Desenvolveu-se este estudo para
avaliar os efeitos das condições reprodutivas (multíparas ou nulíparas)
e climáticas (período seco ou chuvoso) sobre o número e qualidade de
embriões colhidos de cabras da raça Boer superovuladas. Cinquenta
fêmeas caprinas, sendo 33 multíparas e 17 nulíparas, foram submetidas à
sincronização do estro com o auxílio de CIDR®, durante onze dias, e
superovuladas com 250UI de FSH-p. Observaram-se as fêmeas quanto ao
estro e realização de cobertura a intervalos de doze horas, após a
remoção dos CIDR®. Os embriões foram colhidos seis dias após a última
cobertura, por via transcervical. Não houve diferença significativa
(P>0,05) entre o número médio de estruturas e embriões viáveis
recuperados das multíparas ou nulíparas. O número médio de estruturas e
embriões viáveis recuperados de doadoras multíparas não diferiu
significativamente (P>0,05) entre os períodos seco e chuvoso. O
número médio de estruturas e de embriões viáveis, classificados como
G1, recuperados de doadoras nulíparas foi maior (P<0,05) no período
chuvoso que no período seco. Conclui-se que a condição climática, neste
experimento, não teve efeito sobre a produção embrionária de fêmeas
multíparas, entretanto as nulíparas foram mais sensíveis ao período
seco, apresentando redução no número e qualidade dos embriões
recuperados.
PALAVRAS-CHAVES: Cabras, embrião, estresse térmico.
EFFECT OF REPRODUCTIVE AND CLIMATIC CONDITIONS ON THE PRODUCTION OF EMBRYOS OF SUPEROVULATED BOER DOES
This study was conducted to evaluate
the effect of the reproductive (multiparous or nulliparous) and
climatic (dry or rainy period) conditions on the number and quality of
embryos collected from Boer does. Fifty does, being 33 multiparous and
17 nulliparous, were synchronized for oestrus with CIDR® devices for a
period of 11 days and superovulated with 250UI of FSH-p. The animals
were observed for oestrous behaviour at 12 h intervals, after CIDR®
withdrawal. Does were mated and six days later flushed transcervically
to recover the embryos. There was no significant difference (P>0.05)
among the average number of structures and viable embryos recovered
from the multiparous and nulliparous females. The average number of
structures and viable embryos recovered from multiparous does had no
significant difference (P>0.05) between dry and rainy periods. The
average number of structures and viable embryos classified as G1
recovered from nulliparous was lower (P<0.05) in the dry period than
in the rainy period. It could be concluded that the climatic condition
did not affect the embryonic production of multiparous females, however
the nulliparous were more sensitive to the dry period, presenting
reduction in the number and quality of the collected embryos.
KEYWORDS: Does, embryo, thermal stress.
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos a demanda por raças caprinas, com características
superiores como os caprinos Boer, tem causado aumento no movimento
internacional de embriões caprinos entre países e continentes (GREYLING
et al., 2002).
A transferência de embriões (TE) tem o potencial para aumentar o
desempenho reprodutivo de doadoras geneticamente superiores,
especialmente quando os animais estão em alta demanda (LEHLOENYA
et al.,
2008). De maneira a realizar a aplicação comercial desta técnica, é
necessário um contínuo suprimento de embriões de boa qualidade durante
o ano. Entretanto, diversos fatores limitantes afetam os resultados da
TE, como raça, idade, estado reprodutivo, condição climática e
nutricional (GONZÁLEZ-BULNES
et al., 2004).
A cabra pode se apresentar como poliéstrica estacional ou contínua. Nas
regiões tropicais, as mudanças de fotoperíodo são mínimas e,
consequentemente, a estacionalidade reprodutiva em pequenos ruminantes
é pouco observada, dependendo principalmente de fatores como
alimentação e condições térmicas (FREITAS & LOPES JR., 2002). A
distribuição da precipitação pluvial ao longo do ano na região Nordeste
do Brasil delimita duas diferentes épocas, seca e chuvosa, que influem
no desempenho reprodutivo da fêmea caprina, variando conforme a raça
(MORAIS
et al., 2008).
