Tendo em vista a pesquisa de
hemoparasitos, no presente trabalho foram realizados exames
microscópicos de quatrocentas extensões sanguíneas delgadas, preparadas
com sangue capilar coletado da orelha e da cauda de duzentos bovinos.
Baseou-se o diagnóstico na pesquisa direta, visualizando-se as
inclusões do agente etiológico. Onze bovinos (5,5%) foram considerados
infectados por Anaplasma bovis,
confirmando a presença deste hemoparasito no município de Bom Jesus do
Itabapoana, o primeiro da região noroeste fluminense a relatar tal
ocorrência.
PALAVRAS-CHAVES: Anaplasma bovis, bovino, hemoparasito, ocorrência.
In the present study, 400 capillary
blood smears collected from the ear and the tail of 200 bovines were
microscopically examined for the presence of hemoparasites. The
diagnosis was based on the direct research, semonstrating the etiologic
agent inclusions. Eleven bovines (5.5%) were considered infected
by Anaplasma bovis, confirming the presence of this hemoparasite in the
city of Bom Jesus do Itabapoana, the first city of the northwesten
region of the state of Rio de Janeiro to register such occurrence.
Keywords: Anaplasma bovis, bovine, hemoparasite, occurrence.
A erliquiose bovina tem como
importante constituinte um hemoparasito rickettsial monocítico cujo
agente etiológico denominou-se inicialmente
Ehrlichia bovis (DONATIEN & LESTOQUARD, 1936). Entretanto, alterou-se a posição taxonômica recentemente, pois o gênero
Ehrlichia
foi reorganizado em outros gêneros, baseando-se nas análises de
similaridade genética entre os parasitos. Dessa forma, algumas espécies
de
Ehrlichia foram unificadas com o gênero
Anaplasma, incluindo a
Ehrlichia bovis, que passou a ser designada
Anaplasma bovis (DUMLER
et al., 2001).
Morfologicamente, as inclusões intracitoplasmáticas do parasito
caracterizam-se como um agrupamento de microrganismos em colônias
circulares, poligonais ou elípticas, com bordos arredondados e
dimensões que medem até 11 µm nas colônias maiores e de 1 a 2 µm nas
colônias menores. Essas inclusões coram-se em vermelho, lilás ou azul
púrpura, de acordo com a fase de desenvolvimento em que estão, podendo
ser observadas em esfregaços sanguíneos periféricos corados por Giemsa,
May-Grunwald-Giemsa ou pelo corante Panótico® (SANTOS & CARVALHO,
2006).
Epidemiologicamente, sabe-se que
A. bovis está presente em várias regiões do mundo, sendo transmitido por carrapatos como
Hyaloma sp.,
Amblyomma cajennense e
Amblyomma variegatum. Recentemente, também foi diagnosticado
A. bovis em uma fazenda na ilha de Okinawa, Japão (OOSHIRO
et al.,
2008), e na América do Norte, na ilha de Nantucket, Massachusetts.
Neste último caso, tal hemoparasito foi descrito em coelhos selvagens
introduzidos no ambiente nos anos de 1920 e 1930. Demonstrou-se que
A. bovis tem capacidade de infectar carrapatos de várias espécies, como
Haemaphysalis leporispalustris,
Ixodes dentatus e
I. dammini. No entanto,
H. leporispalustris foi considerado naquela região como o principal vetor, pois se encontrou
A. bovis em todos os estágios evolutivos, havendo, inclusive, transmissão entre estágios (GOETHERT & TELFORD , 2003).
No Brasil, o primeiro relato de
A. bovis
foi realizado por MASSARD & MASSARD (1982), que diagnosticaram o
hemoparasito em esfregaços sanguíneos corados com Giemsa, no citoplasma
de células mononucleares de onze bovinos com idade inferior a um ano.
Posteriormente, a doença foi diagnosticada pelos mesmos autores em
bovinos clinicamente sadios, que provavelmente apresentavam a forma
crônica da doença, e em associação com
Babesia bigemina, Babesia bovis e/ou
Anaplasma marginale.
No Estado do Rio de Janeiro, reportou-se
A. bovis
inicialmente no município de Itaguaí, posteriormente surgiu em várias
localidades da Região Sul Fluminense e Serrana. Recentemente, foi
encontrada na Região Norte Fluminense, com destaque para a microrregião
de Campos dos Goytacazes (SANTOS & CARVALHO, 2006).
A erliquiose bovina determina uma série de alterações de ordem
hematológica e clínica. As alterações clínicas mais observadas são
febre, infartamento de linfonodos e alterações do estado geral do
animal (DONATIEN & LESTOQUARD, 1936; GIRARD & ROSSELOT, 1945;
SREEKUMAR
et al., 2000). Já
as alterações hematológicas mais comuns são leucocitose, eosinopenia e
monocitose, com grande número de monócitos com citoplasma vacuolados
(GIRARD & ROUSSELOT, 1945; SANTOS & CARVALHO, 2006).
O diagnóstico de
A. bovis em
esfregaços sanguíneos é confirmado quando existem inclusões em forma de
grânulos cocoides, arredondados ou ovais, agrupados em colônias,
geralmente localizadas em vacúolos no citoplasma da célula hospedeira.
