PREVALENCE OF ANTI- Leptospira spp. ANTIBODIES AND EPIDEMIOLOGICAL ASPECTS OF THE
INFECTION IN CATTLE OF GOIAS/BRAZIL
INTRODUÇÃO
O Brasil possui o segundo maior rebanho bovino do mundo, com um efetivo
aproximado de 162 milhões de animais, sendo, pois, inquestionável a
aptidão nacional para a exploração pecuária. O Estado de Goiás ocupa o
terceiro lugar no País, com cerca de 20.646 milhões de cabeças,
constituindo-se no terceiro rebanho de corte e no segundo leiteiro em
termos nacionais (IBGE, 2008). Portanto, a pecuária bovina representa
no Estado uma atividade produtiva de caráter permanente e consolidado,
com grande representatividade econômica. Essa produção, bastante
significativa em termos quantitativos, convive, entretanto, com
inúmeros entraves, a exemplo do que ocorre no País, uma vez que os
valores médios de produção e produtividade dos rebanhos nacionais
situam-se em patamares desfavoráveis quando comparados aos ocorrentes
em outros países.
Diversos são os fatores que contribuem para esse quadro, o que aponta
para a necessidade de mudanças que visem à maior produtividade e ao
melhor desempenho dos criatórios. Para incrementar os patamares de
produção, consideráveis modificações na forma de exploração vêm sendo
desenvolvidas, alterando-se, assim, diversas práticas e manejos
(PFIZER, 2000).
Nesse cenário, mudanças como maior movimentação de animais, introdução
crescente de novos indivíduos para melhoria zootécnica, novas práticas
de reprodução, como inseminação artificial, e aumento de confinamentos
para a engorda precoce, dentre outras, embora fundamentais para uma
maior produtividade, podem propiciar, quando não desenvolvidas com
cuidados sanitários, condições epidemiológicas favoráveis à introdução,
manutenção e disseminação de agentes de doenças transmissíveis.
Dentre essas últimas, as enfermidades que envolvem a esfera
reprodutiva, responsáveis pela ocorrência de abortos, infertilidade,
esterilidade ou nascimento de produtos debilitados, constituem condição
de especial interferência no processo produtivo, aspecto que se agrava
quando o agente envolvido, além de afetar um amplo espectro de espécies
animais susceptíveis, atingir também o ser humano. Este é o caso da
leptospirose, enfermidade responsável por grandes perdas econômicas na
produção de bovinos, decorrentes de abortos, nascimento de bezerros
debilitados e infertilidade (LILENBAUM, 1996).
De acordo com ARAÚJO
et al.
(2005), no Brasil a leptospirose bovina, além de não ser doença de
notificação compulsória, não está submetida ao combate organizado por
órgãos e entidades públicas ou privadas de sanidade animal, o que
dificulta conhecer a verdadeira extensão das infecções por
Leptospira spp. nos rebanhos bovinos em qualquer região do País.
A determinação da taxa de prevalência é essencial para a quantificação
do problema em termos populacionais, servindo de base para
caracterizações epidemiológicas, uma vez que o diagnóstico amplo,
rápido e preciso das enfermidades é fundamental para elaboração de
alternativas viáveis de intervenção. Destaca-se que, segundo LILENBAUM
(1996), a profilaxia e o controle das leptospiroses bovinas dependem,
primariamente, de um diagnóstico em que se procure identificar na
propriedade qual sorovar predominante e, consequentemente, quais
mecanismos de transmissão presentes.
Dentre outros, FAVERO
et al.
(2001) analisaram exames de soroaglutinação microscópica (SAM)
efetuados no período de 1984 a 1997 em 31.325 bovinos de 1920
propriedades distribuídas em 540 municípios de 21 estados do Brasil. Os
resultados revelaram que 84,10% das propriedades e 94,18% de municípios
apresentavam pelo menos uma amostra positiva. A média de animais
reagentes entre os estados foi de 49,51%, sendo os sorovares mais
prevalentes, exceto as coaglutinações, Hardjo, Wolffi e Grippotyphosa.
