DOI: 10.1590/1089-6891v20e-51837
MEDICINA VETERINÁRIA



TROMBOCITOSE: UM ESTUDO RETROSPECTIVO EM 573 CÃES (2016-2017)

THROMBOCYTOSIS: A RETROSPECTIVE STUDY IN 573 DOGS (2016-2017)



Marcela Natacha Aparecida Rocha1* ORCID – http://orcid.org/0000-0002-1875-7699
Mayara Carvalho de Sousa Rocha¹ ORCID – http://orcid.org/0000-0002-7530-1911
Mayara Lima Kavasaki¹ ORCID – http://orcid.org/0000-0001-6206-039X
Juliana Yuki Rodrigues¹ ORCID – http://orcid.org/0000-0001-8840-1420
Weyber Ferreira de Souza¹ ORCID – http://orcid.org/0000-0003-2305-3896
Adriane Jorge Mendonça¹ ORCID – http://orcid.org/0000-0002-9367-5028


¹Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, MT, Brasil.
* Autora para correspondência - marcelanatachavet@gmail.com

Resumo
A trombocitose é o aumento do número de plaquetas por microlitro (μL) de sangue e contagens maiores que 1.000.000/μL podem estar associadas a sinais clínicos de sangramento ou trombose. Estudos anteriores sobre as causas subjacentes da trombocitose tem despertado o interesse quanto a sua importância clínica em cães. O presente estudo teve como objetivo analisar hemogramas de cães, com a finalidade de definir as principais doenças ou condições clínicas associadas à trombocitose dentro do período de dois anos, determinar a incidência e ainda categorizar as contagens de acordo com a severidade do aumento de plaquetas. De 12.676 hemogramas analisados, observou-se incidência de trombocitose de 4,5% (n=573). As contagens médias de plaquetas em todas as categorias de diagnósticos ou condições clínicas (neoplasias, doenças gastrointestinais, endócrinas, oftalmológicas, traumas e cirurgias, dermatológicas, cardíacas, neurológicas, infecciosas, respiratórias, geniturinárias, idiopáticas, múltiplas e gestação) foram semelhantes, não havendo diferença significativa entre elas (P≥0,05). Os distúrbios mais comumente associados à trombocitose foram as doenças gastrointestinais seguidas das neoplasias. Além disso, os aumentos na contagem de plaquetas foram observados em cães tratados com glicocorticoides e vincristina. Quanto ao grau de severidade, a trombocitose extrema ocorreu mais frequentemente nas doenças gastrointestinais.
Palavras-chaves: Doença gastrointestinal. Neoplasia. Plaquetas. Trombose.

Abstract
Thrombocytosis refers to the increase in number of platelets per microliter (μL) of blood. Platelet counts greater than 1,000,000/μL may be associated with clinical signs of bleeding or thrombosis. Previous studies on underlying causes of thrombocytosis have aroused the interest of researchers about its clinical importance in dogs. The objective of this study was to analyze the blood cell counts in dogs in order to define the main diseases or clinical conditions that were associated with thrombocytosis, from 2016 to 2017. This was done to determine the incidence of thrombocytosis, and categorize the increase in platelet count with respect to severity. Of the 12,676 blood samples analyzed, 4.5% presented thrombocytosis (n = 573). Similar mean platelet counts were observed in all diagnosis or different categories of clinical conditions (neoplasms; gastrointestinal, endocrine, and ophthalmological diseases; trauma and surgery; dermatological, cardiac, neurological, infectious, respiratory, genitourinary, idiopathic, and multiple diseases; and pregnancy) with no significant difference (P ≥ 0.05). The disorders most commonly associated with thrombocytosis were gastrointestinal diseases, followed by neoplasms. Furthermore, increased platelet counts were observed in dogs treated with glucocorticoids and vincristine drugs. As for the degree of severity, extreme thrombocytosis occurred more frequently in the presence of gastrointestinal diseases.
Keywords: gastrointestinal disease; neoplasm; platelets; thrombosis


Recebido em: 5 de março de 2018
Aceito em: 12 de abril de 2019


Introdução



As plaquetas são fragmentos citoplasmáticos de megacariócitos e compõem o terceiro componente celular do sangue periférico, depois dos eritrócitos e leucócitos(1). A contagem de plaquetas é uma ferramenta para o diagnóstico de doenças que acometem as plaquetas e sua análise e avaliação permitem determinar diversos parâmetros, especialmente em pacientes com sangramento ou quando uma trombocitopenia ou trombocitose extrema está presente(2). Os parâmetros plaquetários e o seu significado clínico não devem ser subestimados, uma vez que em torno de 90% das doenças de cães e gatos resultam de anormalidades tanto em número quanto na função das plaquetas(3).

