O objetivo deste trabalho foi
determinar a composição química, o fracionamento dos carboidratos e a
cinética da fermentação ruminal in vitro dos carboidratos não fibrosos
e carboidratos fibrosos de cinco variedades de cana-de-açúcar. A
variedade SP79-1011 apresentou o maior teor de nutrientes digestíveis
totais (65,9%), seguida das variedades Java, RB72454, SP80-1842 e
RB765418. A produção acumulada de gases na matéria seca às 48 e 96
horas de incubação in vitro foi maior para a variedade SP79-1011,
apresentando diferença significativa em comparação com as variedades
RB765418, RB72454 e SP80-1842, exceção feita à variedade Java, que
apresentou valores semelhantes à primeira. O fator de partição da
matéria seca diminuiu com o aumento no tempo de incubação, sendo que
não houve diferença entre as variedades avaliadas. As características
do ciclo de produção influenciaram na fermentação ruminal in vitro nas
variedades avaliadas, sendo que as de ciclo precoce SP80-1842 e
RB765418 foram as que apresentaram resultados inferiores. Dentre as
variedades testadas, as variedades SP79-1011 e Java apresentaram os
melhores resultados de cinética de produção de gases e nutrientes
digestíveis totais comparativamente superiores.
PALAVRAS-CHAVES: Degradabilidade verdadeira in vitro, produção de gases,
Saccharum officinarum.
ABSTRACT
FRACTIONATION AND KINETICS OF IN VITRO RUMINAL FERMENTATION OF THE CARBOHYDRATES OF FIVE SUGARCANE VARIETIES
The objective of this study was to determine the chemical composition,
the carbohydrates fractionation and the kinetics of in vitro ruminal
fermentation of fibrous and non-fibrous carbohydrates of five sugarcane
varieties. Variety SP79-1011 presented the highest value of total
digestible nutrients (65.9%), followed by the varieties Java, RB72454,
SP80-1842 and RB765418. For the accumulated gas in the dry matter, 48
and 96 horas of in vitro incubation were higher for the variety
SP79-1011, showing significant difference in comparison with the
varieties RB765418, RB72454 and SP80-1842, excepting the variety Java
that did not show any difference in relation the first one. The dry
matter partitioning factor decreased with the incubation time and there
was no difference among the evaluated varieties. The characteristics of
the production cycle influenced the in vitro ruminal fermentation of
the evaluated varieties, being the varieties of precocious cycle
(SP80-1842 and RB765418) the ones with the worst results. Amongst the
varieties tested, SP79-1011 and Java presented the best results of gas
production kinetics and total digestible nutrients.
KEYWORDS: In vitro true degradability, gas production,
Saccharum officinarum.
INTRODUÇÃO
A partir do final do século XX, o Brasil tornou-se o maior produtor
mundial de cana-de-açúcar, com safra em 2007 de 516 milhões de
toneladas, em área plantada de 6,7 milhões de hectares (IBGE, 2008). A
sua maior utilização é para fabricação de açúcar e álcool. No entanto,
a cana-de-açúcar tem atraído cada vez mais a atenção dos pecuaristas,
sendo usada sazonalmente como alimento volumoso principal, pelo fato de
apresentar as seguintes características: elevada produção por unidade
de área cultivada, cultivo relativamente fácil, baixo custo por unidade
de matéria seca (MS) produzida e coincidência do período de sua maior
disponibilidade com o período de escassez de forragem na forma de pasto
(LANDELL
et al., 2002).
A produtividade animal é determinada basicamente pela qualidade da
forragem ingerida. Ela é fortemente influenciada pela digestibilidade
da forragem, a qual é inversamente proporcional ao conteúdo da fração
fibrosa das plantas (carboidratos fibrosos). A baixa digestão ruminal
da forragem ingerida aumenta o tempo de retenção do alimento no rúmen
e, consequentemente, diminui a taxa de ingestão de matéria seca e o
desempenho animal.