Estudos já desenvolvidos em Goiás comprovaram a existência da infecção
em rebanhos estaduais e indicaram a necessidade de estudos que apontem
a real magnitude do problema, já que os dados locais referentes à
enfermidade são relativamente restritos e esparsamente relatados, o que
pode estar relacionado à relativa dificuldade de diagnóstico
laboratorial, dada a diversidade de manifestações clínicas e
complexidade etiológica.
No Estado, levantamento sorológico realizado isoladamente na espécie
bovina registrou prevalência média de 20,57%, com predominância dos
sorotipos Wolffi (50%), Pomona (38,4%), Grippotyphosa e
Icterohaemorrhagiae (5,8%), e títulos variando de 1:400 a 1:1600
(JARDIM, 1978), não tendo sido testado na época o sorovar Hardjo, que
só foi adicionado às baterias de teste nacionais na década de 1980.
JULIANO (1999) observou prevalência de 81,90% de animais reagentes
entre 426 amostras de hemossoro bovino, provenientes de vacas em
lactação na microrregião de Goiânia, em Goiás, que abrange dezessete
municípios, sendo os principais sorovares encontrados Wolffi (36,10%),
Icterohaemorrhagiae (20,50%), Hardjo (5,20%) e Tarassovi (4,90%).
Já por FAVERO
et al. (2001),
foram analisadas 1.406 amostras de soro de bovinos de 28 municípios de
Goiás, coletadas no período de 1984 a 1997, sendo 487 (34,6%) positivas
na SAM. A porcentagem de municípios positivos foi de 100% e a de
propriedades positivas foi de 97,8%, sendo o sorovar Hardjo responsável
por 63,7% e o sorovar Wolffi por 13% das reações positivas.
Também em Goiás, CAMPOS JR.
et al.
(2006) analisaram 140 amostras de reprodutores bovinos referentes a
sessenta propriedades da Microrregião de Goiânia, tendo sido
encontrados 74,28% de amostras reagentes e títulos com variação de
diluição de 1:100 a 1:800. Os sorovares mais detectados foram Wolffi
(19,23%); Hardjo (15,38%); Djasiman E Grippotyphosa (5,76%); Shermani
(4,80%); Patoc (1,92%); Andamana, Castellonis, Copenhageni, Hebdomadis,
Sentot e Tarassovi (0,96%). Os autores concluíram que o agente estaria
endemicamente distribuído na região, não tendo verificado relação entre
a positividade e a aptidão do rebanho ou a ocorrência de abortos.
Considerando a escassez de informações epidemiológicas sobre a
leptospirose bovina em Goiás, constituíram-se objetivos deste trabalho
investigar a prevalência de anticorpos anti-
Leptospira
spp. no rebanho bovino, contribuindo para o monitoramento da saúde
animal no Estado, de forma a embasar o controle da enfermidade e a
minimizar as perdas decorrentes, aspecto essencial quando se considera
que a exploração pecuária representa uma das principais atividades
econômicas regionais.
MATERIAL E MÉTODOS
O Estado de Goiás possui 246 municípios (IBGE, 2008) e, para efeito do
presente estudo, foi dividido em três regiões, conforme ROCHA (2003),
de acordo com a produção predominante em cada uma. A região um foi
composta pelas Regiões Norte e Nordeste, com aptidão predominante de
corte; a região dois, pelas Regiões Sul e Sudeste, com aptidão
predominante de leite; e a região três compreendeu as Regiões Sudoeste
e Centro, com aptidão predominante mista.
Foram coletadas, em paralelo às ações do Programa Nacional de Controle
e Erradicação da Brucelose e Tuberculose Bovina (PNCEBT), no ano de
2002, 4.571 amostras de soro de bovinos de 715 propriedades integrantes
de 213 dos 246 municípios do Estado de Goiás. Empregou-se, para o
diagnóstico sorológico, a técnica de soroaglutinação microscópica
(SAM), que é o método de referência para detecção de anticorpos anti-
Leptospira spp. (OIE, 1992), tendo sido utilizada uma coleção de dezesseis sorovares de
Leptospira spp. (
Quadro 1).
A metodologia e interpretação adotadas foram aquelas descritas no
Manual of Standars for Diagnostics Tests and Vaccines (OIE, 1992).
O sorovar considerado como provável causador da infecção foi o que
apresentou maior título. Na eventualidade do maior título ser
apresentado para dois ou mais sorovares, a amostra foi enquadrada como
coaglutinação.
