O
Clostridium difficile
é um bastonete oportunista Gram-positivo, anaeróbio obrigatório,
formador de esporos, encontrado no solo, água e microbiota entérica de
várias espécies animais. Tem sido descrito como causa de enterite em
seres humanos e animais. Em suínos tem adquirido grande importância,
devido ao grande número de casos de enterites neonatais que afeta o
cólon de leitões entre um a sete dias de idade. Essa bactéria produz
dois tipos de toxinas, A (enterotóxica) e B (citotóxica), que possuem
papel importante na patogênese da doença. Com o objetivo de pesquisar a
presença da bactéria em leitões com até sete dias de idade submetidos à
antibioticoterapia bem como a produção das toxinas A e B nas amostras
isoladas, realizaram-se oito coletas em diferentes regiões do Estado de
Santa Catarina, totalizando 490 amostras de fezes e suabes retais de
leitões, coletados no período de janeiro a março de 2008. Os suabes
retais foram processados no mesmo dia da coleta no Laboratório de
Microbiologia (CAV/UDESC) e as fezes foram congeladas a -4 ºC em
ependorf estéril para posterior realização do teste de ELISA. Foram
isoladas 23 amostras do
C. difficile,
sendo que nenhuma delas produziu as toxinas A e B, pela análise do
teste do ELISA. Já das 69 amostras de fezes analisadas, 32 (46,37%)
foram positivas para a presença das toxinas, 3 (4,34%) intermediárias e
34 (49,27%) negativas, conforme demonstrou o teste de ELISA.
PALAVRAS-CHAVES: Antibiótico,
Clostridium difficile, diarreia, suínos.
ABSTRACT
OCURRENCE OF Clostridium difficile IN PIGS SUBMITTED TO ANTIBIOTIC THERAPY IN SANTA CATARINA STATE
The
Clostridium difficile is a
Gram-positive opportunist, anaerobic, spore-forming rod found in the
soil, water and enteric microbiota of many animal species. It has been
described as the cause for enteritis in human beings and animals. In
swine it has grown in importance due to the large number of cases of
neonatal enteritis that affects the colon of one to seven-day-old
piglets. This bacterium produces two kinds of toxins: A (enterotoxin)
and B (cytotoxin). They have an important role in the disease’s
pathogenesis. Aiming at researching the presence of the bacterium in up
to seven days piglets submitted to antibiotic therapy as well as the
production of the toxins A and B in isolated samples, 8 collections
were made in different regions of the state of Santa Catarina,
totalizing 490 samples of stool and retal swabs of piglets, gathered in
the period of January to March 2008. The retal swabs were processed in
the same day they were collected in the Microbiology Lab of CAV/UDESC
and the stools were frozen at -4oC in steril Ependorf so that they
could be submitted to the ELISA test later. Twenty-tree colonies of
C. difficile
were isolated, but no one produced the A and B toxins according to the
ELISA test. Of the 69 stools analyzed, 32 (46.37%) were positive
samples, 3 (4.34%) were intermediate samples, and 34 (49.27%) were
negative samples, according to the ELISA test.
KEYWORDS: Antibiotic,
Clostridium difficile, diarrhea, swine.
INTRODUÇÃO
Clostridium difficile é uma
bactéria Gram-positiva, anaeróbia, formadora de esporos, encontrada no
meio ambiente e no trato intestinal de vários mamíferos, pássaros e
répteis (NAGY & BILKEI, 2003). Este agente é responsável por causar
uma colite pseudomembranosa e diarreia associada ao uso de antibióticos
em humanos, cavalos e em animais de laboratório (POST
et al., 2004). Recentemente foi reconhecido como agente etiológico responsável por causar enterites em leitões (WATERS
et al., 1998; SONGER
et al., 2000).
Nos últimos anos a infecção causada pelo
C. difficile
tem adquirido significativa importância, podendo ser a causa de mais de
50% das diarreias neonatais em leitões na primeira semana de vida e
pela morte de até 10% dos leitões nas maternidades (SONGER
et al., 2004). Nos EUA, as cepas toxigênicas do
C. difficile
são consideradas o principal agente etiológico e o único responsável
por 35% das diarreias neonatais, além de ser encontrado em associação
com outros enteropatógenos em 25% de outros casos de enterite (SONGER
et al., 2007; MASARIKOVÁ
et al., 2008).
A doença causada pelo
C. difficile
tem sido frequentemente associada ao uso de antibióticos, que levam a
uma alteração na microbiota entérica e oportunizam a colonização pelo
agente. Quando ocorrem alterações nessa microbiota, bactérias
resistentes a antimicrobianos podem se multiplicar, inibindo o
crescimento das bactérias benéficas ao trato intestinal e favorecendo,
assim, o crescimento de bactérias patogênicas, como o
C. difficile (FURTADO
et al., 2005).
