DOI: 10.5216/cab.v11i1.5463
SÍNDROME DA ANSIEDADE DE SEPARAÇÃO (SAS) EM CÃES ATENDIDOS NO HOSPITAL VETERINÁRIO DA UNICASTELO, FERNANDÓPOLIS, SP


Adriana Alonso Novais,1 Dayane de Souza Arruda Lemos² e Domingos de Faria Junior³

1. Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinárias/Área de Clínica Médica de Pequenos Animais, Unicastelo, Campus de Fernandopolis, SP.
E-mail: aanovais@terra.com.br
2. Aluna do curso de Medicina Veterinária da Unicastelo, Campus de Fernandopolis, SP
3. Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinárias, Área de Clínica Cirúrgica de Pequenos Animais, Unicastelo, Campus de Fernandopolis, SP.




RESUMO

A síndrome da ansiedade de separação (SAS) é definida como o conjunto de comportamentos exibidos por cães quando são deixados sozinhos. É considerada um dos problemas comportamentais mais comuns da espécie. Os sinais clínicos básicos da SAS são vocalização excessiva, destruição de objetos, defecação e micção em locais impróprios, acarretando prejuízos na qualidade de vida dos animais. Sendo uma das causas de abandono e eutanásia desses animais, a SAS foi pesquisada em cães atendidos no Hospital Veterinário da Unicastelo em Fernandópolis, SP, no período de dezembro de 2007 a dezembro de 2008, mediante levantamento realizado em 75 animais, compreendendo trinta (40%) machos adultos, nove (12%) machos jovens, trinta (40%) fêmeas adultas e seis (8%) fêmeas jovens. Os cães foram avaliados com base em informações fornecidas pelos proprietários, utilizando um questionário comportamental. Da população geral estudada, 35 cães (47%) apresentavam vocalização excessiva, 29 (39%) realizavam micção em locais impróprios, 17 (23%) defecavam em locais impróprios e 22 (29%) destruíam objetos nos períodos de ausência dos donos. A análise dos resultados obtidos permite concluir que, dos 75 animais estudados, 51(68%) apresentaram SAS, sendo 23 machos adultos (77%), 6 machos jovens (67%), 19 fêmeas adultas (63%) e 3 fêmeas jovens (50%). 

PALAVRAS-CHAVES: Cães, comportamento animal, distúrbios de comportamento, SAS.


ABSTRACT

SEPARATION ANXIETY SYNDROME (SAS) IN DOGS FROM FERNANDOPOLIS, SP, REFERRED TO UNICASTELO VETERINARY HOSPITAL

The separation anxiety syndrome (SAS) is defined by a group of altered behaviors showed by dogs when they are left alone, contributing for the most common behavior problems in this specie. The basic clinical signs of SAS are the following: distress vocalization (whining, barking, howling), destructiveness and house soiling. SAS reduce the animal’s life quality and is a frequent cause of abandonment and euthanasia of these dogs. The goal of this research was to verify the occurrence of SAS in dogs from Fernandopolis, SP, referred to the veterinary hospital of Unicastelo, in the period lying between december/2007 and december/2008. Seventy five animals were studied, comprising 30 (40%) adult males, 9 (12%) young males, 30 (40%) adult females and 6 (8%) young females. The dogs were evaluated through data given by the owners, according to a behavior questionnaire. From the general studied population, 35 dogs (47%) showed distress vocalization, 29 (39%) dogs showed micturition at inappropriate places, 17 (23%) dogs showed defecation at inappropriate places and 22 (29%) showed destructiveness during the periods of the owner’s absence. From the obtained results we may conclude the occurrence of SAS in 68% of the studied dogs.

KEY WORDS: Dogs, animal behavior, behavior disturbances, SAS.



