EFEITO DA TEMPERATURA E DOS ALIMENTOS PROTÉICO E LIPÍDICO NOS ESTÁDIOS DE
MATURAÇÃO OVARIANA E ESTÁGIOS DE MUDA DO Macrobrachium acanthurus
(WIEGMANN, 1836)
José Carlos
Gastelú1, Jaqueline Oliveira2, Luis Otavio Brito3,
Alfredo Olivera Galvez4, Maria Gloria Moreira5
1Dr. Biologo, pesquisador Larvi Aqüicultura e Projetos
Ltda, Barreiras, RN
2Dr Aquicultura, pesquisadora Larvi Aqüicultura e
Projetos Ltda, Barreiras, RN
3Msc Recursos Pesqueiros e Aquicultura, Extencionista
do Instituto Agronômico de Pernambuco – IPA, Recife, PE - engpescalo@hotmail.com, luis.otavio@ipa.br
4Dr. Aquicultura, Professor do Departamento de Pesca e
Aqüicultura, Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife, PE.
5Dr. Professora do Departamento de
Fisiologia do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, São Paulo,
SP.
RESUMO
O
conhecimento da fisiologia reprodutiva do camarão Macrobrachium acanthurus em relação a fatores controlados, como
alimentos processados e variações de temperaturas, ajudaria a desenvolver
técnicas de cultivo, garantindo sua sobrevivência. Com o objetivo de contribuir
para esse conhecimento, fêmeas de M.
acanthurus foram submetidas ao efeito das temperaturas de 20, 25 e 30oC
e de três alimentos (lipídico, protéico e comercial). Em seguida, os efeitos
nos níveis de glicose, proteínas totais e lipídios totais na hemolinfa, tanto
na maturação ovariana como nos estágios de muda, foram analisados. Os
resultados mostraram que, nos estágios de muda, os níveis dos nutrientes na
hemolinfa, em geral, aumentaram conforme os animais chegam ao estágio de muda
D, com o aumento da temperatura. Nos estádios de maturação ovariana, os
nutrientes na hemolinfa aumentaram conforme se aproximavam ao estádio III. Os
níveis de glicose e proteínas totais aumentaram com o incremento da
temperatura, enquanto que os níveis de lipídios totais diminuíram a 30oC.
Dentre os alimentos, o lipídico induziu ao aumento de glicose e proteínas
totais na hemolinfa e os alimentos comercial e protéico induziram ao aumento de
lipídios totais.
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PALAVRAS-CHAVE: fisiologia;
glicose; hemolinfa; lipídios total; proteína total.
EFFECT OF TEMPERATURE AND FOOD PROTEIN AND
LIPID IN STAGES OF OVARIAN MATURATION AND STAGES OF MOLTING Macrobrachium acanthurus (WIEGMANN,
1836)
INTRODUÇÃO
O ciclo reprodutivo dos
crustáceos está constituído por maturação gonadal, liberação dos gametas,
incubação dos ovos e eclosão das larvas (PINHEIRO, 1983). Na produção massiva,
as taxas de fecundidade e de fertilidade das espécies cultiváveis tornam-se
importantes, visto serem esses fatores determinantes para o cultivo (AQUACOP,
1986).
Quanto à maturação gonadal,
há fatores exógenos e endógenos que interferem na fisiologia dos crustáceos.
Dentre os exógenos, frequentemente citados, estão o controle da estabilidade da
qualidade química da água (WILDER et al., 2009), como pH e oxigênio dissolvido
(CHENG et al., 2003), fotoperíodo, qualidade e intensidade de luz (ARAÚJO &
VALENTI, 2011), temperatura da água (GARCIA-GUERRERO, 2010), salinidade (HUONG
et al., 2010), ablação do pedúnculo ocular (CUNHA & OSHITO, 2010) e
alimentação (SAMUEL et al., 1999); entre os fatores endógenos estão o estágio
de desenvolvimento (CHAVEZ & MAGALHÃES, 1993), estágio de muda (LOBÃO et
al., 1996), energia e as reservas de nutrientes necessárias para a reprodução
(SHANJU & GERALDINE, 2011). Tais fatores levam a mudanças fisiológicas nos
decápodes, induzindo modificações metabólicas e hormonais.
