DOI: 10.5216/cab.v12i2.4780
EFICIÊNCIA REPRODUTIVA EM EQUINOS DA RAÇA MORGAN

Tisa Echevarria Leite1, Márcia de Oliveira Karam2, Leonardo Porto Alves3, Cláudio Alves Pimentel4, Sandra Mara da Encarnação Fiala5

1 – Professora adjunta da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA)
2 –Universidade Federal de Pelotas UFPel
3 – Professor da Universidade de Passo Fundo (UPF)
4 – Professor titular da Universidade Federal de Pelotas (UFPel)
5 – Professora adjunta da Universidade Federal de Pelotas (UFPel)


RESUMO

O objetivo deste estudo foi descrever índices reprodutivos – taxa de prenhez (TP), cio do potro (CP), duração média da gestação (DG), idade ao primeiro parto (IPP), idade (ID), intervalo parto-primeira cobertura (IPPC) e parto concepção (IPC), intervalo entre partos (IEP), número de ciclos por concepção (NC) e de serviços por concepção (NS), porcentagem de mortalidade embrionária (ME), aborto (A), mês da concepção e do parto – em equinos da raça Morgan. Para tal, foi realizado um estudo retrospectivo dos dados de 42 éguas durante um período de 14 anos. As médias observadas foram: TP 71%; ME 6,2%; A 2,4%; DG 340,2 dias; IPP 4,5 anos; ID 7,6 anos; IPPC 19,0 dias; IPC 27,2 dias; IEP 374,0 dias; NC 1,2 e NS 3,0. A porcentagem de utilização do cio do potro foi de 76,1%. A maioria das coberturas e dos partos (78,9 e 87,1%) ocorreu nos meses de setembro e dezembro, respectivamente. O registro desses índices reprodutivos de equinos da raça Morgan criados no RS pode servir de base para trabalhos de melhoramento da raça bem como apontar áreas nas quais a pesquisa deverá investir para tornar sua exploração mais rentável.
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PALAVRAS-CHAVE: equinos; fertilidade; Morgan; reprodução.

ABSTRACT

REPRODUCTIVE EFFICIENCY IN MORGAN HORSES

The purpose of this paper was to describe the following reproductive parameters observed in mares of the Morgan breed: pregnancy rate (TP), foal rate (CP), average length of the gestation (DG), age at the first parturition (IPP), age (ID), interval from parturition to first service (IPPC) and interval from parturition to conception (IPC), foaling interval (IEP), number of cycles per conception (NC) and services per conception (NS), embryo mortality rate (ME), abortion (A), month of the conception and parturition. Data was obtained from 42 mares in 14 years. Values obtained were: TP 71%; ME 6.2%; A 2.4%; DG 340.2 days; IPP 4.5 years; ID 7.6 years; IPPC 19.0 days; IPC 27.2 days; IEP 374.0 days; NC 1.2 and NS 3.0. The frequency of utilization of the foal heat was 76.1%. The distribution of mating and parturition, in the breeding season, was concentrated in the months of September to December (78.9 and 87.1%, respectively). These data may be useful to genetic improvement of the breed as well as to indicate areas in which research must concentrate for a more profitable husbandry.
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KEYWORDS: fertility; horses; Morgan; reproduction.


INTRODUÇÃO

A raça Morgan conta com mais de 147.000 animais registrados nos EUA e em outros 20 países (American Morgan Horse Association – AMHA, 2008). Essa raça teve origem a partir do garanhão denominado Figure, que se destacou por seus atributos de velocidade, resistência e capacidade de transmitir suas características morfológicas e funcionais à sua descendência (prepotência). Através dos tempos, Figure se tornou conhecido pelo nome do seu proprietário Justin Morgan, tornando-se esse também o nome da raça. As características mais marcantes dos equinos da raça Morgan são a sua beleza, versatilidade, longevidade e aptidão para tração leve e montaria (EDWARDS, 1994; MELLIN, 1996).
A raça Morgan contribuiu para a formação de outras raças americanas, entre elas o Quarto de Milha, o Americano de Sela, o Standardbred e o Marchador do Tenesse (AMHA, 2008).
No Brasil, a raça Morgan foi introduzida em 1920, através de duas importações: uma do Ministério da Agricultura e outra particular, sendo os primeiros registros realizados em 1934, no Rio Grande do Sul (ABCCM, 2008). No caso específico da raça Morgan, não existem ainda estudos sobre a adaptabilidade no Brasil, país que detém um expressivo contingente de equinos, sendo que, atualmente, a Associação Brasileira de Criadores de Cavalo Morgan (ABCCM) conta com 501 cavalos registrados, número que vem apresentando incremento significativo em diversos estados brasileiros.
A adaptabilidade de qualquer espécie a um determinado ambiente pode ser estimada através de sua fertilidade. A ABCCM vem estimulando a divulgação da raça e sua difusão para novos criadores; entretanto, não estão disponíveis dados científicos do comportamento reprodutivo de equinos dessa raça no Brasil.
Este trabalho teve por objetivo documentar índices reprodutivos observados em um haras de equinos da raça Morgan, visando a estabelecer parâmetros reprodutivos que sirvam de alicerce para novos criadores e técnicos que venham a atuar com a raça.

