Investigou-se a presença de
sequências genômicas do circovírus suíno tipo 2 (PCV2) e do parvovírus
suíno (PPV) em 147 fetos suínos natimortos e mumificados. Estas
amostras, provenientes de 39 granjas localizadas em oito estados
brasileiros, foram coletadas entre os anos de 2006 e 2008.
Utilizaram-se fragmentos de coração e pulmão para extração do DNA total
e posterior amplificação de fragmentos correspondentes aos patógenos
virais pela técnica de reação em cadeia da polimerase (PCR). Entre as
147 amostras, 74 (50,3%) foram positivas ao PCV2 enquanto nove amostras
(6,2%) apresentaram coinfecção com o PCV2 e o PPV. Nenhuma amostra foi
positiva apenas para PPV. Entre as 39 granjas estudadas, 21 (53,8%)
apresentaram fetos positivos ao PCV2, sendo detectada coinfecção com o
PCV2 e o PPV em três (7,7%). Esses resultados indicam que o PCV2 pode
ser um importante agente infeccioso causador de morte embrionária e
fetal em suínos no Brasil e deve ser incluído na lista de diagnóstico
diferencial.
PALAVRAS-CHAVES: Circovírus suíno tipo 2 (PCV2), falhas reprodutivas,
parvovírus suíno (PPV), reação em cadeia da polimerase (PCR), suíno.
IDENTIFICATION OF PORCINE CIRCOVIRUS
TYPE 2 AND PORCINE PARVOVIRUS IN PORCINE STILLBIRTHS AND MUMMIFIED
FETUSES FROM SWINE FARMS IN BRAZIL
This study investigated the presence
of genome sequences of the porcine circovirus type 2 (PCV2) and porcine
parvovirus (PPV) in 147 porcine stillbirths and mummified fetuses.
These samples, originated from 39 farms located in eight Brazilian
states, were collected between 2006 and 2008. Heart and lung fragments
were used for extraction of total DNA and later amplification of
correspondent fragments of the virus pathogens through polymerase chain
reaction (PCR) technique. Out of 147 samples, 74 (50.3%) were positive
for PCV2 while nine samples (6.2%) were positive for PCV2 and PPV. None
of the samples were positive just for PPV. Out of 39 investigated
farms, 21 (53.8%) had fetuses positive for PCV2 while co-infection with
PCV2 and PPV was detected in 3 farms (7.7%). These results indicate
that PCV2 could be an important infection agent in cases of porcine
stillbirths and mummified fetuses in Brazil and must be included at
differential diagnostic list.
KEY WORDS: Polymerase chain reaction (PCR), porcine circovirus type 2
(PCV2), porcine parvovirus (PPV), reproductive failure, swine.
INTRODUÇÃO
As falhas reprodutivas em suínos, tais como retorno ao cio, aborto,
mortes embrionárias e fetais comprometem a meta de produção de leitões
nascidos vivos e/ou desmamados de uma granja. Dessa forma, essas falhas
reprodutivas podem causar prejuízos econômicos na produção de suínos.
As causas de falhas reprodutivas em suínos podem ser de origem
infecciosa ou não infecciosa (HOLLER, 1994). Entre as causas não
infecciosas, vários procedimentos de manejo estão sujeitos a
influenciar no desempenho reprodutivo do plantel, sendo que as
infecciosas podem ser causadas, em especial, por agentes bacterianos e
virais (ALMOND, 2006). Dos agentes infecciosos virais mais frequentes
detectados em fetos suínos natimortos, mumificados e abortados
destacam-se o parvovírus suíno (KIM
et al., 2004) e o vírus da síndrome reprodutiva e respiratória dos suínos (MALDONADO
et al.,
2005). Estudos recentes têm associado o circovírus suíno tipo 2 (PCV2)
a falhas reprodutivas com efeitos diretos sobre o embrião ou o feto
(WEST
et al., 1999; SANCHEZ
et al., 2001; JOHNSON
et al., 2002; MATEUSEN
et al., 2004; PARK
et al., 2005; MATEUSEN
et al., 2007; HANSEN
et al.,
2010). No que se refere aos agentes infecciosos citados, é importante
destacar que o Brasil é considerado livre do vírus da síndrome
reprodutiva e respiratória dos suínos (BRASIL, 2004).
O PCV2, membro da família
Circoviridae, é amplamente disseminado na população de suínos (SEGALÉS
et al., 2005) e tem sido associado a outras enfermidades, tais como a síndrome da refugagem multissistêmica ou circovirose (ELLIS
et al., 1999), a síndrome da dermatite e nefropatia (ROSELL
et al., 2000), bem como ao complexo de doenças respiratórias dos suínos (KIM
et al., 2003), ao aumento da mortalidade de leitões antes do desmame (BRUNBORG
et al., 2007) e à imunossupressão (KAICHUANG
et al., 2008).