As desordens plaquetárias incluem anormalidades quantitativas e anormalidades qualitativas(2). Com o uso rotineiro de contadores automatizados em laboratórios clínicos veterinários, a identificação do aumento da contagem de plaquetas tornou-se mais comum. No entanto, a importância da trombocitose em animais ainda não é totalmente compreendida(4,5).

A trombocitose é definida como um aumento no número de plaquetas no sangue periférico acima do intervalo de referência estabelecido para a espécie, podendo ser primária ou secundária(2). A trombocitose primária ou essencial é uma doença mieloproliferativa resultante do aumento da produção de plaquetas(2,6), em humanos pode estar ligada a uma mutação na proteína JAK2, que faz parte da via de sinalização da trombopoietina, levando à proliferação de megacariócitos(7). As causas dessa doença em animais ainda não foram determinadas e, assim como nos humanos, o diagnóstico é baseado na exclusão de outros distúrbios(2).

A trombocitose secundária ou reativa é mais comum do que a trombocitose primária, e dependendo da causa pode ser transitória ou persistente. Pode ocorrer como uma resposta fisiológica na contração esplênica mediada por epinefrina (em casos de traumas, exercícios, excitação, prenhez ou parto) ou aumento da trombopoiese (trombocitose reativa)(1,2), sendo uma reação a uma desordem ou doença em outra parte do corpo, devido a um processo subjacente como a recuperação da trombocitopenia imunomediada, neoplasias, processos inflamatórios, anemia hemolítica, infecção por Hepatozoon canis, doenças endócrinas (hipertireoidismo, hiperadrenocorticismo), esplenectomia (falta de sequestro), parasitas intestinais, traumas ou deficiência de ferro(2,6,8), além disso, hemorragia aguda pode induzir uma trombocitose reativa transitória, que recua dentro de duas semanas do episódio hemorrágico ou cirúrgico(9), e ainda há a possibilidade de ser induzida por citocinas ou por fármacos(1,2,6), incluindo a administração de epinefrina e vincristina(2). Segundo Hammer(4) a causa mais comum de trombocitose secundária em cães é a neoplasia.

Falsas trombocitoses podem ocorrer associadas à presença de fragmentos citoplasmáticos de células nucleadas e de eritrócitos, lipemia, bactérias ou crioglobulinas(10), além disso, a concentração sérica de potássio [K+] pode se tornar aumentada in vitro, caracterizando uma pseudo-hipercalemia em animais com trombocitose pela grande quantidade de K+ liberada das plaquetas durante a coagulação(6).

A trombocitose pode ser uma descoberta acidental de laboratório que é benigna e autolimitante e raramente pode resultar em hemorragia ou trombose, no entanto, ainda não existe evidência de uma correlação entre trombose e trombocitose em cães(2,6).

Considerando que as informações sobre a relevância clínica da trombocitose em cães ainda seja limitada, uma vez que existem poucos estudos sobre sua prevalência, etiologia e consequências(4,5), objetivou-se com o presente estudo, analisar 12.676 hemogramas de cães no período de dois anos e selecionar os que manifestavam trombocitose. Estabelecendo assim, as principais enfermidades ou condições clínicas associadas, a incidência e ainda podendo categorizar as contagens de acordo com a severidade do aumento de plaquetas.


Material e métodos



Foram avaliados retrospectivamente 12.676 hemogramas de cães atendidos no Hospital Veterinário da Universidade Federal de Mato Grosso, Campus de Cuiabá (HOVET/ UFMT) no período de janeiro de 2016 a dezembro de 2017.

O presente trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética no Uso de Animais (CEUA) da UFMT sob o número de protocolo 23108902654/2018-12 e anuência com os princípios éticos na experimentação animal, adotados pelo Conselho Nacional de Controle e Experimentação Animal (CONCEA).

