Sob condições de clima tropical da
Baixada Fluminense do Rio de janeiro, foi desenvolvido um experimento
com amostras de fezes depositadas em gramínea Tyfton 85 (Cynodon
spp. Cv.Tifton 85), no início de cada estação do ano. O objetivo do
estudo foi avaliar a distribuição das larvas infectantes (L3) de
ciatostomíneos nas fezes, na gramínea e no solo, verificando o horário
de maior recuperação de larvas. As coletas iniciaram-se uma semana após
cada depósito e a partir daí de quinze em quinze dias durante as
estações. Maior número de larvas foi encontrado na gramínea no outono e
no inverno, meses com predominância na estação seca, e menor
número de larvas foi encontrado na primavera e principalmente no
verão, meses com predominância na estação chuvosa. No horário das 8
horas, foi recuperado o maior número de larvas. Não se observou
diferença significativa entre os horários de coleta para cada estação
do ano. Reduzido número de larvas foi recuperado nos 10 cm do solo
analisado. As condições climáticas da região estudada permitiram o
desenvolvimento e a sobrevivência de L3 de ciatostomíneos na massa
fecal, assim como a migração para a gramínea, durante todo o ano, com
maior risco de infecção para os equinos no outono e no inverno.
PALAVRAS-CHAVES: Ciatostomíneos, clima tropical, ecologia, Tifton 85.
Distribution of cyathostomin infective larvae (L3) in feces, soil and in Tifton 85 (
Cynodon
spp. cv. Tifton 85) pasture was studied in the different seasons under
tropical climate of Baixada Fluminense, Rio de Janeiro state, Brazil.
The aim of this study was to evaluate the distribution of L3 in the
feces, pasture and soil, verifying the time of higher larvae recovery.
The collections began one week after deposit, and then every 15 days.
L3 were recovered in higher number in the fall and winter, dry period,
when compared to spring and mainly the summer, rainy period. More
larvae were recovered at 8:00 o’clock, although no statistic difference
was observed among the collection times for each season. The soil did
not demonstrate to be a potential L3 reservoir, considering the low
larvae recovery. The environmental conditions of the studied area
rendered possible the L3 development and survival in fecal mass, as
well as the migration for the pasture, making possible the infection of
horses.
KEY WORDS: Cyathostomin, ecology, environmental conditions, horses, pasture.
INTRODUÇÃO
O uso intensivo de drogas anti-helmínticas tem causado dramáticas
mudanças na prevalência e biologia dos nematoides de equinos. Desde as
últimas décadas, vêm sendo recomendadas medidas como redução na
intensidade dos tratamentos, tratamentos seletivos e aumento na
vigilância parasitária (DUNCAN & LOVE, 1991; GOMEZ & GEORGI,
1991; KRECEK
et al., 1994; KAPLAN, 2002; MATTHEE & MCGEOCH, 2004), a fim de se reduzir o desenvolvimento de resistência às drogas.
Entre os fatores que influenciam a resistência dos nematoides aos anti-helmínticos, o mais importante é o tamanho do
refugium
parasitário (VAN WYK, 2001; KAPLAN, 2004), constituído principalmente
pelos estágios de vida livre presentes na pastagem (NIELSEN
et al., 2007).
A dinâmica populacional dos helmintos gastrintestinais e a
interferência dos efeitos relacionados ao ambiente, tais como a estação
do ano, temperatura e chuva, têm sido um importante objeto de estudo.
Alguns trabalhos vêm sendo realizados em regiões de clima tropical
(MFITILODZE & HUTCHINSON, 1988; HUTCHINSON,
et al., 1989; QUINELATO,
et al., 2007; RODRIGUES
et al., 2008; COUTO
et al., 2008; COUTO
et al., 2009) e subtropical (ENGLISH, 1979a; ENGLISH, 1979b; CRAIG
et al., 1983; COURTNEY & ASQUITH, 1985; BAUDENA
et al., 2000a; BAUDENA
et al., 2000b). No entanto, ainda não está totalmente esclarecida a dinâmica populacional destes no ambiente (BUCKNELL
et al., 1995; BAUDENA
et al., 2000a; LANGROVÁ
et al.,
2003). Dessa forma, para o desenvolvimento de eficientes programas de
controle, informações sobre a distribuição dos estágios pré-parasíticos
são essenciais, visto que possibilitam a avaliação do risco de infecção
para os animais.
