RESUMO
Realizou-se este trabalho para avaliar e comparar as alterações físicas
e no hemograma de equinos submetidos a um modelo experimental de
obstrução intestinal. Para tanto, 24 animais foram distribuídos em
quatro grupos: controle instrumentado (GI), obstrução do duodeno (GII),
íleo (GIII) e cólon maior (GIV). As amostras de sangue foram colhidas e
os exames físicos foram realizados antes da cirurgia (T0), durante as
obstruções (T1i, T2i e T3i), e após as desobstruções (T3r, T24r, T72r,
T120r e T168r). Os equinos do grupo GII, (nos T2i e T3i) e os do grupo
GIII (nos T1i, T2i, T3i e T3r) apresentaram sinais de dor abdominal,
atonia intestinal e aumento da frequência cardíaca e respiratória.
Nesses mesmos períodos e grupos houve diminuição na contagem de
leucócitos, a qual, posteriormente (T24r e T72r), cedeu lugar a
leucocitose por neutrofilia, com desvio à esquerda. Diminuição
gradativa e contínua na contagem dos leucócitos foi observada a partir
do T120r, indicando, à semelhança das características clínicas, a
resolução da disfunção orgânica associada a obstrução. Os resultados
obtidos foram relacionados com lesão entérica, resultante do modelo de
obstrução, e indicam que algumas alterações laboratoriais, quando
analisadas em conjunto com os dados obtidos no exame físico, podem
auxiliar na identificação do segmento intestinal obstruído, na
elaboração do prognóstico e no acompanhamento da evolução do processo
de cura.
PALAVRAS-CHAVES: Cavalo, hemograma, cólica, isquemia, reperfusão.
ABSTRACT
ERYTHRO-LEUKOGRAM OF HORSES SUBMITTED TO EXPERIMENTAL OBSTRUCTION OF
DUODENUM, ILEUM AND LARGE COLON
This study aimed to evaluate and compare physical and hematological
alterations in equines submitted to an experimental model of intestinal
obstruction. Twenty-four animals were divided into four groups:
instrumented control (GI), duodenum obstruction (GII), ileum
obstruction (GIII), and large colon obstruction (GIV). Physical
examination was carried out and blood samples were collected before
surgery (T0), during the obstruction (T1i, T2i and T3i), and after
unblocking procedures (T3r, T24r, T72r, T120r and T168r). Animals from
GII, at T2i and T3i, and animals from GIII, at T1i, T2i, T3i and T3r,
presented signs of abdominal pain, reduced gastrointestinal sounds and
increased heart and respiratory rates, as well as leukopenia and
neutropenia, which later (T24r and T72r) developed to leukocytosis,
neutrophilia and left shifts. From T120r up, gradual and continuous
decrease of leucocytes counts was observed indicating, similarly to
Clínical characteristics, the resolution of organic dysfunction
associated to obstruction. The results were associated to enteric
injury from the obstruction model showing that some laboratorial
alterations when analyzed, including physical examination, can be
helpful at identifying which intestinal segment is blocked, drawing up
the prognosis and following the evolution of the healing process.
KEYWORDS: Equine, hemogram, colic, ischemia, reperfusion.
INTRODUÇÃO
A síndrome cólica é uma das urgências mais frequentes na clínica de
eqüinos. Apesar dos avanços em relação a métodos de diagnóstico,
técnicas anestésicas e cirúrgicas e acompanhamento intensivo no
pós-operatório, a mortalidade permanece alta. Considera-se que as
alterações ocorridas nas alças intestinais favoreçam a transferência de
bactérias e toxinas do lúmen intestinal para a corrente sanguínea,
contribuindo para a manifestação de sinais sistêmicos diversos (MOORE
& BARTON, 2003).
Estudo realizado por FAGLIARI & SILVA (2002) demonstrou que houve
elevação da temperatura retal, das frequências cardíaca e respiratória,
do volume globular, dos valores das proteínas plasmáticas, do número de
hemácias e de leucócitos em equinos com cólica, antes e após a
laparotomia para correção de torção, compactação e encarceramento
nefroesplênico de cólon maior. Resultados semelhantes foram obtidos por
MONTELLO
et al. (2004) em
equinos submetidos a laparotomia em estação e enterotomia do cólon
menor. Entretanto, segundo esses autores, as alterações hematológicas
observadas, apesar de compatíveis com um quadro inflamatório agudo, não
apresentaram correspondência clínica. Ademais, SVENDSEN
et al.