O aumento da temperatura
estimula o rápido desenvolvimento dos ovos, causando efeito direto nos
processos fisiológicos e bioquímicos (GARCIA-GUERRERO, 2003). Por causa da
temperatura o tempo requerido para o desenvolvimento dos ovos aumenta ou reduz
(MANUSH et al., 2006). De acordo com D’ABRAMO et al. (2003), temperaturas entre
27 a 31oC, e TIDWELL et al (2005), de 27 a 32oC favorecem
a maturação ovariana e a desova do M.
rosenbergii.
De acordo com WOUTERS et al.
(2001), é necessário o armazenamento suficiente de nutrientes, para o início da
reprodução de camarões, e dietas ricas em lipídios são importantes para a
maturação gonadal. O incremento de lipídios nas reservas do hepatopâncreas,
segundo GONZALES-BARO & POLLERO (1988), poderia indicar a qualidade do alimento
ingerido. Os lipídios e as proteínas são sintetizados e mobilizados para o
desenvolvimento dos ovários; já o glicogênio, presente no hepatopâncreas,
diminui no início da maturação ovariana, sendo usado para a síntese de lipídios
e ácidos nucléicos (Adiyodi, 1985). Segundo NEWMAN et al. (1982), estudos
realizados com M. rosenbergii evidenciaram
que o maior consumo de alimentos ocorre a uma temperatura de
Com o presente estudo,
objetivou-se determinar o efeito dos alimentos protéicos, lipídicos e da
temperatura nos estádios de maturação ovariana e estágios de muda.
Para este experimento foram
utilizados tanques de
As fêmeas íntegras de M. acanthurus foram coletadas
aleatoriamente na região de São Sebastião, litoral norte do Estado de São Paulo
(aproximadamente 23o 49’S; 45o
O experimento manteve um
fotoperíodo aproximado de 12 horas de luz natural indireta e artificial direta
e 12 horas de escuro, segundo o indicado para a maturação ovariana (CHAVEZ et
al., 1991).
Para os experimentos foram
utilizados três alimentos, sendo um alimento protéico com 35,65 % de proteína
bruta e 12,1 % de lipídios totais; outro alimento lipídico com 16,02 % de
lipídios e 25,95 % de proteína bruta totais; e um terceiro alimento, a ração comercial,
caracterizada por apresentar 30% de proteína bruta e 9 % de lipídios totais
(Tabela 1).
Os alimentos lipídico e protéico foram formulados seguindo as características determinadas para dietas de camarões de água doce do gênero Macrobrachium rosenbergii (NEW, 2002; MITRA & MUKHOPADHYAY, 2005). O alimento comercial utilizado para camarão de água doce foi uma ração bastante utilizada nas fazendas de cultivo do camarão M. rosenbergii.
Os efeitos dos alimentos protéico, lipídico e comercial foram estudados, ao mesmo tempo, os camarões foram submetidos a três temperaturas, 20, 25 e 30oC, observando-se os estádios de maturação ovariana e os estágios de muda. Os efeitos dos alimentos foram analisados segundo os níveis de proteínas totais, lipídios totais e glicose na hemolinfa.
Os
nutrientes analisados na hemolinfa foram proteínas totais, lipídios totais e
glicose. As coletas de hemolinfa, dissecção para coleta dos ovários e a
observação para definir os estágios de muda foram realizadas a partir do 30o
dia após o início da alimentação.
As
análises de proteínas totais, lipídios totais e glicose foram feitas,
respectivamente, segundo os métodos do biureto, da sulfofosfovanilina e da
glicose oxidase. Nesses métodos colorimétricos utilizaram-se kits da marca
Doles® reagentes, com leitura feita em espectrofotômetro (Coleman 295®) a 550,
530 e 510 nm respectivamente.