Em virtude dessa variedade de enfermidades relacionadas ao PCV2, muitos
estudos têm sido realizados em todo o mundo. No Brasil, o número de
estudos relacionados ao PCV2 é crescente desde o primeiro relato da
síndrome da refugagem multissistêmica (CIACCI-ZANELLA, 2003).
Entretanto, apenas um estudo relacionado ao PCV2 e a falhas
reprodutivas foi encontrado no Brasil, sendo que, no estudo referido, o
PCV2 foi considerado como agente infeccioso de pouca importância
(PESCADOR
et al., 2007). Em
outros países, estudos têm relatado aumento nas taxas de aborto,
retorno ao cio e fetos natimortos e mumificados relacionados ao PCV2
(WEST
et al., 1999; BRUNBORG
et al., 2007). ZIZLAVSKY
et al. (2008) relataram o PCV2 como o principal agente infeccioso detectado em fetos suínos na República Checa.
O objetivo deste estudo foi investigar, por meio da técnica de PCR, a
presença do DNA do circovírus suíno tipo 2 (PCV2) e do parvovírus suíno
(PPV) em fetos suínos natimortos e mumificados.
MATERIAL E MÉTODOS
Para a investigação da presença de fragmentos de DNA do PCV2 e do PPV,
utilizaram-se 147 fetos suínos natimortos e mumificados, provenientes
de 39 granjas, coletados entre junho de 2006 e junho de 2008. As
amostras foram provenientes de granjas localizadas em importantes
regiões produtoras de suínos no Brasil: Minas Gerais (14), Paraná (12),
Santa Catarina (6), Rio Grande do Sul (2), Goiás (2), Bahia (1), Rio de
Janeiro (1) e Espírito Santo (1). Trata-se de granjas que possuíam
plantel de 150 a 3.000 matrizes com ciclo de produção completo ou
unidades produtoras de leitões, utilizavam vacinação do plantel
reprodutivo para o PPV e não utilizavam vacina para o PCV2.
Os fetos foram armazenados em sacos plásticos identificados, congelados
a -20°C e posteriormente enviados em caixa isotérmica ao laboratório
Microvet, localizado em Viçosa, MG. O período de transporte até o
laboratório variou entre 24 e 48 horas. No laboratório, necropsiaram-se
os fetos com material estéril para retirada de fragmentos de coração e
pulmão.
Procedeu-se à extração do DNA total pelo método padrão fenol-clorofórmio, sugerido por DAVIS
et al.
(1994) com modificações. Fragmentos de coração e de pulmão de cada feto
foram macerados com posterior adição de 3 a 5 mL de tampão fosfato (Na
2HPO
4 0,04 M; KH
2PO
4
0,01 M, pH 7,4) para homogeinização. Realizou-se a transferência de 1,5
mL da suspensão para tubos Eppendorfs, sendo centrifugados a 10.000 x g
por dez minutos. O sobrenadante foi descartado e o sedimento
ressuspenso em 1,0 mL de tampão fosfato com a adição de 125 μL de SDS
(dodecil sulfato de sódio) a 10%, misturado por inversão e incubado em
banho-maria a 65°C por trinta minutos. Após esta fase, adicionaram-se
350 μL de acetato de potássio 8 M, misturado por inversões repetidas e
incubado em gelo por sessenta minutos. O precipitado foi centrifugado a
10.000 x g por quinze minutos a 12ºC. Transferiu-se o sobrenadante para
outro tubo Eppendorf, adicionado-se um volume de fenol/clorofórmio
(1:1). Após homogeneização por inversões repetidas e separação das
fases por centrifugação, por quinze minutos a 10.000 x g, a fase aquosa
foi coletada e adicionado um volume de clorofórmio (Merck), misturado
por inversões repetidas, sendo as fases separadas por centrifugação por
quinze minutos a 10.000 x g. O sobrenadante foi coletado e adicionado
de dois volumes de etanol para precipitar DNA total. Centrifugação por
dez minutos a 15.000 x g foi realizada para obtenção do sedimento,
sendo este lavado com 150 μL de etanol 70%. O etanol foi descartado e o
sedimento seco em temperatura ambiente por trinta minutos. O sedimento
foi ressuspenso em 30 μL tampão TE (Tris-HCl 10 mM, pH 7,5, EDTA 1 mM).
Após determinação da concentração por absorbância 260 nm usando
espectofotômetro Ultrospec 1100 pro (Amersham Biosciences), o DNA total
foi diluído para uma concentração de 50 ng/µL e estocado a -80ºC até o
uso. Aplicação de uma alíquota do DNA total em gel de agarose 0,8% foi
realizada para verificar a integridade do DNA total.
