DOI: 10.1590/1809-6891v15i45553
AZITROMICINA NO TRATAMENTO DA ERLICHIOSE MONOCÍTICA EM CÃES NATURALMENTE INFECTADOS
Daniela Torres Cantadori1, Ana Luiza Rosa Osório2, Veronica Jorge Babo-Terra2
1Médica Veterinária Mestre, Campo
Grande, MS, Brasil - danicantadori@uol.com.br
2Professoras
Doutoras Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, MS
Brasil.
RESUMO
Os objetivos deste trabalho foram avaliar a eficácia do tratamento com azitromicina em cães naturalmente infectados por E. canis e acompanhar a evolução clínico-hematológica dos animais. Dez cães, com diagnóstico positivo para E. canis por meio do teste de Elisa Snap 4Dx, foram distribuídos em dois grupos, sem tratamento e tratados com azitromicina, 20 mg/kg, via oral, uma vez ao dia, durante sete dias. Além do exame físico diário foram realizados hemogramas, esfregaços de ponta de orelha para a pesquisa de mórulas e nested PCR antes do tratamento e pós-tratamento. Verificou-se que o tratamento não foi eficiente, uma vez que não desapareceram os sinais clínicos, assim como não houve retorno à normalidade dos valores do hemograma nos cães, assim como ausência de eliminação de E. canis.
Palavras-chave: Azitromicina; Ehrlichia canis; PCR; Cães.
AZITHROMYCIN IN THE TREATMENT OF MONOCYTIC EHRLICHIOSIS IN NATURALLY INFECTED DOGS
ABSTRACT
The aims of this study were to evaluate the effectiveness of treatment with azithromycin in dogs naturally infected with E. canis, and to analyse the clinical and hematological changes the animals would show. Ten dogs with positive diagnosis for E. canis through Elisa Snap 4Dx test were distributed into two groups, untreated and treated with azithromycin, 20 mg/kg, orally once a day for seven days. In addition to the physical exam, complete blood counts (CBC), smears made out from blood of the ear margin in order to detect ehrlichial morulae and nested PCR before treatment and post-treatment were performed. We found that the treatment was not effective, since the clinical signs did not disappear, as well as there was no return to normal values of the CBC in treated animas, neither the elimination of E. canis from the infected animals.
Keywords: azithromycin; Ehrlichia canis; PCR; Dogs.
INTRODUÇÃO
A erlichiose monocítica canina é causada pela Ehrlichia canis, bactéria gram-negativa intracelular obrigatória, descrita mundialmente e cuja distribuição geográfica está relacionada à presença de seu vetor, o carrapato Rhipicephalus sanguineus1,2.
No Brasil, sabe-se que a E. canis está presente em praticamente todos os Estados, mas os dados disponíveis são apenas de estudos de algumas regiões e a comparação dos dados epidemiológicos desses estudos é difícil, pois eles diferem a respeito de populações, áreas geográficas, presença de vetores e testes de diagnóstico usados3. A doença afeta cerca de 20–30% dos cães atendidos em clínicas e hospitais veterinários no Brasil4. O maior número de animais positivos é encontrado nas regiões mais quentes do país, incluindo o Estado de Mato Grosso do Sul5, e estudos recentes indicam que cães de áreas urbanas têm um maior risco potencial de exposição a agentes patogênicos das doenças transmitidas por carrapatos comparados aos das áreas rurais devido a uma maior infestação por carrapatos6.
A profilaxia deve se concentrar no controle efetivo dos carrapatos, mas também pode ser feita com o uso prolongado da tetraciclina, pois, apesar de algumas tentativas7, não existe uma vacina eficaz e os animais não desenvolvem imunidade protetora8.
Várias drogas são indicadas para o tratamento da erlichiose, com sucesso variável, incluindo doxiciclina, dipropionato de imidocarb, tetraciclina, oxitetraciclina, minociclina, enrofloxacina e cloranfenicol. Podem ser necessárias associações como doxiciclina seguida de rifampicina para eliminação do agente9.
Infecções por E. canis tornam-se mais resistentes à eliminação por doxiciclina conforme a doença progride. Em um estudo10, infecções apareceram mais resistentes quando o tratamento foi iniciado durante a fase aguda (16 dpi) do que quando iniciado durante a fase subclínica (62 dpi). Em um estudo anterior, o regime de 14 dias de tratamento com doxiciclina não eliminou a E. canis de cães10, indicando que o regime de 28 dias é necessário11. Há evidências de que a E. canis pode persistir após o tratamento de doxiciclina de hospedeiros infectados naturalmente1, 8, 12. Embora a droga de eleição definida pelo consenso de experts para tratamento da erlichiose11 seja a doxiciclina, em alguns animais em que não seja possível sua administração, justifica-se a utilização de outras substâncias. A rifampicina, por exemplo foi parcialmente eficaz na eliminação da E. canis em infecções experimentais em cães13.