Os
valores obtidos em absorbância foram convertidos à concentração mediante a
relação da absorbância obtida sobre a absorbância do padrão utilizado,
multiplicado pela concentração do padrão. Essas reações coradas seguem a lei de
Beer, sendo portanto a relação absorbância–concentração do tipo linear. A glicose, as proteínas totais e os lipídios
totais foram expressos em mg/100 mL, g/100 mL e mg/100 mL de hemolinfa,
respectivamente.
Após
coletada a hemolinfa, os camarões foram sacrificados por imersão em água gelada
(4oC) aproximadamente, por 3 minutos. Em seguida foram secos com
papel absorvente, pesados e, então, a análise dos ovários e dos estágios de
muda foi realizada.
As fêmeas foram dissecadas no cefalotórax na região dorsal com ajuda de uma tesoura de ponta fina e pinça, abrindo-se um retângulo na carapaça. O mesmo foi feito no primeiro segmento abdominal, permitindo observar claramente todo o comprimento do ovário, o qual foi retirado cuidadosamente.
Para
a observação dos estádios de maturação ovariana, de acordo com CARVALHO &
PEREIRA (1981) e PAULRAJ et al. (2008), foram realizadas técnicas histológicas,
utilizando-se o fixador de Davidson onde os ovários íntegros ficaram entre 30 e
48 horas. Em seguida, o material foi incluído em blocos de parafina, cortados
em micrótomo a uma espessura de 6 mm
e corados com o corante de Gomori. Os estágios de muda foram identificados
segundo HAYD et al. (2008),
pela visualização das bordas e dos urópodos em microscópio.
Previamente, nos experimentos
constatou-se a normalidade dos dados pelo teste de normalidade de
Kolmogorov-Smirnov (ZAR, 1984), permitindo o uso da estatística paramétrica.
Quando se encontraram diferenças estatísticas significativas na análise de variância,
aplicou-se o teste de contraste de médias Student-Newman-Keuls (SNK) com nível
de significância de 95 % a fim de identificar as diferenças.
As análises estatísticas foram
realizadas com ajuda dos programas estatísticos Systat 5.0 para Windows e Statgraf
7.0.
As observações das cerdas e bordas do endopódito do
urópodo permitiram determinar os estágios de muda. Nessas notou-se que, em
geral, são vistos dois ou três estágios diferentes num mesmo animal, mas para
efeito de determinação prevalece aquele estágio que se encontra em maior
proporção.
As tentativas para determinar os estádios de maturação dos ovários por meio de sua observação externa não foram conclusivas, obtendo-se um erro de 40 % quando comparado à identificação histológica. Os métodos de análise de proteínas totais, lipídios totais e glicose na hemolinfa mostraram-se adequados e de fácil manejo, permitindo visualizar as reações coradas.
Em termos gerais, houve diferenças significativas entre os níveis de nutrientes analisados na hemolinfa (p<0,05) variando, em alguns casos, com os diferentes estádios de maturação e estágios de muda por efeito da temperatura ou do alimento. Por meio da regressão múltipla, foi possível visualizar o efeito combinado das diferentes temperaturas e alimentos nos níveis de nutrientes dos estágios de muda e dos estádios de maturação ovariana na hemolinfa, observando-se certa semelhança entre eles.
Os níveis de glicose na hemolinfa, quando analisados de forma geral, apresentaram efeito significativo pelos estágios de muda, estádio de maturação, temperatura e a interação dos tratamentos (Tabela 2). Esses níveis foram maiores nos estágios de muda “C” e “D” e nos estádios de maturação II e III (SNK, p<0,05). Observou-se que nessas temperaturas (20, 25 e 30 oC) a interação dos alimentos com os estágios de muda e estádios de maturação ovariana afeta também os níveis de glicose na hemolinfa. Na temperatura de 20oC, os níveis de glicose sanguínea foram diferentes estatisticamente por efeito dos alimentos, aumentando quando os animais receberam os alimentos lipídico e protéico (Tabela 3).