Os hemogramas foram realizados a partir de amostras de sangue com EDTA (etilenodiaminotetracético), analisadas em equipamento hematológico automático (PocH-100iV Diff - Roche®) para a obtenção de valores e parâmetros de eritrócitos, leucócitos e plaquetas. Além disso, imediatamente após a coleta de sangue foi confeccionado esfregaço sanguíneo que foi posteriormente corado com coloração de Romanowsky (Panótico Rápido), tanto para realização de contagem diferencial de leucócitos quanto para contagem manual de plaquetas. As contagens de plaquetas foram realizadas segundo metodologia descrita por Villers(11), em 10 campos aleatórios do esfregaço sanguíneo em microscópio óptico em aumento de 100 vezes por patologista clínico veterinário experiente, e a média do número de plaquetas encontradas era multiplicado pelo fator 15.000, resultando no número estimado de plaquetas. As amostras com fibrina e microágulos na parede do tubo e as lâminas que continham agregados plaquetários não foram incluídas neste estudo.

Utilizaram-se amostras de cães machos e fêmeas, com idades entre um mês a 18 anos. Para inclusão no estudo, no prontuário médico deveria constar o diagnóstico definitivo e, pelo menos, uma contagem de plaquetas com valor >500 x 10³/μL. Casos com histórico de esplenectomia, independente da causa, foram excluídos do estudo.

De acordo com o diagnóstico, cada cão foi inserido em uma das seguintes categorias de doenças ou condição clínica (Quadro 1): neoplasias, doenças gastrointestinais, endócrinas, oftalmológicas, traumas e cirurgias, dermatológicas, cardíacas, neurológicas, infecciosas, respiratórias, geniturinárias, idiopáticas (quando a trombocitose não apresentou nenhum processo ou doença subjacente), múltiplas (com mais de uma doença ou condição envolvida) e gestação.



Baseado em estudos anteriores(4,5,12), as contagens de plaquetas foram categorizadas de acordo com a severidade da trombocitose como: leve (500-600 x 10³/μL), moderada (601-800 x 10³/μL), marcada (801-1.000 x 10³/μL) e extrema (>1.000 x 10³/μL).

Utilizou-se valores de referência de plaquetas para cão segundo Schalm's et al.(2). Os dados coletados foram analisados por estatísticas descritivas e pelo teste de Kruskal-Wallis a 5% de significância (P≤0,05) em software R Project 3.4.3(13).


Resultados e discussão



Foram avaliados 12.676 hemogramas de cães e, destes, 573 cães apresentaram pelo menos uma contagem de plaquetas >500 x 10³/μL, o que corresponde a uma incidência de trombocitose de 4,5%, semelhante ao observado em outros estudos(5,14). Porém, incidências maiores de trombocitose (7,2% e 8,5%) foram relatadas(4,12), cuja diferença foi atribuída ao fato de que a contagem de plaquetas foi realizada de diferentes formas, incluindo contagem em hemocitômetro manual, estimativa em esfregaços de sangue, métodos automatizados de impedância ou técnica de dispersão de luz induzida por laser. Todos esses métodos variam em precisão e os resultados de um mesmo animal podem diferir entre eles(15). No presente estudo, as contagens foram realizadas por método automatizado e confirmadas por exame microscópico de esfregaço sanguíneo por um mesmo patologista clínico veterinário experiente. Apesar de os analisadores hematológicos proporcionarem maior precisão na contagem de plaquetas, há situações em que eles podem gerar contagens espúrias(16). Recomenda-se que a contagem automatizada de plaquetas e a contagem de plaquetas por microscopia sejam utilizadas conjuntamente, de modo a garantir mais qualidade e confiabilidade às contagens(16,17,18).

De todos os hemogramas avaliados, sete (0,05%) animais foram excluídos do estudo por terem sido submetidos à esplenectomia, incidência menor que a relatada por Neel et al.(5), que pode resultar em aumento do número de plaquetas na circulação, pois o baço constitui-se uma grande reserva de plaquetas(19). Em humanos, a esplenectomia é uma causa frequente de trombocitose transitória(2,19), mas em cães é apenas eventualmente descrita como causa(19).

