DOI:10.5216/cab.v11i3.4796
EFEITO DE ENZIMAS FIBROLÍTICAS SOBRE A DEGRADAÇÃO MICROBIANA RUMINAL DA FIBRA DE CANA-DE-AÇÚCAR


Emilio Manuel Aranda Ibáñez,1 Germán David Mendoza Martínez,2 Jesús Alberto Ramos Juárez,3
Ives Cláudio da Silva Bueno4 e André César Vitti5

1. Engenheiro bioquimico, mestre em Ciência da Nutrição Animal, doutor em  veterinária UNAM, Mexico, profesor investigador asociado
Colegio Postgraduados Mexico, niembro Sistema Nacional de Investigadores Conacyt Mexico Nivel I. E-mail: earanda@colpos.mx
2. Universidad Autonoma Metropolitana
3. Campus Tabasco Colegio de Postgraduados
4. Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios, Polo Centro Sul
5. Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios, Polo Centro Sul.



RESUMO

Com o objetivo de estudar os limitantes da degradação da fibra da cana-de-açúcar para utilizá-la como alimento para bovinos, fracionaram-se os componentes fibrosos da cana-de-açúcar (variedade Mex69-290) em fibra em detergente neutro (FDN) e em fibra em detergente ácido (FDA). A cana integral e as fibras foram incubadas com bactérias ruminais, na presença ou ausência de enzimas fibrolíticas (Fibrozyme, Alltech Inc.). Determinaram-se o crescimento microbiano e as bactérias totais, assim como a taxa de crescimento, a taxa de geração, o tempo de colonização e a degradabilidade. Os resultados foram analisados em um delinea­mento de blocos ao acaso, com arranjo fatorial 2 x 3, com duas doses de enzima e três substratos, utilizando quatro repetições de incubação. Observou-se o maior crescimento microbiano para cana integral e os menores para suas fibras. A degradabilidade in vitro foi de 0,701, 0,392 e 0,191, respectivamente para cana integral, FDN e FDA (P<0,01). A fração FDA com a adição das enzimas fibrolíticas teve sua degradabilidade aumentada de 0,387 para 0,425 (P<0,01). O crescimento microbiano foi limitado nas frações fibrosas, possivelmente pelo grau de lignificação das paredes celulares. A maior degradabilidade in vitro das frações fibrosas está associada à presença de açúcares solúveis. A adição de enzimas fibrolíticas aumentou o crescimento microbiano máximo e a digestibilidade da FDA, indicando que estas podem ser um potencial aditivo para melhorar o aproveitamento de dietas com cana-de-açúcar.

PALAVRAS-CHAVES: Crescimento microbiano, degradabilidade in vitro, parede celular.


ABSTRACT

EFFECT OF FIBROLITIC ENZYMES ON RUMEN MICROBIAL DEGRADATION OF SUGARCANE FIBER

Aiming to study the limiting factors for degradation of sugarcane fiber to be used as cattle feed, sugarcane fibrous components were fractioned in neutral- and acid-detergent fibers (respectively, NDF and ADF). Whole sugarcane and its fibers were incubated with rumen bacteria, in presence or absence of fibrolytic enzymes (Fibrozyme, Alltech Inc.). Microbial growth and total bacteria count were determined, and the growth rate, generation rate, lag time, and degradability were also determined. Results were analyzed in randomized block design, with a 2x3 factorial arrangement, with two doses of enzymes, and three substrates, using four replications for incubation. The highest microbial growth was observed for whole sugarcane, and the lowest for its fibers. The in vitro degradability was 0.701, 0.392 and 0.191, respectively for whole sugarcane, NDF and ADF (P<0.01). ADF fraction with the addition of fibrolytic enzyme had its degradability increased from 0.387 to 0.425 (P<0.01). Microbial growth was limited in fibrous fractions, possibly due to lignification grade of cell walls. The highest in vitro degradability of fibrous fractions is related to the presence of soluble sugars. Addition of fibrolytic enzymes increased the maximum microbial growth and ADF degradability, indicating that it could be a potential addictive to enhance diets containing sugarcane.
KEYWORDS: Cell wall, in vitro degradability, microbial growth.