(1979) observaram que os animais que foram a óbito ou foram
eutanasiados apresentaram alterações clínicas e laboratoriais mais
acentuadas. Por fim, FAGLIARI
et al.
(2008), avaliando equinos com cólica que vieram a óbito de sete a dez
dias após a cirurgia com sinais de choque séptico concluíram que,
dentre os exames laboratoriais considerados indicadores de prognóstico
para abdômen agudo de equinos, destacam-se as contagens de neutrófilos
segmentados e de bastonetes.
Diante dessas observações, pelo presente estudo objetivou-se avaliar e
comparar as alterações no eritroleucograma e no exame físico de equinos
submetidos a obstrução experimental do duodeno, íleo e cólon maior.
Buscou-se determinar o início e o comportamento, em função do tempo, de
tais alterações e se estas podem ser utilizadas no diagnóstico e
prognóstico das obstruções intestinais específicas em equinos com
cólica.
MATERIAL E MÉTODOS
Utilizaram-se 24 equinos, sendo oito fêmeas (não gestantes) e dezesseis
machos (doze castrados e quatro inteiros), sem raça definida, com média
de idade de 6,2 ± 3,0 anos, escore corporal de três a quatro (SPEIRS,
1997) e peso corporal médio de 295,9 ± 32,7 kg. Uma semana antes do
experimento fez-se o controle de endoparasitas (mebendazol, 50mg kg
-1
- Platelmin Equino – UCB S.A) e de ectoparasitas (deltametrina a 0,025%
- Butox P – Intervet S.A.). Os animais foram alojados em piquetes
coletivos com dieta à base de feno de Coast cross (
Cynodon dactylon)
e água à vontade. Forneceu-se a ração concentrada comercial (Tec Horse
– Purina) duas vezes ao dia, em quantidade equivalente a 1% do peso
corpóreo (2,5 a 3,4 kg), adicionada de 50 g/dia de suplemento mineral
(Omolen Ephos – Purina.).
Os equinos foram separados em quatro grupos de seis animais (duas
fêmeas, três machos castrados e um inteiro): um grupo controle
instrumentado (G1) sem realização da obstrução intestinal, porém,
submetido aos mesmos procedimentos anestésicos e cirúrgicos descritos
para os animais dos demais grupos e três grupos obstruídos. A separação
dos grupos deu-se de modo uniforme em relação à idade, ao sexo e ao
escore corporal. Realizaram-se as obstruções intestinais em três
diferentes segmentos: duodeno (GII), íleo (GIII) e cólon maior –
flexura pélvica (GIV).
Os animais foram contidos em brete e após tricotomia e antissepsia da
fossa paralombar foram sedados com acepromazina 1% (0,025 mg kg
-1, IV - Acepran 1% – Univet S.A.), cloridrato de xilazina 2% (0,5 mg kg
-1, IV - Virbaxil 2% – Virbac) e meperidina (4 mg kg
-1,
IM - Dolosal – Cristália). Ato contínuo procedeu-se à anestesia local
infiltrativa, utilizando-se uma associação (1:1) de lidocaína 2%
(Lidovet – Bravet.) e de bupivacaína 0,75% (Neocaína 0,75% –
Cristália), ambas sem vasoconstritor. Para mimetizar ao máximo as
condições naturais, os animais ensaiados não foram submetidos a jejum
hídrico e alimentar prévios.
Com os animais em posição quadrupedal, por meio da laparotomia – flanco
direito para duodeno e íleo, e esquerdo para cólon maior –, os
segmentos intestinais foram identificados. Em seguida, um dreno de
Penrose no 3 foi posicionado ao redor da alça intestinal e, após o seu
fechamento, iniciou-se a obstrução intestinal, segundo modelo descrito
por DATT & USENIK (1975). Nesse momento os animais receberam 1,5 mg
kg
-1, IV de cloridrato de tramadol (Tramal – Cristália) que,
diferentemente dos demais analgésicos opioides, não produz alterações
hematológicas, cardiovasculares ou respiratórias relevantes e não afeta
a motilidade ou a atividade metabólica intestinal (NATALINI &
ROBINSON, 2000). Sequencialmente, procedeu-se à sutura simples contínua
dos músculos transversos do abdômen e da pele, utilizando-se vicryl no
2-0 e náilon no 4, respectivamente. As obstruções foram mantidas por
três horas; após esse período, promoveu-se a reversão das obstruções,
tendo como acesso cirúrgico e protocolo os mesmos utilizados para
promovê-las. Os drenos foram então removidos e as cavidades abdominais
fechadas de acordo com a técnica descrita por TURNER & McILWRAITH
(2002).