Semelhante ao estudo de Neel et al.(5), a trombocitose primária não foi identificada com base nos dados disponíveis nos prontuários médicos, de modo que todos os cães, exceto os classificados com trombocitose idiopática, foram classificados como tendo trombocitose secundária, uma vez que, apresentaram uma ou mais doenças ou condições clínicas adjacentes.

As contagens médias de plaquetas em todas as categorias de diagnósticos do presente estudo foram semelhantes e não houve diferença significativa (P=0,325) entre elas, porém, as contagens mínimas e máximas foram variáveis (Figura 1).


Percentualmente o número de cães em cada categoria de doença identificada foi o seguinte: para neoplasias - 119 (20,8%) cães; para doenças gastrointestinais - 196 (34,2%) cães; para doenças endócrinas - 6 (1,0%) cães; para doenças oftalmológicas - 9 (1,6%) cães; para casos de traumas e cirurgias - 34 (5,9%) cães; para doenças dermatológicas - 15 (2,6%) cães; para doenças cardíacas - 11 (2,0%) cães; para doenças neurológicas - 3 (0,5%) cães; para doenças infecciosas - 57 (10,0%) cães; para doenças respiratórias - 8 (1,4%) cães; para doenças geniturinárias - 56 (9,8%) cães; para causas consideradas idiopáticas - 19 (3,3%) cães; para múltiplas causas - 14 (2,4%) cães e para gestação - 26 (4,5%) cadelas.

De todos os cães, em 37 (6,5%) estava sendo administrado tratamento com vincristina (n=12) ou glicocorticoides (n=25). A vincristina foi administrada com maior frequência em cães com neoplasias, incluindo TVT (tumor venéreo transmissível), linfoma e carcinoma, e os glicocorticoides em cães diagnosticados com doenças inflamatórias e neoplasias. Tais doenças já possuem potencial para causar trombocitose e é possível que ao receberem medicamentos como glicocoticoides e a vincristina, esses animais tenham aumentado a probabilidade de desenvolver um aumento na contagem de plaquetas devido a múltiplos fatores que afetam a trombopoese. Stokol(2) afirmou em seu estudo que o uso destes medicamentos pode refletir no número de plaquetas, pois os agentes antineoplásicos foram a classe mais comum de agentes associados à trombocitose, sendo a vincristina, o agente mais comum, refletindo seu efeito na produção de plaquetas.

O aumento da contagem de plaquetas pode ser bastante marcado em condições reativas (>1.000.000/μL)(2). Quando classificados de acordo com a severidade da trombocitose, 311 (54,2%) cães apresentaram trombocitose leve, 208 (36,3%) apresentaram trombocitose moderada, 43 (7,5%) trombocitose marcada e 11 (2,0%) trombocitose extrema (Tabela 1).


O diagnóstico mais comum para todos os graus de severidade da trombocitose foi o de doenças de origem gastrointestinal de natureza infeciosa e inflamatória, diferindo de outros estudos em que a trombocitose extrema foi mais comumente associada a neoplasias(5) e doenças inflamatórias(12).

Nos cães diagnosticados com neoplasia, assim como em outros estudos(4,5,12), o carcinoma foi o diagnóstico neoplásico mais comum, acometendo 42 (35,2%) cães. Existem muitos estudos referentes à trombocitose associada ao carcinoma em humanos, nos quais se demonstrou que os tumores produzem fatores estimulantes de granulócitos e macrófagos, além de IL-6 (interleucina-6) e trombopoietina(6,20,21). A interação entre as plaquetas e as células tumorais é capaz de promover a formação de metástases, além de que a trombocitose pode ser correlacionada com um prognóstico pior em muitos tipos de câncer(20), o que pode ocorrer também nos cães(4,5).