INTRODUÇÃO

Os principais limitantes da utilização da cana-de-açúcar (Saccharum officinarum L.) na alimentação de ruminantes são a baixa digestibilidade de sua parede celular, o elevado teor de açúcares e a estrutura das moléculas das paredes celulares (LOPEZ et al., 2003; ARANDA et al., 2004). GÓMEZ-VAZQUEZ et al. (2003) notaram uma resposta linear na digestibilidade da fibra em detergente neutro (FDN) e no ganho de peso dos novilhos alimentados com pasto estrela e cana-de-açúcar, ao receber doses crescentes de uma enzima fibrolítica exógena. O objetivo deste trabalho foi estudar o efeito da adição de enzimas fibrolíticas exógenas sobre o crescimento microbiano e sobre a fermentação ruminal da cana-de-açúcar, sob a hipótese de que as enzimas fibrolíticas podem incrementar a digestibilidade das paredes celulares da cana-de-açúcar, assim como melhorar a eficiência da fermentação ruminal e estimular o crescimento microbiano.

MATERIAL E MÉTODOS

Foram realizadas incubações in vitro de cana-de-açúcar integral, variedade Mex69-290 (Quadro 1), assim como de suas frações fibrosas extraídas com detergentes neutro e ácido (respectivamente FDN e FDA) (VAN SOEST et al., 1991) com ou sem a adição da enzima fibrolítica Fibrozyme© (Alltech Inc.), na dose de 100 mg/g de substrato incubado (PINOS, 1999).
Calcularam-se a taxa de crescimento com base na regressão do logaritmo natural da concentração de bactérias em função do tempo e a taxa da geração mediante a relação 0,693/k, sendo k a taxa específica de crescimento ou o coeficiente de manutenção da relação inversa da concentração das bactérias, no tempo zero (PIRT, 1982). O tempo de colonização (fase lag) foi estimado como inverso dos valores do crescimento por extrapolação ao tempo zero (ZWIETERING et al., 1991). Estimaram-se os parâmetros por regressão (DRAPPER & SMITH, 1981).
Em erlenmeyers de capacidade de 250 mL, foram colocados 150 mL de meio anaeróbio (Quadro 2), 1 mL de líquido ruminal e 100 mg de substrato incubados em saco de nylon, medindo 4 x 5 cm, por 24 horas à temperatura constante de 39°C. Para isso, utilizaram-se dez réplicas por amostra, com e sem a adição de enzima fibrolítica. Ao final da incubação, os sacos foram secos a 65°C, até peso constante. Considerou-se a diferença entre os pesos inicial e final das amostras como material degradado e calculou-se a degradabilidade como a razão entre o material degradado e o peso inicial.
Seguindo a mesma metodologia, como descrito, incubaram-se as amostras com e sem enzima fibrolítica, com três réplicas, repetidas em cinco ensaios. O crescimento microbiano foi determinado em intervalos de trinta minutos nas primeiras dez horas, com uma leitura final às 25 horas, utilizando espectrofotômetro (Spectronic 20, Bausch and Lomb), ajustado para 600 nm, segundo RUSSEL & DOMBROWSKI (1980). Empregou-se a contagem total de bactérias, para transformar o valor de densidade óptica em concentração de bactérias, visando caracterizar as curvas de crescimento (MIRANDA, 1998).
Os resultados foram analisados de acordo com um delineamento de blocos ao acaso (STEEL & TORRIE, 1980), com arranjo fatorial 2 x 3, com dois teores de enzima e três substratos (cana integral e suas frações – FDN e FDA). Realizaram-se quatro repetições de incubação (CLARY et al., 1988). Usou-se o seguinte modelo estatístico: Yijk = µ + Bj + Si + Ck+ Si*Ck + Bj*Si*Ck + εijk, sendo Yijk a variável resposta; µ, a média geral; Bj, efeito do bloco; Si, efeito do substrato; Ck, efeito da adição de enzima; Si*Ck e Bj*Si*Ck, interações; e εijk, o erro residual do modelo. Empregou-se o procedimento GLM do SAS (1985), considerando-se a interação blocos x tratamentos como o erro experimental. As médias foram comparadas pelo teste de Tukey (STEEL & TORRIE, 1980).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na Tabela 1 e na Figura 1, é apresentado o crescimento das bactérias ruminais de acordo com o substrato incubado.