Juntamente com a coleta de amostras de soro, foi aplicado questionário
fechado, elaborado com base em THRUSFIELD (2004), para a determinação
dos fatores associados à leptospirose bovina em todas as propriedades
integrantes do estudo.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Das 4.571 amostras, 2.843 (62,20%) foram positivas para pelo menos um
sorovar testado, com título mínimo de 1:100. A prevalência estadual por
sorovar está discriminada na
Tabela 1,
podendo-se verificar a elevada ocorrência de coaglutinações (40,24%) e
a predominância de resposta ao sorovares Wolffi e Hardjo.
Constituiu-se o estrato um de 1.314 amostras, provenientes de 209
propriedades de 58 municípios. Dessas amostras, 946 (71,99%) foram
positivas para pelo menos um sorovar testado. Amostraram-se no estrato
dois 1.542 animais de 241 propriedades de 78 municípios, das quais 834
(54,09%) foram positivas. O estrato três foi constituído por 1.715
amostras, oriundas de 266 propriedades de 77 municípios, sendo
detectadas 1.063 (61,98%) amostras positivas.
As propriedades com pelo menos uma amostra positiva no teste de SAM
foram consideradas positivas, assim como os municípios com pelo menos
uma amostra positiva foram igualmente considerados positivos.
Das 715 propriedades amostradas, 688 (96,23%) tiveram pelo menos uma
amostra positiva, comprovando a endemicidade da infecção em Goiás. No
estrato um, composto de 209 propriedades, como já registrado, 208
(99,52%) foram positivas. No estrato dois, composto de 241
propriedades, 228 (94,61%) foram positivas. O estrato três foi composto
de 266 propriedades, das quais 252 (95,11%) foram positivas.
Dos 213 municípios integrantes deste estudo, somente o município de
Vila Boa, integrante do estrato três, não apresentou nenhuma amostra
positiva, totalizando 99,53% de positividade entre os municípios do
Estado e 100% de positividade para os municípios dos estratos um e
dois, e 98,70 % de positividade entre os municípios do estrato três.
A prevalência por sorovar nos estratos um, dois e três, em ordem decrescente, está discriminada nas
Tabelas 2,
3 e
4,
respectivamente, registrando-se que para os sorovares Sentot e
Autumnalis não foram detectadas amostras positivas no estrato um, bem
como para o sorovar Autumnalis no estrato três.
A porcentagem de reagentes no presente estudo foi superior à encontrada por FAVERO
et al. (2001), LANGONI
et al. (2001), MINEIRO (2003), AGUIAR
et al. (2006) e LAGE
et al.
(2007), que analisaram diferentes regiões do Brasil. Foi também maior
do que a relatada por JARDIM (1978), mas inferior às verificadas por
JULIANO (1999) e CAMPOS JÚNIOR
et al. (2006), que realizaram seus estudos enfocando a microrregião de Goiânia.
As coaglutinações, que ocorreram em 1.144 (40,24%) animais amostrados,
sendo a coaglutinação entre sorovares Hardjo e Wolffi a mais frequente,
seguida pela coaglutinação entre os sorovares Hardjo, Wolffi e
Hebdomadis, podem ser explicadas, como apontado por JULIANO (1999) e
BOLIN (2003), pela infecção concomitante de vários sorovares de
Leptospira spp. ou por reações cruzadas entre sorovares de um mesmo sorogrupo.
A observação de maiores prevalências para os sorovares Hardjo e Wolffi
está em conformidade com a maioria dos inquéritos sorológicos
realizados em bovinos em Goiás (JULIANO, 1999; FAVERO
et al., 2001; CAMPOS JÚNIOR
et al., 2006) e no Brasil (FAVERO
et al., 2001; LANGONI
et al., 2001; MINEIRO
et al., 2003; ARAÚJO
et al., 2005; AGUIAR
et al., 2006; MAGAJEVSKI
et al.,
2007). Este resultado reveste-se de especial significado, uma vez que o
sorovar Hardjo é considerado o mais difundido mundialmente e causador
de grande impacto econômico na atividade pecuária, como consequência do
abortamento, conforme registrado por LILEMBAUM (1996), (1997a) e GOMES
(2008). Foram encontrados títulos para esse sorovar de até 1:3200 em
alguns poucos animais, concordando com KIRKBRIDE (1990), que citou que
títulos para o sorovar Hardjo em geral são baixos, sendo raramente
superiores a 1:800.