O objetivo deste estudo foi avaliar a distribuição das larvas
infectantes de ciatostomíneos nas fezes, gramínea e solo nas diferentes
estações do ano e o horário de maior recuperação de larvas em condições
de clima tropical da Baixada Fluminense do Rio de Janeiro.
MATERIAL E MÉTODOS
Localização
Para a realização do estudo foi montado um canteiro experimental com a gramínea Tifton 85 (
Cynodon
spp. cv. Tifton 85), de dimensões 11,5 x 1,0 m, localizado na Estação
para Pesquisas Parasitológicas W. O. Neitz, do Departamento de
Parasitologia Animal do Instituto de Veterinária da Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). A área está localizada a
22°41’ de latitude Sul e 43°41’ de longitude Oeste, à altitude de 33 m.
O clima é do tipo Aw (tropical úmido), de acordo com a classificação de
Köppen. O solo da região estudada é classificado como Planossolo
Háplico (EMBRAPA, 2006).
Experimento
O estudo foi desenvolvido no período de setembro/2006 a setembro/2007.
Amostras de fezes foram obtidas de dois equinos naturalmente infectados
mantidos na Estação para Pesquisas Parasitológicas W. A. Neitz. No
início de cada estação do ano, coletou-se 1 kg de fezes de cada animal
doador. Posteriormente, o material coletado foi dividido em duas
amostras de 500 g por animal, totalizando quatro repetições, que foram
depositadas no canteiro experimental. Uma semana após cada depósito,
coletaram-se amostras de fezes, gramínea e solo, rotina que
posteriormente ocorreu a cada quinze dias até o final de cada estação.
Procedeu-se às coletas de fezes (± 2g), gramínea (0-20cm de altura) e
solo (10cm) em dois horários diferentes (8 e17 horas) e em três
pontos distintos ao redor da massa fecal. O processamento das amostras
seguiu a metodologia de QUINELATO
et al. (2007).
Os dados climáticos foram fornecidos pelo posto Agrometeorológico da
Estação Ecológica Agrícola de Seropédica – INMET/PESAGRO – RJ e a
temperatura do solo foi mensurada a cada coleta do canteiro
experimental.
As estações do ano foram definidas por primavera (23/09-21/12), verão
(22/12-19/03), outono (20/03-20/06) e inverno (21/06-22/09). O período
de chuvas é, normalmente, compreendido entre outubro e março e o
período seco, entre abril e setembro.
Análise estatística
Para a análise de variação do número médio de L3 (larvas
infectantes) recuperadas das fezes, da gramínea e do solo nos
diferentes horários de coleta, em cada estação do ano, foi utilizado o
teste de Kruskal-Wallis (p<0,05) (ZAR, 1999; SAMPAIO, 2007), pelo
programa BioEstat (AYRES
et al.,
2005), assim como para a análise dos valores médios de OPG (número de
ovos por grama de fezes) em cada estação do ano. Analisou-se a
correlação entre o número médio de larvas recuperadas das fezes, da
gramínea e do solo e as variáveis ambientais temperatura média do ar,
temperatura média do solo e índice pluviométrico total pelo teste de
coeficiente de correlação de Spearman (p<0,05) (ZAR, 1999; SAMPAIO,
2007), BioEstat (AYRES
et al., 2005).