INTRODUÇÃO

O termo ansiedade pode ser definido como antecipação apreensiva de um perigo futuro, acompanhado de disforia e/ou alterações somáticas de tensão (hipervigilância, hiperatividade autonômica, aumento de atividade motora e tensão) (OVERALL, 1997).
A síndrome da ansiedade de separação (SAS) é condição manifestada pelo conjunto de comportamentos exibidos por cães quando são deixados sozinhos e constitui um dos problemas comportamentais mais comuns nessa espécie (SIMPSON, 2000). Trata-se de síndrome que também pode ser definida como apreensão decorrente da remoção de pessoas significativas ou de ambientes familiares, vindo a manifestar-se pela ausência do proprietário de forma real ou mesmo pelo simples impedimento do acesso, quando o cão fica preso ou separado fisicamente do dono (APPLEBY & PLUIJMAKERS, 2003; LANTZMAN, 2007). É possível também definir a SAS como apreensão decorrente da remoção de pessoas vinculadas ao cão ou de ambientes familiares (APPLEBY & PLUIJMAKERS, 2003) e provavelmente resulta da natureza social dos cães domesticados e do seu vínculo emocional com os humanos. A hipervinculação patológica entre o cão e seu dono foi proposta como uma alteração comportamental que levaria à síndrome, embora nem todos os animais com diagnóstico de SAS apresentem hipervinculação (SIMPSON, 2000).
Os quatro sinais clínicos básicos da SAS são vocalização excessiva, destruição de objetos, defecação e micção em locais impróprios. A síndrome também pode incluir vômitos e depressão, além de comportamentos compulsivos como a tricotilomania ou a lambedura compulsiva de membros ou flanco. É possível explicar os sinais como tentativas empreendidas pelo cão para restabelecer contato com o indivíduo ao qual se apegou que está ausente. O comportamento destrutivo, normalmente, se direciona a objetos do proprietário ou a portas, janelas ou móveis, como meios para o cão encontrar o seu proprietário. Essas manifestações começam, geralmente, dentro de cinco a trinta minutos após a saída do proprietário, embora alguns cães prevejam a partida e exibam sinais compatíveis com aumento da inquietação mesmo antes desse momento. Há possibilidade de a expressão comportamental da SAS continuar o dia inteiro, até que o proprietário retorne, ou o cão se recuperar e relaxar logo (McCRAVE, 1991; BEAVER, 2001; APPLEBY & PLUIJMAKERS, 2003).
Em vista do exposto, esta pesquisa objetivou fazer um levantamento da SAS em cães atendidos no Hospital Veterinário da Unicastelo em Fernandópolis, SP, no período de dezembro de 2007 a dezembro de 2008.