Os leitões apresentam dispneia moderada, distensão abdominal e edema
escrotal. Ocasionalmente têm diarreia, ascite, hidrotórax, dificuldade
respiratória, e alta morbidade e mortalidade podem ocorrer. As lesões
macroscópicas são enterite inflamatória, edema de mesocólon e na
microscopia encontra-se acúmulo de neutrófilos e fibrina na lâmina
própria (SONGER
et al., 2000). O C. difficile produz as toxinas A e B, que são as principais responsáveis pelo desencadeamento da doença.
O diagnóstico da infecção pelo
C. difficile
é realizado pela detecção das toxinas e pelo isolamento da bactéria em
meio de cultura específico. O simples isolamento da bactéria tem valor
limitado, pois o agente pode ser encontrado em leitões saudáveis. Para
o diagnóstico definitivo, faz-se necessária a identificação das toxinas
A e B nas fezes, utilizando-se o teste de ELISA (SOBESTIANSKY &
BARCELLOS, 2007).
A proposta deste estudo foi determinar a ocorrência do
Clostridium difficile
no Estado de Santa Catarina em leitões submetidos à antibioticoterapia
e, por meio das amostras isoladas, verificar quais produziram as
toxinas A e B pelo teste de ELISA.
MATERIAL E MÉTODOS
Para realização do presente estudo as amostras do material foram
obtidas de maternidades de suínos localizadas nas seguintes regiões de
Santa Catarina: Vale do Itajaí (Rio do Sul e Ituporanga), Meio-Oeste
Catarinense (Concórdia, Jaborá, Luzerna e Erval Velho) e região Sul
(Braço do Norte e São Ludgero), no período de janeiro a março de 2008.
Foram coletados aleatoriamente amostras de fezes e suabes retais de 490
leitões com um a sete dias de idade, tratados com antibióticos de amplo
espectro no primeiro dia de vida. Colocaram-se os suabes retais no meio
de transporte Amies com carvão, específico para bactérias anaeróbicas,
e as fezes em ependorf estéreis, todos acondicionados em caixas de
isopor com gelo reciclável e transportados até o Laboratório de
Microbiologia do CAV - UDESC. Os suabes retais foram processados no
mesmo dia das coletas, e as fezes foram congeladas a – 20 ºC para
posterior realização do teste de ELISA para identificação das toxinas A
e B.
No Laboratório, o meio de cultura seletivo ágar cicloserina-cefoxitina frutose (CCFA), específico para o isolamento do
Clostridium difficile,
foi preparado de acordo com GEORGE (1979). Suplementou-se o CCFA com
0,5mL de taurochocolate de sódio adicionado após a esterilização
deste. Os suabes retais foram semeados pela técnica de
esgotamento neste meio e incubados anaerobicamente por 48 horas a 37 ºC
em jarras com Gapak, que proporcionou uma atmosfera com os seguintes
gases: N
2 (80%), CO
2 (10%) e H
2 (10%).
Após esse período, primeiramente, analisou-se a morfologia das colônias
suspeitas e logo em seguida fez-se a coloração de Gram dessas colônias,
para a identificação dos bacilos Gram-positivos.
Os isolados foram confirmados bioquimicamente pelo teste da motilidade,
produção de indol e hidrólise de gelatina. Incubaram-se as colônias
isoladas no meio de enriquecimento BHI, por 48 horas nas mesmas
condições anteriores, sendo após congeladas.
O teste de ELISA foi utilizado para determinar qualitativamente a
produção das toxinas A e B pelo Clostridium difficile nas amostras de
fezes e nas colônias isoladas. Empregaram-se as primeiras 46 unidades
do kit ELISA para correlacionar a produção das toxinas pelas colônias
isoladas com a produção das toxinas das suas respectivas fezes.
Utilizou-se o restante do teste somente na análise das fezes. O teste
foi executado cinco meses após a realização da última coleta, no
laboratório de sorologia da Perdigão. O kit RIDASCREEN® Clostridium
difficile Toxina A/B da empresa R-BIOPHARM utiliza anticorpos
monoclonais contra as toxinas A e B do Clostridium difficile. Para a
avaliação e interpretação dos resultados, procedeu-se ao cálculo do CUT
- Off (ponto de corte). As amostras cujo valor de absorbância fica mais
de 10% acima do CUT-OFF calculado foram consideradas positivas e as
amostras que ficam mais de 10% abaixo do CUT-OFF calculado foram
consideradas negativas, sempre seguindo as instruções do fabricante.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O
Clostridium difficile é o
principal agente etiológico das diarreias associadas ao uso de
antibiótico e da colite pseudomembranosa em humanos. Em suínos, ele é o
agente responsável por causar diarreia e morte em leitões de 1 a 7 dias
de idade. Entretanto, ainda há poucos dados publicados sobre a sua
importância na suinocultura brasileira.