A proximidade verificada nos valores de prevalência dos sorovares
Hardjo e Wolffi provavelmente ocorreu por reação cruzada para os dois
sorovares, pertencentes ao sorogrupo Sejroe, como afirmado por FAINE
et al. (1999). CAMPOS JÚNIOR
et al.
(2006), que registraram prevalência de 74,28% entre bovinos
reprodutores da microrregião de Goiânia, também detectaram como mais
prevalentes os sorovares Wolffi (19,23%) e Hardjo (15,38%), seguidos
pelos sorovares Djasiman, Grippotyphosa (5,76%) e Shermani (4,80%),
quadro semelhante ao observado no presente estudo.
Embora não se descarte a possibilidade de infecção pelo sorovar Wolffi, deve ser considerada a afirmação de ARAÚJO
et al.
(2005), de que até 2005 não foram encontradas publicações científicas
e/ou técnicas com registros do isolamento de Wolffi em bovinos nos
casos clínicos sugestivos de leptospirose. Tal condição reforça a
consideração de que a prevalência encontrada para o sorovar Wolffi no
presente estudo se trate de reação cruzada com o sorovar Hardjo, o que
por outro lado amplia a importância deste último na pecuária local.
A prevalência encontrada para o sorovar Grippotyphosa foi superior à
relatada em outros inquéritos sorológicos em populações de bovinos
(JARDIM, 1978; LANGONI
et al., 2001; AGUIAR
et al., 2006; CAMPOS JR.
et al., 2006; MAGAJEVSKI
et al.,
2007). Como afirmado por LILENBAUM (1996), a ocorrência de infecções
incidentais, causadas por sorovares que não são mantidos nos bovinos,
como Australis, Bratislava, Butembo, Castellonis, Grippotyphosa,
Copenhageni, Panama, Pyrogenes, Shermani, Andamana e Patoc, deve-se ao
contágio indireto, pois animais mantidos a pasto têm acesso livre a
lagoas, banhados e matas ciliares, onde existem animais silvestres e
roedores que podem atuar como portadores e transmitirem estes sorovares
para os bovinos.
Um resultado relevante aqui encontrado foi o da prevalência do sorovar
shermani no Estado (6,75%) e entre os estratos (um – 6,03%; dois –
7,31%; três – 7,06%). Como este sorovar, patogênico para a espécie
bovina e demais espécies, não é um componente antigênico das vacinas
comercializadas no Estado, a prevalência encontrada aponta para
prejuízos causados por ele.
Avaliando-se os resultados de prevalência estadual e por estrato
amostral constatou-se baixa prevalência de anticorpos de sorovares
adaptados a roedores, como o Icterohaemorragiae e Copenhageni, ambos
pertencentes ao sorogrupo Icterohaemorragiae, concordando com o
observado por LANGONI
et al. (2001), em São Paulo, e CAMPOS JR.
et al. (2006), em Goiás.
Diante dos resultados obtidos no presente estudo, pôde-se concluir que
houve uma maior importância da transmissão entre bovinos portadores do
agente patogênico, demonstrada pela maior prevalência dos sorovares
Wolffi e Hardjo, este último adaptado à espécie bovina (ELLIS, 1984),
em relação à transmissão da leptospirose por roedores.
A realização de um inquérito epidemiológico se mostrou necessária para
correlacionar a prevalência de animais reagentes na SAM a diversas
variáveis de aspecto sanitário, reprodutivo, produtivo, práticas de
manejo e fatores ambientais.
A detecção de anticorpos anti-
Leptospira
spp. mostrou-se relacionada aos seguintes fatores: estrato de produção;
prática de inseminação artificial; raça dos animais; presença de ovinos
e caprinos; presença de capivaras; compra de reprodutores em exposições
e de outras propriedades; aluguel de pastos em alguma época do ano;
presença de piquete maternidade e ocorrência de abortos. Por outro
lado, não foi constatada associação significativa com os seguintes
fatores: tipo de criação praticada na propriedade; presença de
equídeos, suínos, cães, gatos, cervídeos e outros animais silvestres;
presença de outros animais; compra de reprodutores em feiras e/ou
leilões; venda de reprodutores em exposições, feiras e/ou leilões, de
comerciantes ou de outras propriedades; presença de pastos em comum com
outras propriedades; assistência veterinária e vacinação contra
brucelose, rinotraqueíte infecciosa bovina e diarreia viral bovina.