No que diz respeito aos níveis de proteínas totais
na hemolinfa, uma análise geral dos efeitos de todos os tratamentos
(temperaturas, alimentos, estágios de muda, estádios de maturação ovariana e as
interações destes) permite verificar que tanto os estágios de muda quanto os estádios
de maturação influenciaram significativamente nos níveis deste nutriente. A
temperatura tem efeito significativo nas proteínas totais quando relacionadas
aos estágios de muda (p<0,05). O estágio de muda “D”, a temperatura de 30oC
e os estádios de maturação II e III promoveram
os maiores níveis de proteínas totais (SNK, p<0,05).
Observou-se também que as
interações dos alimentos com os estágios de muda e com os estádios de maturação
apresentaram efeito significativo nos níveis de proteínas totais na hemolinfa
(Tabela 4).
Os níveis de proteínas sanguínea, na temperatura de
20oC, mostraram que os alimentos, os diferentes estágios de muda, os
estádios de maturação ovariana e a interação dos estágios de muda com os
alimentos induzem a um aumento das proteínas totais (p<0,05), sendo os
maiores níveis um efeito do alimento lipídico, do estágio “D” e dos estádios II
e III. Os menores níveis foram
encontrados por efeito do estágio de muda “A” (SNK, p<0,05).
Na temperatura de 25oC, os níveis de proteínas totais foram afetados pelos estágios de muda e os estádios de maturação ovariana (p<0,05), observando-se os maiores níveis no estágio “D” e nos estágios III e II (SNK, p<0,05).
Em relação à temperatura de 30oC, os níveis de proteínas totais não apresentaram efeito significativo para nenhum dos tratamentos (Tabelas 5).
Em relação aos lipídios totais na hemolinfa, quando analisados em termos gerais, observou-se que nos estágios de muda os níveis de lipídios foram estatisticamente diferentes (p<0,05), encontrando-se os maiores níveis nos estágios “C” e “D” (SNK, p<0,05). Os tratamentos interagidos também foram significativos (p<0,05) sobre os níveis de lipídios totais na hemolinfa (Tabela 6). As análises dos níveis de lipídios totais na hemolinfa, em cada temperatura estudada, mostraram que a 20 e 25oC os estágios de muda e estádios de maturação ovariana influenciaram significativamente os níveis de lipídios totais (p<0,05), sendo maiores a 20oC no estágio “D” e no estágio III , e a 25oC nos estágios “D” e “C” e nos estágios III e II (SNK, p<0,05). Na temperatura de 30oC, os estágios de muda e os alimentos influenciaram significativamente os níveis desse nutriente (p<0,05), alcançando os maiores valores no estágio “C” e quando as fêmeas foram alimentadas com o alimento comercial (Tabela 7).
Mesmo observando-se que em todos os resultados obtidos as concentrações dos níveis sanguíneos de nutrientes nos diferentes estágios de muda e estádios de maturação ovariana foram próximas, a análise de correlação múltipla entre a muda e a maturação em cada temperatura estudada mostrou correlação positiva a 25 e 30oC. Tal resultado indica que conforme aumentam os níveis dos nutrientes dos estágios de muda, também aumentam nos estádios de maturação. A 20oC só houve correlação positiva significativa (p<0,05) em relação aos lipídios totais (Tabela 8).
DISCUSSÃO
Em termos gerais, não há um consenso entre autores sobre os níveis de proteína bruta e lipídios totais que os alimentos para camarões de água doce devem conter. No presente experimento, considerou-se como alimento lipídico e protéico aqueles que continham níveis destes nutrientes próximos aos maiores indicados na literatura.
Em relação aos lipídios nas dietas, CAVALLI et al. (1999) indicam um nível de 10%; VENKATARAMANI et al. (2002), entre 9,8 e 10,2%; BEHANAN & MATHEW (2004), 11%; MITRA & MUKHOPADHYAY (2005), entre 3 e 7%. Com respeito aos níveis de proteína bruta, CHOWDHURY et al. (2008) indica 35%; MITRA & MUKHOPADHYAY (2005) recomendam entre 38 e 40% para reprodutores, entre 28 e 30% para adultos (4 a 6 meses) e entre 35 e 37% para juvenis (2 a 4 meses); HABASHY (2009) recomenda entre 25 e 35% e DAVASSI (2011) indica melhores crescimentos entre 30 a 45%.