No pós-operatório foi instituída terapia antimicrobiana com penicilina
benzatina (Pentabiótico veterinário reforçado – Fort Dodge), na dose de
30.000 UI kg-1, IM, a cada 48 horas, perfazendo três aplicações. Como
analgésico e anti-inflamatório administrou-se flunixim meglumine
(Flunixina injetável – UCB S.A), na dose de 0,5 mg kg
-1, IV,
a cada 24 horas, durante dois dias. Foi realizado curativo da ferida
cirúrgica com polivinilpirrolidona-iodo tópica a 1%, duas vezes ao dia,
até a retirada dos pontos, no décimo dia após o procedimento.
Todos os animais foram submetidos ao exame físico e as características
avaliadas incluíram temperatura retal (°C), frequência cardíaca (bpm) e
respiratória (mpm), tempo de preenchimento capilar (seg), coloração das
membranas mucosas gengivais (0-1), auscultação abdominal (0-3), grau de
dor abdominal (0-3) e refluxo gastrintestinal (0-1).
Para a realização do eritroleucograma foram utilizadas amostras de
sangue obtidas mediante punção da jugular. As amostras foram
acondicionadas em frascos contendo ácido etileno diamino tetracético
(EDTA). Ato contínuo, as amostras de sangue foram processadas,
obtendo-se o número de eritrócitos, a concentração de hemoglobina, o
volume globular e a contagem global de leucócitos com o auxílio de um
contador automático de células (Vet ABCTM – Animal Blood Counter.
Horiba ABEX – Montpelier, made in France; série: 609AB11224).
Realizou-se em seguida a contagem diferencial de leucócitos em
esfregaço corado pelo método de Giemsa, segundo JAIN (1993). A
concentração plasmática de proteína total foi mensurada por
refratometria.
Para cada equino as amostras de sangue e os exames físicos foram
realizados antes do início do procedimento de obstrução (T0 ou basal);
uma (T1i), duas (T2i); e três (T3i) horas após a realização da
obstrução intestinal (fase de isquemia) e três (T3r), 24 (T24r), 72
(T72r), 120 (T120r) e 168 (T168r) horas após a desobstrução (fase de
reperfusão).
Utilizou-se um delineamento experimental inteiramente casualizado, com
quatro grupos e nove colheitas. Quando se constatou significância entre
os grupos, em cada momento do estudo, aplicou-se o teste de Tukey para
comparação das médias (SAMPAIO, 2002), através do programa estatístico
SAS (Statistical Analysis of System – versão 8). Para as variáveis não
paramétricas (coloração das membranas mucosas, auscultação abdominal,
grau de dor abdominal e refluxo gástrico) foram utilizados os testes
Kruskal-Wallis ou Wilcoxon. Todos os resultados foram considerados
significativos quando P<0,05.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os valores relativos às frequências cardíaca e respiratória, ao tempo
de preenchimento capilar e à temperatura retal, com as respectivas
médias, desvios padrão e estatística calculada, estão expressos na
Tabela 1.
Durante todo o período experimental não foram observadas alterações nos
valores de temperatura retal. Esses resultados diferem dos de SVENDSEN
et al. (1979), FAGLIARI & SILVA (2002) e FAGLIARI
et al.
(2008), para os quais a hipertermia deveu-se, possivelmente, à
liberação de mediadores inflamatórios em decorrência da própria afecção
intestinal e do trauma cirúrgico.
Os equinos do grupo GII, nos T2i e T3i e os do grupo GIII, nos T1i,
T2i, T3i e T3r apresentaram aumento nos valores das frequências
cardíaca e respiratória. Esse aumento possivelmente foi mediado pelo
sistema nervoso autônomo, como resposta à dor ocasionada pela distensão
das alças intestinais por digesta e gás, como descrito por MOORE &
BARTON (2003) e por SOUTHWOOD (2006). Nos animais do grupo GII, a
distensão gástrica (
Tabela 3)
pode ter contribuído para as alterações cardiorespiratórias. Esse
resultado corrobora o do experimento de cinco dos seis animais
submetidos em que a obstrução experimental do duodeno DATT & USENIK
(1975) foram a óbito por ruptura gástrica. Segundo esses autores, a
distensão gástrica deveu-se à pequena extensão intestinal cranial, à
obstrução, ao conteúdo gástrico e à contínua capacidade secretora do
estômago.
