DOI: 10.5216/cab.v11i1.5461
NÍVEIS DE IMUNOGLOBULINAS EM RATOS INFECTADOS POR  Trypanosoma evansi


Lucas Trevisan Gressler,1 Aleksandro Schafer da Silva,2 Mateus Anderson Otto,3 Maria Isabel Azevedo,3 Régis Adriel Zanette,4 Silvia Gonzalez Monteiro5 e Janio Morais Santurio6

1. Graduando em Medicina Veterinária ufsm, bolsista de iniciação científica.
2. Doutorando em Medicina Veterinária UFSM
3. Graduando em Medicina Veterinária UFSM
4. Mestrando em Ciências Veterinárias, UFRGS
5. Professora adjunto UFSM. E-mail: sgmonteiro@uol.com.br
6. Professor associado da UFSM.




RESUMO

Objetivou-se avaliar os níveis de imunoglobulinas presentes em ratos infectados experimentalmente por Trypanosoma evansi. Para isso, inocularam-se vinte animais com 106 tripomastigotas de T. evansi e dez ratos usados como controle. Controlou-se a parasitemia através de esfregaço sanguíneo diário, sendo que no quinto dia após a inoculação os animais foram divididos em três grupos homogêneos. Formaram-se os grupos A e B por ratos que apresentaram elevada e baixa parasitemia, respectivamente, e o grupo C por ratos sadios. Submeteram-se as amostras de soro ao teste de ELISA para quantificação de imunoglobulinas. A IgG e IgM de ratos dos grupos A e B foram superiores aos do grupo C. Já a IgM de ambos os grupos infectados não diferiu, apesar do grau de parasitemia. Portanto, os ratos infectados por T. evansi apresentaram resposta imunológica frente à infecção pelo flagelado, embora esta não seja suficiente para eliminar o protozoário na infecção aguda.

PALAVRAS-CHAVES: IgG, IgM, Ratus norvergicus, Trypanosoma evansi.


ABSTRACT

IMMUNOGLOBULIN LEVELS IN Trypanosoma evansi INFECTED RATS

This study aimed at evaluating the immunoglobulin levels in rats experimentally infected with Trypanosoma evansi. Twenty animals were inoculated with 106 trypomastigote forms and ten rats were used as control. Parasitemia was monitored by examining daily blood smears. Rats were separated into three equal groups in the fifth day PI: groups A and B were formed by rats with low and moderate parasitemia, respectively; group C was formed by non-infected rats. IgG and IgM were evaluated by ELISA test and were superior when compared to group C. The IgM levels did not differ between the infected groups. It may be concluded that the infected rats showed an immunological response against T. evansi, although this was not enough to eliminate the parasite in acute infection.

KEY WORDS: IgG, IgM, Ratus norvergicus, Trypanosoma evansi.


INTRODUÇÃO

Trypanosoma evansi é um protozoário flagelado causador da doença conhecida como mal das cadeiras ou surra em equinos. No Brasil, regiões endêmicas como o pantanal mato-grossense e áreas de clima tropical têm registro de parasitismo em várias espécies animais como cavalos, bovinos, caprinos, suínos, cães, capivaras, quatis, antas, veados e pequenos roedores silvestres. Além disso, a doença está se expandindo para o restante do país (SILVA et al., 2002; ZANETTE et al., 2008). A transmissão desse parasito ocorre por vetores, sendo os insetos hematófagos os principais responsáveis (Tabanus sp., Chrysops sp. e Hematopota sp.) (SILVA et al., 2002).
Em coelhos infectados por T. evansi, observou-se variação entre animais na manifestação clínica e imunológica da doença, sendo que a parasitemia e os sinais clínicos da doença não ocorrem em todos os animais infectados (UCHE et al., 1992; DA SILVA et al., 2008a). Pesquisadores mencionam a elevação das imunoglobulinas (IgG, IgM e IgA) como as responsáveis pela resistência dessa espécie ao protozoário (UCHE et al., 1992).   
Coelhos possuem anticorpos contra o T. evansi adquiridos a partir de uma infecção de evolução crônica (UCHE et al., 1992). Ao contrário, ratos apresentam infecção aguda pelo flagelado, com morte em até sete dias (DOYLE et al., 2007; DA SILVA et al., 2008b). Baseado na hipótese de que a mortalidade dos ratos ocorre antes mesmo da formação de imunoglobulinas, este estudo teve a finalidade de avaliar a resposta imunológica dos ratos diante da infecção aguda por T. evansi. Em virtude disso, a pesquisa teve o objetivo de quantificar os níveis de IgG e IgM presentes na circulação de ratos infectados experimentalmente pelo protozoário.