A azitromicina é um antibiótico macrolídeo que difere estruturalmente da eritromicina pela presença de um metil-nitrogênio substituído no anel lactose. Essa modificação tem produzido um comportamento farmacocinético distinto, o qual é caracterizado por alto nível tecidual e uma longa eliminação, aproximadamente 90 horas em doses múltiplas acima de cinco administrações14, 15. A associação de azitromicina e atovaquona tem sido utilizada para o tratamento de babesiose em cães16, 17 e estudos sugerem também que a azitromicina é segura e eficaz no tratamento para papilomatose canina18.
É essencial que um agente antimicrobiano com atividade contra organismos intracelulares tenha habilidade de penetrar nas células19. Experimentos in vitro e in vivo mostraram que a azitromicina está concentrada em células fagocíticas20, enquanto outros autores21 sugeriram que o acúmulo da azitromicina em fagócitos está associado à sua atividade contra microrganismos intracelulares.
A atividade da azitromicina tem sido amplamente avaliada na medicina humana em casos de infecção por riquétsias como Orientia tsutsugamushi22, 23, e até mesmo no tratamento da infecção por Leishmania major24 e da leishmaniose cutânea25, além de ser largamente comparada à doxiciclina no tratamento de diversas infecções sexualmente transmissíveis, com bons resultados26. Na medicina veterinária, entretanto, devido à escassez de referências, clínicos de pequenos animais vêm utilizando o medicamento como opção terapêutica em casos de reinfecção por E. canis, ou em situações como animais gestantes e filhotes, devido à melhor aceitação da azitromicina por causar menos efeitos colaterais.
A fácil administração da azitromicina (uma dose diária) e o curto período de tratamento em comparação com à doxiciclina favorecem sua prescrição por parte dos médicos veterinários, por ter melhor aceitação do proprietário em relação ao período de 21 a 28 dias necessário para o tratamento com doxiciclina. Da mesma forma, o custo final do tratamento com azitromicina geralmente é menor do que a terapia com doxiciclina.
Os objetivos deste trabalho foram avaliar a eficácia da azitromicina no tratamento da erlichiose monocítica canina, em cães naturalmente infectados, e acompanhar a evolução clínico-hematológica dos animais tratados em relação ao grupo controle.
MATERIAL E MÉTODOS
Foram pesquisados 44 cães provenientes do Centro de Controle de Zoonoses (CCZ), município de Campo Grande-MS, os quais foram entregues pelos proprietários ao CCZ ou recolhidos das ruas.
O critério de inclusão adotado foi a escolha dos animais baseada na presença de carrapatos e sorologia positiva para E. canis. O critério de exclusão foi a sorologia positiva para Leishmania sp ou infecção concomitante por hemoparasitos como Babesia canis, Hepatozoon canis e Anaplasma platys.
Primeiramente, foram coletadas amostras de sangue total, por meio da punção venosa para obtenção do soro sanguíneo, em frascos siliconizados e sem anticoagulante. Em seguida, os soros foram pesquisados quanto à presença de anticorpos anti-E. canis, pelo teste de Elisa, por meio do kit comercial (Snap 4Dx®, laboratório Idexx), que testa a presença de anticorpos anti-Anaplasma phagocytophilum, Borrelia borgdorferi, Ehrlichia canis e Dirofilaria immitis, seguindo as instruções do fabricante. Dez animais sorologicamente positivos para E. canis foram mantidos no Hospital Veterinário da Universidade Católica Dom Bosco-UCDB de Campo Grande-MS, durante o período experimental.
Todos os animais selecionados receberam água e ração comercial seca à vontade e foram submetidos a controle de ectoparasitos com pulverização com talco à base da associação de isopropoxifenil e metilcarbamato (talco Bolfo®; 1% de 2-isopropoxifenil-N-metilcarbamato; laboratório Bayer), que permaneceu em cada animal durante 24 horas. Após serem banhados foi aplicado outro princípio ativo, o fipronil (Frontline Top Spot®; fipronil; laboratório Merial Saúde Animal), para melhor eliminação dos carrapatos e prevenção de reinfestação. Para o controle de endoparasitas foi utilizada a associação dos princípios ativos pamoato de pirantel, sulfóxido de albendazole e praziquantel (Rico composto®; pamoato de pirantel, sulfóxido de albendazole e praziquantel; laboratório Ouro Fino).