Avaliando-se, inicialmente, a questão dos três distintos estratos de
produção, verificou-se que houve diferença significativa (p<0,001)
para a prevalência dos títulos de anticorpos. O estrato um, de maior
predominância de produção de bovinos para corte, apresentou a maior
prevalência entre os três estratos, também com prevalência mais elevada
de coaglutinações, seguidas pelos sorovares Wolffi, Hardjo e
Grippotyphosa.
Ao se analisar os resultados registrados nas
Tabelas 2,
3 e
4,
nas quais foram expressas as prevalências por estrato amostral,
verificou-se que a distribuição dos sorovares mais prevalentes foi
muito semelhante entre os estratos e à prevalência geral do Estado,
sendo igualmente maior no estrato um, de produção predominantemente de
corte.
Não foi constatada diferença significativa para a prevalência de
aglutininas entre os tipos de criação extensiva, semiconfinamento e
confinamento (p=0,170).
Comparando este resultado com os de CASTRO
et al.
(2008), em São Paulo, verificou-se sua semelhança, uma vez que os
autores apontaram distribuição praticamente homogênea do sorovar Hardjo
no Estado, de forma independente das diferentes condições de cada
região, do tipo de exploração do rebanho e das práticas de reprodução.
Tal quadro discordou do descrito por PRESCOTT
et al.
(1988), que apontaram os rebanhos de exploração de corte como mais
suscetíveis a este sorovar do que os rebanhos leiteiros, condição
possivelmente relacionada às diferenças de manejo.
Avaliando-se individualmente outras variáveis, constatou-se que houve
diferença significativa (p=0,023) entre a prevalência de animais
sororreagentes no SAM e o emprego de inseminação artificial (IA),
sinalizando que esta prática estaria relacionada com maior índice de
infecção e aparecimento de casos de leptospirose, uma vez que os
títulos detectados foram mais prevalentes entre os animais submetidos à
IA. Tal observação pode estar relacionada com a afirmação de
VASCONCELLOS (1997) sobre a condição já amplamente confirmada de
transmissão de leptospirose por machos bovinos tanto pela monta natural
como pela inseminação artificial, pelo fato de a uretra ser o canal
comum para eliminação de sêmen e urina. Pelo afirmado, torna-se
imperativo o controle da qualidade do sêmen, através do controle da
leptospirose nos machos doadores. Avaliando esta técnica de manejo
reprodutivo, JULIANO (1999) não encontrou diferença significativa para
este fator na microrregião de Goiânia.
Em relação à raça, foi detectada diferença significativa (p=0,00) entre
as diferentes categorias de bovinos, sendo a resposta sorológica mais
prevalente em raças europeias de corte, seguidas pelos zebuínos,
mestiços, outras raças e europeias de leite, resultado concordante com
o afirmado por PRESCOTT
et al. (1988).
Quanto à presença de ovinos e caprinos, constatou-se maior prevalência
entre os bovinos criados em propriedades onde havia presença destas
espécies (P=0,001), tendo sido detectadas maiores prevalências de
coaglutinações, seguidas pelos sorovares Hardjo e Grippotyphosa, nas
propriedades com a presença de tais espécies. Este quadro reforçou a
susceptibilidade das espécies à infecção, relatada em pesquisas como as
de LANGONI
et al. (1995), que
verificaram que 160 (44,44%) das 360 amostras de soro de ovinos do
Estado de São Paulo foram positivas no SAM, e a possível transmissão
destas espécies para bovinos.