Fêmeas jovens têm sido utilizadas em programas de TE visando maximizar
o seu aproveitamento reprodutivo, bem como aumentar o número de
produtos geneticamente superiores (BALDASSARRE & KARATZAS, 2004).
No entanto, a utilização de fêmeas nulíparas em TE deve ser avaliada,
pelo fato de apresentarem imaturidade do aparelho reprodutivo,
resultando na produção de gametas malformados (SILVA & ARAÚJO,
2000) e, consequentemente, no baixo potencial de desenvolvimento
embrionário in vivo e in vitro (REVEL
et al., 1995).
Este estudo teve como objetivo avaliar os efeitos das condições
reprodutivas (multíparas ou nulíparas) e climáticas (seca ou chuvosa)
sobre o número e a qualidade de embriões colhidos de cabras Boer
superovuladas.
MATERIAL E MÉTODOS
Desenvolveu-se o estudo em um rebanho comercial, localizado na cidade
de Gravatá, estado de Pernambuco, a 08º12’04” de latitude Sul e a
35º33’53” de longitude Oeste, com altitude de 447 metros acima do nível
do mar. O índice pluviométrico médio anual varia entre 380 e 760 mm³,
com ocorrência de chuvas principalmente entre os meses de março e
agosto; a temperatura média anual é de 26°C, com máxima de 35°C e
mínima de 14°C, caracterizando-se por clima tropical com estação seca,
apresentando aumento de umidade relativa do ar e temperatura nos meses
de novembro a fevereiro.
Durante o período de estudos, realizou-se acompanhamento da condição
climática através da análise dos dados cedidos pelo Laboratório de
Meteorologia de Pernambuco (LAMEPE), pertencente ao Instituto de
Tecnologia de Pernambuco (ITEP). Considerou-se período seco aquele cujo
índice pluviométrico foi inferior a 50 mm³ e período chuvoso quando
superior a 50 mm³.
Utilizaram-se cinquenta fêmeas Boer, sendo 33 multíparas (n= 17 seco;
n= 16 chuvoso), com idade entre 20 e 48 meses, peso médio de 71,3 kg e
histórico reprodutivo de até cinco partos fisiológicos, e 17 nulíparas
(n= 8 seco; n= 9 chuvoso), apresentando entre dez e 1doze meses, com
peso médio de 57,9 Kg. As fêmeas foram mantidas em sistema de criação
semiextensivo, permanecendo em piquetes de capim-pangolão (
Paspalum
sp.) durante o dia e agrupadas à noite em apriscos de chão batido, onde
eram suplementadas a cocho com 500 g de ração balanceada por animal,
além de sal mineral e água
ad libitum. Nos meses caracterizados como período seco, as fêmeas recebiam capim picado (
Pennisetum purpureum) no cocho, duas vezes ao dia, juntamente com a ração.
As fêmeas tiveram o estro sincronizado com o auxílio de dispositivos
intravaginais (CIDR®, Pfizer, Brasil), inseridos por um período de onze
dias. O tratamento superovulatório foi iniciado 48 horas antes da
remoção do CIDR, utilizando-se uma dose total de 250UI de FSH-p
(Pluset®, Hertape-Calier, Brasil), divididas em seis aplicações
intramusculares, em doses decrescentes com intervalo de doze horas.
Doze horas após a remoção dos dispositivos, as fêmeas foram observadas
quanto ao sinal de estro e realização de cobertura, duas vezes ao dia,
a intervalo de doze horas, até não mais aceitarem a monta.
Para cobertura foram utilizados quatro reprodutores da raça Boer, com
idades entre 24 e 60 meses, mantidos em sistema intensivo em aprisco de
chão batido e alimentados exclusivamente a cocho com feno de capim
tífton (
Cynodon spp.), 800 g de concentrado por animal, além de sal mineral e água
ad libitum.
Os embriões foram colhidos no sexto dia após a última cobertura, por via transcervical, como relatam SUYADI
et al.
