A síndrome da ansiedade de separação
(SAS) é definida como o conjunto de comportamentos exibidos por cães
quando são deixados sozinhos. É considerada um dos problemas
comportamentais mais comuns da espécie. Os sinais clínicos básicos da
SAS são vocalização excessiva, destruição de objetos, defecação e
micção em locais impróprios, acarretando prejuízos na qualidade de vida
dos animais. Sendo uma das causas de abandono e eutanásia desses
animais, a SAS foi pesquisada em cães atendidos no Hospital Veterinário
da Unicastelo em Fernandópolis, SP, no período de dezembro de 2007 a
dezembro de 2008, mediante levantamento realizado em 75 animais,
compreendendo trinta (40%) machos adultos, nove (12%) machos jovens,
trinta (40%) fêmeas adultas e seis (8%) fêmeas jovens. Os cães foram
avaliados com base em informações fornecidas pelos proprietários,
utilizando um questionário comportamental. Da população geral estudada,
35 cães (47%) apresentavam vocalização excessiva, 29 (39%) realizavam
micção em locais impróprios, 17 (23%) defecavam em locais impróprios e
22 (29%) destruíam objetos nos períodos de ausência dos donos. A
análise dos resultados obtidos permite concluir que, dos 75 animais
estudados, 51(68%) apresentaram SAS, sendo 23 machos adultos (77%), 6
machos jovens (67%), 19 fêmeas adultas (63%) e 3 fêmeas jovens
(50%).
PALAVRAS-CHAVES: Cães, comportamento animal, distúrbios de comportamento, SAS.
SEPARATION ANXIETY SYNDROME (SAS) IN DOGS FROM FERNANDOPOLIS, SP, REFERRED TO UNICASTELO VETERINARY HOSPITAL
The separation anxiety syndrome (SAS)
is defined by a group of altered behaviors showed by dogs when they are
left alone, contributing for the most common behavior problems in this
specie. The basic clinical signs of SAS are the following: distress
vocalization (whining, barking, howling), destructiveness and house
soiling. SAS reduce the animal’s life quality and is a frequent cause
of abandonment and euthanasia of these dogs. The goal of this research
was to verify the occurrence of SAS in dogs from Fernandopolis, SP,
referred to the veterinary hospital of Unicastelo, in the period lying
between december/2007 and december/2008. Seventy five animals were
studied, comprising 30 (40%) adult males, 9 (12%) young males, 30 (40%)
adult females and 6 (8%) young females. The dogs were evaluated through
data given by the owners, according to a behavior questionnaire. From
the general studied population, 35 dogs (47%) showed distress
vocalization, 29 (39%) dogs showed micturition at inappropriate places,
17 (23%) dogs showed defecation at inappropriate places and 22 (29%)
showed destructiveness during the periods of the owner’s absence. From
the obtained results we may conclude the occurrence of SAS in 68% of
the studied dogs.
KEY WORDS: Dogs, animal behavior, behavior disturbances, SAS.
O termo ansiedade pode ser definido
como antecipação apreensiva de um perigo futuro, acompanhado de
disforia e/ou alterações somáticas de tensão (hipervigilância,
hiperatividade autonômica, aumento de atividade motora e tensão)
(OVERALL, 1997).
A síndrome da ansiedade de separação (SAS) é condição manifestada pelo
conjunto de comportamentos exibidos por cães quando são deixados
sozinhos e constitui um dos problemas comportamentais mais comuns nessa
espécie (SIMPSON, 2000). Trata-se de síndrome que também pode ser
definida como apreensão decorrente da remoção de pessoas significativas
ou de ambientes familiares, vindo a manifestar-se pela ausência do
proprietário de forma real ou mesmo pelo simples impedimento do acesso,
quando o cão fica preso ou separado fisicamente do dono (APPLEBY &
PLUIJMAKERS, 2003; LANTZMAN, 2007). É possível também definir a SAS
como apreensão decorrente da remoção de pessoas vinculadas ao cão ou de
ambientes familiares (APPLEBY & PLUIJMAKERS, 2003) e provavelmente
resulta da natureza social dos cães domesticados e do seu vínculo
emocional com os humanos. A hipervinculação patológica entre o cão e
seu dono foi proposta como uma alteração comportamental que levaria à
síndrome, embora nem todos os animais com diagnóstico de SAS apresentem
hipervinculação (SIMPSON, 2000).
Os quatro sinais clínicos básicos da SAS são vocalização excessiva,
destruição de objetos, defecação e micção em locais impróprios. A
síndrome também pode incluir vômitos e depressão, além de
comportamentos compulsivos como a tricotilomania ou a lambedura
compulsiva de membros ou flanco. É possível explicar os sinais como
tentativas empreendidas pelo cão para restabelecer contato com o
indivíduo ao qual se apegou que está ausente. O comportamento
destrutivo, normalmente, se direciona a objetos do proprietário ou a
portas, janelas ou móveis, como meios para o cão encontrar o seu
proprietário. Essas manifestações começam, geralmente, dentro de cinco
a trinta minutos após a saída do proprietário, embora alguns cães
prevejam a partida e exibam sinais compatíveis com aumento da
inquietação mesmo antes desse momento. Há possibilidade de a expressão
comportamental da SAS continuar o dia inteiro, até que o proprietário
retorne, ou o cão se recuperar e relaxar logo (McCRAVE, 1991; BEAVER,
2001; APPLEBY & PLUIJMAKERS, 2003).