Os animais sorologicamente positivos para E. canis foram distribuídos em dois grupos: controle (C, n=5), não tratados, e tratamento (T, n=5). O tratamento instituído foi a suspensão de azitromicina (Azitromed®; azitromicina diidratada- 200mg/5ml; laboratório Medquímica) na dose de 20 mg /kg VO a cada 24 horas, durante 7 dias consecutivos. Nenhum outro antibiótico ou tratamento de suporte foi administrado no grupo T.
Os cães foram acompanhados diariamente durante o período de tratamento e pós-tratamento e os dados foram registrados em fichas clínicas. Registraram-se os sinais vitais, consumo de alimento e todos os sinais clínicos apresentados. Foi considerado dia zero (0), o dia do início do tratamento, e dias dez (10) e quatorze (14) os dias para coleta de amostras de sangue para hemograma, punção de baço para a PCR e esfregaço sanguíneo de ponta de orelha para pesquisa de mórula de Ehrlichia spp. Esses intervalos foram determinados com o objetivo de diminuir a interferência do efeito residual da azitromicina, que é de aproximadamente 90 horas27.
Foram colhidas de cada animal amostras de 3 mL de sangue total, por punção da veia jugular e/ou cefálica com auxílio de seringa de 5 mL e agulha 25x7 descartáveis, para a realização do hemograma. As amostras foram acondicionadas em frascos siliconizados contendo 0,1 mL de ácido etilenodiaminotetracético (EDTA), em solução a 10%. No hemograma (28), foram avaliados volume globular, hematimetria, hemoglobinometria, leucometria global e específica, hematoscopia e leucocitoscopia. A contagem de plaquetas foi realizada em câmera de Newbauer utilizando-se como diluente oxalato de amônio a 5% (28). As lâminas foram analisadas por meio de microscopia óptica, utilizando-se objetiva com aumento de 100 X (Olympus®).
A pesquisa de mórulas foi realizada em esfregaços de sangue, confeccionados a partir de punção, com agulha fina descartável, na ponta da orelha, corados pelo método de May-Grunwald-Giemsa. As lâminas foram analisadas por meio de microscopia óptica, utilizando-se objetiva com aumento de 100 X (Olympus®).
Para a PCR no pré-tratamento (dia zero), utilizaram-se as amostras de sangue previamente colhidas para o hemograma. Para a PCR no pós-tratamento foram colhidas amostras de sangue de punção de baço, guiada por ultra-som e acondicionadas em frascos siliconizados com EDTA (Figura 1). Para esta coleta, os cães foram anestesiados com tiletamina e zolazepan (Zoletil®; tiletamina e zolazepan; laboratório Virbac), na dose de 0,12 mg/kg.
A nested PCR foi realizada no Instituto de Biociências do Departamento de Microbiologia e Imunologia da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus de Botucatu-SP. Foram utilizados 350 µL de sangue para extração de DNA por meio do kit comercial (Easy-DNA™ , laboratório Invitrogen Corporation), seguindo-se as orientações do fabricante. Na última etapa da extração, o DNA foi ressuspendido em 100 µL de H2O ultrapura. A concentração do DNA foi avaliada por eletroforese em gel agarose 0,8% com marcador lâmbda (λ) 50 pb (Laboratório Invitrogen Corporation). Para amplificação de um fragmento do gene 16S rRNA de E. canis foi seguida a metodologia de Wen et al.12, com as seguintes adequações: foram utilizados 2 µL de DNA em reações de 25 µL, contendo 2,5 µL de tampão 10x; 0,8 µL de 1,5 mM de MgCL2; 0,5 µL 0,25 mM de trifosfato deoxinucleotídeos; 2,5 U de taq polimerase; 100 ng do primer EHO (5'- AGAACGAACGCTGGCGGCAAGCC-3'); 100 ng do primer EHO (5'- CGTATTACCGCGGCTGCTGGC-3') e 17,7 µL de H2O ultrapura. A PCR foi realizada a 94 °C por 1 minuto, 67,5 °C por 1 minuto e 72 °C por 1 minuto em termociclador MJ PTC-200.