A coloração observada pode ser ligeiramente diferente da do núcleo da
célula, em tonalidade azul púrpura, lilás ou vermelho (MASSARD &
MASSARD, 1982; SANTOS & CARVALHO, 2006).
As técnicas de diagnóstico têm evoluído constantemente, pois, recentemente,
A. bovis
foi descrito em Massachusetts, EUA, por GOETHERT & TELFORD (2003),
empregando a metodologia de PCR, também utilizada por OOSHIRO
et al.
(2008), para detectar o mesmo hemoparasito na ilha de Okinawa, Japão.
Levando-se em consideração a facilidade de execução, os baixos custos
envolvidos e a fidedignidade do exame de esfregaço sanguíneo
periférico, esta técnica foi escolhida para o presente estudo.
Com o presente trabalho visou-se observar a frequência e a probabilidade de ocorrência de
A. bovis,
tendo em vista a importância dessa doença, que pode acarretar quadros
clínicos importantes, principalmente quando associado a outros
hemoparasitos, com prejuízos econômicos e à sanidade animal.
MATERIAL E MÉTODOS
Para o presente trabalho, utilizaram-se amostras de sangue periférico
de duzentos bovinos girolandos de até um ano de idade, relacionados ao
acaso nos distritos rurais da cidade de Bom Jesus do Itabapoana, RJ.
Extensões sanguíneas foram preparadas a partir da primeira gota de
sangue capilar obtida por leve perfuração da superfície interna da
orelha e da extremidade da cauda, visando pesquisa de
hemoparasitos. Confeccionaram-se quatrocentas extensões
sanguíneas periféricas, conforme BÖHM
et al.
(2006), sendo encaminhadas ao Setor de Patologia Clínica do Hospital
Veterinário da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF), onde
foram coradas pelo Panótico (New Prov®) e avaliadas ao microscópio de
luz para a pesquisa do referido hemoparasito.
Após a consolidação dos dados, fez-se análise estatística, sendo
utilizado o método da amostragem simples ao acaso, em proporções ou
porcentagem no nível de 5% de significância. As comparações foram
feitas com base na sobreposição ou não dos intervalos de confiança
(probabilidade de conter a proporção na população igual a 95%), após
dimensionamento da amostra para uma população infinita de ocorrências,
considerando-se α= 0,05 e um desvio em torno da proporção amostral de
10% (d= 0,10 * p). O programa estatístico utilizado foi o SAEG
(UFV, 2007).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Dos duzentos animais avaliados, onze bovinos (5,5%) foram considerados parasitados por
A. bovis (
Figura 1),
diagnosticando-se, pela primeira vez, o hemoparasito na referida cidade
do Noroeste Fluminense. O índice de parasitismo dos bovinos em Bom
Jesus do Itabapoana, RJ, foi superior aos 3,31% encontrados por SANTOS
& CARVALHO (2006) na microrregião de Campos dos Goytacazes, Região
Norte Fluminense. Uma micrografia de um monócito parasitado pode ser
observada na
Figura 2.
Considerando-se a amostra representativa de uma população infinita de
animais, o intervalo de confiança para a porcentagem de lâminas em que
ocorreu o diagnóstico de
A. bovis
foi de 3,0 ± 1,67%. Na avaliação dos pontos anatômicos de coleta,
obtiveram-se intervalos de confiança cujos valores foram 2,5 ± 2,17% e
3,5 ± 2,55%, respectivamente, para orelha e extremidade caudal (
Figura 3).
A partir destes dados, pode-se considerar que a ocorrência do
hemoparasito nas lâminas confeccionados com sangue periférico coletado
na orelha é estatisticamente igual à ocorrência das lâminas oriundas da
coleta na extremidade caudal.
As alterações clínicas observadas nos animais parasitados por
A. bovis
foram linfoadenomegalia pré-escapular, anorexia, mucosas pálidas, pelos
eriçados e pirexia. Estes achados são condizentes com os observados por
outros trabalhos (DONATIEN & LESTOQUARD, 1936; GIRARD &
ROSSELOT, 1945; SREEKUMAR
et al.,
2000; SANTOS & CARVALHO, 2006) e são em parte oriundos das
características inflamatórias observadas nas erliquioses monocíticas,
em decorrência de citocinas produzidas (BITSAKTSIS & WINSLOW, 2006).
CONCLUSÕES
O parasito
Anaplasma bovis
ocorre no rebanho bovino da região de Bom Jesus do Itabapoana, RJ.
Trata-se do primeiro município da região noroeste fluminense a relatar
tal ocorrência.
Não houve diferença significativa na observação de
A. bovis
entre as extensões sanguíneas confeccionadas a partir de sangue da
orelha e da extremidade caudal. Conclui-se que ambos são ideais para
coleta de sangue periférico para pesquisa do hemoparasito, entretanto,
o manejo destes animais deve ser levado em consideração. Sendo assim,
sugere-se a cauda como ponto de coleta para minimizar os possíveis
riscos de acidente durante o manuseio dos animais, principalmente se
forem adultos.
AGRADECIMENTOS
Ao professor Gustavo de Castro Xavier (UENF/CCT/LECIV), pelo auxílio na
elaboração dos gráficos estatísticos que foram utilizados neste
trabalho, e ao técnico agrícola Júlio Cezar de Meirelles
(UENF/CCTA/LEAG), pelo auxílio prestado.
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