Tal como o descrito por Woolcock(12), outros tipos de neoplasias também ocorreram com menor frequência no presente estudo, como o adenocarcinoma (n=7) (5,88%), adenoma (n=5) (4,2%), hemangiossarcoma (n=8) (6,7%), leiomioma (n=2) (1,6%), linfoma (n=18) (15,1%), lipoma (n=9) (7,5%), osteossarcoma (n=5) (4,2%), sarcoma (n=2) (1,6%) e TVT (n=21) (17,6%), porém não se sabe se existe realmente uma associação entre essas neoplasias e a trombocitose(5). Ressalta-se que vincristina e os glicocorticoides foram administrados em 12 cães com TVT, linfoma e carcinoma, corroborando os outros estudos em que se afirmou que a trombocitose reativa é um achado frequente em cães com doenças neoplásicas e inflamatórias e está associada à administração de glicocorticóides e vincristina(2,5,12), pois os corticosteroides podem aumentar o número de plaquetas pela diminuição de sua fagocitose pelos macrófagos(2) e a vincristina, assim como a vimblastina, estimulam a trombopoiese(2,6).

No caso das doenças de origem gastrointestinal, foram inseridas causas infecciosas como a parvovirose (n=86; 43,8%) e não infecciosas (n=110; 56,1%), que incluíram causas inflamatórias (n=29; 26,4%), parasitárias (n=27; 24,5%), dentárias (n=20; 18,2%), hepatobiliares (n=21; 19,1%), pancreatites (n=6; 5,4%) e intoxicações (n=7; 6,4%). Distúrbios gastrointestinais são comumente associados à trombocitose em cães(2) e neste estudo, as enfermidades relacionadas a esse sistema orgânico ocorreram, com maior frequência, associadas à trombocitose, diferindo de um estudo no qual a frequência de distúrbios gastrintestinais foi de 19%(4). A parvovirose acometeu a maioria dos cães nessa categoria, por se tratar de uma doença que afeta o trato gastrointestinal. A causa da trombocitose provavelmente é multifatorial, pois no sangramento gastrointestinal também pode ocorrer um estado de deficiência de ferro(4,6) que estimula a trombopoiese(2). Porém, as concentrações de ferro sérico não estavam disponíveis para fazer um diagnóstico de anemia ferropriva nestes pacientes.

Tal como em outros estudos(4,5), poucos animais apresentaram trombocitose relacionada a endocrinopatias, observada em três animais com hiperadrenocorticismo (50%) e em três com diabetes mellitus (50%). A correlação entre trombocitose e diabetes mellitus não está bem esclarecida, no entanto, alguns estudos demonstraram que cães com diabetes mellitus também desenvolvem hiperadrenocorticismo e o aumento da concentração de glicocorticoides pode explicar a trombocitose nesses pacientes(2).

Neste estudo, os cães com trombocitose foram inseridos nas categorias de doenças de acordo com o órgão ou sistemas relacionados e isso pode ter obscurecido o papel da infecção e da inflamação na trombocitose. Nas categorias de doenças oftalmológicas, traumas e cirurgias, doenças dermatológicas, cardíacas e neurológicas, assim como nas neoplasias, doenças gastrointestinais, respiratórias e geniturinárias, os cães poderiam apresentar alguma infecção bacteriana ou processo inflamatório associado. Isso sugere que um melhor esquema de classificação se faz necessário, porém, infelizmente, em um estudo retrospectivo é difícil determinar definitivamente o grau de inflamação que pode ser associado a uma neoplasia ou se a trombocitose é devido à infecção do trato urinário ou ao uso de drogas antineoplásicas, por exemplo. Além disso, assim como sugerido por Hammer(4), animais que apresentam trombocitose em conjunto com sinais clínicos não localizáveis devem ser cuidadosamente avaliados quanto a neoplasias, principalmente porque a trombocitose pode ser um marcador ou indicador significativo para neoplasias.

No diagnóstico de doenças infecciosas, um cão (1,7%) apresentou brucelose, 17 cães (29,8%) apresentaram cinomose e 39 cães (68,4%) apresentaram hemoparasitose. No caso da cinomose, frequentemente ocorre trombocitopenia, que pode ser justificada pelo aumento de anticorpos antiplaquetas, sendo considerada uma trombocitopenia imunomediada com remoção das plaquetas pelo sistema monocítico fagocitário(22). Esta trombocitopenia imunomediada talvez possa justificar a trombocitose nos cães deste estudo, uma vez que a recuperação de trombocitopenias pode causar uma trombocitose de rebote, de forma que a produção exceda a perda, o consumo ou a destruição, após hemorragia ou retirada do agente mielossupressor(2,6). Dos 17 cães que apresentaram cinomose, nove (52,9%) apresentaram trombocitopenia na primeira contagem de plaquetas, sendo que desses, sete (77,8%) apresentaram trombocitopenia intensa sugerindo uma trombocitose de rebote.