Os carboidratos representam a principal reserva da energia
fotossintética nos seres fotoautotróficos. Estes compostos constituem
cerca de 60% a 80% da matéria seca das forrageiras, sendo a principal
fonte de energia para os seres vivos compreendidos nos primeiros níveis
tróficos. Para os ruminantes, eles tornam-se disponíveis indiretamente,
por intermédio do processo fermentativo de origem microbiana no
rúmen-retículo na forma de ácidos graxos voláteis (AGV) e, diretamente,
pela absorção de seus monômeros constituintes, no trato gastrintestinal
desses animais (VAN SOEST, 1994).
Atualmente, novos sistemas de avaliação de alimentos para ruminantes
indicam a necessidade de diferenciar as frações que compõem os
carboidratos e compostos nitrogenados nos alimentos, com o intuito de
possibilitar a predição do crescimento microbiano no rúmen, degradação
ruminal dos alimentos e o desempenho animal (RODRIGUES & VIEIRA,
2006),
Em termos nutricionais, os carboidratos podem ser classificados como
carboidratos não fibrosos e carboidratos fibrosos. Os primeiros são
completamente disponíveis no rúmen e os segundos apresentam-se
parcialmente disponíveis (MERTENS, 1997).
Adicionalmente, tendo em vista as limitações de consumo da
cana-de-açúcar provocadas pelas características de sua fração fibrosa
(AZEVÊDO
et al., 2003; FERNANDES
et al.,
2003), torna-se importante conhecer a qualidade de diferentes
variedades, em relação aos teores de fibra e de variáveis da cinética
de degradação ruminal da FDN, com o objetivo de poder selecionar as
melhores variedades, confrontando-as em estudos sobre suas
características químicas, cinética da fermentação ruminal e testes de
desempenho animal.
A técnica
in vitro
semiautomática de produção de gases apresenta potencial em descrever a
cinética da fermentação no rúmen, fornecer a taxa e a extensão da
degradação das forrageiras, bem como medir produtos da fermentação de
partes solúveis e insolúveis de substratos. Essa técnica permite
avaliar grande número de substratos por experimento, apresentando alta
precisão nas medições, simplicidade no manuseio de equipamentos e baixo
custo na implantação e por amostra analisada (MAURÍCIO
et al., 1999).
Objetivou-se com o presente trabalho, determinar a composição química,
o fracionamento dos carboidratos e a cinética da fermentação ruminal
in vitro das frações de carboidratos não fibrosos (CNF) e carboidratos fibrosos (CF) de cinco variedades de cana-de-açúcar.
MATERIAL E MÉTODOS
O experimento de campo foi desenvolvido na Fazenda Experimental da
Escola Agrotécnica Federal de Salinas, localizada no município de
Salinas, MG, situado na latitude 16° 10’ sul e longitude de 42° 18’
oeste a uma altitude média de 472 m. O clima da região corresponde na
classificação de Koppen ao tipo AW.
As variedades avaliadas foram Java, RB72-454, SP79-1011 (ciclo
médio-tardia) e RB76-5418, SP80-1842 (ciclo precoce). A escolha das
variedades ocorreu por já estarem sendo cultivadas por agricultores da
região. Foi utilizado o delineamento em blocos completos casualizados,
composto de cinco tratamentos (variedades) e quatro repetições. Cada
parcela ou unidade de amostragem foi constituída de seis linhas com 10
m de comprimento, no espaçamento de 1,3 m entre linhas, com uma área
total de 78 m². As mudas utilizadas apresentavam idade entre dez e doze
meses e foram picadas em toletes que continham de três ou quatro gemas,
distribuindo-se manualmente em sulcos. O solo da área experimental foi
classificado como Latossolo Vermelho-Escuro, com textura média
distrófico tendo como composição química pH em água 5,4; P de 5 mg/dm3;
K de 0,63 cmolc/dm³; Al de 0,1 cmolc/dm³; Ca de 4,3 cmolc/dm³; Mg de 2
cmolc/dm³; H + Al de 2,9 cmolc/dm³ e V 70%. Realizou-se o plantio no
dia 13 de novembro de 2003, sendo a colheita realizada entre os meses
de maio e junho de 2004, ocasião em que as variedades apresentaram um
grau Brix em média de 20%.