No presente
trabalho, foi observado que a temperatura tem efeito nos níveis dos nutrientes
estudados na hemolinfa, tanto nos estágios de muda como nos estádios de
maturação. Isso está relacionado ao fato de os camarões serem animais
ectotérmicos, atuando a temperatura como fator ambiental cujas variações
induzem ou retardam seu desenvolvimento (MANUSH et al., 2006).
Em relação aos níveis de nutrientes analisados na
hemolinfa, os resultados indicaram variações estatísticas significativas, em
alguns casos devido à temperatura, em outros por causa dos alimentos e dos
estágios de muda ou estádios de maturação ovariana. Segundo SORIA et al.
(2006), os níveis de açúcar na hemolinfa nos diferentes estádios de maturação
foram similares, porém a composição foi diferente. Em relação às variações dos níveis
de proteínas e carboidratos, estariam relacionadas com a transição metabólica
ao longo do ciclo de muda, influenciado pela condição imunológica dos
crustáceos.
WILDER et al. (2009), examinando as concentrações de Na+
e Ca2+ durante os ciclos de muda na hemolinfa de Macrobrachium rosenbergii, observaram
que a concentração de Na+ aumentou significativamente do estágio B
para o D2, enquanto as concentrações de Ca2+ na hemolinfa reduziram
significativamente do estágio A para C0 e aumentaram significativamente
para o estágio E.
SHANJU & GERALDINE (2011) observaram declínio gradual
nos níveis de proteína total na hemolinfa para as espécies de Macrobrachium malcolnsonii, rosenbergii e lamarrei dos estágios iniciais para maduro.
Com referência aos níveis de glicose, os resultados
indicaram que eles variam na hemolinfa das fêmeas de M. acanthurus por causa dos estágios de muda nas temperaturas de 25
e 30oC. Para a espécie em estudo, essa variação provavelmente
estaria relacionada ao aumento e ao transporte, na hemolinfa, de
mucopolissacarídios. Estes, na epiderme, seriam estocados ou utilizados
imediatamente para síntese de quitina. Isso ocorre a partir do glicogênio
estocado no hepatopâncreas durante o estágio “C” (intermuda) e o estágio “D
Na temperatura
de 20oC, não houve variação de glicose provavelmente devido ao menor
metabolismo, indicando que, em baixas temperaturas, o processo de muda estaria
retardado pela falta de material para síntese de quitina.
O transporte de
glicose via hemolinfa se inicia no estágio de muda “D” (Passano, 1960). Isso foi observado pelo aumento dos níveis
desse nutriente nas temperaturas de 25 e 30oC, porém também
aconteceu no estágio de muda “C”, diferentemente do esperado. No entanto, a
migração de glicose nesse estágio poderia estar relacionada com a necessidade
deste nutriente para a síntese de glicoproteínas nos ovários, característico do
estágio de maturação II (II.1, pré-vitelogênese, e início de II.2, na 1a
vitelogênese) (HARRISON, 1990). Esse estágio de maturação é paralelo ao estágio
de muda “C” no processo de desenvolvimento. Quando ambas as fases de muda e
maturação acontecem simultaneamente, a muda passa ser uma muda
pré-nupcial.
Em relação aos
níveis de proteínas totais, a temperatura teve efeito significativo nos
diferentes estágios de muda, porém não se observou diferença na maturação. Isso
sugere que a temperatura tem maior efeito sobre o crescimento, aumentando os
níveis de proteínas totais. Esse aumento é necessário para processos de formação
de tecidos novos, acelerados em temperaturas mais elevadas. Na maturação
gonadal, as necessidades protéicas seriam constantes em todas as temperaturas,
independente dos estádios de maturação.
Segundo CHAND & SAHOO (2006), outro importante fator
que influencia os níveis de proteínas totais é o estresse causado pela
exposição dos animais a altas concentrações de nitrito na água; neste caso a
qualidade da água manteve-se constante pelo uso de biofiltros, sendo as
variações protéicas na hemolinfa afetadas pelos estádios de maturação e muda.