Em vista do exposto, esta pesquisa objetivou fazer um levantamento da
SAS em cães atendidos no Hospital Veterinário da Unicastelo em
Fernandópolis, SP, no período de dezembro de 2007 a dezembro de 2008.
Foram estudados 75 cães, machos e
fêmeas, mestiços e de raças definidas (Pastor Alemão, Poodle, Labrador,
Shih Tzu, York Shire) atendidos no ambulatório de clínica médica do
Hospital Veterinário Domingos Alves em decorrência de enfermidades
diversas. Dividiram-se esses cães em grupos, de acordo com a idade e
sexo, como descrito a seguir: Grupo 1 (machos adultos): animais com
mais de 1 ano de idade; Grupo 2 (machos jovens): animais com menos de 1
ano de idade; Grupo 3 (fêmeas adultas): animais com mais de 1 ano de
idade; Grupo 4 (fêmeas jovens): animais com menos de 1 ano de idade.
Procedeu-se à avaliação dos cães com base nas informações fornecidas
pelos proprietários, no momento da consulta, de acordo com um
questionário comportamental desenvolvido pelo setor de clínica médica,
orientando-se em dados obtidos na literatura (
Quadro 1).
As perguntas foram feitas pela discente responsável pela pesquisa e,
posteriormente, efetuou-se a avaliação do questionário em conjunto com
a docente orientadora da pesquisa. O questionário foi aplicado apenas
uma vez para cada animal, no momento da consulta veterinária.
Procedeu-se à avaliação do comportamento dos animais pelos próprios
proprietários, presentes no momento da visita ao Hospital Veterinário.
Posteriormente, aqueles animais cujo comportamento alterado demonstrou
vinculação a algum estado patológico como, por exemplo, incontinência
urinária relacionada com doença de trato urinário inferior, foram
excluídos da pesquisa. A comparação entre animais jovens e adultos e
entre machos e fêmeas levou em consideração alguns comportamentos
considerados “normais” para a idade ou estado reprodutivo em questão.
Foram considerados como positivos para SAS os animais que apresentaram,
no mínimo, um dos sinais clássicos (vocalização excessiva,
comportamento destrutivo, micção ou defecação em locais impróprios),
associado a também, no mínimo, três opções relacionadas à
hipervinculação (agitação, agressão, ofegação, salivação, hipo ou
hiper-reatividade).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados obtidos para cada grupo de animais encontram-se descritos nas
Tabelas 1,
2,
3,
4 e
5 e
Figuras 1,
2,
3 ,
4 e
5.
RUGBJERG
et al. (1997)
relataram índice de 6,1% para a SAS em 4.359 cães analisados, com base
em análise de questionário fornecido aos membros do Kenel Clube da
Dinamarca. Entretanto, a incidência de SAS em Massachusets, Estados
Unidos, variou entre 14% e 40% (OVERALL, 2001; SEKSEL & LINDEMAN,
2001; SCHARTZ, 2003). HSU & SERPELL (2003) descreveram frequência
de 17,5% para cães da Filadélfia, Estados Unidos, e YALCIN & BATMAZ
(2007) registraram a incidência de 12% em 80 cães estudados na Turquia.
No Brasil, há carência de estudos sobre a ocorrência de SAS em cães
domésticos.
Após avaliação dos dados obtidos nesta pesquisa, observou-se que o
sinal de SAS mais frequente foi vocalização excessiva, seguida por
micção em locais impróprios, destruição de objetos e defecação em
locais impróprios. Quanto à vocalização excessiva, o maior índice (63%)
ocorreu em machos adultos, quando comparados com as fêmeas adultas e
jovens e com os machos jovens (37%, 33% e 34%, respectivamente). A
vocalização se manifestou sob a forma de latidos, uivos e choros, os
quais eventualmente começaram durante o período de preparação para a
saída do proprietário (percebido pelo animal) e se estenderam
parcialmente ou durante toda a sua ausência, de acordo com informações
fornecidas pelos vizinhos. Segundo SIMPSOM (2000), embora esses sons
sejam os mais frequentes, alguns proprietários relatam a ocorrência de
som característico nesse momento de ansiedade, o qual pode
assemelhar-se a um choro ou gemido de baixa intensidade. Também é
possível ocorrer um padrão cíclico de vocalização, durante o período de
ausência. Neste trabalho, a vocalização motivada pela SAS ocorreu de
forma contínua ao invés de ser intermitente, como a que ocorre com
outras motivações. Os diagnósticos diferenciais para a vocalização
excessiva da SAS incluem o latido territorial ou de alarme, e também o
latido emitido como resposta aos sinais de outros cães (APPLEBY &
PLUIJMAKERS, 2003).