As análises químicas e os ensaios de fermentação ruminal
in vitro
dos colmos inteiros das cinco variedades foram realizadas no Campus da
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, no Laboratório de Nutrição
Animal, em Vitória da Conquista, BA.
Após a colheita, realizou-se a picagem individual dos colmos inteiros
das cinco variedades de cana-de-açúcar. Os colmos foram posteriormente
levados para a estufa de circulação forçada de ar a 55°C por 72 horas e
moídos em moinho de facas tipo “Wiley” em peneira com crivos de 1 mm de
diâmetro. Constituiu-se um pool nas amostras obtidas formando amostras
simples das variedades. Estas amostras foram utilizadas nos ensaios de
cinética da fermentação ruminal in vitro, pela técnica semiautomática
de produção de gases (MAURÍCIO
et al., 1999).
As análises químicas para a determinação dos teores percentuais de
matéria seca (MS), proteína bruta (PB), extrato etéreo (EE) e matéria
mineral (MM) foram realizadas seguindo procedimentos padrões da AOAC
(1990). Determinaram-se as análises de fibra em detergente neutro
(FDN), fibra em detergente ácido (FDA) e lignina (em ácido sulfúrico a
72%) conforme GOERING & VAN SOEST (1970), SILVA & QUEIROZ
(2004).
As estimativas das frações que compõem os carboidratos totais (CT) foram determinadas conforme SNIFFEN
et al. (1992), calculados como segue:
CT (%) = 100 – (%PB + %EE + %MM), em que PB corresponde à proteína
bruta; EE ao extrato etéreo e MM à matéria mineral da amostra.
Os carboidratos não fibrosos (CNF) foram calculados como segue:
CNF (%) = 100 – (%PB + (%FDNcp) + %EE + %MM), em que FDNcp corresponde
à fração FDN corrigida para o conteúdo analisado da matéria mineral e
nitrogênio multiplicado pelo fator 6,25.
A fração “C” foi obtida multiplicando-se o teor de lignina pelo fator
2,4. A fração “B2” (fibra disponível) foi obtida diminuindo-se a fibra
em detergente neutro, corrigido para cinzas e proteína (FDNcp), da
fração “C”.
Para a realização dos ensaios de fermentação in vitro da fração dos
carboidratos fibrosos (CF), procedeu-se ao preparo inicial das
amostras, que consistiu na realização prévia de uma análise de fibra em
detergente neutro (FDN), pesando-se três gramas de amostra e
digerindo-se em 300 mL de solução de detergente neutro (GOERING &
VAN SOEST, 1970; SILVA & QUEIROZ, 2004). O resíduo da filtração em
cadinhos com porosidade n° 1 (50 mL) foi, então, lavado sequencialmente
cinco vezes com água quente, duas vezes com acetona e outras cinco
vezes com água quente, no intuito de retirar todo o resíduo de
detergente que viesse a prejudicar a fermentação in vitro.
As incubações foram realizadas separadamente para a matéria seca (MS)
dos colmos inteiros e para os resíduos da FDN destes. Em frascos de 160
mL, adicionaram-se CO
2, 1 g de amostra (1 mm) e 90 mL de meio de cultura (THEODOROU
et al., 1994; MAURÍCIO
et al.,
1999). Os animais doadores de fluido ruminal foram mantidos com
alimentação diária de 1 kg de farelo de trigo, capim napier (P.
purpureum) e cana-de-açúcar picados (1:1 na matéria natural)
ad libitum.
Utilizaram-se réplicas para os colmos inteiros e os resíduos da FDN,
perfazendo um total de quatro frascos por variedade e mais dois frascos
contendo apenas fluido ruminal e meio de cultura (saliva artificial),
que foi empregada como controle.
Os horários de leituras da produção de gases foram de 2, 4, 6, 8, 10,
12, 14, 17, 20, 24, 28, 32, 48, 72, e 96 horas, após o início do
processo de fermentação
in vitro.
