Com o crescente aumento da população, previsões evidenciam a ascensão na demanda por carne ovina(1), o que torna necessário elevar a produtividade dos rebanhos e aproveitar os subprodutos oriundos da atividade. Logo, é preciso abater animais jovens e com elevados pesos e rendimentos de carcaça.
A carne é o principal produto da ovinocultura e, entre os subprodutos da atividade, destacam-se os não componentes da carcaça, que constituem importante alternativa para elevar a rentabilidade da criação(2). Os não componentes da carcaça são definidos como os constituintes do peso do corpo vazio com exceção da carcaça, ou seja, o conjunto de órgãos, vísceras e outros subprodutos obtidos após o abate dos animais(3). Subprodutos estes muito apreciados na culinária(4), utilizados na fabricação de embutidos, na produção de ração para cães e gatos(4,5) e, no caso da pele, para confecção de peças de montaria e decoração(6).
A castração é uma prática de manejo rotineira em criações de ruminantes, adotada com o objetivo de facilitar o manejo dos machos, já que torna os animais mais dóceis, permite a mistura de sexos e elimina distúrbios de conduta sexual(7), bem como favorece a deposição de tecido adiposo no organismo(8), visto que promove alterações fisiológicas, neuroendócrinas e comportamentais(9,10).
Possivelmente esta técnica afeta o desenvolvimento de alguns componentes corporais, embora, na literatura, sejam escassos estudos referentes à influência de diferentes tipos de castração ou da não realização dela nos componentes não carcaça de ovinos. Dessa forma, o trabalho objetivou avaliar os efeitos da condição sexual nos pesos e rendimentos dos não constituintes da carcaça de cordeiros.
Material e métodos
O trabalho foi desenvolvido em uma propriedade rural particular localizada no município de Pinheiro Machado, na região sul do Estado Rio Grande do Sul, tendo sua condução aprovada pela Comissão de Ética na Experimentação Animal da Universidade Federal de Pelotas, pelo código CEEA 3118.
Foram utilizados 46 cordeiros machos provenientes do cruzamento entre matrizes da raça Corriedale com reprodutores da raça Texel, nascidos de partos simples, criados em sistema extensivo, sob campos pertencentes ao Bioma Pampa, com predomínio das espécies forrageiras gramíneas Andropogon lateralis Nees, Paspalum notatum Flüegge e Axonopus affinis Chase, e da leguminosa Desmodium incanum SW. Os animais foram divididos em três grupos de acordo com a condição sexual: não castrados (n=15), castrados (n=17) e induzidos ao criptorquidismo (n=14). Os cordeiros nasceram no período de 25 de agosto a 10 de setembro de 2013, e os procedimentos de castração e indução ao criptorquidismo foram efetuados durante as primeiras semanas de vida. A castração foi efetuada de acordo com o procedimento cirúrgico descrito por Turner & Mcilwraith(11) para orquiectomia bilateral e a indução ao criptorquidismo por meio da inserção de anéis de borracha colocados na base da bolsa testicular com aplicador específico, após reintrodução manual dos testículos na cavidade abdominal.
Foram realizados o desmame e a tosquia dos cordeiros na idade média de 150 dias. Os animais realocados em outra área de campo nativo e, a partir desse momento, ofertada suplementação alimentar no cocho na forma de milho moído (com 7,21% de proteína bruta e 3,54% de extrato etéreo), no volume diário correspondente a 1% do seu peso vivo. Durante todo o período experimental os animais tiveram acesso a sal mineral comercial para ovinos (Supra® – Supra Sal ovinos) ad libitum.
Os cordeiros foram abatidos à medida que um lote de no mínimo dez animais atingia, simultaneamente, peso individual mínimo de 30 kg e condição corporal individual entre 3,0 e 3,5 (em escala de 1,0 a 5,0). A pesagem foi feita com utilização de balança digital e a estimativa do escore de condição corporal (ECC) realizada por metodologia descrita por Osório & Osório(12).
Previamente ao abate, os animais foram submetidos a jejum alimentar e dieta hídrica de 18 horas. Logo após foram obtidos os pesos pós-jejum e realizados os abates em frigorífico com inspeção municipal, respeitando as normas de abate humanitário estabelecidas pela Coordenadoria de Inspeção Sanitária de Produtos de Origem Animal do Estado do Rio Grande do Sul.
Após a esfola e evisceração, os não componentes da carcaça (pele, cabeça, patas, vísceras verdes cheias, diafragma, baço, fígado com vesícula, coração, pulmão com traqueia, rins com gordura perirrenal, gordura interna (omental e mesentérica), pênis e testículos) foram coletados, separados e pesados, calculando-se suas porcentagens em relação ao peso corporal ao abate. A pele correspondeu ao couro provido de orelhas e lã agregada ao mesmo.
Para análise estatística dos dados, foi adotado o delineamento experimental inteiramente casualizado com três tratamentos e número variável de repetições. As análises estatísticas foram realizadas por meio da análise da variância dos dados através do procedimento GLM ("general linear models"), utilizando o programa Statistical Analisys System(13), segundo o modelo estatístico:
Yij = µ + Si + eij
Em que:
Yij = cada uma das características avaliadas;
µ = média geral;
Si = efeito da condição sexual (i = não castrados, orquiectomizados, criptorquidas)
eij = erro aleatório.
Quando verificada diferença significativa, as médias foram comparadas pelo teste de DMS ao nível de 5% de significância.
Resultados e discussão
Cordeiros castrados atingiram as condições estipuladas para o abate mais precocemente e, dessa forma, foram abatidos a pesos mais reduzidos (p<0,05 – Tabela 1).