Realizou-se a amplificação de fragmentos de DNA específicos de PCV2 e
PPV em prova de PCR duplex, seguindo metodologia recomendada por KIM
et al. (2003) (
Tabela 1).
Amplificações foram realizadas em 50 µl de mistura de reação contendo
50 ng de DNA total, 20 mM de Tris-HCl pH 8,4, 50 mM de KCl, 1,25 mM de
MgCl2, 0,2 mM de cada desoxinucleotídeo trifosfatado (dNTP), 1 µM de
cada oligonucleotídeo e 2,5 U de Taq DNA polimerase (Invitrogen). O
programa de amplificação em termociclador Mastercycler gradient
(Eppendorf) consistiu de um passo de 94ºC por 1 minuto, seguido de
trinta ciclos de 55ºC por 1 minuto, 72ºC por três minutos e finalizada
com um passo de extensão de 72ºC por quatro minutos. Produtos de
amplificação foram aplicados em gel de agarose 1,5% em presença de
brometo de etídeo e submetidos a eletroforese a 60 V e fotografados com
luz ultravioleta. Realizaram-se os testes com controle positivo e
negativo para validação (
Figura1).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Entre os 147 fetos natimortos e mumificados investigados, foi detectada
a presença de pelo menos um agente viral em 83 (56,5%) amostras e 64
(43,5%) amostras foram negativas para os agentes infecciosos
investigados. O PCV2 foi detectado em 74 amostras (50,3%) e nove
amostras (6,2%) apresentaram coinfecção com o PCV2 e o PPV. Nenhuma
amostra foi positiva apenas para o PPV. Entre as 39 granjas estudadas,
21 (53,8%) apresentaram fetos positivos ao PCV2, sendo que coinfecção
com o PCV2 e o PPV foi detectada em três (7,7%) granjas (
Tabela 2).
A frequência de detecção do PCV2 em fetos natimortos, mumificados e
abortados nos estudos realizados no Brasil e no exterior variou
consideravelmente. Os resultados do presente estudo são semelhantes aos
encontrados por ZIZLAVSKY
et al.
(2008). Neste estudo realizado na República Checa, o PCV2 foi
considerado o principal agente infeccioso detectado em fetos suínos
entre os anos de 2005 e 2007, com frequência de detecção variando de
21,7% a 54,1%. KIM
et al.
(2004), em estudo realizado na Coréia do Sul, relataram frequência do
PCV2 em 13,1% dos 350 fetos mumificados, natimortos e provenientes de
aborto. Entretanto, outros estudos obtiveram menor frequência de
detecção do PCV2 em amostras de fetos suínos (MALDONADO
et al., 2005; PESCADOR
et al., 2007). No Brasil, PESCADOR
et al. (2007) relataram apenas 5,7% das amostras positivas ao PCV2 do total de 121 fetos investigados. MALDONADO
et al.
(2005) relataram que, provavelmente, o PCV2 não seja um patógeno
importante relacionado a abortos, mesmo na Espanha, onde a síndrome da
refugagem multissistêmica é amplamente disseminada.
Alguns fatores podem influenciar os resultados dos estudos de
frequência do PCV2 em fetos natimortos, mumificados e abortados. Entre
estes, podem-se citar: a técnica utilizada para detecção dos agentes
(KIM
et al., 2004; PARK
et al., 2005; HANSEN
et al., 2010); a seleção dos fetos para o diagnóstico (PARK
et al., 2005); o órgão fetal selecionado para detecção do agente viral (SANCHEZ
et al., 2003; KIM
et al., 2004; PARK
et al., 2005); a idade gestacional (SANCHEZ
et al., 2001); a fase clínica da doença (HANSEN
et al., 2010) e a utilização de programas de vacinação para PCV2.
A detecção simultânea do PPV e do PCV2, utilizada no presente estudo
por meio da prova de PCR duplex, é uma importante ferramenta de
diagnóstico, uma vez que o PPV é o agente infeccioso mais relacionado a
falhas reprodutivas em suínos associado ao crescente envolvimento do
PCV2 nestes casos. Segundo KIM
et al.
(2003), os primers utilizados foram específicos, sendo que os primers
para PPV não influenciaram a reação para PCV2 e vice-versa.
No presente estudo, foi utilizado fragmento de coração e pulmão de
fetos natimortos e mumificados de diferentes tamanhos. A concentração
do PCV2 e do PPV nos tecidos fetais varia de acordo com a idade
gestacional, bem como entre órgãos de um mesmo feto, sendo o coração e
o pulmão os órgãos fetais de maior concentração para o PCV2 e o PPV,
respectivamente (SANCHEZ
et al., 2001; SANCHEZ
et al., 2003; MENGELING
et al., 2006). Vale ressaltar que PARK
et al.