No presente trabalho, foi possível isolar 23 (4,7%) amostras do
Clostridium difficile,
de um total de 490 coletadas de suabes retais. No meio CCFA, as
colônias se apresentaram acinzentadas, não hemolíticas, circulares,
rugosas, salientes e modificavam a cor do meio, do mesmo modo como
descrito por GEORGE (1979). Por meio da coloração de Gram, verificou-se
a presença de bacilos Gram-positivos. Nos testes bioquímicos, o indol
foi negativo, as bactérias se mostraram imóveis e hidrolisaram a
gelatina, caracterizando, assim, o
Clostridium difficile (MERZ
et al., 1994).
Os resultados do teste do ELISA para avaliar a produção das toxinas pelas fezes e pelas colônias constam na
Tabela 1.
O kit de ELISA foi dividido em três grupos. No primeiro, verificou-se a
produção das toxinas A e B pelas colônias isoladas. No segundo,
correlacionou-se a produção das toxinas pelas colônias com as suas
respectivas fezes. No terceiro, utilizaram-se somente as fezes. Das 23
amostras isoladas, nenhuma produziu as toxinas, pela análise do teste
de ELISA. Já das 22 amostras de fezes correlacionadas com as colônias,
11 (50%) foram positivas. Por conseguinte, analisaram-se 47 amostras de
fezes, sendo que 20 (42,55%) amostras foram positivas, 3 (6,38%)
amostras foram intermediárias e 24 (51,06%) amostras foram negativas,
totalizando 69 amostras de fezes analisadas, 31 (44,95%) amostras
positivas. Analisaram-se somente 69 amostras de fezes das 490
coletadas, pelo fato de o kit de ELISA utilizado ter capacidade para 92
amostras. As amostras de fezes foram selecionadas aleatoriamente.
No meio de cultura CCFA, observou-se o crescimento de outras bactérias,
que não foram características na coloração de Gram e nem nos testes
bioquímicos. As colônias dessas bactérias eram menores e não possuíam
as características morfológicas do
C. difficile.
O CCFA é um meio de cultura seletivo e diferencial, considerado o melhor meio para o isolamento do
C. difficile. As colônias do
C. difficile
que crescem neste meio são morfologicamente diferentes e trazem
propriedades fluorescentes suficientes para uma identificação
presuntiva. Apresentam em sua formulação os antibióticos cicloserina e
cefoxitina, que inibem parcialmente o crescimento de outras bactérias.
A escolha desses antibióticos como componentes do meio foi baseado no
nível de resistência das 16 cepas do
C. difficile à cefoxitina (concentração inibitória mínima ≥ 32µg/mL) e à cicloserina (concentração inibitória mínima ≥ 1,024µg/mL) (GEORGE
et al., 1979).
O isolamento das colônias do
C. difficile
é considerado por muitos autores o melhor método de diagnóstico, embora
a pesquisa das toxinas precise ser executada para diferenciar as cepas
toxigênicas das não toxigênicas (MERZ
et al., 1994). RELLER
et al. (2007) sugeriram que a colônia é mais sensível que as fezes para detecção das cepas toxigênicas do
C. difficile, porém o isolamento da colônia é demorado, trabalhoso e difícil de ser realizado.
Neste estudo, o
C. difficile foi isolado de amostras fecais de 4,7% (23/490) leitões, diferentemente do encontrado por YAEGER
et al. (2007), em que se isolou o
C. difficile
do intestino grosso de 47% (61/129). Essa diferença pode ser explicada
por vários fatores, incluindo os efeitos dilucionais da diarreia,
dificuldade de isolamento e o congelamento prolongado (GEORGE
et al., 1979). No Brasil não existem trabalhos publicados sobre o isolamento do
C. difficile em leitões.
Em 50 % (11/22) dos leitões o isolamento do
C. difficile
e a produção da toxina foram negativos, e em nenhum dos leitões a
cultura e a produção das toxinas foram positivas. Isso se deve ao fato
de nenhuma colônia ter produzido as toxinas. Resultados diferentes
foram encontrados por YAEGER
et al.