Neste ensaio, nos animais do grupo GII, a quantidade de fluido obtido
através de sonda nasoesofágica foi 1 e 1,5 litros, contendo
principalmente partículas alimentares, de coloração verde, odor
fermentado, e com pH entre 4 e 5. O refluxo gástrico pode ter
contribuído para as discretas alterações nos valores do tempo de
perfusão periférica e na coloração das membranas mucosas apresentadas
pelos animais do GII, nos T2i e T3i (
Tabelas 1 e
3).
Entretanto, diferindo dos resultados obtidos por PUOTUNEN-REINERT &
HUSKAMP (1986), a perda de líquido resultante do modelo de obstrução
não acarretou alterações nos valores do eritrograma (
Tabela 2), provavelmente em função do menor tempo de manutenção das obstruções, como explicaram SVENDSEN
et al. (1979).
A ausência de alterações no eritrograma e na concentração das proteínas plasmáticas totais (
Tabela 2)
demonstra que, independentemente de qual segmento intestinal foi
obstruído, a manutenção das obstruções intestinais por três horas
acarretou severa perda de fluidos e de elementos plasmáticos do
compartimento intravascular para o interior do lúmen intestinal ou
cavidade abdominal, como observado por SVENDSEN
et al. (1979) e por DI FILIPPO
et al. (2008).
DATT & USENIK (1975) observaram elevações significativas do volume
globular, da contagem de hemácias e das concentrações de hemoglobina e
de proteínas plasmáticas totais em equinos submetidos a obstrução de
duodeno e de íleo. Entretanto, as primeiras alterações somente foram
observadas seis a doze horas após a realização das obstruções e, com
exceção dos animais com obstrução de cólon menor, todos os demais foram
a óbito.
Os sinais de dor abdominal apresentados pelos animais do grupo GII
tiveram início a partir da segunda hora após a realização da obstrução,
atingindo os maiores escores no T3i (terceira hora). Nos animais do
grupo GIII, as alterações iniciaram-se já na primeira hora após a
realização da obstrução (T1i) e permaneceram até as três horas de
reperfusão (
Tabela 3).
Esses resultados foram compatíveis com as alterações nas frequências
cardíaca e respiratória apresentadas pelos animais dos referidos grupos
e tempos (
Tabela 1)
e deveram-se, possivelmente, à distensão das alças intestinais
(SOUTHWOOD, 2006) e do estômago (DATT & USENIK, 1975) por digesta e
gás e pela liberação de mediadores inflamatórios, em decorrência da
isquemia e reperfusão intestinal, como ressaltado por FALEIROS
et al.
(2001). Os sinais brandos e intermitentes apresentados pelos animais do
GIV não foram associados a alterações clínicas e deveram-se ao maior
diâmetro do segmento intestinal obstruído. A manutenção das obstruções
intestinais por maior período de tempo desencadearia sinais de dor
abdominal, tais quais os observados por DATT & USENIK (1975) em
modelo experimental similar. No referido ensaio, os animais submetidos
a obstrução do cólon maior apresentaram sinais de dor abdominal intensa
somente de 24 a 48 horas após a realização das obstruções.
Durante o período de obstrução e de desobstrução, principalmente nos
T2i, T3i e T3r, os animais dos grupos GII e GIII apresentaram atonia
intestinal (
Tabela 3).
Nesses mesmos períodos, nos animais do GIV, houve predomínio da
hipomotilidade. Esses resultados foram associados à distensão das alças
intestinais e também a possíveis desequilíbrios eletrolíticos, assim
como citou SOUTHWOOD (2006).
Na
Tabela 4,
são apresentados os valores relativos à contagem global e diferencial
de leucócitos, com as respectivas médias, desvios padrão e estatística
calculada. Durante o período de obstrução (T1i a T3i), houve diminuição
na contagem de leucócitos nos equinos dos grupos GII e GIII. Essa
diminuição ainda se manteve, apesar de não ter sido estatisticamente
significativa, durante a fase inicial de reperfusão (T3r). A redução
foi ocasionada pela marginação e migração de neutrófilos para o foco
inflamatório em resposta à lesão entérica, como explicaram SVENDSEN
et al. (1979), JAIN (1993) e LASSEN & SWARDSON (1995). Segundo BASILE-FILHO
et al.
(2002), a leucopenia é um achado normal durante a evolução da síndrome
cólica, visto que os neutrófilos são os efetores fundamentais na defesa
do organismo contra as infecções bacterianas, com o intuito de
fagocitar microrganismos, células mortas e debris celulares.