Apesar de haver uma tendência de maior crescimento microbiano na cana integral, as diferenças estatísticas com respeito ao substrato foram observadas a partir das 3,5 horas. Nas primeiras horas de incubação, não houve diferenças significativas, possivelmente em virtude da grande variabilidade da absorbância, coincidindo com as observações de MERTENS (1993), que apontam que os trabalhos in vitro, em sua primeira etapa, apresentam alta variabilidade. O maior crescimento microbiano na cana integral se deve à presença de açúcares solúveis de fácil degradação (BANDA & VALDEZ, 1976), e o menor crescimento em FDA se associa ao alto teor de lignina (AMJED et al., 1992).
A resposta do crescimento microbiano mediante a adição de enzimas é apresentada nas Figuras 2, 3 e 4, sendo uma para cada substrato. Na Tabela 2, os principais efeitos são apresentados, e nela pode-se observar o maior crescimento microbiano em resposta à adição da enzima. Há uma resposta positiva à adição de enzimas fibrolíticas, indicando que há aumento da disponibilidade de metabólitos para o crescimento microbiano. A maior diferença foi observada na fração FDA (Figura 4), a qual poderia estar associada à maior degradabilidade devida à ação enzimática sobre as ligações ligno-celulósicas e possivelmente a outros efeitos indiretos. É possível que a adição de enzimas exógenas possa incrementar a fração potencialmente degradável da celulose contida na FDA (AKIN, 1986).
Na Tabela 3, são apresentados os parâmetros de crescimento microbiano na cana-de-açúcar. Apesar das diferenças apresentadas na Tabela 2, as diferenças estatísticas não são detectadas para os parâmetros do crescimento microbiano na cana-de-açúcar e em suas frações fibrosas. Esse problema foi detectado em análise de cinética de primeira ordem. MENDOZA et al. (1995) sugerem que os dados sejam analisados por tempo de incubação, dado que podem existir diferenças em alguns tempos de incubação, e a linearização com logaritmo natural altera o erro residual do modelo, não permitindo detectar estatisticamente algumas diferenças biologicamente importantes.
As taxas de crescimento e as taxas de geração foram similares para cana integral e para as frações FDN e FDA (Tabela 3). As taxas de crescimento observadas neste experimento são menores que as reportadas para cultivos mistos em substratos ligno-celulósicos (1,13/h) como os restos da cultura de milho (MIRANDA et al., 1999). Os microrganismos celulolíticos F. succinogenes, R. flavefaciens e R. albus têm a capacidade de degradar a celulose a uma taxa entre 0,05 e 0,10/h (WEIMER, 1996). É possível inferir que a limitada taxa de crescimento na cana-de-açúcar é influenciada pela lignificação da fibra (Quadro 1) e pode ser o principal limitante para o aproveitamento da cana-de-açúcar, tornando necessária a busca de alternativas para aumentar a digestibilidade destas frações com tratamentos físicos, químicos, enzimáticos e biológicos. O tempo de colonização tendeu a ser maior na cana integral (Tabela 3). Tem sido reportados valores de 2,5 a 3,0 h de tempo de colonização em incubações com restos da cultura de milho com 70% de FDN (MIRANDA et al., 1999), os quais são menores que os observados neste estudo. A fase lag na FDA da cana-de-açúcar confirma a importância da lignina como limitante na digestão desse alimento.