(2007) nos Estados Unidos, em que 31% (40/129) dos leitões mostraram-se
negativos para ambas – cultura e produção da toxina – e, em 35%
(45/129) dos leitões, cultura e produção das toxinas mostraram-se
positivas. As hipóteses mais prováveis para explicar esses resultados
referem-se ao fato de as amostras poderem indicar a presença de cepas
não toxigênicas ou porque foram congeladas a -20 ºC ou pelo
descongelamento delas, mais de uma vez, pois assim pode ocorrer uma
rápida perda da atividade citotóxica (WALTERS
et al., 1998; DELMÉE
et al., 2001).
Já as toxinas das amostras de fezes foram detectadas em 44,95% (31/69)
leitões em que o isolamento foi negativo. Esses resultados são
semelhantes aos reportados no trabalho realizado por YAEGER
et al. (2007), em que se detectaram as toxinas no conteúdo do colón de 50% (65/129) dos leitões.
A detecção das toxinas nas fezes e não nas colônias isoladas pode estar
relacionada ao fato de as fezes serem mais resistentes ao congelamento
que as colônias, pois, aparentemente, neste estudo a interferência do
congelamento parece ter sido menor, visto que, em 44, 92% das amostras,
detectou-se toxina nas fezes e não nas colônias. No total de 69
amostras de fezes analisadas, 32 (46,37%) apresentaram as toxinas,
demonstrando que as fezes são o melhor material para a detecção delas.
Para a detecção das toxinas A e B do
C. difficile nas fezes ou no conteúdo intestinal de leitões, POST
et al.
(2002) compararam o teste de efeito citotóxico em cultivo celular com o
teste de ELISA. Das 50 amostras analisadas, 20 foram positivas e 24
foram negativas para ambos os testes, gerando uma correlação de 88%. A
sensibilidade e a especificidade foram de 91% e 86%, respectivamente.
Desse modo, o teste de ELISA foi considerado um adequado método para o
diagnóstico da CDAD.
Resultados semelhantes ao deste trabalho foram encontrados por ANDERSON (2008), que verificou que a detecção da toxina do
Clostridium difficile nas fezes é o elemento-chave para o diagnóstico da CDAD (doença associada ao
Clostridium difficile) em humanos e animais, e o teste de ELISA é desejável, dada a sua economia e o tempo de trabalho.
Em trabalho recentemente publicado por LIPPKE (2008), observou-se que em leitegadas sem diarreia os coccídeos (8,5%) e o
C. difficile (16,6%) foram os agentes mais frequentemente encontrados, e em leitegadas com diarreia o
C. difficile foi
observado em 10,6%, não ocorrendo diferença significativa na presença
entre as leitegadas caso e controle. A explicação para esses
resultados, de acordo com YAEGER
et al.
(2007), se deve ao fato de a detecção das toxinas A e B não representar
um bom indicador para a presença ou ausência de diarreia. Já foi
observado, em um estudo caso-controle, que a maioria (59%) dos leitões
positivos para as toxinas A e B não apresentou diarreia em comparação
com os leitões negativos para as duas toxinas. Especula-se que possa
haver algum outro fator, além das toxinas A e B, que seja essencial
para o desencadeamento da diarreia.
Não se observou associação entre a maior quantidade de toxinas
detectadas nas fezes e diarreia e também não foram correlacionados os
tipos de fezes com a produção de toxinas (LIPPKE, 2008).
Todas as amostras coletadas referem-se a leitões com um a sete dias de
idade. Entretanto, as amostras de fezes positivas para a produção da
toxina concernem leitões com até quatro dias. Dados semelhantes foram
encontrados por LIPPKE (2008), em que, assim, como a toxina beta do
Clostridium perfringens,
as toxinas A e B do C. difficile são destruídas pela ação da tripsina,
fazendo com que a ocorrência de casos de infecção por esse agente
concentre-se no início do período neonatal.
CONCLUSÃO
Foi possível verificar a ocorrência do
C. difficile
no Estado de Santa Catarina, isolando o agente de leitões de 1 a 7 dias
de idade submetidos à antibioticoterapia. O meio seletivo ágar
cicloserina-cefoxitina frutose foi eficiente para o isolamento do
C. difficile. Nenhuma amostra isolada do
C. difficile produziu as toxinas A e B, quando submetidas ao teste de ELISA. Foi possível detectar a presença das toxinas A e B do
C. difficile das fezes e suabes retais de leitões com até quatro dias de idade.
AGRADECIMENTOS
Aos médicos veterinários Priscila Koerich e João Zuffo, da PERDIGÃO S. A., Videira, SC.
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