SORIA et al. (2006) demonstram que a concentração de proteína e composição dos
aminoácidos livres não se diferenciam significativamente na hemolinfa de
juvenis e adultos de camarões de água doce; entretanto, os aminoácidos não
essenciais demonstram diferença de acordo com os estádios de maturação
As variações ocorridas nos níveis de proteínas totais na
hemolinfa, nas temperaturas de 20 e 25oC, por causa dos estágios de
muda e maturação, caracterizaram as maiores necessidades no metabolismo deste
nutriente na fase de pré-muda (D) e no ovário maduro (III). Segundo CHANG &
O’CONNOR (1983), na fase de pré-muda, os níveis de proteínas na hemolinfa
aumentam como consequência da redução do volume muscular, ficando maior com o
aumento da temperatura, como observado no presente trabalho. CHENG et al.
(2001) observaram diferença nos níveis de proteína da hemolinfa nos diferentes
ciclos de muda para M. rosenbergii, porém não foi observado diferença
significativa entre fêmeas e machos entre 17 e 48g.
Segundo CHENG et al. (2003b), temperaturas de 25 e 30ºC
proporcionaram maior atividade do patógeno Lactococcus garvieae no
cultivo de Macrobrachium rosenberggi, causando uma maior mortalidade quando comparado à temperatura
de 20 e 35ºC. No presente experimento não se observou mortalidade por efeito
das variáveis, nem características patológicas que poderiam afetar os
resultados.
Durante o desenvolvimento ovariano, o aumento de proteínas
totais nos estádios de maturação estaria relacionado ao transporte das mesmas
ao ovário. Segundo Harrison (1990),
há uma grande migração, tanto de fosfolipoproteínas (presentes nos estádios de
maturação II.2 e II.3) como de vitelogenina exógena (caroteno-glicolipoproteína,
principal constituinte do vitelo, presente nos estádios de maturação II.3 e
maduro III), aumentando o volume dos ovócitos.
Durante as ecdises e a pós-muda
inicial (A1), há um ingresso de água no organismo, para aumentar o volume
corpóreo. Isso ocasiona um estresse hiposmótico nas células dos tecidos dos
crustáceos de água doce e nos eurialinos que se encontram em áreas de baixa
salinidade; como resposta, há uma hidrólise das proteínas da hemolinfa
originárias dos músculos e também uma liberação de aminoácidos livres
intracelulares para manter o equilíbrio osmótico das células. Esses aminoácidos
mantêm assim a concentração de solutos no fluído extracelular (Mantel et al., 1975).
Nesse sentido, é interessante
indicar que os mesmos aminoácidos que participam como reguladores no estresse
hiposmótico, geralmente produto da hidrólise de proteínas na hemolinfa na fase
de pré-muda, são atrativos nutricionais. Além de se encontrarem nos fluídos
extracelulares quando do ingresso de água no processo da muda e pós-muda
inicial, podem ser excretados para o meio externo, processo durante o qual pode
ocorrer o canibalismo.
Na temperatura de 30oC, não se observou diferença nos níveis
das proteínas totais, devido à alteração do metabolismo por causa da elevada
temperatura. Isso sugere a necessidade de proteína em igual proporção para os
diferentes estágios de muda e estádios de maturação, provavelmente pela
formação de novos tecidos, tanto gonadal quanto muscular, num processo mais
acelerado pelas características ectotérmicas dos crustáceos.
Com referência aos lipídios, eles se constituem na fonte de energia
para suportar os processos da muda e maturação. Nos resultados dos níveis de
lipídios totais na hemolinfa, constatou-se a variação significativa destes como
efeito da muda e, nas temperaturas de 20 e 25oC, o estágio “D”
(pré-muda) apresentou os maiores valores. Chang
& O’Connors (1983) indicam que, nesse estágio, há um aumento da
síntese de ácido graxo “de novo”
como reserva energética, necessária ao processo da muda. Segundo Passano (1960), os lipídios, nesse
estágio de muda, aumentam no hepatopâncreas em até sete vezes. Essas
observações corroboram os resultados obtidos neste trabalho, indicando um mesmo
comportamento nesta espécie.