MATERIAL E MÉTODOS

Foram estudados 75 cães, machos e fêmeas, mestiços e de raças definidas (Pastor Alemão, Poodle, Labrador, Shih Tzu, York Shire) atendidos no ambulatório de clínica médica do Hospital Veterinário Domingos Alves em decorrência de enfermidades diversas. Dividiram-se esses cães em grupos, de acordo com a idade e sexo, como descrito a seguir: Grupo 1 (machos adultos): animais com mais de 1 ano de idade; Grupo 2 (machos jovens): animais com menos de 1 ano de idade; Grupo 3 (fêmeas adultas): animais com mais de 1 ano de idade; Grupo 4 (fêmeas jovens): animais com menos de 1 ano de idade. Procedeu-se à avaliação dos cães com base nas informações fornecidas pelos proprietários, no momento da consulta, de acordo com um questionário comportamental desenvolvido pelo setor de clínica médica, orientando-se em dados obtidos na literatura (Quadro 1).  As perguntas foram feitas pela discente responsável pela pesquisa e, posteriormente, efetuou-se a avaliação do questionário em conjunto com a docente orientadora da pesquisa. O questionário foi aplicado apenas uma vez para cada animal, no momento da consulta veterinária. Procedeu-se à avaliação do comportamento dos animais pelos próprios proprietários, presentes no momento da visita ao Hospital Veterinário. Posteriormente, aqueles animais cujo comportamento alterado demonstrou vinculação a algum estado patológico como, por exemplo, incontinência urinária relacionada com doença de trato urinário inferior, foram excluídos da pesquisa. A comparação entre animais jovens e adultos e entre machos e fêmeas levou em consideração alguns comportamentos considerados “normais” para a idade ou estado reprodutivo em questão.
Foram considerados como positivos para SAS os animais que apresentaram, no mínimo, um dos sinais clássicos (vocalização excessiva, comportamento destrutivo, micção ou defecação em locais impróprios), associado a também, no mínimo, três opções relacionadas à hipervinculação (agitação, agressão, ofegação, salivação, hipo ou hiper-reatividade).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados obtidos para cada grupo de animais encontram-se descritos nas Tabelas 1, 2, 3, 4 e 5 e Figuras 1, 2, 3 , 4 e 5.
RUGBJERG et al. (1997) relataram índice de 6,1% para a SAS em 4.359 cães analisados, com base em análise de questionário fornecido aos membros do Kenel Clube da Dinamarca. Entretanto, a incidência de SAS em Massachusets, Estados Unidos, variou entre 14% e 40% (OVERALL, 2001; SEKSEL & LINDEMAN, 2001; SCHARTZ, 2003). HSU & SERPELL (2003) descreveram frequência de 17,5% para cães da Filadélfia, Estados Unidos, e YALCIN & BATMAZ (2007) registraram a incidência de 12% em 80 cães estudados na Turquia. No Brasil, há carência de estudos sobre a ocorrência de SAS em cães domésticos.
Após avaliação dos dados obtidos nesta pesquisa, observou-se que o sinal de SAS mais frequente foi vocalização excessiva, seguida por micção em locais impróprios, destruição de objetos e defecação em locais impróprios. Quanto à vocalização excessiva, o maior índice (63%) ocorreu em machos adultos, quando comparados com as fêmeas adultas e jovens e com os machos jovens (37%, 33% e 34%, respectivamente). A vocalização se manifestou sob a forma de latidos, uivos e choros, os quais eventualmente começaram durante o período de preparação para a saída do proprietário (percebido pelo animal) e se estenderam parcialmente ou durante toda a sua ausência, de acordo com informações fornecidas pelos vizinhos. Segundo SIMPSOM (2000), embora esses sons sejam os mais frequentes, alguns proprietários relatam a ocorrência de som característico nesse momento de ansiedade, o qual pode assemelhar-se a um choro ou gemido de baixa intensidade. Também é possível ocorrer um padrão cíclico de vocalização, durante o período de ausência. Neste trabalho, a vocalização motivada pela SAS ocorreu de forma contínua ao invés de ser intermitente, como a que ocorre com outras motivações. Os diagnósticos diferenciais para a vocalização excessiva da SAS incluem o latido territorial ou de alarme, e também o latido emitido como resposta aos sinais de outros cães (APPLEBY & PLUIJMAKERS, 2003).
A micção em locais impróprios também foi comportamento mais observado nos machos adultos (53%), quando comparados às fêmeas adultas (30%) e jovens (17%) e com os machos jovens (34%). Esse comportamento pode ser explicado pela constante demarcação de território empreendida pelos machos da espécie canina (APPLEBY & PLUIJMAKERS, 2003). Entretanto, quando ele se apresentou vinculado aos outros sinais de SAS, e não apenas isoladamente, e em outros momentos além daqueles em que o proprietário se encontrou ausente, acreditou-se que tenha sido motivado pela ansiedade.