Animais criptorquidas induzidos e não-castrados demandaram um período maior para atingir o ECC estipulado como critério para abate (3,0 a 3,5) e, assim, foram abatidos a pesos vivos superiores. A castração afetou o peso de cabeça (p<0,05) e os cordeiros não castrados e os induzidos ao criptorquidismo apresentaram valores de peso absoluto superiores ao verificado em animais castrados (Tabela 1).
Com o avanço da idade, espera-se que animais que não foram submetidos à castração aumentem o dimorfismo sexual e umas das características afetadas é o crescimento da cabeça(14), fato este que, em consonância com o peso vivo superior ao abate de animais criptorquidas e não castrados, ocasionou as diferenças observadas.
Cordeiros castrados apresentaram menores pesos de pele que animais não castrados e induzidos ao criptorquidismo (p<0,05). Este resultado discorda dos obtidos por Azeredo et al.(15) e por Rocha et al.(16), que não encontraram diferenças para o peso de pele estudando, respectivamente, cordeiros Corriedale e cruzas entre as raças Suffolk, Ile de France, Santa Inês e Texel não castrados, castrados e criptorquidas, e abatidos em idades distintas. No entanto, a diferença entre o peso de pele observada pode ser justificada pela diferença de peso corporal no abate dos distintos grupos, sendo que os cordeiros castrados, por terem atingido o ECC mais precocemente e dessa forma, abatidos mais leves, naturalmente apresentavam menor área total de pele e menor tempo de crescimento da lã, o que ocasionou um menor peso de pele.
Cordeiros não castrados e criptorquidas apresentaram pênis mais pesados do que animais castrados (p<0,05). Segundo Azeredo et al.(15), isso se deve a atrofia do pênis imposta pela retirada dos testículos e diminuição na produção hormonal de testosterona, que ocorre nos castrados. Não se observaram diferenças no peso do pênis de animais não castrados e criptorquidas (p>0,05).
O tipo de castração influenciou no peso dos testículos (p<0,05), observando-se valores superiores para animais não castrados em relação aos induzidos ao criptorquidismo. De acordo com Dobbie et al.(17), como os testículos dos animais criptorquidas não descem à bolsa testicular, que é removida destes animais, eles permanecem constantemente na cavidade abdominal, sendo submetidos a mesma temperatura corporal do animal, à qual impede o desenvolvimento normal das gônadas. Para cordeiros, abatidos entre os seis e oito meses de idade, os autores citados verificaram um peso médio de 116 gramas nos criptorquidas, contra 275 gramas nos cordeiros não castrados, valores inferiores aos encontrados no presente trabalho. Azeredo et al.(15), estudando cordeiros da raça Corriedale, criados em sistema extensivo de criação, em condições semelhantes às do presente estudo, e abatidos aos 120, 210 e 360 dias de idade, encontraram peso médio de 90 gramas para os animais não castrados e 60 gramas nos criptorquidas, valores bastante inferiores também aos verificados no presente estudo. Possivelmente, a heterose dos cordeiros utilizados aliada à suplementação concentrada no período de terminação tenha propiciado o maior desenvolvimento das gônadas.
A castração afetou o peso dos conjuntos pulmões com traqueia, no qual animais não castrados foram superiores aos castrados, e fígado com vesícula biliar, em que cordeiros não castrados e criptorquidas foram superiores aos castrados (p<0,05). Osório et al.(18) relataram resultados semelhantes para peso do fígado em cordeiros da raça Corriedale abatidos aos 144 dias de idade.
Não foram encontrados efeitos da condição sexual, em valores absolutos, para o peso de vísceras verdes cheias, patas, coração, baço, diafragma, gordura interna e rins com gordura renal. Esses dados concordam com o observado por Azeredo et al.(15) e por Rocha et al.(16), que não encontraram efeito para os componentes do peso corporal trabalhando com diferentes grupos genéticos abatidos em idade distintas.
Quando a análise foi realizada avaliando-se a proporcionalidade, em valores percentuais, não foi verificada influência da condição sexual em nenhuma das variáveis respostas (p>0,05 – Tabela 2).
Estes resultados discordam, em parte, dos obtidos por Osório et al.(18), que encontraram diferenças significativas entre cordeiros castrados e não castrados para percentagem de fígado, gordura interna e baço, sendo que os castrados apresentaram valores superiores. A similaridade obtida entre os tratamentos pode ser considerada normal, pois os animais apresentavam características semelhantes (genótipo e ECC), bem como receberam o mesmo manejo e alimentação pré-abate, o que evidencia que a condição sexual não influencia nos percentuais de não constituintes da carcaça de cordeiros criados em sistema extensivo.
Verificou-se que os não constituintes da carcaça representaram 50,01%, 50,76% e 49,40% do peso vivo ao abate de cordeiros criptorquidas, não castrados e castrados, respectivamente, não diferindo entre si (p>0,05). Ao se analisar a proporção dos não constituintes da carcaça em relação ao peso vivo do animal, percebe-se a necessidade da valorização desses componentes na formação do preço pago aos ovinocultores, quando se comercializam animais destinados ao abate, visto que muitos destes 'subprodutos' apresentam grande demanda e atingem cifras interessantes nos mais distintos mercados.
Conclusão
Cordeiros não castrados e induzidos ao criptorquidismo apresentam pesos superiores de cabeça, pele, pênis e do conjunto fígado com vesícula quando terminados em campo nativo recebendo suplementação de 1% do peso corporal. A condição sexual não interfere nos rendimentos dos componentes corporais de cordeiros Texel x Corriedale.
Referências