Dos cães que apresentaram trombocitose associada a doenças geniturinárias, 25 (44,6%) apresentaram doença renal crônica. A uremia pode causar anormalidades na função das plaquetas, alterando a interação entre as plaquetas e a parede dos vasos(12). A trombocitose em humanos com doença renal pode indicar uma maior gravidade da doença(23), no entanto, na Medicina Veterinária, investigações científicas sob o ponto de vista de que a trombocitose possa atuar como marcador prognóstico na doença renal ainda não foram realizadas. Ainda nesta categoria, 31 cadelas (55,3%) apresentaram piometra, cujos mecanismos envolvidos no aumento das plaquetas são variados e estão relacionados a processos inflamatórios, mediados pelas citocinas, especialmente a IL-6, que estimulam a trombopoiese(2,4).

Quando nenhum sintoma subjacente ou nenhum diagnóstico foi identificado, a causa da trombocitose foi considerada idiopática. Contagens elevadas de plaquetas não significam necessariamente a presença de doença e são detectadas pelo hemograma de rotina, além disso, falsas trombocitoses podem ocorrer associadas à presença de fragmentos citoplasmáticos de células nucleadas e de eritrócitos, lipemia, bactérias ou crioglobulinas(10). Em humanos, a trombocitose primária ou essencial é uma doença mieloproliferativa clonal originária na stem cell e pode estar associada com outras doenças mieloproliferativas crônicas, como leucemia mieloide crônica, policitemia vera, e mielofibrose primária(24). As causas dessa doença em animais não foram determinadas e, assim como nos humanos, o diagnóstico é baseado na exclusão de outros distúrbios(2) e uma avaliação completa para garantir que a trombocitose não seja secundária(6).

Nos casos de gestação, sete cadelas (26,9%) apresentaram a condição de distocia. O que pode, neste caso, a trombocitose ter ocorrido como uma resposta fisiológica, por meio da contração esplênica mediada pela epinefrina(2,6).

Uma consequência potencialmente enganosa da trombocitose é a pseudo-hipercalemia(6) que ocorre em amostras de soro devido à liberação de potássio intracelular durante a coagulação e o aumento da concentração de K+ pode ser proporcional ao aumento de plaquetas, apresentando maiores concentrações em cães com trombocitose extrema (>1.000.000 plaquetas/μL)(2).

Em humanos, a trombocitose contribui para o risco de eventos tromboembólicos, principalmente em casos de trombocitose primária e em pacientes com uremia(12), além disso, a trombocitose afeta o prognóstico e sobrevivência em neoplasias e outras doenças(12,23). Devido à falta de informações nos registros médicos, este estudo não investigou o potencial de eventos tromboembólicos nos cães estudados, assim como não investigou a sobrevivência ou os resultados após tratamentos. Desta forma, estudos futuros são necessários para a realização de tal investigação.


Conclusão



De acordo com o método empregado, concluiu-se que a trombocitose reativa é um achado com incidência de 4,5% dos hemogramas de cães analisados, sendo associada principalmente às doenças gastrointestinais e neoplasias. A trombocitose foi observada em cães tratados com glicocorticoides e vincristina e quanto ao grau de severidade da trombocitose, as contagens extremas estavam mais associadas às doenças gastrointestinais (63,6%).