Para a segunda PCR, foram alteradas apenas as quantidades de DNA (1 µL), H2O ultrapura (18,7 µL) e os primers utilizados, que foram 100 ng do primer ECA (5'- CCATTATTTATAGCCTCTGGCTATAGGAA-3') e 100 ng do primer ECA (5'- TATAGGTACCGTCATTATCTTCCCTAT-3'). Um controle positivo com DNA de E. canis e um controle negativo sem DNA foram inclusos em cada PCR. Os produtos da nested PCR foram avaliados em gel da agarose 0,8%, após eletroforese29. Os géis foram corados em brometo de etídeo e a massa molecular aparente das bandas protéicas foi determinada conforme mobilidade relativa, com a utilização de software próprio (AlphaDigiDoc™ - Molecular Weigth Calculation - Alpha Innotech Corporation).
As presenças de mórula e positividade na PCR foram avaliadas antes e após o tratamento por meio do teste de Duncan, com nível de significância de 5% (p=0,05).
RESULTADOS
Os resultados de exames clínicos realizados nos dias 0 e 14 estão sumarizados na Tabela 1. Os animais do grupo de tratamento (grupo T) mantiveram-se ativos e comendo, com exceção de um animal, que apresentava muita apatia e escore corporal ruim. Somente um cão, que inicialmente tinha febre, manteve o quadro febril até o dia sete, último dia de administração da azitromicina. Todos os animais deste grupo apresentaram uma significativa melhora no quadro de tosse e secreção nasal e ocular. Somente um animal não apresentava mucosas hipocoradas.
As alterações hematológicas observadas nos exames realizados nos dias 0 e 14 encontram-se na Tabela 2. Os achados mais frequentes nos dois grupos foram anemia e trombocitopenia. No grupo T, todos os animais apresentaram valores de hematimetria no limite inferior de referência (5,5 a 8,5 x 10³ hemácias/mm³) no momento do diagnóstico; no final do experimento, 3 animais apresentaram Tabela 3 - Resultados da pesquisa de mórula e da PCR pré e pós-tratamento mínimo (Tabela 2). No grupo C, apenas um animal apresentou redução da hematimetria no início e todos terminaram o experimento anêmicos, sendo que um deles apresentou anemia microcítica e hipocrômica.
Os resultados da pesquisa de mórula, visualizada na Figura 2 em esfregaços sanguíneos, e da nested PCR pré-tratamento e pós-tratamento, estão apresentados na Tabela 3.
Tanto os resultados da nested PCR como a presença de mórulas no grupo tratado com azitromicina mostraram que não houve eliminação terapêutica, quando comparados ao grupo controle, já que os dois grupos não diferiram entre si pelo teste de Duncan (p>0,05) (Tabela 4).
DISCUSSÃO
Os sinais clínicos (Tabela 1) apresentados pelos cães dos dois grupos foram semelhantes aos descritos na literatura para erlichiose monocítica canina30, 31. A presença de carrapatos observada no dia 0 (critério de inclusão de todos os animais), a observação de mórulas (Tabela 3) (32) e os sinais clínicos observados sugerem que os animais T1, T2, T3, T4, T5, C1, C4 e C5 estavam na fase aguda da erlichiose. Entretanto, os animais estudados não apresentavam histórico, por serem animais sem proprietários. Além disso, o teste sorológico utilizado detecta apenas contato prévio com o agente etiológico, não sendo possível, desta forma, determinar em que fase da doença os animais se encontravam.
Considerando que esses animais encontravam-se na fase aguda, a resposta ao tratamento não ocorreu conforme esperado33, 34, isto é, no período de dez dias, intervalo existente entre a primeira e segunda avaliações. O tempo de resposta clínica à terapia sofre interferência da fase da doença1, 34, sendo mais rápido na fase aguda e mais demorado na fase crônica. Em um estudo7, foi utilizada azitromicina na dose de 7 mg/kg, via oral a cada 24 horas por cinco dias, seguido de uma aplicação a cada 72 horas por mais 15 dias em cães na fase aguda da infecção experimental por E. canis como uma alternativa ao uso de tetraciclinas, baseando-se em estudos anteriores que indicaram a eficácia desse medicamento no tratamento de infecções semelhantes como a Febre das Montanhas Rochosas, por exemplo. Os autores observaram falha em amenizar os sinais clínicos e concluíram que a azitromicina não foi eficaz no tratamento da infecção por E. canis.