Os tempos de degradação in vitro foram de 12, 24, 48 e 96 horas, sendo
os resíduos de colmos inteiros e as frações de CF das cinco variedades
de cana-de-açúcar, após a fermentação in vitro, filtrados em cadinhos
com porosidade n° 1. Realizaram-se as leituras de pressão de forma
semiautomática com a ajuda de um transdutor de pressão tipo T443A.
Com o intuito de se obter a produção de biomassa microbiana e o fator
de partição, procedeu-se à avaliação da degradabilidade verdadeira in
vitro nas diferentes amostras. Em uma repetição das amostras,
determinaram-se as degradabilidades verdadeiras in vitro (MS e resíduo
da FDN), digerindo-se o resíduo da fermentação em 100 mL de solução de
FDN por uma hora, filtrando-se o resíduo em cadinho n° 1 e secando-o a
105°C por 24 horas (GOERING & VAN SOEST, 1970). Na outra repetição,
determinou-se a degradabilidade aparente in vitro da matéria seca,
sendo os resíduos da fermentação filtrados diretamente em cadinhos n°
1, que foram então colocados em estufa a 105 °C por 24 horas (MAURÍCIO
et al., 1999).
A biomassa microbiana (mg.100mg
-1 de MS digestível) foi obtida diminuindo-se a degradabilidade verdadeira in vitro da degradabilidade aparente
in vitro.
Calculou-se o fator de partição entre a relação do substrato
verdadeiramente degradado (mg) e o volume de gases produzidos (mL), em
cada tempo de degradação (BLUMMEL
et al., 1997; BLUMMEL
et al., 1999).
Para determinação dos valores de nutrientes digestíveis totais (NDT)
das cultivares de cana, procedeu-se aos cálculos de acordo com WEISS
(1993), em nível de mantença, como segue:
NDT (%) = 0,98 * (100 – %FDNn –%PB – %MM – %EE – (0,7 * %PIDA) + ((exp
(-0,0012 x %PIDA)) * %PB) + 2,70 (%EE - 1) + 0,75 * ((%FDNn - %LIG) *
(1- (%LIG / %FDNn)
0,667)) – 7; em que o coeficiente de
digestibilidade da proteína bruta é calculado usando-se a proteína
insolúvel em detergente ácido (PIDA), por intermédio da equação DVPB
(%) = exp(-0,0012 * %PIDA); PB, a proteína bruta; EE, a extrato etéreo;
FDNn, a fibra em detergente neutro corrigido para nitrogênio; MM, a
matéria mineral; LIG, a lignina. Todos os valores, exceto da proteína
bruta ligada à fibra em detergente neutro e ácido (% da PB), devem ser
expressos como percentagem da matéria seca.
Para o cálculo dos parâmetros da produção de gases foi utilizado o modelo bicompartimental proposto por SCHOFIELD
et al. (1994), descrito a seguir:
V = Vf1 / (1 + exp(2 - 4*C1*(T - L))) + Vf2 / (1 + exp(2 - 4*C2*(T -
L))), em que Vf1 equivale ao volume máximo de produção de gases dos
carboidratos não fibrosos (CNF); C1 corresponde à taxa de degradação
(%.h-1) da mesma fração; Vf2 refere-se ao volume máximo de produção de
gases da fração dos carboidratos fibrosos (CF); C2 representa a taxa de
degradação (%.h-1) dos CF; e T e L referem-se aos tempos de incubação
(em horas) e à latência (em horas), respectivamente.
O delineamento experimental dos ensaios de fermentação
in vitro
foi em blocos casualizados, em que os tratamentos consistiram nas cinco
variedades de cana-de-açúcar testadas, e as repetições, os três animais
doadores de fluido ruminal. As médias foram comparadas pelo teste Tukey
a 5% de probabilidade com o auxílio do programa SAS (1996).
