Desenvolveu-se este estudo com o objetivo de avaliar a possibilidade de sobrevivência dos estágios do ciclo biológico do ácaro Lynxacarus radovskyi fora do hospedeiro em condições de laboratório. Coletaram-se ovos, formas imaturas e adultas do L. radovskyi,
de felinos naturalmente parasitados. Os espécimes coletados foram
separados e colocados em recipientes plásticos e em tubos de Durhan,
sendo submetidos à temperatura e umidade ambiente, no Laboratório de
Doenças Parasitárias dos Animais Domésticos – DMV – UFRPE, e em câmara
climatizada para BOD com temperatura de 27 ± 1ºC e umidade relativa
> 70%, em escotofase, com e sem fornecimento de pelo felino como
substrato, para ser avaliada a capacidade de sobrevivência dos estágios
fora do hospedeiro. Dos ovos coletados, houve eclosão de 100%, com
sobrevivência larval de um a quatro dias; para as larvas coletadas, a
sobrevivência foi de um a cinco dias. Para todas as fases do
experimento as ninfas apresentaram média de sobrevivência maior que os
demais estágios. Em geral, as fêmeas sobreviveram mais que os machos. O
aporte do pelo proporcionou uma sobrevivência maior para todos os
estágios do ácaro.
PALAVRAS-CHAVES: Astigmata, estágios, gato, longevidade.
This study aimed to evaluate the survival possibility of the
Lynxacarus radovskyi life cycle stages out of the host under laboratory conditions. Eggs, immature and adult forms of
L. radovskyi
were collected from cats naturally parasitized. The collected specimens
were separated and put into plastic containers and into Durhan pipes,
being submitted to room temperature and humidity, in the Parasitic
Diseases of Domestic Animals Laboratory – DMV – UFRPE, and in climatic
chamber at temperature of 27 ºC ± 1ºC and relative humidity > 70%,
in scotophase, with and without cat hair supply as substrate to
evaluate the survival capacity of the stages out of the host. There was
a 100% hatch of the collected eggs, with larval survival within one to
four days; the survival for the collected larvae was from one to five
days. For all the experiment phases the nymphs presented bigger
survival average than the other ones. In general, females survived more
than males. The addition of hair provided a bigger survival to all the
mite stages.
KEYWORDS: Astigmata, cats, longevity, stages.
INTRODUÇÃO
Como grande parte dos ácaros passa a vida em contato íntimo com seus
hospedeiros, sua propagação é realizada primariamente por contato
direto. O ciclo biológico básico possui quatro estágios evolutivos:
ovo, larva hexápoda, ninfa octópoda e adulto. Em muitos casos, há
vários ínstares ninfais antes do estágio adulto (GUIMARÃES
et al., 2001).
Os ácaros da família
Listrophoridae
(CANESTRINI, 1892) são espécies de corpo delicado, fortemente estriado
e com escudo dorsal distinto. Apresentam aparelho bucal e pernas
adaptadas para segurarem-se nos pelos (GUIMARÃES
et al., 2001), parasitando roedores, morcegos, carnívoros, primatas e marsupiais (FLECHTAMNN, 1975).
Com relação ao gênero
Lynxacarus, existem sete espécies descritas:
Lynxacarus mustelac Megnin, 1885 em Carnivora: Mustelidae
; L. morlani Radforf, 1951 em Carnivora: Felidae;
L. dubinini, 1969 em Insectivora: Talpidae;
L. lyncodon Fain, 1970 em Carnivora: Mustelidae;
L. semnopitheci Fain, 1970 em Primata: Cercopithecidae;
L. tupaiae Fain, 1970 em Primata: Tupaiidae;
L. nearcticus Fain e Hyland, 1973 em Carnivora: Mustelidae. No gato doméstico,
Lynxacarus radovskyi
foi reconhecido e relatado como ácaro pilícola parasito,
evidenciando-se, também, a sua importância na clínica de felinos, sendo
a segunda espécie de ácaro que mais acometia os felinos domésticos nas
Ilhas do Hawaii (TENORIO, 1974).