A defecação em locais impróprios foi mais frequente no grupo de machos jovens (34%), quando comparados aos machos adultos, fêmeas adultas e fêmeas jovens (23%, 20% e 17%, respectivamente). Tanto a defecação como a micção em locais inadequados podem ser provocadas pela restrição de espaço ao qual o animal é submetido diante de sua necessidade, ou mesmo por diversas causas médicas como endoparasitismo, enterites, síndromes de má absorção, cistite, diabetes e outras, as quais devem ser investigadas num animal que apresenta esse tipo de comportamento (SIMPSOM, 2000; SOARES et al., 2007). Entretanto, todos os animais que demonstraram vinculação entre o comportamento alterado e enfermidade foram excluídos da pesquisa.
A destruição de objetos foi mais frequente nos jovens, tanto machos (78%) quanto fêmeas (67%), quando comparados aos machos e fêmeas adultas (20% e 17%, respectivamente). Este fato é esperado em função do crescimento dos dentes e da imaturidade inerente à idade. Para os animais que demonstram sinais de SAS, esse comportamento destrutivo é frequentemente focalizado sobre a porta de saída do proprietário, a qual pode apresentar sinais de arranhadura ou mesmo mordidas. Mas a destrutividade pode ser direcionada para outros objetos da casa, como roupas, sapatos, mobílias, jornais, latas ou mesmo algum objeto que tenha sido manuseado pelo proprietário pouco antes de sua saída (APPLEBY & PLUIJMAKERS, 2003). Os dados encontrados nesta pesquisa confirmam os relatos de SIMPSON (2000), que observou que a destrutividade é especialmente comum em filhotes e animais que apresentam fobia de tempestade, devendo ser feito o diagnóstico diferencial para a SAS através da associação do comportamento de destrutividade com os outros sinais de SAS e a hipervinculação com o proprietário.
As manifestações típicas de hipervinculação ocorreram em 88% dos cães avaliados, incluindo o ato de seguir o dono pela casa (inclusive dentro do banheiro), deitar-se próximo ao dono e solicitar contato contínuo, manifestando inquietação quando submetido à separação temporária, mesmo quando o proprietário encontra-se em casa. A hipervinculação foi sugerida como uma condição necessária para a SAS por vários autores, mas deve estar associada com os outros sinais típicos da síndrome (VOITH & BORCHELT, 1985; McCRAVE, 1991; APPLEBY & PLUIJMAKERS, 2003; SCHARTZ, 2003). Nesse estudo, os cães que receberam o diagnóstico de SAS apresentaram uma combinação entre os sinais de hipervinculação e aqueles considerados típicos de SAS. No entanto, todos os pacientes que apresentaram sinais de SAS também apresentaram sinais de hipervinculação.
A análise da combinação entre os sinais clínicos e a característica de hipervinculação demonstrou que, dentre os 75 animais estudados, 51(68%) apresentaram SAS. Dentre os 30 machos adultos, 23 (77%) exibiam SAS; dos 9 machos jovens, 6 (67%) mostraram SAS; dentre as 30 fêmeas adultas, 19 (63%) apresentaram SAS; e das 6 fêmeas jovens 3 (50%) manifestavam SAS.  A maior incidência de SAS em machos adultos já foi referida por outros autores (BEAVER, 2001; APPLEBY & PLUIJMAKERS, 2003; SOARES et al., 2007; YALCIN & BATMAZ, 2007) e foi confirmada neste estudo. No entanto, a incidência de SAS observada neste relato foi superior àquela descrita por outros autores. Esse achado pode dever-se ao estilo de vida atual da maioria dos proprietários, que implica a ausência do domicílio durante a maior parte do dia por motivos profissionais, a falta de disponibilidade de tempo para estar com seus cães, os quais acabam sofrendo pelo abandono, além dos eventos estressantes que permeiam o dia a dia, promovendo um aumento do grau de ansiedade dos indivíduos e seus animais de estimação.

CONCLUSÕES

A análise dos resultados obtidos permite concluir que, dentre os 75 animais estudados, 51(68%) apresentaram SAS, sendo 23 machos adultos (77%), 6 machos jovens (67%), 19 fêmeas adultas (63%) e 3 fêmeas jovens (50%). 

Protocolo de pesquisa de acordo com as normas da Comissão de Ética e Biossegurança da Instituição e de acordo com os princípios éticos recomendados pelo Colégio Brasileiro de Experimentação Animal (COBEA).

REFERÊNCIAS

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Protocolado em: 24 jan. 2009.  Aceito em: 10 set. 2009.