Entretanto, FAGLIARI & SILVA (2002) observaram leucocitose por
neutrofilia, com desvio à esquerda, desde a fase pré-cirúrgica em
animais com cólica. Essas diferenças residem, segundo LASSEN &
SWARDSON (1995), no tempo de evolução do processo, difícil de ser
mensurado em estudos casuísticos como o realizado por FAGLIARI &
SILVA (2002).
Somente no T3r houve acentuada diminuição no número de eosinófilos nos
animais dos grupos GII e GIV (Tabela 4). A possível causa da
eosinopenia foi a excitação, a dor e o estresse decorrentes da fase de
reversão das obstruções. Segundo JAIN (1986), esses fatores
desencadeiam a liberação de cortisol endógeno, o qual consequentemente
induz à eosinopenia.
Nos T24r e T72r, nos animais do GII e do GIII, verificou-se à semelhança do observado por SVENDSEN
et al. (1979), FAGLIARI & SILVA (2002) e FAGLIARI
et al.
(2008) – leucocitose por neutrofilia com desvio à esquerda. Esse achado
sinalizou para a presença de um processo inflamatório, resultante do
modelo de obstrução, que por reter a digesta no lume intestinal
predispôs à absorção de toxinas, o que foi confirmado pela presença de
bastonetes (
Tabela 4).
Segundo LASSEN & SWARDSON (1995), o desvio à esquerda é o indicador
mais específico e sensível da presença de um processo inflamatório, e a
magnitude do desvio indica o grau de demanda tecidual por neutrófilos.
Concomitantemente à leucocitose por neutrofilia observada nos T24r e
T72r, os animais do GII e do GIII apresentaram diminuição do número de
linfócitos. Esse resultado corrobora os de FAGLIARI & SILVA (2002)
e, segundo JAIN (1993), não é rara a ocorrência de linfopenia, em casos
de neutrofilia, decorrente de infecção bacteriana ou toxemia, como
acontece comumente em situações de abdômen agudo.
Diminuição gradativa e contínua na contagem dos leucócitos foi
observada a partir do T120r, indicando, à semelhança das
características clínicas, a resolução da disfunção orgânica associada à
obstrução. Comentários semelhantes são válidos para as contagens de
neutrófilos segmentados, neutrófilos bastonetes e linfócitos.
Ainda no T72r, nos animais do grupo GII, houve aumento no número de
monócitos. Monocitose pode ocorrer sempre que houver necrose tecidual e
demanda de fagócitos, ou seja, quadros de necrose, supuração e trauma,
como ressaltado por ZINKL (1989).
No final do período de observação (T168r), os equinos do grupo GIII
apresentaram aumento do número de basófilos. Aumento que justifica o
papel patofisiológico dos basófilos na indução da inflamação, da
coagulação e da fibrinólise, por meio das propriedades biológicas dos
fatores presentes em seus grânulos e, também, nas fases mais tardias
das reações inflamatórias, como citado por JAIN (1993).
Diferindo dos resultados obtidos por FAGLIARI
et al.
(2008) em equinos com cólica submetidos à laparotomia – nos quais os
maiores percentuais de elevação das contagens de leucócitos,
especialmente de polimorfonucleares e de bastonetes deveram-se,
possivelmente, a distúrbios inflamatórios e infecciosos decorrentes do
choque séptico –, pode-se, considerar que os resultados do leucograma
apresentados servem como referência para equinos com cólica submetidos
a laparotomia, cujo pós-operatório evolui sem intercorrência. Desse
modo, uma cinética da resposta leucocitária diferente da apresentada
pode indicar a presença de foco infeccioso durante o pós-operatório ou
agravamento do quadro clínico.
CONCLUSÃO
Nas condições em que este experimento foi realizado apenas os equinos
com obstrução de duodeno e de íleo apresentaram, como consequência da
lesão entérica, alterações clínicas e hematológicas significativas.
Esse fato indica que algumas alterações no eritroleucograma, quando
analisadas em conjunto com os dados obtidos no exame físico, podem
auxiliar na identificação do segmento intestinal obstruído, na
elaboração do prognóstico e no acompanhamento da evolução do processo
de cura.
AGRADECIMENTO
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) pelo
financiamento integral desta pesquisa (processos no 05/58712-0 e
06/55377-8).
COMITÊ DE ÉTICA E BIOSSEGURANÇA
Aprovado pela Comissão de Ética e Bem-Estar Animal (CEBEA), protocolo no 023232-05.
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Protocolado
em: 23 set. 2008. Aceito em: 1º dez.
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