De forma distinta à esperada, a prevalência de títulos e a presença de
equídeos (p=0,821), suínos (p=0,912), caninos (p=0,980), felinos
(p=0,711), cervídeos (p=0,451) e outros animais silvestres (p=0,211),
como roedores, com exceção de capivaras, e outros animais não
enquadrados nas categorias anteriores (p=0,482), não foram
significativas. Destaca-se que já foi comprovada a infecção por
leptospiras nestas espécies (OLIVEIRA, 1988; SHIMABUKURO
et al., 2003; LINHARES
et al., 2005; RODRIGUES
et al.,
2007), o que tornaria possível a sua transmissão para bovinos, em caso
de promiscuidade entre espécies dentro de uma propriedade.
No presente estudo, a prevalência estadual do sorovar Pomona, adaptado
à espécie suína (VASCONCELLOS, 1997), mas responsável por casos de
aborto e infertilidade em bovinos (MILLER & TURK, 1994; GOMES,
2008), foi de 2,85 % (81 das 2843 amostras positivas), relativamente
baixa, apesar de a presença de suínos ter sido verificada em 238
(33,29%) das 715 propriedades amostradas. FAVERO
et al.
(2001) observaram maior prevalência do sorovar Icterohaemorragiae em
relação ao sorovar Pomona em suínos de Goiás e destacaram que este
achado sugere que a evolução da suinocultura nacional observada nos
últimos anos deve ter modificado o perfil de infecção por leptospiras,
na qual o sorovar Pomona, tradicionalmente mantido pelos próprios
suínos, estaria sendo substituído pelo Icterohaemorragiae. Tal quadro
reforça a necessidade de procedimentos destinados ao controle de
roedores sinantrópicos como parte do manejo das criações de suínos.
Dentre os animais silvestres, a presença específica de capivaras
mostrou-se significativa (p=0,002), sendo as coaglutinações, seguidas
pelos sorovares Hardjo, Wolffi e Grippotyphosa, mais prevalentes entre
os animais de propriedades em que foi relatada a presença de tal
espécie. BELLO
et al. (1984) citaram que os roedores silvestres, principalmente as capivaras, são reservatórios de
Leptospira
spp. Os mesmos autores reportaram que estudos realizados na Venezuela
demonstraram que anticorpos contra os sorovares Wolffi, Hebdomadis,
Hardjo e Canicola já foram observados nesses animais. Vale destacar que
CASTRO
et al. (2008) afirmaram que cervídeos, capivaras e outras espécies silvestres atuam como reservatórios de
Leptospira spp. para os rebanhos bovinos ao encontrarem hábitat satisfatório.
A introdução de reprodutores mostrou-se significativa (P=0,049) para a prevalência de aglutininas anti-
Leptospira
spp., sendo a prevalência notadamente maior entre as propriedades onde
foi relatada compra de reprodutores em exposições (p=0,019) e de outras
propriedades (p=0,00). Este resultado demonstra a possível aquisição de
animais sem adoção de cuidados fundamentais, como exames de rotina,
realização de quarentena e não vacinação, dentre outros.
Já quanto às práticas de venda de reprodutores, não foi observada
diferença significativa relacionada (p=0,725). Destaca-se aqui que, de
acordo com GUIMARÃES
et al.
(1982/83), LILENBAUM (1996) e VASCONCELLOS (1997), bovinos infectados
usualmente eliminam leptospiras na urina por tempo prolongado, o que
determina a contaminação de outros indivíduos e do ambiente. Assim, a
venda de animais portadores assintomáticos para outras propriedades
ofereceria grande risco de introdução do agente em uma propriedade
livre deste, como demonstrado pela citada associação entre a compra de
animais em exposições e de outras propriedades e a prevalência da
leptospirose bovina.
Já quanto às práticas de aluguel de pastos em alguma época do ano,
verificou-se a importância desta atividade com relação à positividade
sorológica dos rebanhos amostrados, uma vez que foi verificada
diferença significativa (p=0,001). Tal resultado era esperado, pois o
risco de introdução da leptospirose em um rebanho livre da enfermidade
pela prática de aluguel de áreas para o pastejo de outros rebanhos é
grande, caso o rebanho introduzido na área alugada esteja eliminando o
agente na urina.
Por outro lado, a presença de pastos em comum com outras propriedades
não demonstrou ser um dos fatores determinantes da presença de casos de
leptospirose, não havendo diferença significativa (p=0,05) para este
fator. Entretanto, mesmo com este resultado, deve-se considerar, como
registrado, a utilização de pastos em comum com outras propriedades
como potencial fator de risco.