As estimativas dos parâmetros descritos no modelo matemático foram
desenvolvidas utilizando-se métodos interativos não lineares. Estes
resultados ajustados, por estimativas de quadrados mínimos, foram
obtidos a partir do método Gauss – Newton, dentro do procedimento NLIN,
com o auxílio do programa SAS (1996).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os valores de matéria seca (MS), matéria mineral (MM), proteína bruta
(PB), extrato etéreo (EE), fibra em detergente neutro (FDN), fibra em
detergente ácido (FDA) e lignina (LIG) variaram entre 26,8% e 30,1%,
1,4% e 2,3%, 1,6% e 2,8%, 0,37% e 0,59%, 39,0% e 46,4%, 22,8% e 29,3% e
3,9% e 7,4%, respectivamente (
Tabela 1). Esses resultados estão dentro da faixa de variação apresentada por VALADARES FILHO
et al.
(2006). A maior variação ocorreu nos teores de FDN, FDA e LIG,
alterando, como consequência, os teores de carboidratos não fibrosos
(CNF), fibra disponível (B2), fibra indisponível (C) e nutrientes
digestíveis totais (NDT).
Para a estimativa dos nutrientes digestíveis totais (NDT) a variedade
SP79-1011 apresentou o maior valor (65,9%), seguida das variedades
Java, RB72454, SP80-1842 e RB765418 (64,0; 60,8; 57,3 e 54,3%,
respectivamente). Os teores de CNF influenciaram os valores de NDT das
variedades avaliadas, já que esses carboidratos apresentam quase que
completa disponibilidade nutricional para os ruminantes (VAN SOEST,
1994).
MELLO
et al. (2006), avaliando
a composição química de nove variedades de cana-de-açúcar, encontraram
valores de MS, MM, PB, EE, FDN, FDA, CT, CNF, B2 e C variando entre
22,6% e 26,9%, 2,3%, 3,5%, 1,9% e 3,3%, 0,61% e 0,89%, 44,2% e 52,1%,
28,4% e 33,5%, 92,8% e 95,2%, 41,0% e 50,1%, 31,4% e 38,3%, 12,1% e
14,8%, respectivamente. Esses dados são concordantes com os do presente
trabalho.
A PAGMS às 48 e 96 horasoras da variedade SP79-1011 foi maior
(P<0,05) em comparação com as variedades RB765418, RB72454 e
SP80-1842 (
Tabela 2).
NOGUEIRA
et al. (2006) avaliaram a cinética da fermentação ruminal
in vitro
de diferentes forrageiras pela técnica semiautomática de produção de
gases e encontraram valores médios de produção acumulada de gases ao
término do período de incubação
in vitro para a cana-de-açúcar de 263 mL, sendo similares aos descritos na
Tabela 2.
AZEVÊDO
et al. (2003) também
observaram que as variedades de ciclo precoce foram inferiores, sendo
as variedades de ciclo de produção médio-tardia (SP79-1011 e RB845257)
as que apresentaram PAGMS superior em relação às de ciclo de produção
precoce (SP80-1842). Este resultado pode ser explicado pelo fato de as
variedades de ciclo de produção médio-tardia poderem fornecer mais
energia para os microrganismos que fermentam os carboidratos não
fibrosos (CNF), apresentando-se mais eficientes na síntese de proteína
microbiana.
Os valores do fator de partição da MS (FPMS), que relacionam a
quantidade de substrato verdadeiramente degradado (mg) e a produção de
gases (mL), diminuíram com o tempo de incubação entre as variedades
avaliadas (P>0,05).
Não foi encontrada diferença significativa para os valores de BIOMS às 96 horas de incubação
in vitro, que variaram de 2,27 a 2,85 mg.100 mg
-1
de substrato verdadeiramente degradado. A PAGFDN às 12, 24, 48 e 96
horas de incubação foi maior (P<0,05) para a variedade RB72454 em
relação às variedades SP79-1011 e RB765418 às 96 horas de incubação (
Tabela 3).
A elevada variabilidade dos resultados encontrados para FPFDN e BIOFDN,
refletida nos altos coeficientes de variação (CV), dificultou a
detecção de diferenças entre as variedades (P>0,05). Esta alta
variação ocorreu provavelmente em virtude das dificuldades nas
mensurações gravimétricas dos resíduos antes e após o tratamento com
detergente neutro.
Os resultados apresentados neste trabalho estão de acordo aos
observados por SCHOFIELD & PELL (1995), que avaliaram (48 horas de
incubação
in vitro) as curvas de produção total de gases pela metodologia de subtração das curvas no capim-colonião (
Panicum maximum).