(2000). Administrou-se PGF2α, na dose de 0,3mL (Ciosin®,
Schering-Plough, Brasil), vinte horas antes do procedimento de lavagem
uterina nas fêmeas. Ambos os cornos uterinos foram lavados por dez
infusões consecutivas de 20 mL de meio de lavagem (DMPBS-FLUSH®,
Nutricell, Brasil) acrescidos de 1% de solução de manutenção (EMCARE®,
ICPBio, Brasil). O meio de lavagem recuperado foi pesquisado e avaliado
sob estereomicroscópio para identificar o número total de estruturas
colhidas. Classificaram-se os embriões quanto ao seu estádio de
desenvolvimento e qualidade (grau 1 – massa embrionária simétrica e
esférica, com blastômeros individuais uniformes em tamanho, cor e
densidade; grau 2 – irregularidades moderadas na forma geral da massa
embrionária ou no tamanho, cor e densidade das células individuais;
grau 3 – irregularidades maiores na forma da massa embrionária, em
relação ao tamanho, cor e densidade das células individuais; grau 4 –
morto ou degenerado), segundo os padrões da Sociedade Internacional de
Transferência de Embriões (IETS, 1998).
A análise estatística foi realizada utilizando-se o delineamento
experimental inteiramente casualizado (DEIC), no esquema fatorial 2 x 2
(duas condições reprodutivas e duas estações do ano) e análise de
variância (ANOVA) para o efeito da condição reprodutiva e da estação
do ano e a interação destes com o número de embriões colhidos e de
embriões viáveis. No grupo de dados em que se obteve valor igual a
zero, eles foram submetidos à transformação (√ x+1) de acordo com REIS
(2003).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As taxas de recuperação do lavado uterino dos grupos de cabras
multíparas (90,3%) e nulíparas (88,7%) não apresentaram diferença
significativa (P>0,05), demonstrando que a condição reprodutiva não
interferiu na passagem e na manipulação do catéter ou na recuperação do
meio de lavagem. Esses resultados divergem daqueles anteriormente
relatados por ANDROUKOVITCH
et al.
(2002), ao reportarem valores insatisfatórios após tentativa de
recuperar embriões de fêmeas nulíparas da raça Boer, ressaltando a
dificuldade de manipulação e avanço do catéter no lúmen uterino, a
necessidade de força para infundir o meio, assim como observação
frequente de sangue no líquido recuperado.
No entanto, neste estudo constatou-se refluxo do meio de lavagem por
via transcervical em algumas fêmeas multíparas, sendo necessário
reduzir o volume do meio infundido. Este fato foi observado com maior
frequência em fêmeas mais velhas e pode ser atribuído ao relaxamento da
cérvice decorrente de partos anteriores.
Não foi observada diferença significativa (P>0,05) entre o número
médio de estruturas e embriões viáveis recuperados das fêmeas
multíparas e nulíparas, independente da estação do ano. Todavia, estes
resultados diferem dos relatos de SUYADI
et al. (2000), utilizando fêmeas nulíparas da raça Boer, e de AX
et al.
(2005), usando novilhas da raça Holandesa, ao observarem taxas de
recuperação embrionária insatisfatórias nas fêmeas jovens. No entanto,
os resultados deste estudo corroboram o sucesso da superovulação de
fêmeas caprinas pré-púberes e púberes reportado por SALLES
et al. (2000) e MAJUMDAR
et al. (1990), os quais obtiveram embriões de boa qualidade que resultaram em crias após serem transferidos para as receptoras.
O número médio de estruturas e embriões viáveis recuperados de doadoras
multíparas não diferiu significativamente (P>0,05) entre os períodos
seco e chuvoso (
Tabela 1). Estes resultados ratificam os relatos de LEHLOENYA
et al.
(2008), ao evidenciarem não haver diferença significativa no número
total de estruturas e de embriões transferíveis, recuperados de cabras
Boer durante as estações reprodutiva e não reprodutiva. Entretanto,
esses resultados contradizem achados anteriores em algumas raças
caprinas, em que a estação do ano tem grande efeito nas taxas de
produção e recuperação embrionária. Esse fato tem sido demonstrado pelo
alto número total de embriões recuperados durante a estação
reprodutiva, quando comparado à estação não reprodutiva
(GONZALEZ-BULNES
et al., 2003).