Uma observação importante foi a da maior prevalência sorológica entre
os animais em cujas propriedades havia piquete separado para fêmeas na
fase de parto ou pós-parto, havendo diferença significativa (p=0,00)
para este fator. Tal observação pode ser justificada pela maior umidade
do solo destes piquetes, resultante do acúmulo de grande quantidade de
urina, via de eliminação de leptospiras, tornando maior o risco de
infecção das fêmeas e bezerros neste ambiente. Associam-se a esta
condição a maior concentração de animais no espaço desse tipo de
piquete e o contato com eventuais produtos de abortos, ambos fatores de
risco para a transmissão do agente.
A assistência veterinária não demonstrou ser um dos fatores
determinantes de prevalência nas propriedades amostradas, não havendo
diferença significativa (p=0,101) para este fator.
A observação de aborto na propriedade nos doze meses que antecederam a
coleta das amostras, que se mostrou significativa (p=0,002), foi feita
pelos proprietários de 67 (9,37%) das 715 propriedades amostradas. Dos
2.830 animais com resultados positivos na SAM e com informações sobre o
histórico de abortos, em 40 (1,41%) foi registrado aborto nos doze
meses que antecederam a coleta da amostra. Por outro lado, dos 1.717
animais com resultados negativos na SAM, sete (0,004%) tinham histórico
de aborto. Deve ser considerada, como relatado por BOLIN (2003), a
possibilidade da ocorrência de abortos sem títulos de anticorpos
detectáveis no exame de SAM, especialmente para o sorovar hardjo, sendo
que, frequentemente, na época do aborto os títulos de anticorpos podem
estar bem baixos ou negativos nos hospedeiros de manutenção. Destaca-se
que a observação de grande número de abortos, como afirmado por
LILENBAUM (1996) e VASCONCELLOS (1997), acontece no caso da introdução
recente do agente em um rebanho, o que gera grande número de casos que
evoluem clinicamente. Com a cronicidade da infecção e o desenvolvimento
de imunidade por grande parte dos animais de um rebanho, a ocorrência
de abortos diminui, sendo mais dificilmente observada. Outro aspecto
que deve ser considerado refere-se à possibilidade de não observação de
abortos ocorridos nas propriedades, em especial naquelas de corte,
geralmente caracterizadas por grandes rebanhos criados de forma
extensiva, o que dificulta seu monitoramento adequado.
Deve ser ainda considerada a ocorrência de outras causas de aborto que não por
Leptospira
spp., como nutrição, manejo e outras enfermidades que interferem na
esfera reprodutiva, como brucelose, neosporose, IBR e BVD. Referendando
tal afirmação, destacam-se os estudos de ROCHA (2003), que investigando
a prevalência da brucelose bovina em Goiás registrou prevalência real
ponderada de 19,61% (16,98% – 22,24%), para as propriedades e 3,36%
(3,02% –3,70%) para os animais, e os de SCHULZE (2008), que observou
prevalência de anticorpos anti-
Neospora caninum de 42,92% entre os 6.064 bovinos avaliados.
A vacinação para IBR, BVD e brucelose não mostrou associação com a
prevalência da infecção, não havendo diferença significativa
(p>0,05) para estes fatores. Apenas um animal amostrado, positivo no
SAM, já havia sido vacinado contra leptospirose. Pela ausência de
informações sobre a vacinação dos animais amostrados contra
leptospirose, assumiu-se que eles não eram vacinados contra a
enfermidade e os resultados encontrados na SAM ocorreram por infecção
natural, demonstrando a situação epidemiológica estadual.
A elevada prevalência de anticorpos anti-
Leptospira
spp. observada no presente estudo pode ser justificada, dentre outros
fatores, pela persistência do agente na natureza e pelo elevado
potencial de infecção, assegurados pela diversidade de identidades
sorológicas, pela multiplicidade de espécies hospedeiras e pelo
relativo grau de sobrevivência das leptospiras patogênicas no ambiente.