A degradabilidade in vitro da cana-de-açúcar e suas frações fibrosas refletem a atividade microbiana e apontam os limitantes inerentes das paredes celulares para a digestão animal. A maior degradabilidade da cana-de-açúcar se deve à concentração de açúcares solúveis no conteúdo celular (BANDA & VALDEZ, 1976; AROEIRA et al., 1993a; AROEIRA et al., 1993b).
Apenas se observaram diferenças estatísticas na degradabilidade, sendo maior a da cana-de-açúcar, seguida por FDN e FDA. A degradabilidade in vitro da FDA observada neste estudo está dentro do intervalo de valores reportados (PATE, 1977) e coincide com a FDN potencialmente degradável reportada para subprodutos da cana (AMJED et al., 1992) associada à relação linear negativa entre a degradabilidade in vitro da FDN e a proporção FDN:lignina (PATE, 1977). A menor degradabilidade da FDA confirma a importância da lignina como limitante no aproveitamento da cana pelos microrganismos ruminais.
Na Tabela 4, são apresentados os principais efeitos das enzimas fibrolíticas nos parâmetros de crescimento microbiano e na degradabilidade in vitro. A adição da enzima aumentou a degradabilidade dos substratos em 3,81 unidades percentuais, o que pode ser a explicação do maior crescimento microbiano máximo, sem afetar outros parâmetros do crescimento. Tem sido reportados aumentos na degradabilidade in vitro da MS, da FDN e da FDA de gramíneas e leguminosas com a adição da enzima Fibrozyme© (FENG et al., 1996; TRICARICO et al., 1998; PINOS et al., 2001; PINOS et al., 2002a; PINOS et al., 2002b) e mesmo na digestibilidade in vivo (KRAUSE et al., 1988; BEAUCHEMIN et al., 1998). No entanto, os resultados têm sido muito variáveis, possivelmente em virtude da razão enzima:substrato e da degradação da enzima por proteases ruminais (HARRIS, 1998).
As enzimas utilizadas são uma combinação de celulases e hemicelulases produzidas por fungos, protegidas por glicosilação, e estima-se que podem permanecer ativas por volta de doze horas no rúmen (HARRIS, 1998; LYONS, 1998). PINOS (1999) estudou a composição e a degradação ruminal in vitro da enzima Fibrozyme e reportou que o complexo tem 93,6% de MS, 45,8% de FDN, 32,5% de FDA e 9,5% de cinzas, encontrando um tempo médio de degradação do complexo de 57 horas, com uma maior liberação de nitrogênio amoniacal depois de 24 horas.
O uso de enzimas microbianas celulolíticas exógenas para incrementar a digestibilidade da fibra da cana-de-açúcar é uma alternativa viável, como mostram os resultados de GÓMEZ-VÁSQUEZ et al. (2003). Também alguns estudos com gramíneas e leguminosas de clima temperado têm mostrado que, com a aplicação de enzimas fibrolíticas, podem ser melhorados a digestibilidade e o crescimento de novilhos em cerca de 30% (BEAUCHEMIN et al., 1996) e a produção de leite em até 10% (BEAUCHMIN et al., 1998; KUNG et al., 1998; YANG et al., 1998). Juntamente com o conhecimento das estruturas da parede celular da cana-de-açúcar e das enzimas industriais, é possível desenvolver novas alternativas de tratamentos para melhorar o aproveitamento da celulose e da hemicelulose pelos ruminantes.

CONCLUSÕES

O crescimento microbiano a partir da degradação da cana-de-açúcar é limitado pelas frações fibrosas, possivelmente pelo grau de lignificação das paredes celulares. A maior degradação in vitro da cana-de-açúcar em relação às suas frações fibrosas está associada à presença de açúcares solúveis.
A adição de enzimas fibrolíticas aumentou o crescimento bacteriano máximo e a degradabilidade da FDA, podendo-se concluir que é possível considerar as enzimas fibrolíticas como um aditivo potencial para melhorar o aproveitamento de dietas com cana-de-açúcar.

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Protocolado em: 17 set. 2008. Aceito em: 20 maio 2010.