Na temperatura de 30oC, no estágio de muda “C”, também
observou-se um incremento de lipídios totais na hemolinfa dos camarões,
podendo estar relacionado ao aumento do
metabolismo, e indicando a estocagem de lipídios característica neste estágio.
Segundo Chang & O’Connors
(1983), neste estágio ocorre um aumento da capacidade de esterificação dos
ácidos graxos.
A maturação ovariana também teve influência nos níveis de lipídios
totais na hemolinfa, nas temperaturas de 20oC e 25oC. Os
maiores níveis desse nutriente observado no ovário maduro (III) certamente
foram devido ao incremento de vitelogenina exógena (caroteno-glicolipoproteína
sintetizada fora do ovário), que é transportada para o ovário. Esse principal
componente do vitelo é uma macromolécula, que apresenta alto teor de
fosfolipídios na sua constituição, sendo identificada pelo método de análise
usado, independentemente dos outros componentes presentes.
Na temperatura de 30oC, a maturação ovariana não afetou os
níveis de lipídios totais, indicando a mesma necessidade para todos os estádios
de maturação. Mesmo assim, a tendência observada foi uma maior elevação dos
níveis de lipídios no estágio imaturo (I), provavelmente por estarem os ovários
ainda em reorganização, havendo transporte de lipídios provenientes do ovário
para outros tecidos.
A influência dos alimentos sobre os aspectos estudados, nos
experimentos com as fêmeas de M.
acanthurus, ficou constatada através do efeito do alimento lipídico sobre
os níveis da glicose e proteínas totais na hemolinfa, à temperatura de 20oC,
e do alimento comercial sobre o efeito dos lipídios totais pelos estágios de
muda, a 30oC.
Os resultados mostram
claramente a importância da qualidade do alimento, tanto para a muda quanto
para a maturação. SAMUEL et al. (1999) relatam que a qualidade nutricional das
rações fornecidas para machos de Macrobrachium
malcolmsonii influencia na performance reprodutiva. Nesse
estudo os autores encontraram um bom desempenho reprodutivo nos camarões
alimentados com farinha de marisco (48,82% proteína bruta e 4,01 % de
lipídios), farinha de lula(58,69% proteína bruta e 5,46 % de lipídios) e ração
comercial para camarões marinhos.
CAVALLI et al. (2001) observaram
que o nível total de lipídios no ovário de Macrobrachium
rosenbergii aumenta com a maturação, sendo o requerimento de lipídeos para
o desenvolvimento do ovário dependente da imediata ingestão de dietas com esse
nutriente. Em geral, os resultados obtidos pelos autores demonstram substancial
aumento dos níveis de lipídios com o aumento do índice gonadossomático.
Sendo os lipídios importante fonte de energia para os crustáceos,
dietas com altos níveis desse composto, como no caso do alimento lipídico
testado, podem não conter quantidades suficientes de carboidratos como fonte de
glicose, que é ainda mais necessária quando há síntese de quitina. Essa
deficiência seria contornada pela via da gliconeogênese, que, a partir do
oxalato, forma glicose, o que poderia explicar o aumento deste nutriente quando
utilizado o alimento lipídico a 20oC.
No processo da maturação ovariana, independentemente dos alimentos
oferecidos, observou-se que os níveis de proteínas totais mantêm-se altos na
hemolinfa nos estádios de maturação (II) e maduro (III). Esses níveis altos
corroboram o mencionado por HARRISON (1990), que indica haver uma necessidade
de estocagem desse nutriente no ovário para o início da vitelogênese (II).
Quando a vitelogênese está avançada (III), ocorre transporte de vitelogenina
exógena, geralmente do hepatopâncreas para o ovário.
A influência dos alimentos lipídico e protéico, induzindo altos níveis
de glicose na temperatura de 20oC, pode ser devida a deficiências de
carboidratos nos camarões, que são supridas por proteínas e lipídios, pois os
esqueletos de carbono dos aminoácidos não essenciais asseguram a formação de
glicose, bem como ácidos graxos.