RESULTADOS
Distribuição das L3 nas fezes
O OPG dos animais doadores variou durante o experimento (
Tabela 1)
e não se observou diferença estatística entre as estações do ano. A
dinâmica de recuperação de larvas infectantes nas diferentes estações
do ano, em cada horário de coleta, pode ser observada na
Figura 1. O número médio de larvas recuperadas no outono (593.469 L3.kg
-1.ms) e inverno (311.045 L3.kg
-1.ms) foi mais elevado que na primavera (24.049 L3.kg
-1.ms) e no verão (1.094 L3.kg
-1.ms)
(p>0,05). Em relação aos horários de coleta, para cada estação do
ano, não foi observada diferença significativa. No horário de 8 horas,
recuperou-se maior número de L3 nas estações outono e inverno em
relação ao verão. Nas coletas realizadas às 17 horas, também se
recuperou maior número de larvas no outono e no inverno e menor número
na primavera e verão (p<0,05).
Distribuição das L3 na gramínea
Na gramínea Tifton 85, a recuperação média das L3 foi superior no outono (2.550 L3.kg-1.ms) e no inverno (3.502 L3.kg
-1.ms) em comparação aos valores na primavera (634 L3.kg
-1.ms) e no verão (655 L3.kg
-1.ms) (
Figura 2)
(p<0,05). Semelhante ao observado para recuperação de larvas
nas fezes, não houve diferença estatística entre os horários de coleta
da gramínea em cada estação do ano. Diferença significativa foi
observada para as L3 recuperadas às 8 horas e 17 horas entre as
estações do ano, sendo os maiores valores encontrados no outono e no
inverno, quando comparados com os da primavera e verão (p<0,05).
Distribuição das L3 no solo
Nas estações outono (308 L3.kg
-1.ms) e inverno (369 L3.kg
-1.ms) foi observada maior recuperação média de L3 em comparação à primavera (13 L3.kg
-1.ms) e verão (19 L3.kg
-1.ms) (
Figura 3),
porém não se observou diferença significativa entre as estações. Não se
verificou diferença estatística nos horários de 8 e17 horas, em cada
estação e entre elas.
Dados climáticos
A temperatura do ar e do solo e o índice pluviométrico total para cada estação do ano podem ser observados na
Figura 4.
O verão foi a estação que apresentou maiores médias de
temperatura, tanto do ar quanto do solo, 26,42ºC e 28,75ºC,
respectivamente, e maior índice pluviométrico total (468,60 mm). As
menores médias de temperatura e menor índice pluviométrico total foram
observadas no inverno, médias de temperatura do ar de 21,98ºC e do solo
de 22,50ºC e índice pluviométrico total de 77,40 mm.
Correlação entre recuperação de larvas e dados climáticos
A análise estatística evidenciou elevada correlação negativa entre o
índice pluviométrico e a recuperação de L3 nas fezes, na gramínea e no
solo. Fato também observado na correlação entre temperatura do solo e o
número de larvas recuperadas. Não houve correlação significativa entre
a temperatura do ar e o número de L3 recuperadas, entretanto
observou-se maior influência deste parâmetro sobre a recuperação de L3
na gramínea (|r|= -0,586) (
Tabela 2).
DISCUSSÃO
As variáveis climáticas da região influenciaram de forma marcante a
recuperação das L3. O inverno e o outono foram as estações com
maior recuperação de larvas infectantes, com valores mais baixos para
temperaturas do ar e do solo, e chuva, em comparação com os
valores do verão, estação em que as L3 foram recuperadas em menor
quantidade.
Estudos demonstram que o desenvolvimento das larvas infectantes de
ciatostomíneos é considerado ótimo em temperaturas entre 10-33ºC e que
a chuva afeta de forma negativa a sobrevivência das L3, embora seja
necessária para fornecer a quantidade mínima de umidade para migração
das larvas (HUTCHINSON
et al.,
1989) e para o desenvolvimento das formas pré-infectantes (OGBOURNE,
1972; RUPASHING & OGBOURNE, 1978; MFILODZE & HUTCHINSON, 1987).