Referências


1. Baker DC. Diagnóstico dos distúrbios Hemostáticos. In: Thrall MA. Hematologia e Bioquímica Clínica Veterinária. 2nd ed. Rio de Janeiro: Roca; 2015. p. 399-439.
2. Stokol T. Essential thrombocythemia and reactive thrombocytosis. In: Weiss DJ, Wardrop K. Schalm's Veterinary Hematology, 6nd ed. Iowa: Blackwell Publishing Company; 2010. p. 605-611.
3. Stokol T, Erb HN. A comparison of platelet parameters in EDTA and citrateanticoagulated blood in dogs. Veterinary Clinical Pathology. 2007; 36(2): 148-154.
4. Hammer AS. Thrombocytosis in dogs and cats: A retrospective study. Comparative Haematology International. 1991; 1(4): 181-186.
5. Neel JA, Snyder L, Grindem CB. Thrombocytosis: a retrospective study of 165 dogs. Veterinary Clinical Pathology. 2012; 41(2): 16-222.
6. Stokhan SL, Scott MA. Fundamentos de patologia clínica veterinária. 2nd ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011.
7. Levine RL, Wadleigh M, Cools J, et al. Activating mutation in the tyrosine kinase JAK2 in polycythemia vera, essential thrombocythemia, and myeloid metaplasia with myelofibrosis. Cancer Cell. 2005; 7(4): 387-97.
8. Dan K. Thrombocytsis in iron deficiency anemia. Internal Medicine. 2005; 44(10): 1025-1026.
9. Liptak JM, Dernell WS, Monnet E, et al. Massive hepatocellular carcinoma in dogs: 48 cases (1992-2002). J Am Vet Med Assoc, 2004; 225(8): 1225–30.
10. Harvey JW. Veterinary Hematology – A Diagnostic Guide and Color Atlas. Missouri:Elsevier Saunders; 2012.
11. Villers E. Introduction to haematology. In: Villers E, Ristic J. BSAVA Manual of canine and Felinae Clinical Pathology. 3th ed. Reino unido: BSAVA; 2016. p.27-37.
12. Woolcock A, Keenan A, Cheung C, Christian JA, Moore GE. Thrombocytosis in 715 Dogs (2011–2015). Journal of Veterinary Internal Medicine. 2017; 31(6): 1691-1699. Doi: http://dx.doi/10.1111/jvim.14831.
13. R Development Core Team (2017). R: Alanguage and environment for statistical computing. R Foundation for Statistical Computing, Vienna, Austria.
14. Athanasiou LV, Polizopoulou ZS, Papavasileiou EG, Mpairamoglou EL, Kantere MC, Rousou XA. Magnitude of reactive thrombocytosis and associated clinical conditions in dogs. Veterinary Record. 2017. 181(10): 267. Doi: http://dx.doi/10.1136/vr.104042.
15. Boudreaux MK. Platelet structure. In: Weiss DJ. Wardrop K. Schalm's Veterinary Hematology, 6nd ed. Iowa: Blackwell Publishing Company; 2010. p. 561-568.
16. Malok M, Titchener EH, Bridgers C, Lee BY, Bamberg R. Comparison of two platelet count estimation methodologies for peripheral blood smears. Comparison of two platelet count estimation methodologies for peripheral blood smears. Clin Lab Sci. 2007; 20(3): 154-60.
17. Séverine T, Cripps PJ, Mackin AJ. Estimation of platelet counts on feline blood smears. Vet Clin Pathol. 1999; 28(2): 42-45.
18. Povall A, Kendrick CJ. Estimated platelet and differential leucocyte counts by microscopy, Sysmex XE-2100 and CellaVisionTM DM96. N Z J Med Lab Sci. 2009; 63(1): 3-10.
19. Khan PN, Nair RJ, Olivares J, et al. Postsplenectomy reactive thrombocytosis. Proc (Bayl Univ Med Cent). 2009; 22(1): 9-12.
20. Hwang SJ, Luo JC, Li CP, et al. Thrombocytosis: A paraneoplastic syndrome in patients with hepatocellular carcinoma. World Journal of Gastroenterol. 2004; 10(17): 2472-2477.
21. Bihari C, Rastogi A, Shasthry SM, et al. Platelets contribute to growth and metastasis in hepatocellular carcinoma. Journal of pathology, microbiology and immunology. 2016; 124(9): 776-786. Doi: http://dx.doi/0.1111/apm.12574.
22. Mangia SH, Paes AC. Cinomose. In: Megid J, Ribeiro MG, Paes AC. Doenças Infecciosas em Animais de Produção e de Companhia. 1nd ed. Rio de Janeiro: Roca. 2016. p. 560-579.
23. Forbes SH, Ashman N, Yaqoob MM. The role of platelets in the prognosis of renal disease. OA Nephrology. 2013; 1(2): 17.
24. Leite AB, Silva HF, Nogueira OL. Trombocitemia essencial. Revista brasileira de hematologia e hemoterapia, 2001; 23(1): 49-51.