivados, é bastante utilizada como método de conservação e é particularmente importante devido a sua decisiva influência na melhoria da qualidade do produto e por diminuir seu potencial de deterioração durante o período de armazenagem(3). Além de facilitar o manuseio desse alimento, o transporte, a estocagem e o preparo pelo consumidor final.

O processo de secagem em spray dryer é uma técnica amplamente utilizada na indústria de alimentos. Dada sua versatilidade, permite desde escalas laboratoriais da ordem de mililitros por hora até dezenas de toneladas por hora na indústria, e o pequeno tempo de residência dos produtos na câmara de secagem tornou-se um dos principais equipamentos para a secagem de produtos biológicos que apresentam sensibilidade ao calor, como os alimentos.

A microencapsulação é uma técnica que tem a função de proteger o material encapsulado de fatores que possam vir a causar a sua deterioração. Os agentes encapsulantes normalmente empregados na microencapsulação são: hidrocolóides de goma vegetal, especialmente goma arábica, gelatina, amidos modificados, dextrinas, lipídeos, emulsificantes, carboidratos, entre outros. Devido a sua boa capacidade de emulsão e viscosidade reduzida em soluções aquosas, a goma arábica tem sido muito utilizada na microencapsulação por spray dryer. Ainda, proporciona uma proteção contra oxidação e retenção de compostos voláteis, propriedades emulsificantes e boa solubilidade(4,5), características que foram determinantes na escolha da goma arábica como agente encapsulante nesse trabalho.

Alguns autores têm usado a microencapsulação para reduzir a higroscopicidade dos produtos desidratados(6), para proteger compostos sensíveis como vitamina C(7), antioxidantes(8), compostos voláteis, para aumentar a estabilidade do produto(9), conservação oxidativa(10), dentre outros fins.

A oferta desse produto constitui vantagem ao consumidor, pois mantém características do camarão in natura, e permite a utilização pela indústria de um produto de alto valor agregado, com considerável valor nutricional, evitando aromatizantes ou insumos artificiais. Para tal, faz-se importante avaliar parâmetros de secagem, especialmente a temperatura dessa secagem, pois tem forte influência nas características do produto como também o uso de um adjuvante de secagem. A goma arábica está inserida dentre os adjuvantes mais utilizados e citados na literatura. Diante do exposto, o objetivo deste trabalho foi avaliar o efeito da goma arábica na desidratação do camarão usando o processo de spray dryer.

Material e métodos

O camarão (Litopenaeus vannamei) fresco foi adquirido em uma carcinicultura localizado no município de Itaiçaba–CE. Depois, ele foi transportado, sob refrigeração, para o Laboratório de Controle de Qualidade de Alimentos e Secagem (LACONSA), da Universidade Federal do Ceará, onde foram realizadas as seguintes etapas: lavagem, pré-cozimento e eliminação do cefalotórax, restando apenas o abdome que foi triturado em um liquidificador (Britânia Eletronic Filter 800 w) com o filtro acoplado ao copo na presença de água na proporção de 1:2 (w/v), resultando em uma pasta homogênea e pouco viscosa, o que permitiu alimentar o equipamento sem acarretar problemas na hora da secagem. Na pasta, foi adicionada goma arábica nas concentrações de 2, 4 e 8% (m m-1), de acordo com a massa total da pasta de camarão. Também foi realizada uma secagem sem adição do adjuvante que será denominada de amostra controle.

A secagem foi realizada em spray drying, modelo MSD 1.0, da marca Labmaq do Brasil, utilizando-se um bico pneumático de 1,2 mm. As seguintes condições de processo foram: vazão de ar quente de 3,5 m3/min, temperaturas de entrada de 120 e 150 °C, vazão do bombeamento de 500 mL/h, vazão do ar pressurizado de 30 L/min. As temperaturas de entrada de 120 e 150 °C resultaram em temperatura de saída de 75 e 95 °C respectivamente. O pó obtido na desidratação foi acondicionado em embalagens laminadas modelo ESA 038, estruturada com materiais de alumínio e polietileno com volume de 100 g, para posteriores análises.