NOGUEIRA
et al. (2006) avaliaram a fermentação
in vitro
da MS e do material lavado em água da cana-de-açúcar pela técnica
semiautomática de produção de gases e também encontraram um perfil de
fermentação in vitro semelhante ao deste estudo, caracterizado pela
fermentação mais rápida dos CNF, e mais lenta da fração fibrosa da
cana-de-açúcar.
Entre as variedades de cana avaliadas não houve diferença significativa
(P>0,05) em relação aos parâmetros cinéticos de produção de gases
in vitro. FERNANDES
et al.
(2003), avaliando as taxas de digestão dos carboidratos de variedades
de cana-de-açúcar com diferentes ciclos de produção (precoce e
intermediário), obtiveram valores para Vf1, Vf2, C1 e C2 de 98,8 e 98,6
mL.g
-1, 168,6 e 170,6 mL.g
-1, 0,182 e 0,185 .h
-1, 0,023 e 0,023 .h
-1, respectivamente. Os valores de C1 e C2 foram semelhantes aos deste estudo (0,182 a 0,220 .h
-1 e 0,021 a 0,023 .h
-1),
porém os valores de Vf1 e Vf2 foram ligeiramente acima dos valores
apresentados neste trabalho. Para possibilitar a comparação dos
parâmetros da cinética de fermentação in vitro, os resultados (Vf1 e
Vf2) de FERNANDES
et al. (2003) foram extrapolados para 1 g de amostra, uma vez que utilizaram 100 mg de amostra para incubação.
CAMPOS
et al. (2001), em
avaliação da produção de gases in vitro de diferentes alimentos para
ruminantes com sistema de monitoramente automático descritos por PELL
& SCHOFIELD (1993), encontraram estimativas dos parâmetros
cinéticos de produção de gases para a variedade RB72454 de 9,8 mL.g
-1, 7,5 mL.g
-1, 0,20 .h
-1, 0,031 .h
-1
e 1,3 h para Vf1, Vf2, C1, C2 e L, respectivamente. Os parâmetros da
cinética de produção de gases apresentaram valores inferiores aos do
presente trabalho. Isso pode ser explicado pela diferença entre as
técnicas utilizadas, em que a técnica automática executada por CAMPOS
et al. (2001) forneceu estimativas dos parâmetros de forma rápida (48 horas de incubação e 100 mg de amostra).
A variedade RB72454 apresentou uma maior PAGFDN, mas com menores valores de FPFDN em relação às demais (
Tabela 3).
Esses valores de FPFDN menores implicam uma menor degradabilidade in
vitro da FDN. A grande limitação da cana-de-açúcar é a baixa
digestibilidade da fração dos CF (AZEVÊDO
et al., 2003; NOGUEIRA
et al.,
2006). Assim, materiais que apresentam CF mais digestíveis podem ser
utilizados em programas de melhoramento genético da cana-de-açúcar para
fins forrageiros.
Na
Figura 1,
estão demonstradas, graficamente, de forma conjunta, a PAGMS, PAGCNF e
PAGCF nos diferentes tempos de incubação para as cinco variedades de
cana-de-açúcar. A variedade SP79-1011 e Java apresentaram as maiores
PAGMS, seguidas das variedades RB72454, SP80-1842 e RB765418.
A maior contribuição dos CNF na produção de gases na MS apresentada
neste trabalho está de acordo com diversos trabalhos publicados na
literatura (SCHOFIELD & PELL, 1995; MALAFAIA
et al., 1999; CAMPOS
et al., 2001; AZEVÊDO
et al., 2003; NOGUEIRA
et al., 2006).
CONCLUSÕES
Dentre as variedades testadas, destacam-se as variedades SP79-1011 e
Java, pelo fato de apresentarem melhores resultados de cinética de
produção de gases e melhor composição química em relação aos CNF, C e
NDT.
REFERÊNCIAS
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Protocolado
em: 18 set. 2008. Aceito em: 24 ago.
2010.