O período de desenvolvimento dos ácaros (ovo até adulto) varia de
acordo com a alimentação, temperatura e umidade do ambiente em que eles
se encontram. Na dependência desses fatores, o período entre uma e
outra fase evolutiva pode variar grandemente, sobretudo, com as
variações microclimáticas. Em média, o ciclo evolutivo transcorre num
prazo de vinte a trinta dias em temperatura entre 18ºC e 30ºC e umidade
relativa do ar entre 60% e 70% (CROCE & BAGGIO, 1993).
Em virtude do achado de inúmeros indivíduos adultos (machos e fêmeas),
ninfas, visualização do ovo no interior de muitas fêmeas, como também
da presença de ovos nos pelos de felinos domésticos naturalmente
parasitados, segundo diversos autores (TENORIO, 1974; FOLEY, 1991;
CRAIG
et al., 1993; PEREIRA, 1996), o ciclo completo do
L. radovskyi,
provavelmente, ocorre sobre o animal. Portanto, objetivou-se neste
experimento avaliar a possibilidade de sobrevivência dos estágios do
ciclo biológico do ácaro
Lynxacarus radovskyi fora do hospedeiro em condições de laboratório.
MATERIAL E MÉTODOS
O experimento realizou-se em três fases. Em cada uma delas, o número de
espécimes utilizados variou de acordo com a disponibilidade de material
coletado. Realizou-se a coleta por meio da avulsão de pelos (SLOSS
et al.,
1999) em animais da espécie felina, de ambos os sexos, raça e idade
variadas procedentes do Gatil do Departamento de Medicina Veterinária
(DMV), Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), naturalmente
parasitados. Os pelos foram acondicionados em recipientes plásticos com
tampa, tipo coletor universal, devidamente fechados e mantidos em
temperatura ambiente até a chegada ao Laboratório de Doenças
Parasitárias dos Animais Domésticos (DMV – UFRPE), para processamento
do material. Imediatamente após a coleta, cada amostra de pelo com
ácaros foi colocada em placa de Petri e observada em microscópio
estereoscópico, para determinação do estágio do ciclo de cada espécime,
conforme características morfológicas descritas por TENORIO (1974) e
FACCINI & COUTINHO (1986). A temperatura e a umidade ambiente foram
aferidas diariamente, mediante um termo-higrômetro digital modelo
TERMOHYGRO – TFA, sendo anotadas em ficha preestabelecida.
Na primeira fase (Fase 1), utilizaram-se recipientes plásticos
transparentes de formato redondo, com aproximadamente 3 cm de diâmetro
e 2 cm de altura, com tampa rosqueada de fechamento externo, perfurada
previamente no centro com um furo único de aproximadamente 1,5 cm de
diâmetro. Esse orifício foi recoberto com uma tela de nylon de 200
micras, fixada com cola quente de silicone. Realizaram-se as coletas de
maio a agosto de 2005, totalizando 23 ovos, cinco larvas, 46 ninfas, 58
machos, 83 fêmeas, sendo introduzido um espécime do ácaro em cada
recipiente, além de um casal mantido em um recipiente.
Os recipientes foram mantidos sobre bancada em temperatura e umidade
ambiente em recinto fechado com luminosidade natural, no Laboratório de
Doenças Parasitárias dos Animais Domésticos, sendo observados
diariamente, até a morte do ácaro. Desenvolveram-se as observações a
cada 24 horas em microscópio estereoscópico, apenas neste momento
submetidos à luz artificial.
Na segunda fase (Fase 2), procedeu-se às coletas em novembro e dezembro
de 2005. Utilizaram-se tubos de Durhan, vedados com algodão
hidrófilo, mantendo-se uma parte em temperatura ambiente no mesmo
recinto anteriormente mencionado, sobre bancada, sendo os tubos
posicionados verticalmente, apoiados em placa de micropoços de
poliestireno, e outra parte mantida em câmara climatizada para BOD com
temperatura de 27 ± 1ºC e umidade relativa ≥ 70%, em escotofase. As
condições de luminosidade para os tubos mantidos em temperatura
ambiente foram iguais às da primeira fase do estudo. Colocaram-se em
temperatura ambiente 31 larvas, 71 ninfas, 63 machos e 98 fêmeas, e em
BOD 8 ovos, 25 larvas, 80 ninfas, 68 machos, 131 fêmeas e cinco casais.