Todas as determinações físico-químicas da pasta e do pó do camarão foram realizadas em triplicata. As análises realizadas foram as seguintes: umidade (determinada em uma balança determinadora de umidade série ID-V1.8 modelo ID50 na temperatura de 105 ºC com significância de 0,05%, seguindo as recomendações do fabricante), atividade de água (determinada através de um AQUALAB da marca Decagon Devices modelo 4TE na temperatura de 25 ºC, conforme recomendações do fabricante), proteína(11), lipídeos(11), cinzas(11), higroscopicidade(12) com modificação. O método consiste em adicionar 1 g da amostra em um recipiente hermético contendo uma solução saturada de NaCl (umidade relativa de 75,0% a 25 °C). Após uma semana, as amostras foram pesadas, sendo a higroscopicidade expressa como g de umidade adsorvida por 100 g de massa seca da amostra (g.100 g–1) e rendimento (determinado por meio da razão entre a massa dos sólidos presentes no pó coletado ao final da secagem e a massa de sólidos presentes na polpa destinada à secagem).

Para o experimento abordado na pesquisa, foi utilizado um delineamento inteiramente casualizado, fazendo uso de três concentrações da goma arábica (2, 4, 8%) e duas temperaturas (120 e 150 °C) totalizando oito ensaios, a contar com os controles. Todos os resultados foram tratados estatisticamente através do teste de (ANOVA) e quando apresentado diferenças significativas foram também tratados pelo teste de Tukey (diferença de médias) com 5% de significância por meio do software Statistica, versão 7.0(13).

Resultados e discussão

A Tabela 1 relata os resultados dos parâmetros avaliados no estudo da goma arábica na desidratação de camarão em spray dryer na temperatura de 120 °C. Os resultados para o parâmetro de umidade, nos ensaios em que foi utilizada a temperatura de entrada de 120 °C, mostram que o aumento da concentração de goma arábica não teve efeito na umidade final dos ensaios, não apresentando diferença significativa entre os ensaios e o controle. Na temperatura de entrada do ar de secagem de 150 °C foi observado que o ensaio controle com 4% de goma arábica apresentou a menor umidade, não havendo um comportamento linear com o aumento da concentração da goma arábica.

O conteúdo de água de um alimento é o principal fator causador da deterioração por microrganismos e alterações por reações químicas e enzimáticas. A diminuição desse conteúdo é um método de conservação do alimento(14).

Ao avaliar o efeito da adição do adjuvante de secagem sobre o teor proteico do produto, foi observado que o aumento da porcentagem do adjuvante de secagem teve grande influência no teor proteico dos ensaios, havendo uma redução desse teor com o aumento da porcentagem de goma arábica. Os menores teores proteicos nos ensaios de maior concentração podem ser atribuídos ao aumento do teor de sólidos do produto devido à adição do adjuvante de secagem, o que fez com que cada ensaio tivesse menor quantidade de camarão por grama no produto com o aumento da porcentagem dos adjuvantes, refletindo na redução do teor proteico.

É válido ressaltar o percentual de proteína bruta dos ensaios de controle, demonstrando o potencial desse produto como um suplemento proteico para ser utilizado como ingrediente para sopa, macarrão instantâneo, molho ou no preparo de outros pratos elaborados. O valor biológico das proteínas é classificado de acordo com a digestibilidade da proteína corrigida pontualmente de aminoácidos (PDCAAS), considerando as proteínas com score acima de 0,8 de alto valor biológico, o camarão apresenta score de 1,0, sendo superior ao encontrado em soja (0,91) e em carne bovina (0,92), igualando-se ao leite de vaca e ao ovo que também apresentam score de 1,0(15,16).

No que se refere à higroscopicidade do produto, foi observado que a adição de goma arábica e o aumento da temperatura não tiveram efeito sobre o parâmetro estudado, não havendo diferença significativa entre os ensaios e os controles, com exceção do ensaio com 8% (120 °C). A higroscopicidade pode ser definida como a tendência de um material em adsorver água do ambiente em que se encontra, característica fundamental em produtos alimentícios, pois pode influenciar os processos de manuseio, processamento, estocagem e consumo. Está ainda ligada à estabilidade física, química e microbiológica, o que torna imprescindível a avaliação desse parâmetro(17). A higroscopicidade de um produto está diretamente relacionada à umidade, e temperaturas de secagem mais altas resultam em pós com umidades mais baixas e maior facilidade em adsorver água, ou seja, mais higroscópicos, o que está relacionado ao maior gradiente de concentração de água existente entre o produto e o ambiente no qual está inserido, apresentando o produto mais sítios disponíveis para ligar-se a água do ambiente(8).

Tais ocorrências não foram verificadas no presente trabalho, pois a variação de temperatura não teve efeito sobre a umidade do produto. Desse modo, a higroscopicidade, que está diretamente ligada à umidade, não teve alterações significativas com a variação da temperatura e da concentração da goma arábica.