MATERIAL E MÉTODOS

Foi realizado um estudo retrospectivo de 14 anos das características reprodutivas de 42 éguas da raça Morgan (com idade variando entre 2 e 20 anos) criadas em uma propriedade localizada no sul do Rio Grande do Sul – Brasil, paralelo 32ºS. Neste estudo foram considerados idade da égua (ID), início e fim do cio do potro (CP), idade ao primeiro parto (IPP), intervalo parto-primeira cobertura (IPPC), intervalo parto-concepção (IPC), duração média da gestação (DG), intervalo entre partos (IEP), número de ciclos por concepção (NC), número de serviços por concepção (NS), taxa de prenhez (TP), mês da concepção e mês do parto. A mortalidade embrionária (ME) foi determinada após um diagnóstico de gestação seguido de ausência de sinais indicativos de gestação no exame seguinte e o aborto (A) foi considerado como perda da gestação a partir de 50 dias.
As éguas foram classificadas quanto à sua origem em Puras de Origem (PO) e Puras por Absorção (PA). Entende-se por éguas Puras por Absorção aquelas com grau de sangue de, no mínimo, 31/32 (trinta e um, trinta e dois avos), filhas de garanhão PO ou PA, com registro definitivo. Os dados relativos à prenhez dessas éguas, foram submetidos à análise de variância. Todas as éguas utilizadas para reprodução foram mantidas em pastagem de campo nativo.
O diagnóstico de gestação era realizado através de ultra-sonografia transretal no 14º dia ou palpação retal a partir do 18º dia após a última cobertura, com acompanhamento da evolução da gestação aos 30, 40 e 60 dias pós-cobertura.
As éguas foram cobertas através de monta dirigida por três garanhões de fertilidade comprovada, submetidos a exames andrológicos periódicos. A estação reprodutiva compreendia o período de setembro a março.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O período médio de gestação na égua é de 340 dias (GINTHER, 1979; LOY, 1980); entretanto, existe alguma variação entre raças. JAINUDEEN & HAFEZ (1980) citam que o período de gestação na raça Morgan é de 344 dias em média, discretamente superior à encontrada neste trabalho (340,2 dias).
A IPP média de 4,5 anos é consideravelmente superior àquela tida como ideal por CARNEIRO & VAL (1978), que seria de 30 meses (2,5 anos), com o primeiro parto ocorrendo aos 41 meses (3,5 anos). Entretanto os animais do criatório estudado neste trabalho eram manejados em condições extensivas, as quais não proporcionavam um desenvolvimento corporal adequado, aliado ao fato de que as éguas não tinham sua função reprodutiva monitorada antes dos 2,5 anos.
O IPPC teve uma média de 19 dias. Esse intervalo foi relativamente alto, quando comparado aos de outros trabalhos, como os de BAIN (1957) e BADI et al. (1981) que encontraram, em éguas Puro Sangue Inglês (PSI), intervalos do parto à primeira cobertura de 9 a 10 dias. Já os índices encontrados por CUMMINGS (1942), citado por BELLING (1985) e LOWIS & HYLAND (1991), foram semelhantes aos deste estudo. Esse intervalo relativamente alto talvez se deva ao fato de que nem todas as éguas utilizadas neste estudo foram cobertas no cio do potro, pois as éguas que eram cobertas cedo na estação reprodutiva adotada pela propriedade (setembro) pariam no final do inverno (agosto). Uma cobertura nessa época levaria a uma nova parição no inverno, estação em que a disponibilidade de alimentos é menor, o que vai de encontro ao IPC médio de 27,2 dias (Tabela 1). Essa medida sugere que a maior parte das concepções ocorreu após o cio do potro.
A cobertura do cio do potro é frequentemente praticada e recomendada como um meio de reduzir o intervalo entre partos (BADI et al., 1981), como no caso do Puro Sangue Inglês (PSI), no qual o intervalo entre partos deve ser de no máximo 12 meses, devido às exigências de seu calendário hípico. Entretanto, segundo McKINNON (1988), a fertilidade tem sido de 11 a 33% menor em éguas cobertas no primeiro período ovulatório pós-parto, comparado com éguas cobertas durante os ciclos subsequentes, e a mortalidade embrionária tem sido relatada como alta para éguas cobertas no cio do potro. No presente estudo, a porcentagem de utilização do cio do potro foi de 76,1% (89/117) e não foi detectada diferença (P>0,05) quanto à gestação quando este foi utilizado. Em algumas éguas, esse procedimento não foi utilizado, porque elas pariram cedo na estação reprodutiva e a cobertura nesse primeiro cio ocasionaria o nascimento no final do inverno, quando as condições são desfavoráveis ao desenvolvimento do produto.