(2005) demonstraram que o PCV2 pode causar aborto, entretanto, é
possível que alguns fetos não apresentem lesões histopatológicas bem
como não se detecte a presença do DNA do PCV2.
Os resultados de detecção do PCV2 neste estudo demonstraram que a
transmissão vertical pode ser uma importante via de infecção. Estudos
monstraram que fetos expostos ao PCV2 durante a gestação podem nascer
vivos, carrear o vírus e apresentar a manifestação clínica da síndrome
da refugagem multissistêmica (SANCHEZ
et al., 2004; ROSE
et al.,
2007). O PCV2 pode ser veiculado por sêmen e oócitos de reprodutores
soropositivos e sem sinais clínicos da síndrome da refugagem
multissistêmica (LAROCHELLE
et al., 2000; BIELANSKI
et al., 2004; SCHMOLL
et al., 2008). GAVA
et al. (2008) relataram que o PCV2 pode ser transmitido via sêmen aos fetos durante a gestação. ROSE
et al.
(2007) demonstraram que a vacinação de matrizes para o PPV reduz de
forma significativa o número de fetos mumificados em matrizes
infectadas de forma experimental com o PCV2.
A detecção do PCV2 e do PPV nos fetos natimortos e mumificados
observada no presente estudo pode indicar que estes vírus sejam os
causadores da morte fetal. As falhas reprodutivas associadas ao PCV2 e
ao PPV foram reproduzidas de forma experimental, demonstrando a
susceptibilidade dos embriões e fetos à infecção, a disseminação
intrauterina e a transmissão vertical, com a possibilidade de haver
interrupção da gestação (SANCHEZ
et al., 2001; SANCHEZ
et al., 2003; MATEUSEN
et al., 2004; PENSAERT
et al., 2004; PARK
et al., 2005; MENGELING, 2006; MATEUSEN
et al., 2007; ROSE
et al., 2007; PITTMAN
et al., 2008). Autores demonstraram que a coinfecção de fetos com o PCV2 e o PPV pode agravar as lesões observadas (PESCADOR
et al.,
2007). As lesões histológicas, tais como miocardite necrosante ou
fibrosante, tem como causa tanto o PCV2 quanto o PPV. Dessa forma,
apenas a histopatologia não permite o diagnóstico diferencial (HANSEN
et al.,
2010). Para o diagnóstico de falhas reprodutivas associadas ao PCV2 e
ao PPV, autores sugerem correlacionar o quadro clínico, como o aumento
nas taxas de fetos natimortos, mumificados e provenientes de aborto
associados às lesões histopatológicas compatíveis e detecção in situ do
PCV2 ou PPV (PARK
et al., 2005; MENGELING, 2006; SEGALÉS
et al., 2006; HANSEN
et al., 2010).
A baixa frequência de detecção do PPV no presente estudo está de acordo
com resultados apresentados por outros autores (MALDONADO
et al., 2005; PESCADOR
et al., 2007). PESCADOR
et al.
(2007) relataram 2,4% de fetos natimortos e mumificados positivos para
o PPV em 121 fetos provenientes de nove granjas no sul do Brasil. Por
sua vez, MALDONADO
et al.
(2005) não detectaram a presença do PPV em 293 fetos natimortos e
provenientes de aborto na Espanha. Apesar de o PPV ser ubíquo na
população de suínos no mundo (MENGELING, 2006), autores sugerem que a
ampla utilização de vacina para controle da infecção pelo PPV, em
vários países do mundo, seja uma importante ferramenta no controle dos
problemas reprodutivos causados por este agente (MALDONADO
et al.,
2005; MENGELING, 2006). Há relatos de que tais vacinas foram efetivas
quando testadas em condições de campo e em infecções experimentais
(MENGELING, 2006). Todos os fetos avaliados no presente estudo foram
provenientes de granjas com programa de vacinação para o PPV.
Os resultados observados no presente trabalho e nos demais estudos de
associação do PCV2 a falhas reprodutivas fornecem subsídios para que o
PCV2 seja investigado na lista de diagnóstico diferencial de granjas
com histórico de falhas reprodutivas. Ademais, a baixa frequência de
detecção do PPV e a ampla utilização de vacinas para prevenção da
infecção pelo PPV em granjas de suínos no Brasil não excluem esse
agente da lista de diagnóstico diferencial, uma vez que ele é
considerado endêmico na população de suínos e há décadas tem sido
relacionado entre os agentes infecciosos mais importantes relacionados
a falhas reprodutivas.
CONCLUSÃO
O PCV2 foi detectado em 56,5% dos fetos natimortos e mumificados e deve
ser considerado no diagnóstico diferencial de granjas com histórico de
falhas reprodutivas.
AGRADECIMENTOS
À equipe do laboratório Microvet.
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Protocolado em: 15 jan. 2009. Aceito em: 15 abr. 2010.