Os valores obtidos para rendimento variaram de 31,500 % (controle) a 51,166 (8% - 120 °C), diferindo significativamente entre todos os ensaios, e quanto maior a concentração de goma arábica, maior foi o rendimento, isso pode ser explicado pelo fato de que esse agente aumenta a quantidade de sólidos da amostra, resultando no incremento do rendimento. Um maior rendimento com o uso da goma arábica não significa que o produto tenha maior quantidade de camarão em um grama, mas que tem camarão e goma arábica, e quanto maior for a concentração usada na secagem, maior também será o teor no produto. O que é interessante para o consumidor é que o produto seja o mais barato e natural possível.

Os resultados relatados na Tabela 1 mostraram que a goma arábica é tecnologicamente dispensável na desidratação de camarão. Diante de tal fato, os ensaios controles foram considerados adequados dentro do planejamento experimental abordado neste estudo. Em virtude do que foi observado, o ensaio controle na temperatura de 150 °C não apresentou resultados muito superiores aos relatados no ensaio controle na temperatura de 120 °C, em especial no parâmetro de umidade e rendimento, sugerindo que a temperatura de 120 °C seja mais adequada para a desidratação de camarão.

Na Tabela 2 é feita uma avaliação do efeito da secagem com temperatura do ar de entrada de 120 °C em comparação ao camarão in natura. Com o processo de secagem, os camarões sofreram alterações na atividade de água, teores de umidade, proteína bruta, lipídios totais e cinzas em consequência da concentração dos nutrientes. O camarão em pó apresentou valor de atividade de água que inibe o desenvolvimento de qualquer tipo de microrganismos. O processo de secagem reduziu a umidade do camarão in natura em 94%, conferindo ao produto final prolongada vida comercial. A umidade final do camarão ficou abaixo de 5%, limite máximo estabelecido pelo Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal – RIISPOA(18) para pescado desidratado.

Com a retirada da umidade do alimento, o camarão em pó teve seu valor proteico concentrado, elevando-se de 19,114 para 81,431%. Essa elevação é bastante satisfatória em virtude da natureza biológica dessas proteínas que são classificadas como de alto valor biológico.

No tocante aos lipídios, a carne de camarão em geral apresenta baixo teor de lipídios porque o depósito de gordura ocorre no hepatopâncreas, localizado na região da cabeça. Após o processo de secagem, eles triplicaram seu valor, esse fato é interessante, pois os lipídeos dos pescados são ricos em ácidos graxos poliinsaturados essenciais das séries ômega, diferentemente dos lipídios da carne vermelha que contém alta proporção de gordura saturada. Ackman(19) dividiu os pescados em quatro categorias quanto ao seu teor de lipídios: magros (menor que 2% de gordura); baixo teor de gordura (2 - 4% de gordura); semigordo (4 - 8% de gordura); e altamente gordo (maior que 8% de gordura). Tomando como referência essa classificação, o camarão em pó pode ser classificado como um produto com baixo teor de gordura (2,122 ± 1,023), reforçando seu valor nutricional.

O teor de cinzas do camarão desidratado é considerável em comparação com o camarão in natura (503,52%). No entanto, foi menor que os valores encontrados por Castro et al(20), 11,34 ± 0,09%, que analisaram com o camarão cozido desidratado em estufa. A maior parte dos minerais presente no camarão se encontra em sua carapaça, no processo de obtenção do camarão atomizado, uma parte da carapaça não consegue ser triturada, havendo perdas dos minerais, esse fato pode ser uma das justificativas da diferença do teor de cinzas encontrada nesse trabalho com o valor relatado por Castro et al(20), em que, no processo de secagem em estufa, toda a carapaça é desidratada juntamente à carne.

Conclusão

Sob diferentes condições de processo, o uso de goma arábica em diferentes concentrações não melhorou as características físicas (higroscopicidade) e físico-químicas (umidade e proteína) do camarão desidratado por spray dryer. A temperatura de entrada do ar de secagem causou diferença significativas (p ≤ 0,05) no conteúdo de umidade e de proteína do produto. A secagem por spray dryer do camarão resultou em um produto com atividade de água e umidade ideais para o armazenamento, de acordo com a legislação(18).

Agradecimentos

A Universidade Federal do Ceará e a FUNCAP que permitiram o desenvolvimento deste trabalho

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