CASLICK (1937) afirmou que seriam necessários três ciclos para produzir uma prenhez. Neste trabalho o número de ciclos por concepção foi de 1,2 ciclos, índice também descrito por LOY (1980), que afirmou que são necessárias coberturas em até dois ciclos para que haja a concepção. No presente estudo, 91,8% das éguas gestantes conceberam no primeiro ciclo (123/147), enquanto que 8,2% (24/147) conceberam nos cios subsequentes. Isso demonstra uma excelente fertilidade da raça.
Como a ejaculação na espécie equina é intra-uterina, há uma maior predisposição à ocorrência de endometrites na égua quando certos cuidados de higiene não são observados. Devido a isso, um maior número de serviços poderia influenciar negativamente a taxa de prenhez. A média do número de serviços foi de três saltos por concepção, resultado encontrado em 43% (68/158) das éguas. O mesmo foi observado por BAIN (1957), o qual relatou que três saltos ou mais são necessários para a concepção. Já DOWSETT & PATTIE (1982), estudando a fertilidade do garanhão, encontraram uma média de quatro serviços por gestação. Das 158 éguas do presente estudo, 131 (82,9%) necessitaram de até quatro saltos por concepção.
A taxa de prenhez observada neste estudo foi de 71% (147/207), semelhante àquela registrada por SULLIVAN et al. (1975), CASLICK (1937), LOWIS & HYLAND (1991) e GIBBS & DAVISON (1992).
A análise de variância revelou uma maior taxa de prenhez (P<0,05) nas éguas PO (88,2%) em relação às PA (63,2%). Isso talvez se deva a um melhor manejo dispensado às éguas PO que eram alocadas em potreiros com maior disponibilidade alimentar.
Baixas taxas de concepção em éguas falhadas (40%), comparadas às de éguas lactantes (54%) e virgens (44%), foram citadas por SULLIVAN et al. (1975). No entanto, neste trabalho, a TP observada foi de 74,2% (n=35) para as éguas virgens, 72,2% (n=54) para as falhadas e 69,6% (n=112) para as lactantes, não havendo diferença entre essas categorias (P>0,05), o que pode ser devido ao fato de que algumas éguas se apresentavam vazias, não por problemas reprodutivos, mas, sim, por terem partos ocorrendo no final da estação reprodutiva o que impossibilitaria uma nova concepção.
A taxa de mortalidade embrionária (ME) foi de 6,2% (13/198), valor bastante inferior ao estimado em equinos, que é de 20% (GINTHER, 1979). Inferior também aos 8,53% encontrados por DUARTE et al. (2002), estudando a perda de prenhez até o 50º dia em éguas Quarto de Milha.
A égua apresenta um comportamento poliéstrico estacional, possuindo um ótimo período de fertilidade no fim da primavera e meses de verão (OSBORNE, 1966; VAN NIEKERK, 1967; HUGHES et al., 1975). Neste estudo, a distribuição das coberturas e dos partos (78,9 e 87,1%, respectivamente), concentrou-se nos meses de setembro a dezembro, como observado na Figura 1. Neste criatório, diferentemente do que ocorre em algumas raças, como, por exemplo, Puro Sangue Inglês (PSI), não existe uma preocupação tão acentuada com o calendário hípico, sendo que as coberturas ocorreram em um período mais próximo da estação reprodutiva fisiológica.
Segundo CARNEIRO & VAL (1978), o IEP ideal para a égua é de 11,4 meses (343 dias), considerando a utilização do cio do potro. O IEP médio encontrado neste trabalho foi de 383,5 dias (12,7 meses), sendo menor em relação ao intervalo médio de 563,9 dias (18,7 meses) registrados por CAMPOS (2007) em éguas das raças Brasileiro de Hipismo (BH), Hanoveriano (Han), Puro-Sangue Inglês (PSI) e Sem Raça Definida (SRD), sendo encontrado efeito significativo da raça sobre essa característica, o que poderia ser importante no caso do presente estudo.

CONCLUSÃO

O registro dos índices reprodutivos de equinos da raça Morgan criados em uma propriedade no estado do Rio Grande do Sul não difere do que havia sido documentado na bibliografia, porém apresenta discretas variações que podem ser úteis no acompanhamento técnico de criadores da raça. Esses dados também podem servir de base para trabalhos de melhoramento da raça bem como apontar áreas nas quais poderá haver investimentos de pesquisa, a fim de tornar sua exploração mais rentável.

REFERÊNCIAS

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Protocolado em: 11 set. 2008.   Aceito em: 09 fev. 2011.