MATERIAL E MÉTODOS

Utilizaram-se trinta ratos (Ratus norvergicus), adultos, machos, dos quais vinte foram inoculados com 106 tripomastigotas de T. evansi pela via intraperitonial e o restante utilizado como controle. O isolado do parasito utilizado foi oriundo de um cão infectado naturalmente (COLPO et al., 2005), criopreservado em nitrogênio líquido. Controlou-se a parasitemia dos ratos por meio de esfregaços sanguíneos diários (DA SILVA et al., 2006). Os animais foram mantidos em ambiente com temperatura controlada (23ºC) e alimentados com ração comercial e água ad libitum.
Cinco dias após a inoculação, dividiram-se igualmente os animais em três grupos de dez ratos cada. O grupo A foi formado por ratos que apresentaram parasitemia crescente pelo protozoário, isto é, apresentavam mais de cinquenta tripomastigotas por campo em aumento de 1.000 vezes. Compôs-se o grupo B por roedores com parasitemia entre zero e cinco parasitas por campo em aumento de 1.000 vezes. Formou-se o grupo C por animais sadios, que não foram infectados com o T. evansi. Procedeu-se à quantificação de protozoários por mililitro de sangue em câmara de Neubauer. O estudo visou avaliar se esses diferentes graus de parasitemia estavam relacionados com os níveis de imunoglobulinas e se no quinto dia após infecção já seria possível detectar IgG.
No quinto dia de pesquisa, todos os animais foram anestesiados com éter etílico para coleta de sangue intracardíaco e posterior eutanásia. Da amostra de sangue, separou-se o soro, sendo este armazenado à temperatura de -20ºC até sua análise. O material foi submetido ao teste de ELISA comercial (Rat IgG ELISA Quantitation Set® e Rat IgM ELISA Quantitation Set®), conforme orientação do fabricante, para quantificação dos níveis de IgG e IgM nos diferentes grupos. Processaram-se os soros na diluição de 1:3600 e compararam-se os resultados com a curva obtida no calibrador (R2>0,93). Cada amostra foi realizada em triplicata.
Analisaram-se estatisticamente níveis de imunologlobulinas por meio análise de variância (ANOVA), para avaliação das diferenças entre grupos, seguida por aplicação do teste de Tukey, para comparação entre médias (SILVA & AZEVEDO, 2002). O presente experimento foi aprovado pelo Comitê de Ética e Bem-Estar Animal da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), n°23081.003854/2008-56, de acordo com legislação vigente e os princípios éticos publicados pelo Colégio Brasileiro de Experimentação Animal (COBEA).

RESULTADOS

Os animais dos grupos A e B apresentaram perío­do pré-patente entre 24 e 48 horas, sendo que o grupo A demonstrou uma parasitemia progressiva, superior a cinquenta parasitas por campo de microscopia óptica no quinto dia após a infecção. Os animais do grupo B apresentaram parasitemia com picos irregulares, oscilando entre zero e cinco flagelados (Figura 1). A contagem de flagelados em câmara de Neubauer quantificou 108 e 105 tripomastigotas por mililitro de sangue nos grupos A e B, respectivamente.
Imunologicamente, houve diferença estatística significativa entre os animais infectados (grupos A e B) e controle (grupo C), tanto para IgG quanto para IgM (p<0,05). As duas imunoglobulinas aumentaram consideravelmente nos animais parasitados (Tabela 1). Em ambos os grupos inoculados, os níveis de IgM foram semelhantes, mas superiores ao controle. Já IgG diferiu em todos os grupos, sendo mais elevada no grupo A (Tabela 1).

DISCUSSÃO

O período pré-patente, compreendido desde a inoculação do parasito até o aparecimento na circulação, observado neste estudo foi semelhante a outras pesquisas já realizadas com este isolado (DOYLE et al., 2007; DA SILVA et al., 2008b). Já a multiplicação do flagelado não foi a mesma em todos os animais, possibilitando formar dois grupos distintos baseado no número de parasitos na circulação. Conforme a literatura, essa diferença entre os ratos na evolução da parasitemia pode estar relacionada à patogenicidade da cepa ou à resposta imunológica do hospedeiro diante da infecção (QUEIROZ et al., 2000; CARMONA et al., 2006; OMER et al., 2007).
Os níveis de IgG e IgM dos ratos do grupo A e B foram superiores aos do  grupo C. Em cães e ratos, pesquisadores também observaram altos títulos de anticorpos de  IgG e IgM em animais com  parasitemia constante ou elevada (AQUINO et al., 1999; QUEIROZ et al., 2001). Esse aumento de imunoglobulinas é sugerido pelos autores como uma resposta humoral relacionada a ambas as imunoglobulinas, porém são insuficientes no controle da população do parasita (QUEIROZ et al., 2001).
É sabido que ensaios imunoenzimáticos são eficientes para detecção da IgG em animais infectados. Portanto, níveis elevados dessa imunoglobulina em animais suspeitos  para T. evansi podem ser uma ferramenta de diagnóstico (OIE, 2008). Levando em consideração os dados obtidos neste estudo, conclui-se que a IgG eleva-se de acordo com o número de parasitos presentes na corrente sanguínea (Tabela 1). A hipótese era de que IgG não estaria aumentada no quinto dia após infecção, pois seria um período insuficiente de exposição do agente, conforme a literatura (QUEIROZ et al., 2001; OIE, 2008), o que foi observado. Estimava-se que os animais morriam em até sete dias após inoculação (DOYLE et al., 2007), devido à ausência de IgG, imunoglobulina esta com ação tripanocída (OIE, 2008), neste período de cinco dias.
Neste experimento, os níveis de IgM não diferiram entre os grupos infectados, mostrando que se trata de imunoglobulina que responde à infecção por T. evansi, independente do grau de parasitemia. Segundo pesquisadores, esse flagelado apresenta um perfil de interação hospedeiro-parasito, que, quando associados, induzem moléculas pró-inflamatórias. No entanto, apenas IgM contribuem significativamente para o controle do T. evansi (BARAL et al., 2007).

CONCLUSÕES

A infecção por T. evansi induz a resposta do hospedeiro, elevando os níveis séricos de IgG e IgM. O grau de parasitemia não influencia a concentração sérica de IgM.  Após cinco dias de infecção, já é possível quantificar IgG em ratos com T. evansi e a concentração está diretamente proporcional ao grau de parasitemia. O aumento de imunoglobulinas é insuficiente para controlar a multiplicação do parasito.   


REFERÊNCIAS

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Protocolado em: 23 jan. 2009.   Aceito em: 20 set. 2009.