Os tubos foram observados diariamente, em microscópio estereoscópico,
como descrito na primeira fase.
Na terceira fase (Fase 3) do experimento, realizaram-se as coletas de
dezembro de 2005 a janeiro de 2006. Seguiu-se procedimento semelhante
ao da segunda fase, porém os tubos foram mantidos em temperatura
ambiente e acrescentaram-se a estes pelos de felinos como fonte de
alimentação, sendo colocados oito ovos, 53 larvas, 139 machos, 150
fêmeas e 94 ninfas. As observações ocorreram diariamente como nas fases
anteriores.
Para análise estatística, empregaram-se técnicas do tipo descritiva,
por meio de distribuições absolutas e percentuais do número de
espécimes, utilizando-se média e desvio padrão. Foram utilizadas também
técnicas de estatística inferencial por meio dos testes t-Student com
variâncias iguais ou desiguais, F (ANOVA), com comparações de Tukey.
Efetuou-se a verificação da hipótese de igualdade de variâncias através
do teste F de Levene (ALTMAN, 1991; ZAR, 1999). Para a obtenção dos
cálculos estatísticos, utilizou-se o programa Statistical Package for
the Social Sciences (SPSS) na versão 13, com margem de erro de 5,0%,
empregada para a decisão dos testes estatísticos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Na primeira fase do experimento a temperatura e a umidade ambiente
variaram de 25,8ºC a 30ºC e 62% a 84%, com médias de 26,8ºC e 71,27%,
respectivamente; na segunda fase, a variação foi de 28,5ºC a 31ºC e 50%
a 70%, com médias de 27,4ºC e 58% respectivamente; e, na terceira fase,
a temperatura ambiente e a umidade relativa apresentaram,
respectivamente, variações de 28ºC a 31ºC e 52% a 70%, com médias de
30ºC e 60,8%.
Avaliando-se os dados obtidos na primeira fase, dos ovos colocados 100%
deram origem a larvas que sobreviveram um dia. Observou-se que algumas
larvas apresentaram dificuldade para sair da casca ovígera,
encontrando-se 39,1% (9/23) presas parcialmente à casca (
Figura 1), sendo retiradas com o auxílio de um pincel adaptado de nº 0.
As larvas coletadas sobreviveram de um a dois dias, sendo que 80%
morreram com dois dias; as ninfas sobreviveram de três a dez dias, com
um percentual maior (32,6%) morrendo com cinco dias. Os machos
apresentaram sobrevivência de um a quatro dias e as fêmeas de um a doze
dias, com percentuais de mortalidade maiores entre um e cinco dias (
Tabela 1).
Na segunda fase, a taxa de eclosão em BOD foi de 100%, sobrevivendo as
larvas de um a dois dias. As larvas coletadas e submetidas à
temperatura ambiente sobreviveram de um a dois dias, semelhante às
larvas postas em BOD e às da fase 1 do experimento.
A sobrevivência das ninfas em temperatura ambiente foi de um a seis
dias, e das colocadas em BOD foi de um a cinco dias. As fêmeas
sobreviveram de um a quatro e um a oito dias, respectivamente em
temperatura ambiente e BOD. Para os machos, a sobrevivência tanto em
ambiente quanto em BOD foi de um a quatro dias. As fêmeas submetidas à
temperatura ambiente tiveram uma sobrevida menor quando comparadas com
as da BOD (
Tabelas 2 e
3).
Dos resultados obtidos na terceira fase, a taxa de eclosão foi de 100%,
sobrevivendo as larvas de um a quatro dias, e as larvas coletadas de um
a cinco dias. Para as ninfas, a sobrevida variou de um a 23 dias, e
para os machos e fêmeas a sobrevida foi de um a 17 dias (
Tabela 4).
Constatou-se que a mortalidade foi mais tardia que as registradas na
fase um (temperatura ambiente) e nas duas condições da fase dois
(temperatura ambiente e BOD) do experimento.