O número médio de estruturas e embriões viáveis, classificados como G1, recuperados de doadoras nulíparas (
Tabela 1)
foi significativamente menor (P<0,05) no período seco do que no
período chuvoso. A redução no número e na qualidade dos embriões
colhidos de cabras nulíparas durante o período seco pode ser atribuída
à temperatura ambiental, uma vez que foram constatados, em média, 35°C
durante o dia e 20°C à noite, com variação de 15°C em um mesmo dia.
Essa diferença na temperatura pode ter determinado estresse térmico e
desconforto aos animais jovens, corroborando os relatos de BRASIL
et al.
(2000), ao afirmarem que o fornecimento de alimentos com qualidade e
quantidade satisfatórias não minimiza o desconforto térmico dos
animais, reduzindo a produção de leite e os parâmetros reprodutivos. Da
mesma forma, os achados neste experimento ratificam aqueles observados
em fêmeas bovinas, em que se evidenciou diminuição no número e na
qualidade dos embriões colhidos após estresse calórico (DEMÉTRIO, 2006).
OZAWA
et al. (2005) observaram
que o estresse térmico durante o recrutamento folicular compromete
severamente o crescimento de folículos de tamanho médio para a
ovulação, e que esses efeitos estão associados à redução do número de
receptores de hormônio luteinizante (LH) e da atividade de síntese de
estradiol nos folículos, em cabras expostas a estresse térmico (36°C e
70% de umidade). Isso que pode justificar o menor número de embriões
colhidos no período seco nas cabras nulíparas da raça Boer deste estudo.
Sob condições de estresse térmico, as cabras ingerem maior quantidade
de água, favorecendo a dilatação rumenal, a sensação de saciedade e a
diminuição do consumo de ração (AGUIAR
et al.,
2007), o que pode ocasionar redução dos níveis energéticos e proteicos
necessários às fêmeas doadoras de embrião. Além disso, o período quente
afeta o transporte de sêmen através do útero, reduzindo a taxa de
fertilização e o número de embriões recuperados, assim como aumentando
a quantidade de estruturas não fertilizadas ou degeneradas, conforme
foi relatado por MONTY & RACOWSKY (1987). Essa condição pode ter
afetado os resultados das fêmeas nulíparas deste estudo, uma vez que o
efeito negativo do estresse térmico pode ter sido amenizado nas fêmeas
multíparas em virtude da adaptação desses animais a mudanças climáticas
do ambiente em que estão inseridas (EALY
et al., 1993).
Outro fator que pode ter influenciado no número e na qualidade dos
embriões recuperados é a posição hierárquica do animal no rebanho, uma
vez que fêmeas mais velhas brigam por posições de hierarquia dentro do
grupo, alimentando-se primeiro ou ingerindo maior quantidade de
concentrado do que as mais novas (ROSA & BRYANT, 2003). Esse
comportamento animal pode refletir na elevação da taxa de ovulação das
fêmeas multíparas em comparação às nulíparas e, consequentemente, na
resposta embrionária do programa de superovulação observadas neste
experimento.
Diferentemente, UNGERFELD
et al.
(2007) relataram que a hierarquia social não afeta a resposta a
tratamentos superovulatórios quanto ao número de corpos lúteos ou à
qualidade dos embriões colhidos durante a estação reprodutiva.
Entretanto, durante a estação não reprodutiva, a posição hierárquica
pode influenciar no número de corpos lúteos obtidos. São necessários
outros estudos objetivando esclarecer os fatores envolvidos nesse
processo, como os efeitos do estresse calórico e da dominância social
sobre os rendimentos na produção de embriões de fêmeas caprinas.
CONCLUSÃO
Com base nos resultados, conclui-se que a condição climática, no
referido estudo, não teve efeito sobre a produção embrionária de fêmeas
multíparas, entretanto as fêmeas nulíparas foram mais sensíveis ao
período seco, apresentando redução no número e qualidade dos embriões
recuperados.
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Protocolado em: 26 nov. 2008. Aceito em: 28 jan. 2010.