Na hematologia, a observação de anemia e trombocitopenia, como ocorreu neste estudo são amplamente citadas, em casos de erlichiose30. Nos animais sem tratamento, a progressão dessas alterações ocorreu conforme o citado33, mas nos animais tratados não houve reversão do quadro11. Em estudos que utilizam cães em condições naturais de infecção, como este, torna-se difícil determinar em que fase da doença o animal se encontra31 e se ele está completamente livre de outras infecções.
A trombocitopenia demonstrada na primeira avaliação hematológica foi observada por diversos autores e constitui-se na alteração hematológica mais consistente que ocorre na erlichiose monocítica canina33, geralmente em estágios iniciais da doença35, podendo inclusive ser utilizada como triagem para a enfermidade29.
neste estudo, dois animais do grupo de tratamento chegaram ao final do experimento sem retorno aos valores de normalidade da contagem de plaquetas. Esses resultados indicam falha no tratamento11, pois a plaquetometria pode ser considerada um bom indicador da eficiência da terapia contra E. canis, uma vez que a normalização geralmente ocorre dentro de quatorze dias após o tratamento.
A leucocitose é considerada característica na fase aguda da erlichiose33. No entanto, ela foi observada em apenas um animal do grupo de tratamento (Tabela 2). A leucopenia geralmente está associada à fase crônica33, mas também já foi descrita na fase aguda36 e foi observada em cinco animais, sendo dois do grupo tratado e três do grupo controle. Após o tratamento (grupo T), somente um animal terminou o experimento com contagem normal de leucócitos e todos os outros estavam com leucopenia, sendo que um animal apresentava pancitopenia, que é uma alteração relatada na fase crônica por vários autores30, 33. Este animal apresentou mórula em esfregaços sanguíneos durante todo o experimento, sugerindo que se encontrava na fase aguda da doença32, demonstrando que as alterações hematológicas não são capazes de determinar em que fase da doença os animais se encontram, em casos de infecção natural, como os do presente estudo.
Entre os animais tratados, somente um animal iniciou o experimento com monocitose, e dois terminaram o tratamento com monocitopenia. Nos animais sem tratamento, todos apresentaram valores normais na contagem de monócitos no final da avaliação. Monocitose é frequentemente descrita na erlichiose30, geralmente relacionada à fase aguda33. O tempo estimado para normalização dos valores de cada tipo de leucócito durante o tratamento não é abordado de forma específica na literatura, apenas cita-se que há uma melhora ao longo do tratamento37.
De acordo com os resultados da PCR pré-tratamento (Tabela 3), um animal apresentou resultado negativo, embora com mórula em esfregaço sanguíneo. Este mesmo animal apresentou PCR de amostra de baço positiva nos dias 10 e 14. Isso sugere que a amostra de sangue total não é a melhor escolha para a pesquisa de E. canis por PCR38, de modo que a melhor opção de amostra para PCR pós-tratamento, a fim de avaliar a eliminação da bactéria, seria do baço porque este órgão alberga Ehrlichia por mais tempo. Em nosso estudo, optamos por empregar a nested PCR em amostras de sangue obtidas antes do tratamento devido à aplicabilidade deste método de coleta e sua praticidade na rotina da clínica veterinária de pequenos animais. No pós-tratamento, optou-se pela punção de baço. Contudo, os próprios autores afirmam que a alta sensibilidade da PCR torna as duas formas de amostragem semelhantes38, 39.
O animal T2 apresentou resultado negativo na PCR de amostra de baço no dia 14. Este resultado pode ter ocorrido devido à eliminação da bactéria pelo tratamento ou por ser um animal imunocompetente, que eliminou o microorganismo sem interferência do tratamento33. Estudos revelaram que a PCR de punção de baço tornou-se negativa no décimo sexto dia após o início do tratamento com doxiciclina38. O resultado negativo no dia 14, embora em apenas um animal, nos remete à possibilidade da eficácia do tratamento com azitromicina.
O fato de o animal C3 ter sido negativo na PCR no dia 10, embora tenha sido positivo na pesquisa de mórula neste mesmo dia (Tabela 3), pode ser devido à presença de coágulo na amostra, pois a rede de fibrina sequestra leucócitos, podendo levar a um resultado falso negativo.
CONCLUSÃO
A eliminação da E. canis em cães naturalmente infectados não foi alcançada pelo tratamento com azitromicina no protocolo utilizado. A terapia com azitromicina não levou à recuperação clínica e ao retorno aos valores de normalidade dos hemogramas dos animais infectados.
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Protocolado em: 13 fev. 2009 Aceito em: 13 maio 2014