A imunização é uma estratégia fundamental para a prevenção e controle da leptospirose em bovinos (ARAÚJO
et al.,
2005), destacando-se aqui a adequação do emprego de vacina composta
pelos sorovares mais prevalentes no Estado, para aumento de sua
eficiência. Ressalta-se, portanto, a importância da identificação das
variantes sorológicas predominantes em uma região, uma vez que a
imunidade é específica para ela, não havendo reação cruzada. Portanto,
quando um ou mais sorovares infectam os animais é necessária a
utilização de vacinas polivalentes, como afirmado por FAINE (1982),
ELLIS (1984), LANGENEGGER (1990) e LILENBAUM (1996). Neste contexto,
devem ser considerados ainda os prejuízos diretos ou indiretos
relacionados a descartes de animais, custos com assistência
veterinária, medicamentos e vacinas, o que demonstra a importância da
adoção simultânea de importantes ações para o controle da enfermidade,
ainda pouco desenvolvidas de forma efetiva pelos produtores.
Dentre elas, medidas apontadas por LILENBAUM & SANTOS (1995), como
a não introdução de animais nos rebanhos sem a realização de exame
diagnóstico ou tratamento dos animais a serem introduzidos com
diidroestreptomicina e o fortalecimento da imunidade de rebanho
utilizando-se uma vacina que contenha, além do referido sorovar, outros
sorovares presentes na região, assumem indiscutível relevância,
diminuindo os impactos da enfermidade na espécie bovina.
Outro aspecto fundamental relativo aos resultados obtidos é o potencial
impacto na saúde pública, ressaltando-se o caráter ocupacional da
zoonose (BRASIL, 2005), em especial quando se considera o amplo leque
de indivíduos que podem entrar em contato com bovinos infectados e que,
porventura, estejam eliminando o agente. Assim, destaca-se o potencial
risco de veterinários, proprietários, funcionários de propriedades e de
abatedouros.
Considerando a complexidade do caráter multifatorial da leptospirose,
maior conhecimento de sua epidemiologia reveste-se de significado para
seu controle e consequente diminuição de seus graves impactos. Esta
complexidade requer uma análise detalhada do ambiente, das espécies
envolvidas e dos fatores de risco inerentes ao sistema de criação.
Diante do exposto, destaca-se a importância do aprimoramento dos
sistemas de vigilância epidemiológica, visando à detecção precoce de
focos, à investigação etiológica e à avaliação de eventuais
modificações na estrutura epidemiológica da zoonose. Para tal, seriam
fundamentais investimentos em infraestrutura, que permitissem atuação
oportuna, adequada e na amplitude necessária, o incremento dos sistemas
de informações, bem como capacitação técnica. Nesta última, incluem-se
alguns componentes fundamentais, como capacitação clínica para suspeita
da infecção/enfermidade, colheita e envio adequado de amostras e
suporte laboratorial.
Finalizando, destaca-se que a educação em saúde, tanto no meio urbano
quanto no rural, é fundamental para a implementação de medidas de
profilaxia e controle, visando reduzir a magnitude da antropozoonose e
de seus impactos sanitários, econômicos e sociais.
CONCLUSÕES
Concluiu-se que a infecção por
Leptospira spp. é endêmica em bovinos de Goiás, com elevada prevalência de anticorpos anti-
Leptospira
spp. nos soros testados, tendo sido detectadas respostas sorológicas
mais prevalentes para os sorovares Hardjo, Wolffi, Grippotyphosa e
Shermani, indicativos de sua maior importância na infecção dos rebanhos
amostrados
A observação de taxas expressivas de infecção pelo sorovar Hardjo, cuja
principal forma de transmissão é de bovino para bovino, aponta para
perdas econômicas relacionadas a abortos, natimortalidade e mastites,
quadro presente em rebanhos do Estado.
Já a detecção de prevalência considerável de anticorpos contra os
sorovares Grippotyphosa e Shermani indicou que os rebanhos bovinos
estão sendo expostos ao agente pelo contato com animais silvestres,
além de roedores, reservatórios destes sorovares.
A associação observada no presente estudo entre a ocorrência de
infecção e a prática de inseminação artificial demonstrou a importância
da certificação sanitária mais rigorosa do sêmen a ser utilizado neste
procedimento.
As respostas sorológicas obtidas para os sorovares testados apontaram
para a necessidade de composições mais apropriadas de vacinas para o
rebanho estadual.
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