A micção em locais impróprios também foi comportamento mais observado
nos machos adultos (53%), quando comparados às fêmeas adultas (30%) e
jovens (17%) e com os machos jovens (34%). Esse comportamento pode ser
explicado pela constante demarcação de território empreendida pelos
machos da espécie canina (APPLEBY & PLUIJMAKERS, 2003). Entretanto,
quando ele se apresentou vinculado aos outros sinais de SAS, e não
apenas isoladamente, e em outros momentos além daqueles em que o
proprietário se encontrou ausente, acreditou-se que tenha sido motivado
pela ansiedade.
A defecação em locais impróprios foi mais frequente no grupo de machos
jovens (34%), quando comparados aos machos adultos, fêmeas adultas e
fêmeas jovens (23%, 20% e 17%, respectivamente). Tanto a defecação como
a micção em locais inadequados podem ser provocadas pela restrição de
espaço ao qual o animal é submetido diante de sua necessidade, ou mesmo
por diversas causas médicas como endoparasitismo, enterites, síndromes
de má absorção, cistite, diabetes e outras, as quais devem ser
investigadas num animal que apresenta esse tipo de comportamento
(SIMPSOM, 2000; SOARES
et al.,
2007). Entretanto, todos os animais que demonstraram vinculação entre o
comportamento alterado e enfermidade foram excluídos da pesquisa.
A destruição de objetos foi mais frequente nos jovens, tanto machos
(78%) quanto fêmeas (67%), quando comparados aos machos e fêmeas
adultas (20% e 17%, respectivamente). Este fato é esperado em função do
crescimento dos dentes e da imaturidade inerente à idade. Para os
animais que demonstram sinais de SAS, esse comportamento destrutivo é
frequentemente focalizado sobre a porta de saída do proprietário, a
qual pode apresentar sinais de arranhadura ou mesmo mordidas. Mas a
destrutividade pode ser direcionada para outros objetos da casa, como
roupas, sapatos, mobílias, jornais, latas ou mesmo algum objeto que
tenha sido manuseado pelo proprietário pouco antes de sua saída
(APPLEBY & PLUIJMAKERS, 2003). Os dados encontrados nesta pesquisa
confirmam os relatos de SIMPSON (2000), que observou que a
destrutividade é especialmente comum em filhotes e animais que
apresentam fobia de tempestade, devendo ser feito o diagnóstico
diferencial para a SAS através da associação do comportamento de
destrutividade com os outros sinais de SAS e a hipervinculação com o
proprietário.
As manifestações típicas de hipervinculação ocorreram em 88% dos cães
avaliados, incluindo o ato de seguir o dono pela casa (inclusive dentro
do banheiro), deitar-se próximo ao dono e solicitar contato contínuo,
manifestando inquietação quando submetido à separação temporária, mesmo
quando o proprietário encontra-se em casa. A hipervinculação foi
sugerida como uma condição necessária para a SAS por vários autores,
mas deve estar associada com os outros sinais típicos da síndrome
(VOITH & BORCHELT, 1985; McCRAVE, 1991; APPLEBY & PLUIJMAKERS,
2003; SCHARTZ, 2003). Nesse estudo, os cães que receberam o diagnóstico
de SAS apresentaram uma combinação entre os sinais de hipervinculação e
aqueles considerados típicos de SAS. No entanto, todos os pacientes que
apresentaram sinais de SAS também apresentaram sinais de
hipervinculação.
A análise da combinação entre os sinais clínicos e a característica de
hipervinculação demonstrou que, dentre os 75 animais estudados, 51(68%)
apresentaram SAS. Dentre os 30 machos adultos, 23 (77%) exibiam SAS;
dos 9 machos jovens, 6 (67%) mostraram SAS; dentre as 30 fêmeas
adultas, 19 (63%) apresentaram SAS; e das 6 fêmeas jovens 3 (50%)
manifestavam SAS. A maior incidência de SAS em machos adultos já
foi referida por outros autores (BEAVER, 2001; APPLEBY &
PLUIJMAKERS, 2003; SOARES
et al.,
2007; YALCIN & BATMAZ, 2007) e foi confirmada neste estudo. No
entanto, a incidência de SAS observada neste relato foi superior àquela
descrita por outros autores. Esse achado pode dever-se ao estilo de
vida atual da maioria dos proprietários, que implica a ausência do
domicílio durante a maior parte do dia por motivos profissionais, a
falta de disponibilidade de tempo para estar com seus cães, os quais
acabam sofrendo pelo abandono, além dos eventos estressantes que
permeiam o dia a dia, promovendo um aumento do grau de ansiedade dos
indivíduos e seus animais de estimação.
CONCLUSÕES
A análise dos resultados obtidos permite concluir que, dentre os 75
animais estudados, 51(68%) apresentaram SAS, sendo 23 machos adultos
(77%), 6 machos jovens (67%), 19 fêmeas adultas (63%) e 3 fêmeas jovens
(50%).
Protocolo de pesquisa de acordo com as normas da Comissão de Ética e
Biossegurança da Instituição e de acordo com os princípios éticos
recomendados pelo Colégio Brasileiro de Experimentação Animal (COBEA).
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