O bolo fecal atuou como reservatório de larvas, principalmente nas
estações mais secas, como no outono e inverno, demonstrando que nessas
estações o ressecamento não promove redução intensa do número de
larvas, ocorrendo apenas uma diminuição na transmissão das L3 das fezes
para a pastagem até que a umidade seja restabelecida novamente, o que
salienta a importância não somente do comportamento das L3 na pastagem,
mas também de sua dinâmica nas fezes. Resultados semelhantes foram
relatados anteriormente por OGBOURNE (1972), ENGLISH (1979a), BAUDENA
et al. (2000), RAMSEY
et al. (2004), KUZMINA
et al. (2006), QUINELATO
et al. (2007), QUINELATO
et al. (2008); COUTO
et al. (2008),COUTO
et al. (2009) e RODRIGUES
et al.
(2008). Outro possível reservatório de larvas infectantes é o solo das
pastagens. Alguns estudos relatam a capacidade que as L3 de
estrongilídeos de equinos têm para migrar ao solo e também a
importância de aspectos como tipo de solo e condições climáticas, que
podem afetar a viabilidade da larva no solo (HOUSTON
et al.,
1984). Existem poucas informações e estudos sobre a recuperação de
larvas infectantes de estrongilídeos de equinos no solo, sendo essas
informações maiores em estudos sobre larvas infectantes de nematoides
de bovinos. Mesmo assim, aparecem de forma controversa. Alguns autores
afirmam que em condições desfavoráveis as L3 migram a determinadas
profundidades do solo, buscando um refúgio (LYAKU
et al.,
1988). Outros autores discordam, afirmando terem recuperado número
reduzido de larvas no solo (ROSE & SMALL, 1985; CASTRO
et al.,
2004). Estes resultados são equivalentes aos encontrados neste estudo,
em que se recuperaram poucas L3 do solo, em todas estações do ano, em
comparação com os valores recuperados nas fezes e na gramínea.
No horário da manhã as larvas foram recuperadas em maior número,
demonstrando a importância da umidade e de temperaturas amenas, embora
não tenha sido observada diferença estatística entre os horários de
coleta em cada estação do ano, concordando com os relatos de LANGROVÁ
et al.
(2003), que destacaram a importância do orvalho da manhã para a
migração das larvas. A comparação do número de larvas recuperadas, em
cada horário de coleta, entre as estações do ano, evidenciou menor
recuperação de larvas no verão, demonstrando que as condições
climáticas da estação são desfavoráveis para a sobrevivência e
recuperação das L3.
As fortes chuvas do verão tornaram esta estação crítica para a
recuperação das larvas, promovendo a destruição das massas fecais e
lixiviação das larvas para longe da pastagem. Já o ressecamento,
associado às elevadas temperaturas, principalmente do solo, embora não
tenha tido efeito deletério, prejudicou as L3, que não conseguiram
escapar das fezes e migrar para a pastagem.
Larvas infectantes de ciatostomíneos foram recuperadas da pastagem
durante todas as estações do ano. Demonstra-se, assim, a importância do
estudo desse refugium parasitário para o desenvolvimento de programas
de controle, levando em consideração a combinação entre fatores
climáticos e práticas de pastejo dos animais para a avaliação dos
níveis adequados de refugium, evitando tratamentos desnecessários
(NIELSEN
et al., 2007).
CONCLUSÃO
As condições ambientais da região estudada possibilitaram o
desenvolvimento de L3 de ciatostomíneos na massa fecal, assim como a
migração para a pastagem, possibilitando a infecção dos cavalos.
Condições de baixo índice pluviométrico, associadas a temperaturas
relativamente amenas, podem determinar a sobrevivência de larvas
infectantes na massa fecal, representando fonte de contaminação para a
pastagem. As L3 foram recuperadas em maior quantidade nas estações de
outono e inverno, consideradas secas, e em menor quantidade na
primavera e principalmente no verão, estação chuvosa. Maior número de
larvas infectantes de ciatostomíneos foi recuperado no horário das 8
horas. O solo não demonstrou ser potencial reservatório de larvas
infectantes de ciatostomíneos..
AGRADECIMENTOS
Ao Curso de Pós-Graduação em Ciências Veterinárias (CPGCV), à
Universidade Federal Rural do Rio do Janeiro (UFRRJ), à Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES) e ao Conselho
Nacional de Desenvolvimento Tecnológico (CNPq).
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