Os níveis altos de lipídios na hemolinfa, encontrados nos presentes
experimentos, a 30oC, por efeito do alimento comercial, poderiam
sugerir que esse alimento não conteria quantidades adequadas desse nutriente
(balanceamento inadequado para M.
acanthurus) ou não seriam de boa qualidade, induzindo os carboidratos
presentes a formarem lipídios (via liponeogênese). Isso se nota mais no período
em que o camarão se alimenta, tornando necessária a estocagem de nutrientes,
sobretudo de lipídios, que são fundamentais para dar continuidade aos processos
tanto da muda como da maturação gonadal.
Segundo Harrison
(1990), parte da dieta lipídica e protéica absorvida é diretamente metabolizada
pelas células “M” do hepatopâncreas, reestruturada e liberada na hemolinfa como
lipoproteínas. A glicose pode ser absorvida diretamente do estômago. Esses
nutrientes, por efeito da maturação, se estocariam no ovário na fase de
pré-vitelogênese para formar as glicoproteínas e atuariam também como
precursores no metabolismo intermediário na produção de aminoácidos não
essenciais e energia. No caso da muda, os níveis de glicose circulante são
maiores no início da pré-muda como precursor para síntese de quitina (Passano, 1960).
O acúmulo de reservas
nutritivas, em relação à muda, inicia-se com a alimentação nos estágio B2
tardio e C1. Todo nutriente que não é utilizado se armazena no hepatopâncreas.
Nesse caso, o glicogênio triplica, as reservas protéicas aumentam e os lipídios
passam a constituir, em geral, a maior parte do material estocado.
No processo da maturação, o
acúmulo das reservas no ovário se inicia no estágio de maturação II,1. Nos
estágios de muda citados, segundo Passano
(1960), a água, absorvida no início da pós-muda começa a ser substituída por
tecido e o conteúdo de água baixa de 80% para 68% no corpo dos decápodes. Nesse
período, a quantidade e a qualidade do alimento ingerido durante o período de
alimentação é fundamental e os alimentos ingeridos são a principal fonte dos
nutrientes. Tendo em vista as condições do presente experimento, em que não se
permitiu o aproveitamento de alimentos naturais, a observação de mudas, o
desenvolvimento gonadal, assim como o crescimento das fêmeas estudadas permitem
admitir que os alimentos ingeridos foram eficientes para suprir os nutrientes
adequados na fase em que os animais se alimentavam.
No estágio de muda D2, os
decápodes deixam de se alimentar até o início do estágio B2. Nesse período, as
reservas do hepatopâncreas são utilizadas para formar o novo exoesqueleto e
cobrir todas as necessidades metabólicas (PASSANO, 1960).
No caso da maturação
ovariana, a estocagem dos nutrientes nos ovários propicia o início do processo
de vitelogênese durante o período em que os animais não se alimentam, havendo
também necessidade de nutrientes exógenos serem transportados para dar
continuidade à maturação. Os níveis de nutrientes estudados flutuaram em função
dos diferentes estágios de muda e estádios de maturação, o aumento ou
diminuição de determinados nutrientes na hemolinfa permitiu identificar a fase
de desenvolvimento e o estado nutricional em que as fêmeas de M. acanthurus se encontravam.
Os alimentos processados
influenciaram nos níveis de nutrientes na hemolinfa, favorecendo a síntese de
tecido ovariano e a produção de quitina. O alimento lipídico induziu um aumento
de glicose e proteínas totais na hemolinfa, já o alimento protéico aumentou os
níveis de glicose e lipídios totais, enquanto o alimento comercial produziu um
aumento de lipídios totais. O alimento lipídico é mais eficiente para a muda e
maturação ovariana.
A temperatura alta acelera o
crescimento, aumentando os níveis de proteínas totais na hemolinfa. Os níveis de
glicose aumentam no início da maturação ovariana e nos estágios finais da muda.
Os níveis de lipídios totais e proteínas totais são maiores nos estádios de
maturação e estágios de muda mais avançados.
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