Através do teste de Tukey, visando a comparação pareada entre as médias
dos períodos de sobrevivência dos estágios, para a fase 1, observou-se
que não houve diferença significativa entre a sobrevivência da
larva eclodida no laboratório e da larva coletada do animal parasitado.
No entanto, ambas diferiram dos outros estágios, exceto em relação às
larvas coletadas e machos. As ninfas tiveram média de sobrevivência
significativamente maior que os demais estágios e as fêmeas
apresentaram sobrevivência estatisticamente maior que os machos (
Tabela 5).
Houve diferença significativa entre as médias do período de
sobrevivência das larvas coletadas em relação aos demais estágios na
fase 2, não havendo diferença entre ninfas e fêmeas, e machos e
fêmeas. Em BOD, houve diferença significativa entre a
sobrevivência média da larva eclodida e da larva coletada, quando
comparada aos demais estágios, e entre machos e fêmeas, com sobrevida
maior para as fêmeas. Comparando-se os dois ambientes experimentais,
apenas para as fêmeas houve diferença significativa entre as médias,
sendo maior a sobrevivência para os espécimes mantidos em BOD (
Tabela 5).
Na fase 3, observou-se diferença significativa entre as médias das
larvas eclodidas e as larvas coletadas, porém diferiram dos demais
estágios, semelhante ao que ocorreu nas fases 1 e 2 do experimento. As
ninfas apresentaram período médio de sobrevivência significativamente
maior quando comparado aos dos outros estágios, exceto ao das
fêmeas. Os resultados observados nesta fase foram semelhantes aos
achados nas outras fases do experimento, porém com a particularidade de
que todos os estágios tiveram uma sobrevida média bem superior às
médias das fases anteriores. A média de sobrevivência dos machos não
diferiu estatisticamente da das fêmeas, porém diferiu dos estágios
restantes (
Tabela 5).
Embora não existam registros sobre tempos de sobrevivência de
L. radovskyi, LIGNON
et al. (1994), trabalhando com
Sarcoptes scabiei,
observaram sobrevivência maior fora do hospedeiro, de ninfas e fêmeas,
as quais apresentaram média de seis dias a 25 ± 1 ºC e 75% de umidade
relativa e sete dias a 20 ± 1 ºC e 75%, quando comparadas aos machos,
que morreram todos no decorrer de 1,74 dias a 25 ± 1 ºC e 75% e quatro
dias a 20 ± 1 ºC e 75%.
Na
Tabela 6,
consta a comparação do tempo de sobrevivência das fases 1 e 3, que
transcorreram no ambiente, segundo o estágio. Comprovaram-se diferenças
significativas entre os dois experimentos para cada um dos estágios
analisados, observando-se que as médias da fase 3 do experimento foram
correspondentemente mais elevadas do que as do experimento 1. A adição
do pelo felino como substrato pode ter contribuído para a diferença
obtida. Deve-se, porém, levar também em consideração as diferenças de
temperatura e umidade relativa observadas entre as épocas de realização
dos experimentos.
Quanto aos ovos coletados, pôde-se observar que, inicialmente,
apresentavam coloração vítrea brilhante, a qual, com o passar do tempo,
modificou-se para opaca e, posteriormente, escurecida, tendendo à cor
marrom, até a eclosão das larvas.
Não se observou a realização de postura por parte das fêmeas em nenhuma
das três fases do experimento, seja das fêmeas mantidas individualmente
ou das postas junto aos machos. Todavia observou-se atitude
possivelmente de cortejo por parte dos machos de todos os seis casais,
os quais se posicionavam sobre o dorso das fêmeas (
Figura 2). Dentre os casais, a sobrevivência das fêmeas foi de um a oito dias, sendo mais tardia que a dos machos (um a cinco dias).
CONCLUSÃO
Os estágios de ovo, larva, ninfas, machos e fêmeas do
L. radovskyi
sobrevivem fora do hospedeiro. A ausência ou presença de pelo felino
parece ser fator importante na duração dos períodos de sobrevivência
destes estágios.
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